quarta-feira, 31 de outubro de 2012

FILHOS DE MARIA


Hoje bem cedo, ao acordar do conforto razoável de minha cama, voltei a um passado que já ia distante. Lembrei de um tempo em que moramos numa granja abandonada. Granja, mesmo. Um criadouro de galinhas que ficava em frente à casa de nossa parentalha. Eram tempos de muita privação para as nove crianças e a mãe extremada que esgotara todos os argumentos contra os conselhos dos parentes que não cessavam de asseverar: “Maria Maria; põe esses meninos no colégio interno!”.  
Agora posso entender o que levava os nossos tios e avós maternos a dar um conselho que certamente soa como perverso, mas no fundo não era: Esses parentes, embora tivessem um bom pedaço de terra onde permitiram que nossa mãe construísse um barraco de barro com teto de sapê, não eram pessoas de boa condição econômica. Mal podiam se manter com dignidade; razão pela qual também passariam por privações, caso ajudassem no provimento de mais dez pessoas. Minha mãe também não queria que ninguém nos provesse; por isso trabalhava todos os dias em casas de madames, e antes de sair de casa fazia salgadinhos para eu e o “Jô” (nós éramos os irmãos mais velhos) vendermos nas duas mineradoras (pedreiras) que funcionavam próximo dali.
Além do mais, a parentalha tinha uma preocupação extra bastante justa: Como éramos crianças muito rebeldes, a ponto de pormos fogo no matagal e nos canaviais do lugarejo rural em que morávamos (e onde voltei a morar faz quatro anos), brigarmos até sangrarmos um ao outro, além de outras práticas que aterrorizavam a todos, a previsão comum era de que seríamos “maus elementos”, quando crescêssemos. Ademais, ninguém podia mesmo querer tomar conta de nove capetas enquanto a mãe estava fora, em busca de sustento. Ela sempre nos aconselhava muito, antes de sair. Pedia que não perturbássemos todo o mundo, que os mais velhos tomassem conta dos menores e os que já estudavam dessem um jeito de ir prá escola distante para estudar, merendar e ver se conseguiam levar alguma sobra para os pequeninos, até que ela chegasse.
Nossa rebeldia era resquício da vida que tínhamos em Brasília, de onde saímos depois de nos separarmos do pai violento e infiel. Apesar do conforto material de que desfrutávamos lá, éramos muito maltratados por ele, à base de xingamentos, murros e pontapés. Um dia, nossa mãe sempre traída, mas resignada, resolveu deixá-lo por causa dos maus tratos cada vez mais graves aos filhos. Conseguiu uma carona para o Rio de Janeiro, onde ficamos uns dias na favela de Jacarezinho e depois partimos para o bairro de Santa Dalila, na cidade de Magé, onde nossa mãe conseguiu o favor da permissão para fazer o barraco em terras que pertenciam aos seus pais e irmãos. O depósito de uma pensão litigiosa minguada e injusta de nosso pai, que tinha boa situação econômica, só viria muitos anos depois. Ele tinha suas influências e fez de tudo para que não tivéssemos direito a nada. Abriu mão, inclusive, de ter propriedades em seu nome, para que não recebêssemos herança, em nome da raiva por nossa mãe ter tomado uma atitude que nos livrou de sofrermos violências físicas e morais ainda piores, quando ficássemos adolescentes.
O resumo de tudo isto é que um dia nossa mãe, com lágrimas nos olhos nos reuniu e disse que teríamos de procurar um rumo, para que não fôssemos separados. Perguntamos para onde, ao que ela nos respondeu: “Para qualquer lugar; debaixo de uma ponte, se for preciso, mas ficaremos juntos”. Dito isto, pareceu que um brilho diferente assumiu seu rosto. Então ela olhou logo à frente, do outro lado da rua, e viu a velha granja abandonada no meio do mato, erguida em forma de palafita. Era coberta por telhas francesas, as paredes eram telas de arame e tinha em bom estado as chocadeiras, que serviam bem como camas. Esteve sempre ali, enquanto nossa mãe vivia sob pressão para desistir de nós, ou pelo menos de alguns de nós, em nome da sobrevivência.
Numa noite bastante fria (fria mesmo, não é romance), depois de fazermos uma faxina corrida na granja e um caminho estreito de barro e pedras entre ela e a rua, fizemos a mudança das tralhas, os caixotes e as panelas velhas, para só no dia seguinte nossa mãe procurar alguém que por acaso respondesse por aquelas terras, não para pedir, mas para informar que tinha invadido o local e aí sim, rogar para que “pelo amor de Deus” não fôssemos expulsos. Doravante, foram quase dois anos de uma história que se espalhou no lugar. A quase lenda de uma mulher e seus nove filhos moradores da granja.
A tristeza, o desespero e a insegurança daqueles dias virou orgulho para nós. Uma lembrança que nos faz lembrar com amor e saudade aquela mãe que foi às últimas consequências para não deixar que nenhum filho ficasse pelo caminho. Ela conseguiu nos criar contra todas as profecias contrárias, e hoje somos pessoas de bem, razoavelmente bem sucedidas, como todos duvidavam.
Posso falar pelos meus irmãos, que nosso orgulho e alegria estão centrados principalmente no fato de que tivemos uma mãe que acreditou em nosso futuro, em nossa mudança de comportamento e na força do amor com que nos educou. Somos felizes, porque ela nos amou, nos defendeu do mundo, viveu para nos amar e nunca desistiu de nós.

MUDANÇA DE SONHO


Cortei o cordão
umbilical
de ouro puro
da minha ilusão...
E me propus
nova aliança
de boa prata;
boa luz:
Não brinco mais
de ser feliz
entre os rubis
da fantasia...
Decoração
pra coração,
brinco apenas
de bijuteria...

POETAS SÃO FRAUDES


Dizem sobre os versados em versejos,
o que posso afirmar que só é mito:
São moinhos de amores e desejos
que superam as malhas do infinito...

Suas almas infestam de lampejos
os olhares que domam sempre um grito
camuflado em escritas e sofejos
ou em doce mistério de algum rito...

Os poetas não amam tanto assim;
são apenas poetas, isto sim,
provedores de sonhos; fantasias...

Têm amor na medida dos mortais;
os arroubos de tanto afeto a mais,
na verdade não passam de poesias...

PARA NÃO MORRER DE AMOR

Perdi a soma de quantas vezes venci a morte por doença, inanição, assassinato, acidente, vício... Depois de tantos anos e muitas voltas por cima da quase morte, sei que será difícil, mas vencerei meu maior desafio: Não morrer de amor por você.

NÃO HÁ MAR


Houve mar nos meus olhos pra te revolver,
mas fugi de viver a grandeza do afeto;
contornei furacões, maremotos, ressacas
pra manter minhas placas de senhor de mim...
Tive tanto a doar, mas me tranquei no peito,
fiz a minha emoção se desfazer no ar,
pela força do medo inerente à fraqueza
que se fez de franqueza pra dizer que não...
De repente meu mar se converteu em pranto;
não há lenço nem manto pra secar meus olhos
e teus olhos se foram, viraram miragem...
Desaguei no deserto e me juntei ao pó,
vim somar minhas mágoas às dunas do caos
destes olhos escravos de já não há mar...

MISÉRIA DE AFETO


A minha fome afetiva
chegou ao ponto em que amor
virou sopão.
Catando restos de afagos,
estou abaixo da linha
da solidão.

SOBRE TRABALHAR, NÃO MORRER E AMAR


Trabalhar não provê apenas nossa despensa ou realiza os sonhos e caprichos. Trabalho é dignidade; amor próprio; cidadania. Mesmo quem não precisa, precisa trabalhar. 
                                        ...
Morrermos de fato é não termos feito nada que doravante substitua nossa existência física.
                                        ...
Diferente das prestações de serviços e bens de consumo, cujos valores crescem de acordo com a qualidade, o amor verdadeiro não tem preço. Ama de verdade quem ama de graça.

E O PEIXE NADA


A peixa sonha... Sonha e sonha. Sempre foi apaixonada pelo peixe. Paquera o peixe, faz tempo. Quer tê-lo envolto nas suas águas. Acolhê-lo em suas nadadeiras.
Mas, triste sina. Destino insano. A peixa vive as mágoas da solidão, no seu desejo de ser amada. Na sua esperança de ser feliz com o peixe até que a rede, quem sabe o anzol, talvez a tarrafa os separe.
Não importa. Seja como for, ela espera. É que a peixa sabe amar, mesmo não sendo correspondida. E amada ou não, é desse amor que ela vive.
Lá vai a peixa, tristonha... No campo aquático dos afetos, ela divaga... Quer dividir seu sentimento. Mais do que dividir, quer dar o melhor do que sente. Por isto sonha, espera, expõe, demonstra e quer.
Amar enquanto há mar: Eis a grande missão da peixa. Ela doa, o peixe desdenha. Chama, o peixe não ouve. Insinua, o peixe nem olha.
Enquanto a peixa se dobra de apaixonada, o peixe nem se condói. O peixe nada.

ÁRVORE ASSASSINADA


Voltei das férias e percebi que a velha árvore do quintal da escola fora cortada. Ela era frondosa, bastante alta e tinha uma sombra densa que refrescava quase toda a biblioteca. Seu tronco era simplesmente um espetáculo: Bem largo e cheio de cipós delgados que pareciam jorrar da copa, feito minicascatas verdes. 
Foram muitas as vezes em que reunimos alunos à sombra daquela árvore para realizarmos leituras de poemas e crônicas e bate-papos literários acompanhados de sucos e petiscos. Nem mesmo as pequenas lagartas sazonais que vez e outra caíam sobre alguma cabeça - sempre no outono - incomodavam. Eram momentos muito prazerosos e tínhamos imenso carinho pela árvore.
Intrigado, indaguei à direção da escola o motivo do corte, pois nenhuma obra seria feita naquele espaço e não havia qualquer dano que a velha árvore pudesse causar. A resposta gaguejada e sem sentido foi de que as raízes poderiam quebrar boa parte do pátio em redor, caíam muitas folhas e havia muita lagarta.
No entanto, a árvore já velha não estava em crescimento. Logo, nada além do pequenino pedaço de concreto já rachado seria comprometido. Quanto às folhas caídas diariamente, o trabalho de varrê-las nunca foi maior que o de varrer a poeira do pátio. Já as lagartas, as "terríveis pequenas lagartas" eram apenas um pequeno incômodo próprio do outono. Aliás, um incômodo que gerava uma formidável compensação: Atraía incontáveis espécies de aves, algumas raras, que vinham de longe por causa da "iguaria".
Desculpas; eternas desculpas. Há sempre uma desculpa indesculpável pré-fabricada na língua de quem devasta. Mas os benefícios de poupar a natureza são sempre muito maiores do que os incômodos relatados por quem corta uma árvore; assoreia um rio; polui o mar; comete caça ou pesca predatória; mata uma coruja que adentrou a casa ou a cobra que simplesmente atravessava uma rua.
Voltando à velha árvore, o que mais me assusta é lembrar que se cometem crimes ambientais injustificáveis nas escolas. Exatamente nas escolas, onde a consciência ecológica deve ser fomentada. Onde crianças e jovens devem aprender a amar a flora e a fauna, por serem sabedores de sua importância.
O fato é que a escola se livrou da árvore... Das raízes e as folhas incômodas, mas também da sombra e da brisa fresca... Das pequenas lagartas sazonais, mas também dos pássaros que já não enriquecem o quintal com seus cânticos matinais e vespertinos e a beleza de sua diversidade.  

ETERNO AMOR FUGAZ


História de amor
pra toda a vida
é a coisa mais lida,
linda e lenda:
Que o tempo compõe
nas folhas que caem
dos galhos mais frágeis
de nossa agenda.

ADMIRAÇÃO E AMOR

Quem não tem vários motivos para admirar o cônjuge, não tem nenhum para amá-lo.

POETICES

Narcisista e prepotente ou de modéstia doentia. Ridiculamente alegre ou profundamente melancólico. Rabugento como só ele ou delicado à exaustão. Complexo demais ou simplório. Absurdamente grosseiro, mal educado ou enjoativo de tão meloso e gentil. Gelado feito iceberg ou apaixonado em excesso. Extremos... extremos... extremos. Por que será que ninguém é poeta sem ser nada disso?

APENAS MUITO MAIS QUE AMIGOS


Faz-me bem este afeto banhado em brandura;
uma espécie de amor declarado e secreto,
pra ter como fugir; contornar tudo isto,
caso negues teu visto pra minha viagem...
Se não tenho rompantes de comer teu corpo,
também sei que tu´alma não me satisfaz;
quero paz de carícias como quem modela;
dedilhar tua pele feito quem harpeja...
Tenho leves desejos pra trocar sem pressa;
uma frágil travessa de beijos turistas
que seriam gentis; moderados; voláteis...
E depois não seríamos mais do que agora;
nenhum plano carnal roubaria o sentido
com que somos apenas muito mais que amigos...

SILÊNCIO DE NINAR

Sua bênção; mãe. Não sei onde a senhora está, mas me dê sua bênção nestas horas noturnas de saudades... e cante um silêncio para mim. Um silêncio de ninar, cuja música infiltre no meu coração... banhe minh´alma... garanta um sono sereno, pela sensação de sua presença. Sua bênção; mãe... abençoe seu menino... seu menino há muito já não menino.

AMIGOS E BASTA

Ao invés de confrades, correligionários, comparsas, colegas ou irmãos na fé, quero amigos... amigos verdadeiros... mesmo sendo confrades, correligionários, comparsas, colegas ou irmãos na fé.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

CHARMOSAMENTE SEM TEMPO


Ultimamente ando meio sem tempo... Não porque ande mesmo sem tempo, mas porque cheguei à conclusão de que já está ficando chato eu ter tempo para todo o mundo e sempre ouvir alguém dizer: "Sabe o que é? Eu ando sem tempo; tenho muitos compromissos; trabalho muito". Nestas horas, eu que também trabalho e tenho meus compromissos me sinto como se fosse à toa; um vadio; pessoa que não tem mais o que fazer e por isso incomoda os amigos, conseguindo separar um tempinho para enviar uma mensagem, dar uma ligada e de vez em quando até arriscar uma visita. Agir como perfeito cidadão tupiniquim, neste país tupiniquim metido a braço da Europa.
Mas estou aprendendo. E o tempo que sempre dediquei aos amigos sem tempo não vou acrescentar ao trabalho nem aos compromissos sociais, e sim às minhas filhas, por quem abri mão, feliz da vida, de uma série de compromissos formais, incluindo instituições literárias e algumas atividades econômicas extra-emprego. Minha mini-chácara está lá, no meio do mato, sempre à nossa disposição. Babe quem quiser, tenho belos momentos de rede, balanço, banho no tacho, leitura em voz alta, muitas brincadeiras e pequenas colheitas de limão, acerola, tangerina, pitanga, jamelão e mandioca.
Nunca mais ninguém saberá que tenho tempo, e com isso, todos me respeitarão muito mais. Principalmente quando eu fingir, cheio de charme, que estou estressado; coisa que não me ocorre. Quando alguém por acaso ligar para mim, perguntando onde estou, direi sempre que estou trabalhando; esteja realmente ou não, e detonarei o clichê que transforma o ser humano moderno em alguém admirável: "Olhe; me desculpe; mas estou muito sem tempo; trabalhando feito louco". Depois disso, falarei da nova casa de campo que adquiri para nada, pois não terei tempo de curti-la.
Todos vão ver: Serei o protótipo perfeito desse homem moderno que o mundo cultua, mas depois ninguém paga suas contas no analista. Confesso, entretanto, que será uma farsa; um charme; talvez até uma vingança íntima; só minha... Porque afinal, deixará todos felizes... Agora, com licença. Não tenho tempo de continuar. "Preciso dar duro", para ter muito dinheiro e não ter como gastar.

CATADOR DA SAUDADE


Vou em busca dos dias bem vividos;
descomponho a verdade que me pauta,
pois a vozes não deixam meus ouvidos;
minha mente viaja feito nauta...

Só me basta sentir mais branda falta,
que me lanço em mergulhos atrevidos,
desde cedo; bem cedo, à noite alta,
quando estão concentrados os sentidos...

Solto sonhos, liberto as fantasias,
torno as horas presentes bem vazias,
pra guardar o que trago das andanças...

Tenho muita saudade, angústia, dor,
pelas quais me tornei um catador;
cato lixo no aterro das lembranças...

O RODÍZIO CONJUGAL E A MULTIPLICAÇÃO DOS PAIS


Tenho assistido a uma novela que nos últimos capítulos tenta propagar a mensagem de que certa criança é feliz porque acaba de concluir que tem "dois pais e duas mães". Trata-se do pai biológico e a tia, que a criou com o pai, mais a mãe biológica e o atual namorado, que recentemente entraram na sua vida.
O fato é que não existe criança feliz porque tem dois pais e/ou duas mães. Creio sim, numa criança feliz apesar dessa duplicação de pai e mãe, mas não por causa disso. O que se vê na sociedade são crianças traumatizadas - porém resignadas - por separações, tendo que aceitar paternidades ou maternidades impostas. Crianças que obedecem, calam e acatam quando os adultos lhes ordenam que amem a quem não escolheram para amar. Que aceitem as escolhas feitas por seus pais como se eles, os filhos, as tivessem feito.
A separação de um casal não é exatamente a razão da tristeza maior e a frustração de um filho. O que o entristece mesmo é a certeza de que ele será constrangido a também se separar de um deles, porque os ex-cônjuges viraram inimigos e transformaram essa criança em arma contra o outro. Arma, trunfo, chantagem, poder de barganha ou vingança. Nesta peleja, pai ou mãe vira visitante; o que detém a guarda resolve "cuidar mais de si"; "amar um pouco mais a si próprio", demandando menos tempo para o rebento. Depois, ambos resolvem refazer vida amorosa, ter novos filhos que terão pai e mãe, e o filho do casamento anterior não tem opção: Ganha madrasta, padrasto, e tem início a lavagem cerebral: "Viu? Você agora tem dois pais"... "Meu amor; você agora tem duas mães... Não é ótimo?".
A criança só tem dois pais quando o pai biológico resolve não exercer suas atribuições de amor, cuidados, acompanhamento e presença. Isso ocorre quando ele se omite ou se ausenta, ou porque a ex-mulher o impede por força da lei; às vezes, manipulada pelo novo marido. O mesmo se dá com a mãe, que na prática também é única ou só haverá outra se ela, como genitora não exercer plenamente sua maternidade ou for impedida judicialmente pelo marido, igualmente manipulado pela nova esposa. Será que tudo isso é razão para uma criança ser feliz ou a novela está se comportando levianamente?
Para filhos de pais vivos e atuantes, rejeito até os vocábulos e o sentido emprestado a padrasto e madrasta. Padrasto é substituto de pai; madrasta é substituta de mãe. Insisto que se uma criança tem pai e mãe presentes e amorosos, responsáveis, ainda que separados, mas que se entendem, partilham sem conflitos e rancores a guarda da criança, ela não precisará substituí-los em seu coração; sua rotina; suas atribuições de filho. Pode muito bem - e deve - respeitar os novos  cônjuges de seus pais, ter amizade por eles, mas eles não serão padrasto nem madrasta; segundo pai nem segunda mãe, porque os seus estão inteiros e à disposição.
É claro que existem pais e mães não biológicos que são pais e mães de fato, capacitados para o amor e a entrega plena, e devem ser amados como tais. Esses, no entanto, foram presenteados pelo destino a crianças órfãs ou absolutamente abandonadas. Mesmo assim, pergunte a qualquer adulto que perdeu seus pais ou um deles na infância, por morte ou abandono, tendo sido criado por essas almas superiores: O que você daria para voltar no tempo e ser criado por pais biológicos amorosos, ainda que nem tão amorosos?
Sonhemos com um mundo no qual nenhuma criança precise ter dois pais e/ou duas mães, pois bastarão simplesmente os que a natureza lhe deu generosamente. Um mundo cujas novelas lindas e sensíveis não preguem que quanto mais rodízio conjugal melhor para os filhos, pela multiplicação dos pais.

À ESPERA DOS TEUS OLHOS


Tenho tudo em teus olhos espelhos dos meus;
não me quero no aço das outras molduras;
nada mais me contenta nem explica o pulso
que acelera e deságua num sonho sem fim...
A partir dos teus olhos meu mundo se amolda,
minha moda e meu credo não têm outra fonte,
sou à prova de olhares que não te refletem
feito lago profundo que repete a lua...
É no fundo silêncio das horas tardias
de qualquer solidão inerente a não tê-la,
que me perco nas vias do nada querer...
Justo aí os teus olhos irrompem das sombras
e me fazem puxar no arrastão das lembranças
uma vasta esperança na manhã seguinte...

PURO PRAZER


Estou numa fase onde não quero mais possuir. Possuir é penetrar; é fazer amor formal, como quem visa procriação. O que me satisfaz no momento é trocar carícias; bolinar e ser bolinado. Gozar e fazer gozar sem o menor esforço e nenhum temor de acidentes que nos desviem dos planos de puro prazer.
Sexo oral sim, senhor, mas não quero fazê-lo como aquele faminto que lambe um prato sujo, antes que alguém o resgate para lavá-lo. Também não quero sentir que alguém me sorve como quem chupa um sorvete no deserto. Quero delicadeza; lentidão; sexo longânimo, tranquilo e despreocupado.
Esta cantada universal, despretensiosa e despojada não tem outro motivo: Quero apenas dizer que, doravante, as eventuais parceiras deverão me receber também como parceira... Não quero mais que me tenham como garanhão; procriador; emergência carnal; pronto-socorro do desejo. 

SOBREVIVENTE


Só me quero aqui dentro; se aqui é meu mundo;
Tenho tudo que trago nas colchas do sonho;
Ponho todas as vidas nos vãos deste canto
Que me abraça e retém feito amante suprema...
Não me quero lá fora, me perco de mim
Se me dou às correntes do quanto me chama
Ou desprezo esta cama; o silêncio do quarto;
A leveza das horas nas quais me deleito...
É aqui meu momento que vira infinito,
Viro mito e depois me transformo em real,
Sou quem sou e não temo que me queiram outro...
Amanhã tudo bem, volto ao palco da vida,
Vivo todas as vidas, os papéis impostos
Pelo posto improvável de sobrevivente...

SOBREVIVENTE


Só me quero aqui dentro; se aqui é meu mundo;
Tenho tudo que trago nas colchas do sonho;
Ponho todas as vidas nos vãos deste canto
Que me abraça e retém feito amante suprema...
Não me quero lá fora, me perco de mim
Se me dou às correntes do quanto me chama
Ou desprezo esta cama; o silêncio do quarto;
A leveza das horas nas quais me deleito...
É aqui meu momento que vira infinito,
Viro mito e depois me transformo em real,
Sou quem sou e não temo que me queiram outro...
Amanhã tudo bem, volto ao palco da vida,
Vivo todas as vidas, os papéis impostos
Pelo posto improvável de sobrevivente...

HAIKEDA


Haicai o conceito
Do haikai sem sentimento...
Que o vento corrói...

REVIVENTE


Sou de crer que o futuro fará jus ao sonho;
crer na busca, no tempo, até mesmo no acaso
que se cria igual fungo no chão da esperança,
para sempre haver vida; mesmo após a vida...
Ou do tipo que nasce na sola do fim,
rouba o sim que se oculta na cova dos nãos,
quando as luzes se apagam aos olhos da cara
e me cegam por fora, como se bastasse...
Feito broto que surge na vara já seca
que dispensa raízes, pois sabe criá-las;
abre alas na terra, forçando a passagem...
Sou de crer e cavar os meus vãos e contextos,
remendar os meus textos, reciclar enredos
e viver para sempre, não sei até quando...

BANHO-MARIA


Já entendo essa fúria, esse jeito agressivo,
tua voz alterada e varizes nos olhos;
decifrei o motivo dos teus desacatos
quando inventas litígios; refrões infelizes...
Hoje bradas comigo pra forjar um laço,
esticar o teu sonho de que ainda estou
ao alcance do abraço; na palma da mão;
queres crer que restou qualquer chance futura...
Se não deixo ferver o meu banho-maria,
te concedo a mornura da resposta branda,
é assim que faria qualquer terapeuta...
Só não posso enganar teu coração ferido;
meu ouvido está pronto para ser divã,
mas a fé será vã, se a tiveres no tempo...

A BESTA DO APOCALIPSE DE MINHA CIDADE


Sem nada maior para fazer numa fila de banco, de repente me vi prestando atenção num bate-papo alheio. Logo à minha frente um casal conversava sobre a seguinte curiosidade: Além do atual, de nome Nestor, os três últimos prefeitos de minha cidade, excluindo os dois substitutos consecutivos de um deles, que foi cassado por corrupção, tinham seus nomes iniciados com a letra N. A saber: Núbia, Nelson, Narriman. Confesso que não sei precisar a ordem.
Embora não veja nada espantoso nisto, a observação do casal me seguiu até em casa. Como sou escrevedor compulsivo, decidi brincar com a curiosidade. Permitindo que a mente voasse um pouco além, tive o desejo de brincar de numerologia. Evidentemente não sou do ramo, ninguém me procure, mas acabei dando um jeito de provar, pela minha numerologia amadora, que o número da besta mageense - o pobre 666 - é formado pelo quarteto Núbia, Nelson, Narriman, Nestor. Neste caso, trata-se de uma besta de quatro cabeças, dispensando os chifres, a regente do apocalipse mageense.
Vamos aos números? Está bem; mas antes quero lembrar que não estou fazendo política nem politicagem. Só estou brincando com nomes públicos, e os nomes públicos estão aí pra isso mesmo, entre outras coisas boas e ruins.
O ene é a décima quarta letra do nosso alfabeto. Núbia, Nelson e Narriman começam com ene. Logo, esses três enes somam 42. Se multiplicarmos 42 pelo 3, que corresponde ao número de enes iniciais até então, teremos como resultado 126. Daí somamos os 126 com os 14 de mais um ene que entra; desta vez o do Nestor, atual prefeito, para então obtermos 140.
Finalmente, surge a parte mais complicada e misteriosa: Imediatamente abaixo do 140 organizamos os seguintes numerais, para procedermos a última soma: Sob o zero, à direita, o número 6, que corresponde ao número de letras do nome Nestor. Sob o número 1, à esquerda, fica o 5, relativo ao número de letras do nome Núbia. Já no meio, sob o número 4, adicionamos o 2, referente ao quantitativo dos nomes restantes, que também estão no meio; no caso, Nelson e Narriman. Resultado: 666.
Se você não me acompanhou, agora vamos fazer juntos, nossa conferência. Voltemos ao texto, só para colhermos os números  e montarmos a operação: 

           14   Núbia
Mais     14   Nelson
Mais     14   Narriman
        _____
           42
Vezes     3  (N, N, N)
        _____
          126 
Mais      14   Nestor
        _____
          140
 Mais   526   As letras de Núbia, dois nomes do meio e letras de Nestor
        _____
          666                            

SIMPLES EU


Já me basta um conforto mediano;
sobre a mesa, o que atrai meu paladar;
fazer planos modestos e ter sonhos
que me façam voar sem me perder...
Nada cause um tormento na minh´alma;
todo amor seja sempre por viventes;
prezo a calma de um tempo reservado
pra ser gente; pessoa; simples eu...
Um projeto não vire uma corrida
pela vida vulgar de um "vencedor",
pelos pódios guardados pros "heróis"...
Quero carro somente pra transporte;
celular com função de celular;
ter um lar palpitando em minha casa...

CANETA DE PROGRAMA


Se você quer ter uma, duas ou novecentas canetas bonitas, caras, de prata ou ouro, então as tenha.  Elas têm lá o seu valor meramente comercial, como servem para você fazer bonito quem sabe um dia, dois, mas nunca novecentos. 
Só tenha consciência de que o preço maior de uma caneta como essas não é o monetário. Você há de pagar bem mais caro no segundo ou terceiro dia, em forma de raiva ou desespero, quando precisar escrever um bilhete urgente ou assinar um contrato muito importante: Nesse momento ela vai falhar... Fatalmente vai falhar.
É por isso que lanço meu conselho a todos os portadores de canetas caras e bonitas: Tenham sempre no bolso a velha e boa esferográfica! Essa caneta escreve até acabar a tinta, sem jamais falhar! Dura mais de novecentos dias e tem a escrita enxuta; fluente; macia.
O único problema da esferográfica é a sua volubilidade, pois ela troca de dono como quem troca de peça íntima. Se agora está com você, no momento seguinte já estará com outra pessoa. Passa de mão em mão sem qualquer pudor, porque não nasceu para ser fixa... É uma caneta de programa.
Seja como for, o fato é que a bichinha rende... Rende mesmo... E não ligue muito ao perder sua esferográfica, tão logo a tenha. Tanto quanto essa vai, aquela vem, sempre sem negar fogo... Quero dizer, sem negar tinta.
As esferográficas estão por aí, oferecidas como só elas: Insinuam-se nos balcões, nos bancos de praças, no meio das autoestradas, nos banheiros públicos, nas mãos dos amigos ou estranhos prestes a esquecê-las conosco...
Ninguém precisa comprar uma esferográfica.

AMOR MAIOR QUE TUDO


    (Para Nathalia e Júlia)

Este amor é maior que dor de dente,
sem ser dor, pois é só comparação
pra mostrar como é fundo e consistente;
como sabe ocupar meu coração...

Eu as amo do Quito até o Japão
quantas vezes me jogue; busque a mente;
com amor de menino por seu cão,
multiplicado pelo amor da gente...

Se na forma de amar sou só defeito,
meu amor é tão são quanto perfeito;
é verdade maior que lenda e mito...

Amo assim, sem dar conta da medida;
para sempre, sem fim, por toda vida,
todas vidas que moram no infinito...

RELAÇÃO DESCURTIDA


Foi um tal de gritar...
Foi um tal de partir
para todas as formas 
de apelação...
É difícil voltar
do cansaço de amar,
quando já descurti
a relação...

AUTOSSUGESTÃO

Não sofro, porque não julgo sofrer... não tenho pena de mim.

AMOR E VIDA


Quero a vida com cheiro; inodora não dá;
Este mundo só vale se conto com isto;
Pode ser de ferida, de quisto e de flor,
Mas preciso querer o sabor desse cheiro...
Caço tudo com faro, só depois que a boca
Tem aquela saliva de uma fome atroz,
Como a voz e o silêncio para dar meu bote;
Pra comer minha presa; meu sonho testado...
Nada quero de tudo, se a linha for tênue,
Se qualquer meio fato vier de consolo;
Só a casca do bolo não me satisfaz...
Guerra e paz não são nada se forem metades,
Busco minhas verdades na sua inteireza,
Pois viver se resume neste sim ou não...

LEIA SE QUISER, POIS NÃO É NADA


A gente vive de se ostentar como não é: Quase sempre determinada; de quando em vez engalanada; o tempo todo apaixonada; sempre que pode, afortunada; inexplicavelmente antenada, vitaminada, irmanada e desencanada.
Nada... Nada... Nada...
O que acontece é que gente é gente. Finge tanto, mas no fundo vive assim: Boa parte do tempo, contaminada; dia sim, dia não, envenenada; muitas vezes desenganada; quando menos pensa, condenada; logo depois aprisionada; costumeiramente lesionada, pressionada, e no fim das contas, exterminada.
Nada... Nada... nada...
É muita busca. São tantos os empenhos e desempenhos. É tanto engenho nessa jornada, para tudo isso dar no flanco; no vão das palavras... Terminar em nada.
Nada... nada... nada...

SOBREMORRENTE


Nadou e nadou;
a vida lhe disse
nesse nado a nado,
para cada nada
"não dou e não dou"...
E foi no que deu:

O nadador
tornou-se alado,
nadou pro vácuo...

Nadou para nada,
por todo nada,
pelos vãos dos nãos,
todos os nuncas
do para sempre...

Nadou e nadou;
na brisa, no mar,
às vezes na terra...

Foi tanto nadar, 
foi tanto nada,
que a fada dos nadas
(fada nadinha)
viu tudo aquilo
e qui-lo ao lado...

Fim de linha...

POETA VIVO


A minha verdade
teço à mão;
tenho alvo e sou seta.
Meu sonho não vive
de senão...
Seu pesar não me afeta...
A longevidade
de Drummond
animou minha meta:
Não quero ter câncer
de pulmão...
Apesar de poeta.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

SEISSEISSEIS


Lá na pré-escola, não aprendi a contar “um, dois, três, quatro, cinco, meia...”. O que aprendi bem aprendido mesmo foi “um, dois, três, quatro, cinco, seis...”. Então ninguém me corrija, quando eu informar que moro na Rua Madre Tereza, número seis; não meia. Nem me venha com ironia, se por acaso pedir o número do meu celular e obtiver como resposta: “Oito, sete, nove seis...”. Nadinha dessa história de anasalar a voz e frisar: “É meia; né?”. Meia, bosta nenhuma; é seis, mesmo.
Resolvi que nunca mais me tratarão como asno por eu não ter esquecido que seis é seis. Sessenta e seis é sessenta e seis e não “meia meia”. O sinal da besta não é um casal de meias, mais um pé isolado “segurando vela”. Quando algum bestalhão corrigir em alta voz o meu seis, corrigirei seu meia, no mesmo tom, dizendo que seis é aquele número logo depois do cinco e antes do sete... Se me der vontade, ainda o convocarei a contar junto comigo, puxado pelo coral de curiosos: “Um, dois, três, quatro, cinco, seis...”.

BORBOLETA


Acredito na sorte que o trabalho tece,
no destino possível para quem o traça,
tenho fé no poder de uma prece concreta
pela graça que nunca descerá do céu...
Semear pra colher é meu rito sagrado,
minha paz vem da força para querer bem,
meu arado é a tábua dos dez mandamentos
que não cumpro por medo nem superstição...
Nada pesa em meus ombros, levo com prazer,
nunca tive uma cruz, uma pedra tamanha
pra mover com gemidos ou ranger de dentes...
É que dou à tragédia uma nova versão
e renovo a missão no renascer das asas;
viro larva e me viro; viro borboleta...

FALTA DA FALTA


Ora choro do choro que não tenho;
desse amor que julguei nutrir por ti;
desempenho enganoso da carência
ou da velha emoção desavisada...
O que foste pra mim perdeu sentido,
és um elo perdido inexistente,
a viagem que fiz, porém de volta;
só de volta; no fundo, jamais fiz...
Mesmo assim tenho tanto a lamentar,
a razão está clara no vazio
que perdeu a carícia da ilusão...
Eis o meu absinto camuflado,
vivo deste passado que não tive;
sinto falta da falta que não fazes...

PRUDÊNCIA

Ser prudente é ter coragem de ter medo.

RAZÃO DE VIVER


Aprendi que os heróis têm vilanias,
os vilões muitas vezes são heróis,
as manias dão crises de virtudes
tanto quanto as virtudes viram vícios...
Chego ao tempo em que sei que não sei nada,
que por isso enriqueço meu saber,
sei que a fada nem sempre será boa,
como a vida garante a nossa morte...
É por isso que tudo vale a pena;
tudo exige o melhor do que podemos
e o melhor será sempre muito aquém...
A razão de viver é cada dia,
cada hora tardia que se vai
derrotada por nossas esperanças...

AMOR SEM CHÃO


Seu querer virou ócio nesse ofício;
uma espera por mim é mau negócio;
já não posso estornar um sentimento
que rompeu as fronteiras do que foi...
Desnudei os meus olhos de vesti-la,
sua imagem deixou de ser meu fraque,
meu conhaque, o pileque de sentidos;
coquetel de carências e desejos...
Desatei os meus nós e o nós que havia
numa velha ilusão que foi só minha;
seu afeto-surpresa chegou tarde...
Já não tenho quintal pra cultivá-la;
desocupe o seu peito e sua mente,
passe à frente as arrobas do seu corpo...

TESTAMENTO


Eis alguém que se fartou de mundo. Fiz da mágica do sonho as minhas asas potentes. Infalíveis. Nem todos os sonhos realizei; para ser sincero, quase nenhum, mas eles me serviram para sobreviver às intempéries... Ou até mesmo às não realizações.
Criei mandamentos pessoais e por eles pautei meus passos. Fui quem quis, dei à idade a medida exata de minhas perspectivas e não me frustrei com as frustrações. Por não fugir das promissórias da lida, senti a força e o peso posteriores dos prazeres inconsequentes; das realizações arbitrárias; das conquistas do que não foi mensurado.
Roubei o que tive, mas foi legítimo, porque roubei o que já era meu. Tomei dos braços da sina que tentou negar meu direito. Nada material. Nada visível, tocável, passível de avaliação monetária. Meus valores não tiveram preços... Meus tesouros não compraram nada. Muito menos me venderam.
Aos que ficam e aos que virão depois de mim deixo ideias; ideologias; mensagens; impressões... Deixo pontos-de-vista, perguntas e labirintos para respostas. Ficam para quem souber cavar mais fundo não a terra, mas os próprios sentidos, ao se deixar envolver pelas entrelinhas do que deixo.
Na verdade me dou como herança pretensiosa. Um mosaico de mundo, pelo quanto me juntei ao mesmo. Pela entrega total com que fui mundano... Almamente mundano, como parece ou é realmente contraditório.
Só sei que nas "mundanças" do meu ser, compus o enredo que me satisfez... Desenhei o mapa dos meus olhos e fui soberano. Posso dizer sem temor, que tive o mundo que fiz... Tive o tempo que arbitrei... Tive a vida que pedi... Adeus.

AMOR E CÓDIGO DE BARRA


Sei olhar para tudo que se tem
e não tenho por nunca ter buscado,
feito alguém que nasceu pra ter a brisa
ou amar, ser amado e nada mais...
Mas é justo no amor que o desapego
se debate, agoniza e perde campo,
pois o prego da lei de sobrevida
o prendeu aos valores calculáveis...
Meus afetos se perdem nos caminhos,
porque falham nas mesmas cotações
onde os ninhos não têm ovos de ouro...
Meu olhar sempre volta pro vazio,
quando passo do cio inicial
de quem ama com código de barra...

CÃO SOCIAL


Protestar porque deixam, pois não dói,
ser somente um herói padronizado,
este fora-da-lei que a lei permite
porque sempre será dentro da lei...
Fazer greves legais, gritar chavões,
palavrões quando faltam as palavras,
ter coragem segura, encorajada,
como nada proíbe ou ninguém pune...
Tudo isso é bravata sem valor,
minha espada não fura uma gravata
nem a língua ferina os fere a sério...
Sou apenas um cão ladrando a esmo
para rodas que nunca morderei;
contra tudo que sei no que não dá...

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

EM DEFESA DAS COBRAS


Ainda não entendo essa perseguição às cobras, pelo ser humano, com exceção dos ecologistas. Em grande parte as religiões são culpadas, por pregarem ao pé-da-letra que a cobra tentou Eva, Eva tentou Adão e o mundo acabou no que deu... No que vemos com pesar. 
Moro no meio do mato e aprendi, com a convivência, que muitos animais considerados perigosos são bem mais dóceis ou menos agressivos do que se pensa. Ao mesmo tempo, constato mais e mais que o ser humano sim, esse é perigoso e reúne o que há de pior em todos os outros animais, de forma bem acentuada. É traiçoeiro, vingativo, invejoso, peçonhento e tudo o mais, e todas essas características se agravam com o fato de não poupar o próximo; seu semelhante; a própria espécie.
Neste parágrafo, vamos nos ater somente às cobras. Elas são, de fato, peçonhentas, mas usam seu veneno para sobreviver: Caçam bichos que fazem parte de sua cadeia alimentar e se defendem daqueles que as ameaçam. Tão apenas daqueles que as ameaçam. Especialmente o ser humano.
Cheguei à conclusão de que o bicho sobressalente no ser humano é o rato. Justamente o rato, que geralmente não traz qualquer benefício ao homem. Pelo contrário, traz doenças e outros danos. Faz parte dos cenários mais caóticos e poluídos da sociedade... Aliás, me parece que os ratos nascem desses cenários. Lixo, esgoto a céu aberto, emaranhados e labirintos. Daí eles vêm e voltam , causam danos e proliferam... Como proliferam!
Mesmo com o rato que mora em nós de forma tão acentuada, o pior da cobra (acuada) está lá, bem no fundo, em conflito com o outro lado. É por isso que brigamos tanto conosco mesmos e com os que vivem ao nosso entorno. Transformamos os ambientes familiares, de trabalho e tantos outros em campos de batalha declarada ou fria. Ambientes de inveja, traição, fofocas e perseguições que visam, entre outras coisas, a usurpação de cargos, prestígios, prioridades e bem-aventuranças do outro.
As câmaras de parlamentares e os palácios de governos ilustram mais do que tudo essa realidade. Nesses ambientes existe uma hierarquia na qual os chefes são as cobras, e os subalternos, de luxo ou não, são essencialmente ratos.  
Quando as cobras saem para seja lá o que for, os ratos de câmaras e palácios fazem festa com o que não lhes pertence, com o que não lhes diz respeito e com o que não é de suas alçadas e responsabilidades. Com isso, eles poluem e danificam o que já não é tão ileso assim, tornando ainda pior o trabalho quase sempre deficitário das cobras humanas. São eles que atravancam o bom andamento dos projetos, criam burocracias e impedem que as pessoas certas se aproximem de seus chefes.
Pobres das cobras... Sendo comparadas, nesta pobre analogia, com o ser humano. Só não tenho pena dos ratos, porque eles empatam com as pessoas e não geram qualquer benefício em nenhum ambiente aqui, lá ou acolá... Somente adoecem a sociedade.
Repensemos nossos conceitos das cobras! Algo está errado nas escrituras! Foram os ratos que levaram a humanidade a pecar! Visite uma câmara, um palácio de governo, senado, e constate! É lá que o pior do ser humano se revela em pessoas com o pior dos bichos.

FILHAS CRESCIDAS

Minhas filhas estão crescidas... Agora preciso crescer também, pelo menos o bastante para saber disto...

AMOR SEM FRONTEIRAS


Quando Egito profundamente os arquivos de minha vida, os Estados Unidos do meu íntimo trazem à tona o que o que nunca deixei de sofrer por lhe amar. Parece que minha China é recordá-la, e Senegal que sinto será como negar o açúcar que Canadá.
Desde que juntei Austrália e disse adeus, a saudade virou esta lâmina que me assombra Itália o coração. Sei que não vale Atenas viver lembrando, isso não tem Grécia nenhuma; no entanto, é mesmo impossível não fazê-lo. Por mais que me Cuba de bons modos, meu desejo é de mandar tudo pro inferno; prá puta que Paris; a sua imagem pra bem Londres de mim... Tudo que faço é me deparar com o mesmo amor Equador que sinto por sua causa.
Cairo muito viver novas emoções...Encontrar alguém que me faça esquecê-la... Só constato no fim das contas, que não há nada que Tóquio meu coração. Nada México todos os meus sentidos como você nunca deixou de fazer. Às vezes minto me dizendo que Estocolmo quero, que Suécia ilusão é o que me vale e nada Irã me abalar... Qual nada... Nigéria de vida! Só Haiti o que procuro para voltar a sorrir! Todas as outras tentativas Sudão em nada!
E nem adianta ninguém me dizer que tudo passa, Índia vou encontrar um novo e grande amor, algo parecido. Não tenho essa tal fé Paquistão nenhum botar defeito, como seria necessário em meu caso... Na patologia perpétua deste amor sem fronteiras.

AMORTO


Sei que tudo entre nós foi faz de conta;
uma conta perdida; sem desfecho;
fomos contos de fada e do vigário,
tudo quanto se junta e dá em nada...
Mas não dá pra culparmos o destino
que tivemos em mãos pra modelar;
uma casa sem lar nem fundamento;
nada mais que o cimento; a tinta; os ferros...
Existiu entre nós o que não houve,
o silêncio que um dia encontrou voz
pra soar melodias de sereias...
Não havia sentido e sentimento,
só sentidos, fermento, fogos fátuos
de artifício forjando amor e vida...

NOSSO LAR


Numa data longínqua, este mundo será de todo mundo. Será num tempo em que a vida se tornar um dom valorizado e os nossos olhos puderem nos levar muito além... Bem pra lá do que se olha sem ver.
É a lei da natureza, especialmente no que tange o ser humano: Só teremos aquela paz que transmitirmos como quem fertiliza o solo e põe a semente. Assim como todo mal que se faz, o bem que fazemos a quem quer que seja encontra um espelho eficiente onde se agiganta e volta para nós. Não é mágica nem religião. É uma realidade quase ou essencialmente científica, pronta para ser comprovada quando nos oferecermos de corações abertos... Cobaias felizes que só terão a ganhar, tornando a terra um planeta melhor.
Continuaremos a sonhar em vão com tudo isso, enquanto nossos sonhos forem voltados para os próprios egos. Estiverem pendentes em nossos pregos, nossas pendências e os caprichos que nos emperram na caminhada para o futuro que seria ideal.
Ainda creio no ser humano. Creio que lá na frente, bem na frente, a vida será por toda vida. Chegaremos ao ponto em que o mundo, mais do que a  nossa casa, será nosso lar, quando aprendermos a ser irmãos.

PRECE LITORAL


Água marinha;
onda que passa.
O cenário é um colosso.
Varões bronzeados e mulheres
fazem festa e culto
ao vasto espelho de luz...
Tanta magia aos olhos meus
desfaz os nós, dissabores,
num laivo de paz, de amor e de sorte...
... e bem.

CONFISSÕES DE UM ZERO JÁ NÃO À ESQUERDA


Agora é fácil me achar, porque já não estou escondido. Fiz-me visível, viável, promissor. Cidadão do mundo, nos moldes perfeitos de uma sociedade-vitrine. Das eternas comunidades conferidas e autenticadas.
Hoje não faz nenhum favor quem me reconhece nas tribunas. Nos plenários. Quem me confere as medalhas e os títulos honorários que não vou buscar... As honrarias das quais declino, por serem subordinadas às provas do que sempre fui, mas antes faltavam rótulo, carimbo, influências externas... Conveniências comerciais e sociopolíticas.
Cheguei onde pude, por precisar sobreviver. Na verdade, cheguei além das profecias próprias e as de quem torcia pelo meu destino. Torcia, porque me amava, porém temendo, embora tanto reconhecesse quanto admirasse os meus valores enclausurados e reprimidos.
Neste momento, só eu sei da falta que fazem aquelas pessoas que me viram quando não tive passado, presente nem futuro. Era invisível, inviável, sem promessa e perspectiva. Não exatamente para mim, mas para todos que procuram no ser humano algum investimento sem risco.

ABELHA SEM MEL


A triste abelha se cala. Voa muda e já não arrisca o seu rasante habitual. Tenho vaga impressão de que poderia tocá-la sem temer uma ferroada. Não o faço, porque jamais faria e porque neste momento a respeito mais ainda, imaginando a dor da surpresa ou da traição que a deixou muda... Quase sem movimento... Sem fé na própria natureza.
Conheço bem uma traição. Tenho muitos anos de vida, embora muitos me falem que ainda vivi pouco... Gente que já viveu mais ainda e conhece bem mais o mundo, as pessoas, as coisas e os segredos que se renovam quando pensamos saber tudo... Pelo menos quase tudo, após todas as vivências acumuladas a partir da meia idade.   
Ah, sim; eu falava da triste abelha. Tão triste quanto fiquei, quando percebi que determinado amor não foi de fato amor... Que uma grande amizade não passara de conveniência... Que aquela grande chance de minha vida fora mais uma fraude que o destino, ajudado por alguém, cometera sobre o verdor dos melhores anos pelos quais passei.
Lá se foi a triste abelha... Percebeu, atônita e frustrada, que a bela flor de seda não era flor. Suas cores não eram naturais e não havia perfume. Sobretudo, a flor de seda não tinha essência, pois lhe faltava pólen... Alma de flor.... A energia do mel que simboliza, entre todas as outras coisas, a continuação da vida.

TUDO É NADA

Querermos tudo é o que nos faz arbitrar que muito é pouco.

BANCO DE AFETO


Vais guardando em meu peito impressões de querer;
Depositas teus olhos; expressões sutis;
Teu silêncio me diz umas coisas miúdas
Que os sentidos conservam pra quando arbitrares...
Sou teu banco impreciso nos juros que aplico
E não sei de que modo avaliar teu fundo,
Meu processo acanhado procura certezas
Pra dar crédito ao fogo anunciado em ti...
Reconheço teu saldo e terei que dar conta,
Se disseres que agora, depois, pouco importa,
Minha porta e meu cofre terão de se abrir...
Guardo bem os desejos, as fundas carências
Confiadas ao quanto me tornaste sócio
Dos teus ócios, ofícios, clamores e sonhos...

SAUDADE


Este soro que ora choro,
É minh´alma bem salobra
Que deságua de saudade... 

POESIA COM POESIA


Madrigais que pretendem ser de amor
Têm que ser de leveza flutuante;
Feito paina liberta pela brisa
Pra voar sobre lírios e taboas...
Sem querer desvendar a eternidade
Numa simples visão infinitiva,
Dose bem a magia de seus versos
E não faça poesia sem poesia...

VÍCIO DE SER GENTE


Quase vejo a passagem morosa dos dias
Ou as horas tardias arrastando a vida,
Porque tenho preguiça de correr na frente
Pra passar do meu tempo, apressar o desfecho...
É por isso que amanso as verdades ariscas
E lhes ponho esse clima de brisa e remanso,
Não me nego ao trabalho mas também me deixo
Ao relento, ao desleixo de sorver meu ócio...
Meio sinto a carícia dos anos vividos,
Dou ouvidos a tudo que o silêncio traz,
Tenho paz de não ter por capricho e de sobra...
Os estrados, os cascos não me dizem nada;
Gosto mais do que faço que dos resultados;
Muito mais das pessoas que dos meus pertences...