segunda-feira, 28 de maio de 2012

ENTRE SEM BATER

Quando chegou ao cartório eleitoral, Rodrigo fez vista-grossa para a centopeia humana que se acotovelava do lado de fora. Leu a placa de ENTRE SEM BATER e assim o fez. Entrou e não bateu em ninguém. Muito menos na porta.
Se Rodrigo não bateu, quase apanhou. Enfezado, um homem que ocupava o quarto lugar na fila de mais de cem esbravejou. Não vendo resultado, porque o Rodrigo nem ouviu - já estava lá dentro -, o sujeito pediu que uma senhora imediatamente atrás vigiasse o seu lugar. Feito isto, saiu em busca de ajuda: Foi ao forum, logo em frente ao cartório, queixar-se ao policial que organizava a fila mas dera uma saída para papear com um colega.
Em um minuto voltaram ambos: O popular enfezado e o policial decidido a resolver a celeuma.
     - Cadê o furão de fila?
     - Tá lá dentro, seu guarda! Ué, eu não falei que ele entrou?
     O policial olha em volta... olhos nos olhos de cada pessoa. Põe a mão no cacetete - no cacetete mesmo - e adentra o cartório. Com o ego massageado pelas expressões e palavras de admiração dos demais, o reclamante se aquieta não sem antes um "comigo é assim". No fundo, fica tão orgulhoso de seu ato, que nem percebe o quanto a providência do policial é demorada.
Pelo menos meia hora mais tarde saem juntos pela mesma porta o Rodrigo, já (in)devidamente atendido e o policial. Este outro, meio sem graça e com um mini-discurso tardio que aposta na singularidade do caso:
     - Sabe o que é, pessoal? O rapaz recebeu uma carta convocatória para trabalhar nas eleições. Ninguém mais veio aqui pra isso, veio?
     Era exatamente o caso do reclamante, mas dessa vez, ele nem teve tempo de protestar. Já iam longe Rodrigo e policial, abraçados, celebrando o reencontro de dois grandes amigos que ficaram muitos anos sem saber um do outro.
No cartório eleitoral, a coisa ficou quente. Na verdade, nem tanto. Foi apenas falatório. Todos esperaram sua vez e continuaram atendendo a solicitação da placa de ENTRE SEM BATER... 
     ...Um deles, a quarta peça da fila, bem a contragosto. Seu desejo era de entrar batendo... em tudo e todos.

ESCREVIDÃO


Escrevo em excesso;
cumpulsivamente.
No entanto espero 
ansioso, e
sinceramente,
que nenhum contravate,
um abolicionista
de plantão
venha me livrar
das correntes
desta escrevidão.

UMA NOVA POESIA


Que meu verso raivoso conclua de vez;
é a vez da razão, do protesto sensato
e da voz cautelosa que desarma os tronos,
tira o sono daqueles que têm o poder...
Estas mãos escreventes encontrem critério
e desenhem projetos com todas as letras,
furem esse mistério do mal que triunfa
sobre o bem, a justiça ou a força da lei...
Meus poemas conquistem a sã consciência
de quem sonha que o mundo pode ser melhor,
mas espera o milagre, a magia de alguém...
A garganta não grite, os punhos não se fechem,
mas meu verso elucide, leve à liberdade
que somente a verdade nos concederá...

IMORALISTA

Aquilo de que não gosto não tem que ser o que não presta. Pode ser apenas aquilo de que não gosto.

"PREGUIÇOSO"

Trabalho porque tenho preguiça de esperar dinheiro cair do céu.

RESPEITO QUE SALVA


O ateísmo, por si só, não deixa de ser uma religião. É a fé dos que não têm fé em Deus e defendem essa convicção como se dela dependesse a preservação de suas vidas. Ateu é fanático; segue e tem seguidores, e como ninguém nasceu assim, todo ateu é um convertido. Compõe a igreja dos que pregam a salvação da mente a partir da não salvação da alma.
Penso que a liberdade real do ser humano paire no simples crer ou não crer sem qualquer conflito, agonia ou preocupação. Sem qualquer pretensão de convencer o próximo a aceitar uma verdade sem rosto; enigmática; impregnada por dogmas ou dispositivos de fuga desses dogmas. Redundantemente, a liberdade mora no ser de fato liberdade. Não compõe a escravidão dos que se pregam na cruz de qualquer extremo, em seu nome.
Que a fé do ser humano em si próprio refletida no outro possa promover a paz neste mundo, haja ou não outros mundos, planos ou vidas... E as nossas verdades pessoais e intransferíveis não interfiram no amor e no respeito - especialmente no respeito - que nos devemos.

GRANDES INCOERÊNCIAS DA HUMANIDADE


Que o ser humano é cheio de incoerências ninguém pode negar. Não há como enumerá-las numa lista pretensiosa como esta. Mas me permiti eleger, sem exigir que alguém concorde, as maiores incoerências que o ser humano comete no cotidiano. Quer conhecê-las? Então vamos lá.

01 - Pregar amor à natureza e dar flores à mulher amada.
02 - Comprar carro sem ter ainda casa própria.
03 - Tomar banho cedo, quando está de saída para a praia.
04 - Jogar fora pão dormido e comprar torrada e farinha de rosca.
05 - Ganhar Mil Reais mensais e gastar Dois Mil.
06 - Trepar com camisinha, mas fazer sexo oral sem a dita cuja.
07 - Dizer que adora animais e criá-los em cativeiro.
08 - Ficar grávida para depois abortar.
09 - Gerar filhos para maltratá-los.
10 - Saciar a fome e mesmo assim continuar comendo.
11 - Passar fome na infância, por pobreza, depois vencer na vida e voltar a passar fome, por ser modelo.
12 - Ensinar uma coisa ao filho e fazer o oposto do que ensinou.
13 - Ter cada vez mais dinheiro e pregar que dinheiro não traz felicidade.
14 - Dizer-se ateu, porém, combater o Deus no qual diz não crer.
15 - Viver neste mundo e acreditar em político honesto.
16 - Ser humilde só porque "os humildes serão exaltados".
17 - Matar a pessoa amada, sem a qual diz que não vive, e continuar a viver.
18 - Ser honesto sem trabalhar, e mesmo assim, conseguir sobreviver.
19 - Tomar refrigerante diet e comer carne ou derivados de porco.
20 - Cursar medicina para ser exclusivamente professor.

TEMPEROS VITAIS


Guardo muitas barras de vida no sótão de meus sonhos. Faço isto, para tê-los no instante que mais aprouver. Tenho dons e vivências como fundo crescente que poderá ser meu trunfo... Ser minha frente propícia na hora do embate.
Minha vida se faz desta soma de vidas. Meu caminho acumula poeiras bem férteis, porque sei adubar o chão de minha caminhada. Trago no fundo, a força do anseio que a esperança ovula e me faz renascer dos momentos finais... Ou dos momentos que parecem finais e depois surpreendem meus desânimos.
É por todos esses motivos que a velha morte já não me faz qualquer assombro. Por essa bagagem de vivências, levo sobre meus ombros todo o peso do mundo, sem arcar o espírito. Com toda a serenidade possível carrego no peito este aceno devidamente armado, para quando for caso de outro plano me chamar.
Seja em que tempo for – a partir de agora –, terei tido as quimeras, também as verdades que se podem colher nas estações do mundo. Terei tido, enfim, todos os sabores de quem sabe curtir seus temperos vitais... Terei vivido.

ENXERTO


Choras dentro do riso que traveste a boca;
sofres dessa mentira do não sofrimento;
lá no fundo estás cheia do quanto estás oca
sem a minha resposta pro teu sentimento...


Mereceste meu voo, meu esquecimento,
pois negavas essência, sonegaste o quanto
fui aceso em tu´alma, sob o teu cimento
de arrogância impossível para meu quebranto...


Só depois de acordares pra minha partida
percebeste o pedaço de sonho e de vida
que ruiu nos teus dias e requer conserto...


Finalmente percebes a falta que faço,
cada nova paixão é tumor ou inchaço,
todo laço recente uma falha no enxerto...

DESONRA TERMINAL

Suicídio é quebra de contrato com o destino. É a desonra terminal de um caloteiro que não quis pagar o preço de viver.

VIVER

Errando ou não, é vivendo que se aprende... portanto, não ache errado acertar nem se orgulhe de cometer erros.

SOCIEDADE ANTROPOFÁGICA


Chega o ponto em que o dito homem bem sucedido já não tem amigos nem companheiros. Tem apenas admiradores, pares e serviçais. Às vezes, superiores hierárquicos. Da mesma forma, deixa de ter esposa e filhos para só ter dependentes. A casa, em especial, vira um dormitório nos dias úteis e um gabinete nas horas que sobejam dos fins de semana.
Se o tempo não para, o homem bem sucedido aposta com ele uma corrida louca, na qual perde... não do tempo, exatamente, mas o próprio tempo... tempo de ser indivíduo, pessoa, ele mesmo. No fim das contas, torna-se um produto variável de acordo com as exigências, necessidades e caprichos da clientela cada vez maior.
É aí que tal homem se pergunta lá no íntimo de suas inquietações preservadamente humanas, onde o sucesso profissional não cabe, até que ponto é de fato bem sucedido. É nessa mesma lacuna que também se evidencia o motivo de tantos surtos psicóticos e suicídios de grandes personalidades das mais diferentes áreas de atuação. 
Acho que até a corrupção se define ou explica no momento em que o acúmulo de poder e dinheiro, com as suas vantagens, substitui os valores reais do ser humano. Vejo pouca diferença entre as máquinas sociais e os monstros do mundo moderno, porque ambos os grupos – cada um a seu modo e com suas justificativas – são devoradores do outro.
Isto não é uma apologia ao não trabalho (ou ao não progresso), mas um convite à reflexão sobre limites. Sobre o sentido de nossa vida que suplica um pouco de tudo o que a faz valer a pena: Trabalho, educação, cultura, entretenimento, afetos comuns e família... principalmente família. Nada vale a pena, se a família sucumbe. 

MAL AMADA

Na minha cidade, os políticos sempre dizem que a educação é a base... De fato; a educação é a base, a saúde o batom, a segurança a sombra (e assombra mesmo), e assim por diante. Em suma, minha cidade é toda maquiada; se não fosse assim, até os mais simples veriam quanto é sofrida e mal amada por seus eleitos e eleitores.

O TRABALHO IDENTIFICA E DIGNIFICA O HOMEM


Não se há de confiar num homem que não trabalha, mesmo que não precise. Sobretudo, se esse homem tem cônjuge. Parasitas não têm valores essenciais ao ser humano, a exemplo da vergonha. Se ele vive, o que possui não é seu, ainda que pareça; é sugado de alguma forma por chantagem, golpe, acuação ou furto.
Cabeças de parasitas têm amplos espaços inúteis, onde os bons pensamentos não cabem. Por isso, a rotina de planos maliciosos, espertezas e crimes em diferentes escalas. Um exemplo disto é o pedófilo. Sabe-se que a pedofilia é um crime silencioso que surge do excesso de tempo à disposição de certos homens. Especialmente aqueles homens que ficam em casa enquanto suas esposas ou companheiras ingênuas, desavisadas ou sonsas seguem para o trabalho como se aquilo fosse normal.
E ninguém se iluda com os biscateiros cujos biscates não são compromissos diários. O trabalhador, na sua real concepção, não é quem faz vez e outra, virações que os socorrem naquelas emergências de quando seus golpes não vão bem ou de quando seus sustentadores dão aquela breve acordada. Trabalhador, de fato, é quem tem um compromisso com o trabalho, seja ele braçal, intelectual ou artístico. Tenha ele um horário leve ou extenuante. É o compromisso que põe a mente ocupada com os dias seguintes e com os projetos e obrigações a desenvolver, de forma que o homem não tenha todo o tempo do mundo para se entregar às sugestões eficientes do ócio. 
Alguém dirá que depende mesmo é do caráter do homem, mas um homem que não ama o trabalho já não tem bom caráter. E se aquela pessoa com quem ele divide a casa não faz nada para impulsioná-lo, em muitos casos até obrigá-lo a procurar – e achar – o que fazer, com “carteira assinada” ou não, ela certamente se arrependerá. Cedo ou tarde se arrependerá. E será sempre tardio seu arrependimento.
Pra dizer a verdade, a mulher que vive ao lado de um homem preguiçoso, portanto, mau caráter, já não tem um caráter a toda prova, ainda que seja trabalhadora. Pode ser  uma boa, mas pobre alma. Pode até mesmo ter bom caráter, mas é um caráter sofrível, que a fará sofrer por toda a vida, tendo ao lado um homem do qual depende para fins de sexo, mas não o admira, pois ele não é de fato admirável.
São essas mulheres, não respeitadas por seus maridos ou companheiros, as que mais sofrem com agressões físicas e morais. Nada fazem, porque no fundo acreditam que não devem. Afinal, trata-se de uma realidade que nasce da perda inquestionável do respeito próprio e da autoestima. Mais do que isso, da certeza de que elas são cúmplices ou mantenedoras do mau caratismo de seus homens.

FANTASMAS DO ASFALTO

A diferença entre carros e motos em auto-estrada está no fato de que os carros têm origem, também destino. Surgem sempre de algum lugar e aqueles que os dirigem sabem para onde vão. Já as motos, não. Não existe um ponto de onde saem. Elas são aparições repentinas em qualquer estrada. Motos, pra dizer a verdade, são fantasmas. Surgem do nada, em alta velocidade, vão para o nada, e dispostas a tudo. Inclusive a nos transportar também para o nada, na companhia de seus pilotos que parecem não ter nada a perder...

METRÓPOLE


As pessoas são vultos que resvalam
pelas ruas tomadas por motores;
por silêncios cravados de ruídos
que não calam conflitos, dores, medos...
Levo as minhas angústias e sigilos
no vazio que vem aqui no fundo,
pois o mundo não pode se ocupar
desta soma dos males que o entulham...
Solidão povoada que se agita,
multidão isolada na fervura
que não grita os distúrbios concentrados...
Sofrimentos que vão pros escritórios;
pros andaimes; pras filas dos empregos;
pros espinhos e pregos de viver...

CULTURA IMPROVISADA

Onde não há espaços culturais nem para entretenimento sadio, proliferam "batidões" idiotas que saem dos capus de carros encostados nas praças, ou estranhos templos religiosos que, no fundo, funcionam mais como clubes ou cristotecas que "dão uma força" pra ignorância popular e enriquecem líderes de festim.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

ASSOMBRO EM MEU QUINTAL


Dizem que o quintal onde moro, na localidade de Parque das Flores, quarto distrito de Magé mora o espírito de uma velhinha indígena que viveu há pelo menos 400 anos. Ela não morava no quintal. Aliás, nem era um quintal naquele tempo, e sim, mata fechada. Segundo a crendice, a velhinha saía todos os dias, de sua tribo, que era bem próxima do local, na tentativa de fazer contato com o espírito de um índio a quem amara em sua juventude. O índio teria sido atacado por uma cobra peçonhenta e não resistiu, tendo perecido ali mesmo, onde montava tocaia para caçar.
No entanto, dizem que o índio não correspondia a tal amor; pelo contrário, sempre fugira da moça, pois nutria verdadeira paixão por outra índia, na verdade nem tão bela, que também não o amava. Um desencontro amoroso desses que a vida não cansa de repetir e certamente já ocorreu a todos nós. O índio não se cansava de assediar sua amada, como aquela que o amava também não desistia de conquistá-lo. A esperança da índia apaixonada, de viver uma grande história com o jovem índio só teve fim quando ele se foi. Seu sonho foi interrompido pela peçonha de uma cobra.
Mesmo assim, se a esperança do amor concreto estava morta, a moça não desistiu de se unir ao espírito de quem amava. Por isso, todos os dias visitava o local, crendo que podia ser levada por tal espírito que jamais apareceu. Passou o tempo, a moça envelheceu e não realizou a fantasia, vindo a falecer no ponto exato que seria o do encontro não ocorrido. Muitos antigos me contaram que o espírito da velha passou a morar ali, e que ela ainda pode ser vista por olhos mais sensitivos, altas horas da noite, vagando entre as árvores que medram no quintal que amo e não deixarei de habitar.

SOBRE O ISTO E AQUILO DA SOLIDARIEDADE


Vivemos em um país inacreditável. Aqui, onde muito se lê filantropia, tenha cuidado: São enormes as chances de se ter que ler pilantropia. E quando alguma campanha espalhafatosa e massificada se diz em prol de crianças carentes, procure discernir bem os discursos das práticas: É quase certo que os alvos não sejam crianças nem carentes, mas, adultos parentes.
Ajude o próximo, sim, porém, ao pé-da-letra. Próximo é sinônimo de perto. Perto de sua casa e da casa de qualquer pessoa deste país há inúmeras famílias carentes que você pode adotar, não exatamente pondo-as em sua casa, mas ajudando como puder. Jamais terceirize, como é moda corrente, o seu auxílio em espécie. Não deposite quantias em contas de fundações, empresas multimídia, celebridades e outras instituições alardeadas na imprensa. Dificilmente sua contribuição chegará inteira em seus distantes necessitados. Maior parte ficará pelo caminho, em contas pessoais e nos pagamentos vultosos de serviços utilizados para elaboração e execução dos projetos ditos beneficentes.
Prefira crer e ajudar - e mesmo assim fiscalize a intenção da iniciativa, o destino e a consistência de sua ajuda -, quando pessoas simples, ao seu alcance, ou associações de sua comunidade realizarem campanhas emergenciais de arrecadação de alimentos, remédios, agasalhos e utilitários. Verifique se não há nenhuma conotação eleitoral, e se houver, não participe. Será pior para todos, especialmente para os necessitados, o sucesso de uma campanha que os torne reféns.
Ninguém fale que não falei das flores. Apenas fui realista sobre o perigo de algumas. E sabedor de que a verdade liberta, enveredei-me por ela mesmo sendo o caminho mais difícil, na tentativa de ajudar a libertá-lo, como fiz a mim próprio, para que você faça o mesmo pelo próximo... ao menos pelo próximo desavisado que atravessar seu caminho, especialmente nesses dias de muito festim, que antecedem mais uma eleição política.

OLHAR DE SENTIR


Minha vista primeira nem deu conta,
quando a tua beleza sem desenho
permeou meu engenho de critérios
seculares; banais; decorativos...
Se meu olho de olhar não se rendeu,
meu olhar de sentir viu bem mais fundo,
foi além do que o mundo formaliza
e te quis com querer transcendental...
Tua essência interveio, impôs valores
tão acima das cores e das formas
que os conceitos precoces cristalizam...
Um encanto repleto de sentido;
sentimento crescente, compassado,
convertido entre sombras e silêncios...

NO MUNDO DOS VIVOS


Cheguei à fase em que só quero comigo gente que saiba sofrer sem sofrer. Quero espécimes que não morram nos tempos de sonhar... E que além disto, não tenham vício de chegar somente nos pontos de arremate, assim que o resto já foi feito.
Não quero, enfim, aquela espécie de gente que dorme na hora de viver, porque hoje, busco a certeza de conviver com pessoas... jamais com sombras, vultos, muito menos fantasmas ou zumbis... Aqueles que já cumpriram seus dias de nem se sabe o quê.
Posso resumir meu querer ao desejo de me sentir no mundo... e o mundo, meus caros, é um lugar de gente viva... Não de quem esqueceu de se decompor, pois na verdade vive morto.

SINA PATERNA


Dia dos pais
é constatar
que no velho conceito
da escolinha,
o filho querido
e pequenino,
"do tamanho de um botão",
ainda leva
"papai no bolso
e mamãe
no coração".

A SENSATEZ DO AMOR

Só a paixão é arrebatadora. O amor, ao contrário, é o que nos resgata e recompõe, quando a razão educa o sentimento.

DORES REAIS


Seu Lenildo amputou a canela ferida;
consuelo está prestes a perder um seio;
Paulo e Míriam perderam a filha querida,
porque Marcos corria na moto sem freio....


Há crianças no crime, se lhes falta esteio;
tantas outras trocaram estudos por lidas,
pois nenhum governante ou comparsa interveio
com projetos reais em favor dessas vidas...


Mas ainda choramos por mocinhas belas,
por mocinhos galantes que sofrem por elas
nos romances noturnos de algum folhetim...


Até mesmo essas dores de paixões reais
que nos causam distúrbios existenciais,
são agruras de luxo, emoções de festim...

quinta-feira, 17 de maio de 2012

PRETÉRITO PRETERIDO


O tal de pretérito mais que perfeito pertence à mesma disciplina que me condena quando pergunto à nova mãe se “o menino é menino ou menina”. É como se a própria regra pudesse dizer “subir para cima” e “descer para baixo” sem conferir o direito básico a um simples “muito lindo”, um leve “correr depressa” ou até a sutileza de certo “amar muito”, como se amar já não fosse o máximo.
Só mesmo “vivendo a vida”, e não a morte ou a inexistência, é que podemos “ver com os próprios olhos” a “mera simplicidade” dessas questões da língua, se o que mais importa é comunicar. E quando a comunicação é enfática, na base do “dizer com todas as letras”, em muitos casos é ainda melhor. Leva o outro a “pensar com todo o raciocínio” e facilita o entendimento.
“Amo de amor verdadeiro” a gramática, mesmo assassinada – e sempre renascida – pelas nossas conjugações. Aliás, é essa constante reciclagem que a enriquece mais e mais, embora com tanta rejeição inicial quando ocorre. Depois vira regra ou coloquialismo tolerado, quiçá licença poética. Cai na “rotina do dia-a-dia”, como já decretou o rei da música brasileira – não da gramática - numa de suas baladas. São essas inserções que, depois dos assassinatos e renascenças, não deixam que a língua morra “de morte morrida”.
Embora tente conhecer a fundo e seguir as regras formais do meu idioma, jamais me penitencio pelos erros cometidos. “Encaro a vida de frente”, “ando com os pés no chão” e sei que todo o mundo erra. Na “verdade verdadeira”, o ser humano é imperfeito; sendo assim, comete lá suas falhas, mesmo com o “mais completo cuidado”.
Nem vou “seguir em frente” com esta conversa. Só queria defender a tese de que podemos viver sem tanto arrojo. No fim das contas, tenho “minha certeza absoluta” de que pleonasmo não é o “cúmulo do absurdo”.

CARTA AOS MEUS IRMÃOS


Neste momento em que a saudade sussurra, trazendo à mente a miragem de nossa mãe, já sei sofrer com suavidade. Acho que todos alcançamos a mesma graça. Da mesma forma, espero que tenhamos entendido a extensão da riqueza de nossas vidas, graças ao quanto ela deixou em vivências, ensinamentos e verdades. Graças, sobretudo, ao quanto nos amou com entrega total de seu tempo;sua essência. Cada membro ativo de seu corpo dedicado aos passos, compassos, desvelos, atenções e sobressaltos, unicamente por nós. Nossa mãe não viveu senão pra isso. Nem se permitiu o luxo do que chamam vida pessoal, porque seus filhos foram tudo: O ar, e ao mesmo tempo os pulmões. O seu sonho e realidade. Ela veio ao mundo com o talento único e intransferível de ser nossa mãe. Fez isso como aquele gênio das artes, que se autoflagela e mutila quando acredita ser necessário, em razão da obra-prima.
Mas a nossa vingança contra a morte que a levou está exatamente no fato de termos tido essa mãe. Ninguém há de roubar dos nossos íntimos tamanha felicidade, porque ela mora nos cofres de nossos seres. Cofres invioláveis, profundos e cujas chaves foram dissolvidas no abismo. Entre os mais de sete bilhões de habitantes deste planeta, somente nós a tivemos. Tantos e tantos já sonharam, sonham, continuarão sonhando com mães iguais a nossa, mas acertamos em cheio nessa bênção. Pode ser até que milhares tenham merecido mais do que nós, mas a nossa mãe foi nossa. E tenham certeza de que ela nos amou sem cobrança e reserva. Foi cega para os nossos defeitos e não amaria, em nenhuma circunstância, quaisquer outros filhos, ainda que perfeitos, com o mesmo amor que nos dedicou por toda a vida.
Agora que o despeito cósmico a tirou de nós, o que temos a fazer é imitá-la, e com isso, fazê-la feliz onde estiver. Vamos também nos amar. Não com amor qualquer, mas extremado, presente, pronto e ágil. Um amor vigilante, com voz, mãos e pés. E amemos também os nossos filhos, sem tirar um grama do peso e da medida infinita com que fomos amados. Ela jamais nos cobrou nada, mas se fizermos assim, com certeza terá orgulho de nós e de si própria... Bendirá pela eternidade, a criação que nos deu, como terá por bem aventurada sua missão na terra, vendo-nos contagiados por esse dom maior: De amar aos nossos rebentos mais do que a nós próprios.

NOVOS PÉS


Esfriei o teu canto nas minhas entranhas,
Pois perdeste o sentido no meu sentimento,
Foi um vento sutil que me arejou pra vida
E limpou este pátio para um novo ciclo...
Não insista que pense numa reciclagem,
Relação como a nossa nem é sustentável,
Desmatamos demais nosso fundo ambiente;
Fomos algo intragável para qualquer tempo...
Resolvi declarar esta vaga em aberto,
Sem cair nas lacunas que já me fecharam;
Vou a busca do incerto; não quero remakes...
Joguei fora o café que não vou requentar,
Quero ter sob o mapa ou a planta do pé,
A leveza insondável de novas poeiras...

REFLORESCER


A saudade que sinto já se tornou boa;
meu olhar de quem voa te busca no tempo;
sei pousar no teu rosto e sentir o calor
da presença que mora nas recordações...
Amansei o meu pranto, e nessa calmaria
redescubro a magia de sonhar contigo;
recupero a certeza de que ainda estás
no silêncio e na paz das noites bem dormidas...
Abençoa meu sono, restitui teu colo,
por favor canta um hino pro teu filho ateu,
tua voz me acalenta e tua fé me basta...
Já venci esse breu da solidão profunda
que deixaste no marco da tua partida;
tua vida voltou a florescer na minha... 

CORES NOS OLHOS DE MIRAR O MUNDO


Mais do que nunca, neste momento quero luz. Luz atuante, fluindo em meu ser. Aliás, quero mesmo ser, pois venho me sentindo abstrato, ou tenho apenas estado... nada mais do que estado. Já não dá pra seguir essa nuvem densa que sempre me precedeu nas trevas desta estrada sem nenhuma visão de fim.
Finalmente resolvi mergulhar na esperança ostensiva que me provoca. Ela se mostra, insinua, me chama prá vida. Baila despudorada em frente aos meus olhos, feito moça nua que propaga prazeres, via tevê, fazendo as mais fogosas promessas. 
Chega, enfim, desta masmorra que arrasto em minh´alma. De repente me acode o profundo endereço da autoestima. Deste apreço, este brio sempre contido, intimidado e medindo passos. Quero pôr cores nos meus olhos de mirar o mundo, para ver se mudo a visão dos fatos e do tempo a ser vivido.
Doravante, farei versos luzentes. Deixarei de compor os velhos e intermitentes epitáfios que saem de minhas veias. A partir de agora sorrio, pois acharei os motivos que se ocultam. Não quero mais ranger meus dentes... não é pra isso que os tenho.

A COPA E A PREGUIÇA NACIONAL


É muito frustrante aos meus olhos, ver que a preguiça de um povo está presente até mesmo no evento esportivo mais esperado pelo mundo inteiro. Especialmente pelo Brasil, que detém o maior número de títulos nesse esporte, que é o futebol. Uma preguiça que se mostra no desejo de que a seleção brasileira não enfrente em nenhuma etapa, especialmente na final, os adversários mais fortes. Há imensa torcida para que seleções como a da Itália, da Alemanha, da Inglaterra, sobretudo Argentina saiam da disputa, imediatamente, para que as coisas fiquem bem mais fáceis ou prováveis para “nós”.
Isso me faz lembrar aqueles vagabundos bem conhecidos, que sonham com dinheiro fácil, sem trabalho árduo. Muitas vezes sem trabalho algum. Aquelas pessoas cuja única esperança de um futuro melhor está nas apostas em jogos lotéricos ou na malandragem de lesar o próximo; nas virações desonestas de qualquer natureza, para viver bem. Quase tudo, menos trabalhar honestamente e merecer o que tem ou terá. Para ter consciência de que sua casa, seu carro ou bicicleta, seus bens, enfim, são frutos de seu talento, sua dedicação, seu esforço pessoal sem pular etapas necessárias à conquista.
Bater no mais fraco. Ter troféu e medalhas de honra ao mérito, ainda que sem mérito. Queremos vencer, mesmo sem convencer. Chutar o cão moribundo, espezinhar quem já está caído. Combater, fortemente armados, aquele exército combalido e sem armas, que alguma sorte fez sobreviver até então. É assim que desejamos ser campeões. Ser enaltecidos como heróis, desfilar sobre carros de bombeiros, ter enaltecida a nossa força. É bastante cômodo ser um herói, quando se pode terceirizar a vitória sobre o vilão ou simplesmente quando não há vilão, e sim, meliante comum a ser vencido.
O que não estamos observando é que, se um desses times considerados menores vencer os outros gigantes do futebol e vier a disputar com a seleção brasileira o jogo final, teremos à frente um novo gigante. Um grande time. Um adversário capaz que superou com esforço, espírito de luta e resistência os tais favoritos. Significa, então, que os nossos jogadores terão que trabalhar. Terão que ser fortes e capazes, para vencer. Teremos que assistir a um grande jogo, desses que desafiam a preguiça e a covardia de qualquer torcedor e não permite previsão segura. Nenhuma profecia inteiramente confiável.
Sinto muito por informar, mas nada é fácil como queremos, se de fato queremos o que é honesto, convincente e verdadeiro. Nenhuma conquista genuína é alcançada na sombra ou no jeitinho consagrado como brasileiro. Precisamos mesmo trabalhar, quer seja no futebol, nas artes, nas ciências, na construção civil, na lavoura ou atividades ambulantes. Sonhar com facilidades ou expedientes transversais que burlam caminhos próprios da conquista genuína só é adequado aos que fogem da luta. 
Buscar vencer uma competição contando com a derrota precoce dos maiores adversários é demonstrar um caráter semelhante ao de quem vive à custa dos outros. Espera sempre que alguém faça o trabalho mais difícil, para participar apenas do arremate ou finalização e receber o prêmio, como se tivesse mérito semelhante. Desejamos uma seleção premiada com mais um título, mas nem queremos saber se ela terá ou não merecido. Cultuamos nossos heróis, ainda que postiços; preguiçosos; ilegítimos. Igualzinho na política torta, distorcida e leviana que aprendemos a admirar, se nos favorece.

TEU CIRCO


Choras mais do que sofres, é vício de pranto,
rezas mais do que exige o quebranto em questão,
vais além dos demônios da tua mania
de fugir das magias e perseguições...
Morres tanto, e de tudo, que já me cansei
dos "velórios velados" que sempre me cobras;
tuas cobras perderam traquejo e veneno
para minha certeza das horas de bote...
Hoje sou vacinado contra os teus efeitos,
teus trejeitos, lamentos, rangidos constantes,
dores antes das causas que nunca terás... 
Fica em paz com teu boldo e tua dipirona,
cuida bem dessa lona do circo de horrores
que precisas manter sobre a tua cabeça...

NASCENTE


(Para Rodrigo Lobo)


Amigo é água de poço
em terreno seco e alto:
Está sempre lá no fundo,
quase fica d´outro lado
do próprio mundo...
Obrigado por brotar
nesta longa escavação,
quando prestes ao cansaço
quase volto, ou de repente
caio no Japão.

PROSA DA DESPEDIDA


Doravante seremos duas saudades pairando naquela varanda que ficará vazia de nossos corpos. Assombrações de paixão, sombras de lembranças eternas da felicidade inexplicável que tivemos em noites altas, tomados de prazer e loucura. Fazendo amor como nunca imagináramos até então.
Despeço-me agora. Não por esvaziamento afetivo, pois o sentimento está pleno. É o mesmo de sempre. Sim, por ser obrigado a partir numa hora em que a faria sofrer, se ficasse. Tenho que libertá-la de uma relação sem futuro, sem perspectiva, como tenho que fazê-lo a mim próprio, em nome da sanidade que sinto perder, quando sei que não posso tocá-la de fato. Não posso mais amar como quem tem fé; como quem vive do "firme fundamento do que não se pode ver nem tocar"... apenas crer e cultuar.
Ademais, estou mesmo fazendo as malas. Partindo para longe. Aonde possa cuidar melhor de minha vida com os meus rebentos... ou de minha vida em razão deles. Realmente não posso me dar ao luxo de pensar no que chamam de vida pessoal... Isso tem de bastar; é a minha vida pessoal; foi o que aprendi com quem fez o mesmo por mim, tendo nisto a sua felicidade.
Sei que vai entender. Conheço-a bem para saber que sim. Vai entender, aceitar e ser feliz, porque merece. E bem sei que a vida sempre acaba reconhecendo os méritos de quem os tem, para coroá-lo. Chegará um novo amor para reflorir sua vida, e no fim das contas, ainda caberá no seu peito aquela saudade boa, cheia de lembranças gratas dos momentos que tivemos. Isso, nada e ninguém roubará de nossos cofres emocionais.
Quanto ao mais, perdoe ainda este aceno brusco, inesperado, indireto e transversal. Não tenho forças para fazê-lo como seria o certo. Vou arcado e pesaroso, na esperança de logo me recompor e viver bem o que me proponho. Minha causa é relevante; meu motivo é compreensível para essa pessoa especial que você é. Isso me conforta e me dá impulso.
Você foi minha glória. A glória do amor que rompe a distância e sabe encher uma vida de alegria, certezas afetivas e autoestima. Você ama com verdade; sabe fazer alguém se sentir amado. Sorte a de quem puder desfrutar, no futuro, desse amor do qual tenho que abdicar, neste momento inevitável. 

EDUCAÇÃO UMBILICAL


Quem diz aleatoriamente que a educação vem do berço, ainda peca por escassês de figura ou especificação. Na verdade, a educação vem do ventre. Quando ainda está em formação, o feto já absorve a natureza psíquica e emocional da mãe, entre outras características. Do mesmo modo absorve a variação dos estados maternos por situações do dia a dia, quer seja em casa, no possível emprego ou nas relações de parentesco e amizade. É esse o berço. Muito mais profundo e retroativo. Se já existe cérebro, existem absorção e aprendizado, mesmo inconscientemente.
Se a mãe, em primeira instância, é mau caráter, são boas as chances de o feto herdar a tendência ao mau caratismo. As chances aumentam, se o pai tem a mesma veia e se o ambiente no qual essa criança é gestada tem como frequentadores indivíduos de natureza duvidosa.
É claro que o mundo está cheio de pessoas sensíveis, honestas e de bom caráter, que nasceram de mulheres más, vingativas e desonestas; foram criadas por famílias desajustadas e conviveram com grupos perniciosos. Isso é fato que não questiono, mas essas pessoas sofreram muito para serem quem são. Venceram com muito esforço as más tendências e certamente carregam imensa carga de bloqueios. São felizes, mas têm laivos de infelicidade. Não têm orgulho de suas raízes e gostariam de ter tido outras famílias. Terão, sim, anos depois, quando elas mesmas as formarem, casando e tendo seus filhos. Filhos que terão os pais que seus pais não puderam ter.
Essa verdade nos leva a uma grande preocupação com os jovens, tanto faz de quais ventres e ambientes vieram, quando o assunto é casar e ter filhos. É necessário e urgente a cada jovem fazer uma profunda autoavaliação, para medir a própria condição psíquica, emocional e até moral. Depois disso, ter certeza de que a pessoa escolhida para ser pai ou mãe de seus filhos tem também as condições necessárias; a estrutura humana fundamental para essa parceria. Não basta estar apaixonado. Nem mesmo amar de verdade... e além dessa autoavaliação, é importante o casal não ter dúvidas de que poderá criar seus rebentos, provendo-lhes do essencial no que tange alimentação, vestuário, moradia, cuidados médicos, educação formal.
Em suma, o futuro cidadão completamente feliz é aquele com quem os pais se preocupam a partir do planejamento e cuidam desde o ventre, não apenas por pré-natal: Procuram ser exemplos de cordialidade, atenção, temperamento cordato ou pacífico tanto entre si quanto nas relações porta afora. Nossos filhos serão felizes se forem queridos e admirados por nós, nossos parentes, amigos e vizinhos. Serão, de imediato, nas relações interpessoais, o que nós somos. Não o que mandamos que sejam.
Será muito triste, para qualquer pai ou mãe, saber que seu filho já formado, pessoa "do bem", cidadão honrado, não puxou aos seus. Pelo contrário, se autoeducou graças ao auxílio de boas influências externas. Aprendeu sozinho e a duras penas, a escolher bons caminhos e boas companhias, em grande parte contando com a sorte. 
Seja como for, mais triste mesmo é quando nossos filhos, negligenciados por nós, não têm essa força natural para superar os motivos de revolta e degeneração. Nem a vocação para fazer boas escolhas, ou a tal da sorte... sendo assim, não deixemos que eles dependam disso. 

AQUÉM DA ESTAMPA


Tente recompor pelo menos um pouco do respeito que havia nos meus olhos, estando em frente aos seus. Pode ser que dê certo. Fique leve o bastante para caber no meu peito. Confesso do âmago de meu ser, que desejo acreditar de novo na pessoa que talvez reste nesse tacho. Nesse cacho de bom senso, consciência e sonhos plausíveis que lhe cabem. São próprios do ser humano, por mais que ele fuja de cultivá-los quando não vê a chance dos velhos e batidos resultados imediatos que o egoísmo sempre renova.
Gostaria de achá-la nesses desempenhos que você faz para forjar tudo isso que a fachada estampa numa tentativa contínua de ser o que não é. Digo; de estar o que não é, visando impressionar a quem lhe aprouve. Já não me afeta nem incomoda, porque superei seus efeitos ao descobrir esse caos que lhe habita. Mesmo assim, confesso que soaria como canção aos meus ouvidos descobrir a sua possível redescoberta.
Tire a tampa do frasco e se deixe fluir com naturalidade. Feito isso, desative os engenhos montados na su´alma para se fabricar em razão do agora, e seja real. Recupere-se, enfim, em tempo hábil de achar um sentido para sua vida. Resgate o quanto antes os sentimentos que foram desbotados pelo tempo, e dilua esse breu que passou a fechar seus caminhos desde quando já nem se sabe, porque a noção se perdeu no vendaval das preocupações inúteis; vazias; superficiais. Providas de nada que se preze.
Quanto ao mais lhe asseguro: Pode haver ainda um carinho, quem sabe algo mais, no meu tom de completa indiferença. Neste ar de quem jaz indiferente a tudo. Até mesmo ao jazz dessa fé popular que remove montanhas... Inclusive as montanhas de farsas humanas que tornam tão complicado este mundo no qual poderíamos viver melhor. Bem melhor do que podemos supor.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

SÍNDROME DE IRMÃE


Hoje a Carminha entendeu de assar um bolo, justo no fogão de minha mãe. Minha mãe era louca de ciúmes da cozinha e seus cacarecos, incluindo o fogão velhinho e sempre muito limpo como todas as outras coisas da casa pequenina. Ela também adorava fazer bolos. Especialmente aqueles bolos cascudos que me deixavam feito menino, pelo excesso de contentamento.
Até que o bolo da Carminha também ficou cascudo. Quase tão saboroso quanto o bolo materno. Demorei dois dias depois que a Carminha ligou para mim, dizendo que fosse lá comer um pedaço, mas não fui em vão. Lá estava guardado o que era meu, por direito arbitrado pela minha irmã. Ela sempre soube do prazer que nossa mãe sentia em fazer bolos e fatiar para nós, dando a cada um aquele pedaço enorme, bem próprio de quem tem "os olhos maiores do que a barriga".
Para dizer a verdade, minha mãe adorava fartar os filhos de qualquer coisa que eles apreciam: Bolo, frango frito, farofa, carne cozida na pressão, macarronada e doces. Acho que se via meio redimida ou perdoada pelas muitas vezes em que até o essencial nos faltou, naqueles anos difíceis de nossa infância. Ficamos adultos, com vidas próprias, bem melhores que antes, e ela passou a nos receber dessa forma: Só servia grandes pedaços ou porções. Queria nos ver sempre com a velha e boa lombeira de quem come tudo o que não comeu por muito tempo.
Quando classifiquei o bolo da Carminha como "quase tão saboroso", falei do sabor específico da massa. Mas, de fato, o bolo estava uma delícia: Tinha sabor de saudades da nossa mãe, recém-partida, com o tempero do carinho de nossa irmã. Uma saborosa síndrome de irmãe.

SABER

Sei algo mais do que o socratismo de que nada sei: Ninguém sabe, portanto, somos todos iguais.

VINTE MÃOS


Somos mais do que o pranto que agora vertemos;
Cuidaremos uns doutros, de nossas feridas;
Temos vidas atadas pela mesma história
De pesares, temores, vitória sangrada...
Muito mais a sonhar; muito sonho em comum;
Se pudermos ser um, tudo fica mais leve;
Até mesmo a saudade que a todos pertence
Nestes dias marcados de perda inconteste...
Ficaremos unidos, temos vinte mãos
Pra tomar o destino e modelar o tempo,
Basta sermos irmãos mais presentes ainda...
Saberemos amar a nostalgia estável
Que virá nas pegadas dessa tempestade;
Na verdade ganhamos uma estrela guia...

A HUMANIDADE VENCE A FRIEZA


Aquele hospital perdeu o sossego depois que Dona Maria deu entrada, com graves complicações pulmonares, renais e hepáticas, todas advindas de um antigo problema no coração. Tinha o coração grande. Além da grandeza humana e afetiva, com que criou os nove filhos e um neto, havia o inchaço do músculo, precisamente, gerado pela angina.
Pois bem; os dez filhos – contando o neto criado por ela e pelo menos quinze dos vinte e dois e o bisneto que deixou – montaram plantão no corredor que leva tanto para a UTI quanto para a tal sala amarela. Dona Maria ora estava em uma, ora estava em outra, até o momento em que não suportou e foi ocupar, onde ninguém sabe um espaço muito melhor. Foi descansar das agruras que sofreu no que chamamos de vida, onde mesmo assim foi feliz, por ter simplesmente criado os filhos. Pouco antes de ir para o hospital os reuniu e fez a declaração. Disse que tinha muito orgulho dos mesmos, que eles eram exatamente como ela sempre quisera, e ainda cometeu o absurdo de lhes pedir perdão, como sempre fazia pelos anos de privações que passaram juntos, até que todos foram criados... E bem criados.
No início da internação, recepcionistas, médicos, enfermeiros, assistente social e especialmente os guardas chegaram a ficar impacientes. Era um vai e vem interminável. Uma falação intermitente. Uma imploração exaustiva a que os deixassem vê-la. O nome Maria jamais fora tão adequado à paciente quanto naqueles últimos dias de sua existência física. Já não eram filhos e netos. Eram fiéis em constante romaria. Invadiam o corredor e a cada momento um deles conseguia ver a paciente, sendo ou não horário de visitas. Quase sempre um guarda ia lá dentro e conseguia uma permissão: “Vai um só; bem rápido”. Iam dois ou três, e só saíam quando chamados. Quando não era um guarda, uma enfermeira ou a assistente social, às vezes o próprio médico, cercado no corredor, acabava por ceder e alguém entrava. Na UTI ou na sala amarela, tanto fazia. Acabavam por entrar.
Depois do segundo dia, ninguém tinha mais ânimo para expulsar a turma do corredor nem para explicar por que não podiam entrar em determinadas horas. Com paciência e humanidade, pediam que só esperassem entre um procedimento e outro, onde Dona Maria estava, para novas visitas relâmpago. 
Depois que a paciente morreu a comoção não foi somente na família. Houve comoção também no hospital, porque os funcionários acabaram vivendo um pouco, a dor daqueles filhos e netos tão extremados no amor por aquela mulherinha franzina, de pouco mais de um metro e meio de altura. Estavam sinceramente condoídos, e até mesmo para a família foi uma comoção a mais, perceberem a quebra de frieza e profissionalismo que promoveram naquele ambiente acostumado à rotina de sofrimento. Por isso mesmo, marcado pela impessoalidade exigida de seus servidores, em nome da fluência normal dos expedientes.
No fim das contas, percebeu-se que a experiência dos médicos daquela unidade apontava desde o início para o destino de Dona Maria. Eles fizeram tudo o que podiam, com os poucos recursos de que dispõem, sem terem conseguido vaga em nenhum hospital de maior porte. A família também tentou, até por meio judicial, mas nem a justiça conseguiu vencer o caos politicoadministrativo da saúde pública e dar uma chance a mais de salvamento para aquela vida.
O que restou, além do pranto e a saudade naqueles corações foi a gratidão da família que viu um ente querido ser tratado com dignidade, carinho e respeito numa unidade pública de saúde. O espanto, ou encanto, é porque isso não é normal. Aliás, é raro no serviço público de qualquer natureza, onde imperam a má vontade, a incompetência e a falta de solidariedade.

ADEUS MATERNO


Ela nos deu adeus... e ao mesmo tempo em que partiu, ficou nas inúmeras vivências deixadas. Nas caladas do seu amor imenso igual bolo em fatias, que sobra neste vazio cavado entre nós. De repente se cala a nossa voz de tantos gritos de guerra. Das tantas bravatas que agora caem no solo, impotentes. Procurando ação.
Foi morar na distância que nenhum ser humano concebe. A velha distância que não declara endereço nem dá referência. Voou para muito além da consciência do que pode haver de fato entre sonho, razão, ciência exata e fé. Feito isto, algemou nossas almas na dor de uma saudade que não tem tamanho. Fez a nossa verdade cristalizada e vã abrir mão do conceito de que as mães, quando nossas, não desbotam; tampouco diluem.
Mas havemos de reagir, como sabemos que ela quer. Não importa onde esteja, seu olhar nos esquadrinha e tenta iluminar os caminhos. Nossas vidas manterão aceso esse facho que fluía da cruz de sua entrega extrema; inesgotável; sem palavras que a possam descrever... traços que a possam desenhar. 
Sabemos enfim, que somos o tema da história desse amor que vence a própria morte, por ser amor de mãe... dessa mãe que as prosas, versos e universos continuarão decantando sem o sucesso esperado no que tange a tentativa de alcançar sua dimensão.

CORAÇÃO DE MÃE


- A sua perna, meu filho; como está? Parece que está mais inchada. Pelo jeito, você não tem se cuidado.
- Está bem, mãe. Faz dias que não dói. Na verdade, está menos inchada, nos últimos dias.
- Cuide-se direito, Tuti. Você precisa estar com saúde, para cuidar de suas filhas.
- Tá bem, mãe. Estou me cuidando. Juro que estou.
- E como está o Jô? Ele hoje não apareceu; será que está doente? Ligue pra ele, tá? Só para saber se não aconteceu nada.
- O Jô ligou, mãe... Disse que está vindo para cá. O trânsito é que está horrível.
- Tá bom, filho... E olhe; diga pra Nete e a Branca para descansarem um pouco; elas estão trabalhando muito, fazendo muito esforço. 
- Mas a casa da senhora está uma bagunça, mãe...
- Áh, mas deixe isso pra lá... Só quero saber de uma coisa. Você sabe se o Beto melhorou da gripe? Coitado; ele estava todo entupido. Dava dó de ver.
- Melhorou sim, mãe. Ontem ele foi lá em casa, e estava bem melhor.
- E o Izo, meu filho? Consertou o carro? Conseguiu ir trabalhar? O pobre estava desesperado na semana passada; sem saber o que fazer...
- Consertou sim; fique tranquila. Está trabalhando normalmente. Disse que hoje à noite virá aqui. Sem falta.
- Não, isso não tem problema... Se ele está bem, deixe resolver suas coisas, depois ele vem. E fale também pra Carminha e pro Léo, que tem comida pronta na geladeira. É de ontem, mas está boa, eles podem esquentar e comer. Fale pra não ficarem por aí sem almoçar.
- Olhe, mãe...
- Não deixe o Vado se descuidar também, ele anda meio pálido. Será que está trabalhando muito e esquecendo de se cuidar?
- Mãe...
- O Nem também, meu filho; anda muito nervoso. Peça pra ele se acalmar, que as coisas vão dar certo.
- Tá, mãe... Mas olhe; o pessoal está vindo aí. Bênção, mãe. A gente logo se vê. Fique despreocupada, que eu não posso ficar, porque sou homem, mas a Nete e a Branca vão se revezar.
- Fique com Deus, meu filho. Se acontecer alguma coisa, fiquem calmos e nunca se separem. Cuidem uns dos outros.
- Não vai acontecer nada, mãe. 
Os enfermeiros a levam. A Nete e a Branca vão junto. Uma delas voltará. Espero que ela também volte logo, para continuar cobrindo seus nove filhos, todos com mais de quarenta anos, e o neto de vinte e dois, criado como filho, de todo o amor que há no mundo.

SÓ CARNE


Quem supões que te quer só quer teu lombo;
aliás, nem tens mesmo além do casco;
a senzala em teu ser se diz quilombo,
mas tal sonho não passa de fiasco...


És de fato rodízio de churrasco;
nas artérias do amor somente um trombo;
quem percebe o vazio desse frasco
sai de ti, pois prevê futuro tombo...


Teu amor pré-datado não tem fundo,
tua vida carece de algum mundo
em que possas ter mais que um codinome...


Levas fogo, paixão, muito calor,
mas teu íntimo pede algum valor;
ninguém ama só carne; apenas come...

PORÃO


Já vivo à sombra
de quem sou;
Vou por aí,
Pois já passei.
E já não sei
 se me restou
Alguém de mim,
Sou fim de linha.
A minha vida
escorre nula,
Pra qualquer breu,
Túnel sem fundo.
Fiquei sem mundo,
Sem como ir,
Por que fazê-lo,
Tampouco aonde.
Por ser amargo
E temporão,
Não tenho alma;
Só levo caos
No meu porão.

SIMBIOSE


A verdade é que Já somos um. Se ainda faltam registros e bênçãos formais; se livros pedem rubricas, datas, marcas d´água. Se dedos pedem anéis e amigos festa, pouco importa. Da porta ao âmago de quem somos... nós somos um.
Somos casca e molusco, fruta e sumo; leito e rio, pupila e globo; lobo e baba, luar e lua. Simbiose de tudo que não pode ser dois nem mais, porque nasceu pra ser um. Pra ser mesmo esta simbiose ou fundição vital.
Embora faltem proclamas, certidão, testemunhas, véu e fraque. Se faltam troca de anéis, liturgia e lei, trocamos corpos; almas; vidas. Adentramos um ao outro feito encontro de rios. Feito fios de teias ao luar.
Pelo quanto somos um, nada falta. Ou falta o que nunca fará falta, se não quisermos suprir. Tudo é nada prá força deste amor que desafia o pronto, estabelecido, para nos remesclar constantemente nesta missão: Sermos um.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

MEUS DOIS MUNDOS


Depois de muito tempo sem saber – ou pelo menos lembrar o quanto isso conforta –, de repente me vejo entre a enxada e a caneta. Entre a terra adubada e a pauta. O cultivo e a criação. Até há bem pouco, minha vida era só a fundição previsível da caneta, a pauta e a criação literária.
Confesso que o capinar; adubar o chão; plantar o boldo e a roseira, o saião e as mudas de árvores frutíferas, e regá-las pela manhã, não são atividades novas para mim. São isto sim, atividades que a memória enterrara no inconsciente e tinham mesmo que rebrotar, em favor de minha sanidade psíquica, emocional.
Longe de mim reclamar da produção literária que sempre deu a minha vida um sentido especial. Mais longe ainda abandonar o cultivo da poesia, da crônica e das bobagens terapêuticas que pratico no solo das emoções. Irrigo-as diariamente com minha veia entre lírica, irônica, agressiva e humorística (ou boba), já que o próprio dia-a-dia me oferece húmus – ou adubo, a popular merda para nutrir a produção.
Mas precisava voltar a fazer isto: revolver o chão, acariciar canteiros, botar a planta no sulco igual à mão põe o filho recém-nascido no berço após fazê-lo dormir. Tinha necessidade urgente dessa poesia braçal, com perfume de minhoca e de raiz de mato. De substituir a “jotabê FM” pelo arranjo da passarada ou dos pintinhos do terreno ao lado que chegam para catar o alimento vivo, desenterrado pelo gume de enxada.
Não vim aqui me arrogar homem rude, camponês, produtor rural. Não “dou duro” na roça por proventos minguados e sei que isso não é nada poético. Falo do encanto deste fazer por terapia, do meu corpo e do meu querer. Da beleza da interação entre ambas as poesias (a dos músculos e a do intelecto).
Escritor e urbano estou escrevendo uma página fora da rotina de anos e anos, e talvez estabelecendo uma rotina paralela. Tendo as duas, a vida se torna mais suportável; o poema mais poético; a crônica menos crônica.
Com dois mundos a disposição, fujo de um para outro a qualquer instante, ora quando o corpo pede... Ora quando a alma suplica.

A ABOMINAÇÃO DA PREGUIÇA


Quem quer me ver desconfiado; até mesmo com preconceito de um indivíduo, diga-me que ele não trabalha e mesmo assim consegue viver: Come, veste-se, tem calçados e se diverte. Como se não bastasse, também goza de piedade, compreensão e, muitas vezes, prestígio entre certos grupos incautos.
Trago ainda o raciocínio lógico de minha mãe, meus avós e os amigos bem mais velhos dos quais me acerquei na adolescência: Quem não tira o sustento próprio do único meio honesto e viável de sobrevivência - o trabalho -, comete crimes ou delitos como roubo, tráfico, fraude, atividade miliciana ou exploração da fé pública. Em última instância, pratica atos que a lei não coíbe, vigia ou persegue, porém são desonrosos. Indignos de apreciação. É o caso dos que vivem de assistências ou assistencialismos, pequenas ou grandes espertezas ou às custas de pai, mãe, mulher, até amigos.
A desculpa eterna do desemprego nunca deteve os indivíduos de fato trabalhadores, que se mantêm a contento, constituem famílias e criam com dignidade suas proles. Essas pessoas trabalham dia após dia - não eventualmente, como fazem os biscateiros que aguardam trabalho em casa -, nos mais diversos expedientes criados pela coragem, a criatividade ou o talento, em nome da responsabilidade que rege o cidadão de bom caráter. Se as tais virações são duras ou brandas, braçais ou artísticas, não importa. São trabalhos sérios; constantes; honrados; com a grandeza de quem tem brio.
Admiro o operário e o executivo; o profissional liberal e o ambulante; o intelectual e o capinador; a estátua viva e o pedreiro; a doceira, a diarista e a secretária. Qualquer trabalhador, empregado ou não, mas que tenha compromisso diário com o que faz.
Abomino quaisquer desculpas para o não trabalho, quando elas partem de quem tem forças para se locomover. A preguiça é uma praga. Ela devora o que há de melhor na sociedade: A vergonha de ser miserável, parasita ou bandido.

ALMA DE AUTISTA


Não há vaga em meu peito, não insista,
Sob pena de grande frustração,
Nem existe futuro; qualquer pista;
Um anúncio de fase ou estação...


É que a vida entupiu meu coração;
A minha’alma encolheu, ficou autista,
Confinei os arroubos da emoção
E risquei as paixões de minha lista...


Toda sua esperança está sem fundo,
Busque chão na distância do meu mundo,
Suas asas lhe pedem essa fuga...


Virei massa, coluna de concreto,
Queira mais do que a farra deste afeto
Que não vale sequer mais uma ruga...

ASPAS


A moleca deixou de ser moleca;
Tem rabiscos de adulto pela face,
Mas é alvo do impasse que me assalta;
É a mesma moleca para mim...
Já não cabe no colo ainda seu,
Meu olhar tem espelho no seu olho,
Sua voz anuncia um tempo novo
No silêncio da fala que a projeta...
Minha filha já veta em meus cuidados,
Todo excesso que nunca entenderei
Por excesso de pai que o tempo embota...
De repente a moleca me sacode,
Põe as aspas cabíveis na soneca
Deste amor que a conserva ou eterniza.

SAI DO PALCO


Tenho visto em teus olhos a dúvida insana
Dos que deixam a vida lhes inflar de orgulho,
Teu embrulho é vazado e te vejo oscilar
Entre humana; ciborg; não sei mais o quê...
As narinas eretas, o rosto em trejeito
Soam falso em teu jeito recente pra mim,
Tua voz de metal não combina com nada
Que te fez encantada em meu conto secreto...
Desce agora dos saltos de altura não tua,
Sai da lua, do palco e te assume pessoa,
Vê que o mundo não gira em redor do teu ventre...
Fazes falta em ti própria, repõe o teu senso,
Recompõe a tu’alma e resgata o valor
De viver, ter calor, sentimento e sentido...