segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

UM AMOR DE VERDADE

Na saúde ou na doença, não. Só na saúde. Na saúde afetiva daquele amor que vence as doenças e nem a morte o mata.
Na riqueza ou na pobreza, não. Só na riqueza. Na riqueza de um enlace que não se abate por privações. Que se autossustenta e permanece forte para superar qualquer fase.
Na alegria ou na tristeza, não. Só na alegria. Na alegria de se ter ao lado a pessoa que reluz. Que faz tudo valer a pena... transforma caos em sonho; medo em esperança.
Um amor de verdade não pode ser negativo... tem que ser tudo de bom... tem que ter dom de se renovar.

domingo, 30 de dezembro de 2012

AS TRISTES CRIANÇAS DO RAUL GIL

Sempre que vou a casa de uma tia, flagro-a emocionada com as crianças que vão ao programa do Raul Gil, que ela só perde para ir à igreja, se houver um culto extraordinário na mesma hora. Pobres crianças... mais parecem adultos pequeninos, programados para repetirem as máximas dos adultos; usarem roupas, penteados e maquiagens de adultos... terem compromissos de adultos.
Aquelas crianças escravizadas pela vaidade dos pais, nada mais fazem do que pular uma etapa imprescindível. Amadurecem à força, sem passar pelo dulçor de uma infância feliz, pautada pelas brincadeiras, pela ingenuidade, pelo encantamento por personagens intocáveis, inclusive da tevê, que não faz parte da vida real de uma criança comum. De uma criança que não tem nem deveria ter compromissos que virão no tempo certo, se os adultos não interferirem.
É muito triste ver crianças competindo entre si. Disputando quem canta melhor, quem é mais bonito, quem desfila com maior elegância, quem é mais inteligente ou esperto, conhece mais palavras e comete menos erros ao discursar para júris. Crianças vencendo e sendo vencidas por crianças. Aprendendo equivocada e precocemente, que pessoas nascem para superar umas às outras; que a superioridade sobre o outro é um desafio constante a ser vencido.
Essa educação equivocada muitas vezes começa quando um adulto (pai ou mãe) quer compensar suas frustrações de uma vida inteira, criando seus filhos para serem campeões ao invés de cidadãos conscientes e felizes, que poderão ser ou não campeões. Querem filhos perfeitos e precoces, íntimos dos pódios, das passarelas, dos flashes e dos meios sociais mais sofisticados. Não entendem que as crianças sofrem quando são forçadas a amadurecer tão verdes. As meninas, por exemplo, quando são obrigadas a trocar suas roupas floridas, rodadas, engraçadinhas, por vestidos mais sóbrios e até sensuais. Os meninos, quando seus pais os forçam a trocar as peladas nos campinhos enlameados pelo compromisso rígido da escolinha de futebol, sem saberem se é isso que eles querem. Ou ainda, quando esses meninos ainda bem pequenos têm que se vestir, falar e se comportar como executivos.
Criamos buracos em nossos filhos. Buracos que eles sentirão mais tarde, ou tarde demais, por não poderem voltar no tempo. Não é nada lindo, como muitos exclamam (que lindo! Parece uma mocinha!), ouvir de uma menina de seis, sete, nove anos de idade, que ela tem compromisso com a manicure, o cabeleireiro, a esteticista... ou de um menino, que ele precisa ensaiar para conceder uma entrevista, e não pode "fazer feio". Isto quer dizer que esse menino tem o compromisso de memorizar palavras, frases feitas e gestos de seus pais, para não correr o risco de parecer menino.
É uma pena que o mundo esteja como está. O que parece uma inclusão de crianças, um mundo aberto aos talentos infantis, no fundo é a exclusão da infância; é a constatação de que o mundo não abre as portas para meninos e meninas... pelo contrário, extermina os meninos e as meninas que moram dentro de cada... menino e menina.
Pobres crianças do Raul Gil...

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

POR QUEM VEM COMIGO

Quero mais do que o quanto; quantias não bastam;
elas gastam quem sou quando penso que as gasto,
se me fazem julgar que a vida está nas lojas
e que o mundo se rende ao meu álbum de bens...
Hoje quero as pessoas, elas são mais caras
do que todas as coisas que valem tesouros,
muito mais que as mais raras de todas as obras
que os artistas mais célebres eternizaram...
Vejo além do futuro de muito a se ter,
os maiores presentes estão nas presenças,
a maior recompensa é vencer a vaidade...
Busco a vida bem antes do pódio e da glória;
minha história já vale por quem vem comigo,
sendo amigo; parceiro; jamais oponente...

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

CARO AMIGO; RESPEITE O MEU PRODUTO


Ao contrário do que se pensa, escrever não é meu hobby. É um ofício que me dá prazer, orgulho e renda extra, pois também sou educador. No fundo, isso explica o porquê dessa necessidade. Cada coluna em periódicos; cada texto na web;cada livro lançado é um recurso econômico direto ou indireto, além de ser uma necessidade íntima; existencial.

Quando lanço meus livros independentes, a felicidade por manter esse velho sonho de ver minha obra ganhar mundo, emocionar pessoas e me ajudar a ter conforto material tem seus efeitos adversos. Entre os quais, a indignação de constatar que muitos amigos (e são inúmeros os amigos) não respeitam meu trabalho como tal. Não entendem que faço investimentos em um produto que só me dará retorno se for vendido por dinheiro, além dos elogios. Não apenas por elogios. Todo mundo respeita o comerciante, o camelô, a manicure, o pedreiro e até o miliciano de sua cidade, mas quase ninguém respeita o escritor palpável; visível; também de sua cidade. Tantos amigos e admiradores desse trabalhador igual aos outros, mas a maioria quer ganhar seu produto; jamais compra-lo, como compra roupas, calçados, bonecas infláveis, bijuterias, potes, pastéis, caldo de cana e sorvetes.

Dia destes, um amigo me abordou na porta de sua casa comercial, uma bela loja de roupas, para perguntar sobre o livro que lancei recentemente. Incauto, abri a mala cheia de exemplares previamente vendidos para uma escola da rede privada local. Então ele quis saber se havia exemplares excedentes. Mais uma vez incauto, respondi que sim. Esperto, meu amigo pegou um livro, apertou contra o peito, me fez elogios e arrematou: "Este aqui é um presente para o velho amigo?". Constrangido, mas cuidadoso para não constrangê-lo com um "não" daqueles, preferi responder de forma simbólica. Entrei na loja, escolhi um belo casaco de grife, apertei contra o peito e devolvi a pergunta: "Este aqui é um presente para o velho amigo?".

Flagrado em sua falta de ética ou noção, meu amigo teve humildade o suficiente para rever seu conceito, pedir desculpas, consultar sobre o preço, a temática do livro e, absolutamente por ter gostado, adquirir o seu.

Quem tem ética e respeita o próximo, sempre há de valorizar os produtos e serviços de qualquer trabalhador... e sempre há de ver como trabalhadores, mesmo aqueles profissionais que os preconceitos de séculos passados marcaram como preguiçosos; "boas vidas"; indignos de serem levados a sério.

Ficarei feliz por autografar meu livro para você, com o mesmo carinho e reconhecimento que você deve ao meu produto. Só não me peça para doar esse "ganha-pão", a menos que eu tome a iniciativa do presente, como às vezes faço, e só eu sei quando posso. Nem o leve para pagar depois, caso esse depois não tenha data, horário, nem como ser cumprido. Faça de conta, por exemplo, que meu livro é o contrafilé, a tevê de led (bem mais baratinha), o refrigerante, a dipirona pelos quais você paga e não fica chateado com os atendentes ou proprietários... mesmo que sejam velhos amigos.

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

ANTES SÓ

Se for só por solidão
que não vai deixar de ser,
não a quero em meu caminho;
é melhor seguir sozinho
a minha verdade...
Já não quero estar feliz;
se não for pra ser feliz,
é melhor não sê-lo a salvo;
bem distante do meu alvo
de felicidade...

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

O FIM DO FIM DO MUNDO

Zero hora. Vinte e dois de dezembro de 2012. O mundo acaba de não acabar, contrariando alardes pontuais mundo afora. Mais uma vez é o fim do fim do mundo e de mais um dia como todos os outros, com nascer e pôr-do-sol. Aliás, o até então derradeiro dia foi um dos mais belos e serenos que vivi nos últimos tempos. Últimos tempos que não foram os últimos.
Prossegue o mundo, que todos os dias acaba para muitos, não porque acaba, mas porque pessoas lhe dão adeus. Porque muitos partem, quiçá para outros mundos que ninguém jamais há de saber se existem, pelo menos enquanto não partir também. Tudo recomeça do fim; todas as formas de vida se manifestam. Daqui a pouco será natal, fim de ano, de novela, namoro, casamento, fim de festa ou de solidão. Menos fim do mundo.
Pelo menos nos próximos milênios, não teremos a bênção de morrer todos juntos. Continuaremos a enterrar nossos mortos. A sentir saudades dos que se foram. Perder pessoas queridas para não se sabe qual dimensão. O tão temido fim do mundo nos pouparia de muitas dores e tristezas. O caos dessa possível data não seria maior do que o vazio que nos habita, quando sobrevivemos a uma grande perda.

TODO AMOR É BEM-VINDO

Que os amigos presentes não mudem pro "face";
os amigos do "face" não sumam de lá,
e nenhuma conquista justifique a perda
nem ocupe o lugar do que um dia ruiu...
Quero a vida bem cheia de afetos firmados,
confirmados, recentes, vindouros, eternos,
virtuais ou palpáveis, possíveis às mãos
ou aos dedos que acessam presenças remotas...
Todo amor é bem-vindo ao adentrar a porta,
ao pular a janela do computador
pra romper os desígnios da solidão...
Só não quero essas trocas de faltas doídas;
essas idas e vindas que não se completam;
as vertigens de vidas desaguando em vão...

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

SE NÃO PODES ME AMAR

Sempre dei quantos passos os meus pés enxergam,
meu olhar jamais anda para lá do alcance,
quero a chance que os braços podem conceber
sob a mente que abraça limites palpáveis...
Sei viver minha cota; meu tempo; meu naco;
apostar no meu taco, na bola e a caçapa
disponíveis na mesa, no espaço do jogo,
pois o fogo em minh´alma obedece ao incêndio...
Se não podes me amar, tua pele me serve;
se não ferves por mim, quero a tua mornura;
se não vens te possuo no vão da esperança...
O que peço ao destino é que nunca te roube
do meu sonho e da vida que o sonho permite;
meu limite não sabe ser além de ti...

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

DE TANTA ENTREGA

Já me dei no atacado e também a granel,
virei saco vazio, casco sem essência,
dei a minha decência, o bom senso, as virtudes
pelas quais algum dia pude ser quem fui...
Tive todos os graus das escalas de afetos
e jamais os neguei nas proporções exatas,
foram chãos, foram tetos, pois dei o meu mundo
feito cão cujo mundo é quem lhe dá carinho...
Entreguei a minh´alma num corpo irrestrito,
meu amor mais contrito na pipa devassa
que deixou a cachaça da paixão ir junto...
Por me dar tanto assim não me achei quando quis,
quando fiz o balanço das perdas e os danos
e cheguei ao desejo de voltar pra mim...

LIBERDADE NÃO EMBURRECE

Dentro dos meus critérios de filtragem, seleção e coleta do que há de bom em quase tudo, tenho perfil no Facebook; acompanho algumas novelas; leio gibis; vejo filmes de super heróis. Faço muitas outras coisas consideradas fúteis e não tenho temor da idiotização, justo porque não há na minha natureza qualquer tendência para a idiotice, a mudança irresponsável de conceitos ou a conversão desavisada.
Tenho profunda e sincera piedade daqueles pobres diabos que fogem de tudo isso não exatamente por gosto pessoal nem filosofia própria. São apenas tangidos pela fragilidade ou inconsistência de seus conhecimentos adquiridos ou decorados na universidade, na pós-graduação e nos meios que frequentam mais por defesa, insegurança e manutenção das aparências do que por vontade ou prazer.
Não sou escravo de nada que faço, porque tenho estrutura para só fazer quando quero, enquanto e se de fato quiser. Mas esses de quem trato são casos patológicos, por serem escravos do que não fazem, mesmo quando querem. Têm o compromisso de jamais descerem de um pedestal que não existe, sob pena de serem flagrados pelos outros escravos pseudoeruditos que tanto os vigiam quanto são vigiados por eles.
São esses os idiotas. Os encabrestados pelo conhecimento que deveria libertá-los e munir das condições de transitar por todas as culturas, absorver o melhor de cada uma delas e jogar fora o que não se aproveita. Condições, inclusive, de saber que até os livros bem recomendados pelo Jô Soares, os filmes que o bonequinho do Globo aplaude, as obras de arte dos maiores gênios da humanidade também têm o que se jogar fora.
Falo de gostos e de respeito. Do direito de ir e vir. Das livres escolhas de cada um, sem que outros lhes imponham pechas ou desqualifiquem essas escolhas, movidos pela burrice de pensar que a liberdade emburrece.

RELAÇÕES TRABALHOSAS

Hoje pairo no campo das facilidades,
onde o sonho não pesa, não me deixa exausto,
não exige holocausto, heroísmo, bravura,
nem a felicidade me arranca pedaços...
Acho injusto lutar por amores difíceis;
ser amigo extremado e só ter bons amigos;
dar meu couro na grei que também quer minh´alma
e ter calma infinita com quem dificulta...
Já sangrei o que pude por uma mulher,
já suei toda fé por quimeras astrais,
dei até meus miúdos em tachos de afetos...
Mas agora só quero as paixões disponíveis,
amizades possíveis, bem fáceis pra mim,
darei fim ao sem fim das relações cavadas...

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

DE QUEM AMA

Rege os nossos impulsos, compõe o querer,
uma força maior do que a nossa moral;
um mistério que rompe as certezas formais;
algo mais que o mural de nossos mandamentos...
O que tange os sentidos, levando ao amor,
fura o pano dos credos, do estado civil,
vai além dos conceitos de casta e de clã;
do ser louco, senil, de bom tom ou bizarro...
É possível saber que direção seguir,
como agir corpo afora, o que fazer da chama;
dominar, atitudes, forjar probidade...
Mas quem ama não vence o que leva no fundo,
porque sua verdade não segue os padrões
de senões e consensos; dogmas; tabus...

O MUNDINHO DA ESCOLA

Um artigo meu, bem recente, sob o título AS MAZELAS DA ESCOLA CONTRA CULTURA recebeu uma crítica equivocada. A professora que a fez, entendeu que se tratasse de um desabafo em razão do comportamento do aluno dentro da sala de aula: desrespeito, agressividade, falta de disciplina etc. Por isso, argumentou sobre a falta de parceria da família que passou a delegar todas as atribuições educativas à escola. Falou do abandono, a distância ou a frieza dos pais. Tudo correto, se as observações do meu texto estivessem mesmo dentro desse contexto.
Falei especificamente do que ocorre dentro da escola. Do medo que a escola (especialmente no que tange os diretores e orientações) ainda sente, de permitir que os eventos culturais extra-didáticos adentrem as dependências das unidades. Desse pavor que os educadores têm dos livros não obrigatórios (didáticos e paradidáticos velada e previamente censurados). Da cegueira e a superstição dos educadores que veem nas manifestações folclóricas mais genuínas e profundas o que chamam de bruxaria, e por isso as limitam ao vestuário, à gastronomia e ao artesanato. Sempre com os devidos cuidados para que nada fira suas convicções (ou inseguranças) religiosas.
Onde estão, por exemplo, os estudos, projetos e aplicações referentes à lei nº 10.639/2003, especialmente no que se refere a conhecer a história do Brasil contada sob a perspectiva do negro, com exemplos na política, na economia e na sociedade em geral? As escolas fazem, sim, eventos isolados, estritamente pedagógicos, com o cuidado de "pular" qualquer aspecto que aborde a religiosidade. Têm meda da "macumba". Não conseguem entender que ignorando a religiosidade, abafaremos o que há de mais forte e significativo na cultura africana, o que nos fará entender bem pouco da imensa riqueza que temos a explorar. Sendo Assim, mais uma vez ficamos restritos à culinária, o vestuário, algumas apresentações de capoeira e nada mais.
Acreditem se quiserem, mas trabalhei numa escola de curso normal, tão tacanha, que certo dia convidei um grupo bastante conhecido em minha região, para fazer uma apresentação de maculelê (em sua origem uma arte marcial armada, mas atualmente, uma forma de dança que simula uma luta tribal usando como arma dois bastões com os quais os participantes desferem e aparam golpes ao ritmo de música), e a diretora me chamou, apavorada, dizendo que não queria saber de "macumba lelê" na "sua escola". Não aceitei, fui e frente, mas doravante a nossa relação ficou tão desgastada, que acabei ficando sem ambiente e me transferindo no ano seguinte.
Foi a esse tipo de escola que me referi no artigo em questão. Escolas que só querem formar profissionais; mão-de-obra; da mesma forma, criar ovelhas passivas diante das mazelas políticas, e obedientes a líderes religiosos, façam e digam, esses líderes, o que quer que seja.
Quero ainda dizer à professora ofendida, que os nossos jovens estão mesmo, como ela disse, rebelados contra o abandono e o descaso da família, mas também contra a falta de preparo dos professores (e eu devo ser um desses professores), diante do mundo globalizado, que misturou as culturas e exige um entendimento muito mais amplo do que o pedagógico.
Mais ainda: se escola existe, mesmo existindo a família, isto quer dizer que nos preparamos para prover os nossos jovens daquilo que a família não pode, porque não é sua especialidade. E os jovens, muitas vezes vão para a escola em busca de uma libertação social/cultural/religiosa que não acham em casa, mas encontram o mesmo sistema de canga, imposição e extrema hierarquia. Posso dizer por fim, que neste caso, escola e família se unem. Por que então não se unem em nome da libertação, da expansão de ideias e culturas, do entendimento e da paz verdadeira, não obrigatória, entre as diferenças sociais, econômicas, culturais, étnicas e religiosas?
Acreditem, educadores: a mistura cultural dentro da escola; o acesso de livros diferentes, ainda que firam nossos princípios religiosos e conceituais, desde que não sejam apologias a crimes e pornografias, e a realização de feiras literárias constantemente oferecidas por editoras ou grupos de fora do nosso "mundinho" são essenciais na escola. E se somos professores, que tal se aceitássemos, de vez em quando, ser alunos de nossos alunos?

AS MAZELAS DA ESCOLA CONTRA CULTURA

Precisamos vencer essa cultura perversa e velada de que a escola é apenas uma jaula de conhecimentos formais cristalizados para fabricar tão somente futuros profissionais. Da mesma forma, é preciso vencer a ideia de que a escola só deve permitir aos seus alunos, pelos menos em suas dependências, o acesso restrito aos livros didáticos e paradidáticos rigorosamente monitorados pela burocracia do mercado educacional.
Por que razão ninguém sabe, a escola tenta fazer com que o aluno seja o único a não saber que a literatura fervilha com novidades. Que as artes ganharam caras e nomes novos. A música se vestiu de novos ritmos. O mundo se democratizou nos campos da cultura geral.
Parecem o fim dos tempos, estes em que a escola, que deveria formar cidadãos conscientes, é uma das mais notórias ferramentas anticidadania de que se dispõe. Os burocratas da educação se tornaram auxiliares eficientes do poder público, na missão de alfabetizar sem aculturar; modelar ovelhas sociais, para que as ditaduras vindouras não encontrem resistências como no passado. Afinal,vos ditadores que toleram a pseudodemocracia dos nossos tempos não querem mais conviver com gênios esquerdistas; mártires de oposição; mestres do inconformismo; pessoas capazes de levar o povo a pensar novamente.
É assim que vejo a escola contemporânea, pública ou particular, de nossos filhos crianças ou adolescentes:Oficinas de andróides bem ou mal equipados, com chips de baixa ou alta intelectualidade, mas com algo em comum:feitos para obedecer, mesmo quando pensam que se rebelam; para se autodestruir,ainda que julguem lutar contra um sistema que nunca estará fora. Estará dentro deles, e terá sido instalado pela escola... no que depender só da escola.

GRAÇAS AO DEUS DE MINHA MÃE

Durante muito tempo, uma das grandes tristezas de minha mãe, evangélica desde menina era saber que um de seus filhos não crê em Deus. Fiz o que pude na tentativa de amenizar sua tristeza, mas não podia mentir para ela. Até mesmo porque, se mentisse, ela saberia. Minha mãe era sábia. Via sempre muito além do que estava diante de seus olhos. Ouvia sempre mais do que os ouvidos escutavam. Na verdade auscultava. Examinava naturalmente a sinceridade no que seus filhos falavam.
Com o tempo, ela foi percebendo que meu ateísmo se atém ao Deus – ou aos Deuses – nas formas apresentadas pelo homem, via oralidade ou literaturas. Isso não a satisfez, mas a sua sabedoria soube alcançar a dimensão do que penso. No fundo, ao perceber minha forma de pensamento, minha mãe acabou se identificando comigo de alguma forma. Chegou a me confessar que era evangélica, de todo o coração, acreditava de fato em Deus, mas às vezes também se questionava sobre as características atribuídas a Ele pelas religiões, inclusive a sua, que ela não trocava por nenhuma outra.
Em nossas muitas conversas a sós – passamos a conversar ainda mais, depois da confissão –, minha mãe me falou várias vezes de uma visão que teve quando ainda era criança e trabalhava com os pais na colheita de café numa fazenda no interior do Rio de Janeiro. Nesse dia estava sozinha e muito triste, mais do que de costume, com a vida precária e sofrida que levava junto com os pais e os irmãos. Em dado momento, meio que adormeceu e surgiram à sua frente quatro moças angelicais, com vestidos longos, brancos e reluzentes. As moças flutuavam, cantando para ela em vozes doces e aveludadas um hino muito popular entre os evangélicos, que diz na primeira estrofe: “Não desanime, Deus proverá;/ Deus velará por ti.../ Sob suas asas te acolherá;/ Deus velará por ti...”.
Minha mãe me disse que depois daquela tardinha, ela nunca mais esmoreceu completamente. Foram muitos os sofrimentos pela infância inteira, na juventude e depois do casamento, ao se deparar com a maior de suas responsabilidades, mas toda vez que pensava em desistir de tudo, surgia forte na sua mente a imagem das quatro moças e o som de suas vozes prometendo que Deus velaria por ela. E por sua conta, minha mãe acrescentava no pensamento que seu Deus velaria também por seus filhos e lhe daria força para criá-los e vê-los bem, antes de “partir”.
Quando minha mãe faleceu, eu estava naquele quarto de hospital. Segurei sua mão à noite inteira. Ela partiu ouvindo seu filho ateu cantar baixinho, bem próximo ao seu ouvido, o hino que pautara toda a sua vida. Fiz o que pude para forjar um pouco das vozes doces daquelas quatro moças, mas é claro que não consegui... apesar disso, em alguns momentos pude perceber que minha mãe, mesmo sem poder falar ou se mexer, desenhava traços de um sorriso que aprovava o meu esforço e se confortava.
Tenho impressão de que minha mãe não se sentiu traída pelo seu Deus. O seu único sonho desde que teve filhos e se viu sozinha com os nove, foi realizado: ela nos criou com amor e dignidade, mesmo com tanta penúria, e conseguiu nos tornar homens e mulheres de bem. Razoavelmente bem sucedidos. Nossos filhos já não sofrem parte do que ela sofreu por toda a vida, nem do que nós sofremos por tanto tempo. Graças ao que aprendemos com nossa mãe.

SOBRE A CERTEZA

Com a força dos fatos não se luta;
não se pode vencer tal correnteza;
se passou a não ser absoluta,
a certeza deixou de ser certeza.

CAFONICE

Somos nós os cafonas, aos olhos dos que são cafonas aos nossos olhos.

PELA VIDA INTEIRA

Aconteço em teu sonho, não podes negar,
teu olhar te propaga na tela do meu,
tua voz diz o quanto, apesar do silêncio
que tropeça; gagueja; dá murros na voz...
Posso ler nessas linhas do caderno exposto
em teus lábios, teu rosto, na cara volátil
simulando; fingindo; nesse faz-de-conta
com que aprontas o riso pra tapar teu choro...
Sei que sabes que sei do querer que te oprime;
que me tens como crime que tens evitado;
teu pecado secreto, só por omissão...
Mas me deixa te achar de maneira tocável;
pode ser um momento jamais repetido;
já terei existido pelo tempo a mais...

CONFIANÇA DEMAIS

Confiarmos muito numa pessoa, e demonstrarmos isso, pode fazer essa pessoa desconfiar de nossa confiança.

PRA QUEM ME QUER

Não me veja de banda ou não verá,
nem me leia caçando os meus desenhos,
meus engenhos exigem mais estudo;
minha vida já tem um bom enredo...
Só me pegue se for pra fazer uso
proveitoso,adequado e consistente,
seja urgente mas traga o seu critério
mais profundo, sensato e verdadeiro...
Nem me tenha por ter, pois voltarei
ao meu corpo, meu lar, minha verdade,
quando a sua vaidade me ferir...
Não me beba se for pra mictar;
quero ser o seu lago permanente,
a nascente, o dilúvio, a sua espécie...

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

RUPESTRE


Uso a vida pra ser o que me cabe,
levo o mundo nas malhas do meu sonho,
ponho a sorte na conta do futuro
e me deixo seguir sem grandes medos...
Tenho tudo apesar de quase nada,
quase vivo de grilo e mel silvestre,
sou rupestre nos vãos contemporâneos
destes tempos pra lá do meu conceito...
Aprendi a viver onde já sei
que no fundo se morre até à morte
pela lei de viver além da conta...
Quero apenas o quanto me provê,
ter o céu que a tevê mudou de cor
e o amor que as novelas não fraudaram...

FELIZ COM VOCÊ


Seu sorriso amanhece no meu rosto;
sua lágrima chove no meu fundo;
minha calma se apoia em seu recosto
e na sua existência tenho mundo...

Sou feliz a tal ponto que redundo;
seu setembro ilumina o meu agosto;
vejo-a em flor e me sinto mais fecundo,
e na sua estação montei meu posto...

Boto a minha esperança em sua folha;
sua espuma garante a minha bolha
colorida, suave, alegre, leve...

Seu verão me conduz ao balneário;
minha lua se banha em seu aquário;
meu inverno faz festa em sua neve...

MARCADO PRA VIVER


Sei dizer que não sei viver assim,
desta forma insentida no meu peito,
como quem se despede antes do fim
ou entrega um projeto sem ter feito...

Quero mais do que o sonho atado ao leito,
que levar tantos nãos e dizer sim,
ao abrir os meus olhos contrafeito
e saber que uma pedra está no rim...

Aprendi que preciso dar a volta
por detrás ou por cima da revolta,
e se ainda houver show pagar pra ver...

Digo então que apesar das amarguras,
nada vai abalar as estruturas
deste cabra marcado pra viver...

ESCRAVOS DO PODER

Inimigos das letras e das artes, alguns diretores escolares levam a fabricar escravos; talvez intelectuais, mas não aculturados. No fundo, esses diretores também não aculturados são escravos especiais de quem lhes encomenda mais e mais escravos.

DEUS, O DIABO E NÓS


O Diabo é um pobre diabo marginalizado por Deus.

...

No fundo, os ditadores políticos imitam Deus, que escorraçou do reino dos céus o prmeiro líder de oposição e seus militantes.

...

Ao contrário do céu dos fiéis, que é mirífico e distante, o céu de quem vende o céu para os fiéis é concreto e presente.

...

Mais alvo do que a neve;
casto, pleno, santo e são...
Haja crista pra ser cristão!

ANALFABETO

Quem sempre teve papel higiênico não sabe ler a vida como ela é, porque jamais "se limpou" com jornal, página de revista ou de livro... é o verdadeiro analfabeto. 

VIDEIRA


Vi uva em teus lábios...
e no cacho do teu corpo
viuvei a sede.

CORAÇÕES DESGOVERNADOS


Beto baba por Bia; paixão perigosa;
Rosa reza por Beto, por quem tem paixão,
mas Armando arma um plano pelo amor de Rosa,
por quem chora; respira; sonha; perde o chão...

Carlos cala o que sente pela Conceição,
que prepara um ardil para fisgar Feitosa,
porém ele não para de fazer canção
pra dizer como a Jéssica é maravilhosa...

Cabo Souza está louco pelo Malafaya;
esse outro já disse, não é sua "praia",
e garante amar Sheila, que só pensa em Nanda...

Desencontros de afetos; de sonhos; destinos;
são amores perdidos em seus desatinos;
coração é distrito no qual ninguém manda...

FAMÍLIA QUEBRA-LÍNGUA


Juca gosta de jaca e também de caju;
cabra jeca que veio lá de Aracaju;
filho de Joca, que tem cabelo acaju
e devora cajá; caça paca e jacu...
Tábata, mãe de Juca e cônjuge de Joca,
feito estaca na toca da copa da casa,
faz um doce de coco com jaca e cajá
pra deixar Joca e Juca mais jecas ainda...
Juca, Tábata, Joca, jacu, caju, jaca;
jecas, cajás, acajus lá de Aracaju,
têm um jegue que julgam que seja zebu;
quebram cacto, coco, quebranto e tabu...

AS CORES DO AMOR


Leva em conta que o conto é realidade;
conta o quanto podemos ser felizes,
quando nosso temor quebrar a grade
que nos priva de sonhos e matizes...

Tais desejos não têm que ser deslizes
deste amor desbotado de amizade,
daltonismo pra telas ou matrizes 
onde afetos alcançam liberdade...

Faz de conta que tudo é faz-de-conta;
vem montar nesse vento que se apronta;
será nosso alazão de norte a sul...

Eis o mundo que agora nos convida
pra voar nos encantos de uma vida
rosa; verde; vermelha; bege; azul...

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

COMO SE FOSSE O PARAÍSO

Na adolescência, quase juventude, fiz uma parceria intrigante com a Sueli. Irmã de um também adolescente, que além de ser meu colega na escola foi o responsável pela minha suposta conversão ao cristianismo (suposta, porque depois de algum tempo joguei a fé para o alto), a Sueli é um capítulo especial de minha vida.
Gostava de andar com ela pelos recantos mais escondidos de Piabetá e seus arredores. Fazíamos farras e programas ingênuos que nos davam grande alegria em meio aos conflitos juvenis que nos perseguiam por sermos um pouco diferentes do que se queria naqueles anos. Com ela exerci bastante minha excentricidade, graças à grande confiança que se firmou de pronto ao nos conhecermos.
Muitos pensaram que fôssemos namorados. Não éramos. Também não éramos simples amigos, porque simples amigos não têm a cumplicidade que tivemos; não confiam de forma tão desarmada e plena. Não desfrutam de tanta intimidade como foi nosso caso. Não se conhecem tanto como nos conhecemos, desarmados e desprovidos de todo e qualquer cuidado; de todo e qualquer segredo.
Quase nada escapou de nossas andanças e descobertas: matas fechadas, descampados, ruínas, rios que ninguém conhecia, cachoeiras desertas ao luar, estradas distantes... eram sempre lugares onde podíamos ficar a sós e trocar sentimentos, dúvidas, temores e alegrias... além dos momentos em que líamos juntos os poemas ingênuos e melosos que minha inspiração compunha.
Tenho saudades da Sueli... vejo-a de quando em vez, mas tenho saudades mesmo assim, pois me refiro àquela Sueli... a quase jovem destrambelhada que topava o mundo comigo, não temia consequências e desafiava a rigidez dos pais, porque lia meus olhos; meu espírito; minha transparência.
Saudades dela e também de mim. Também me vejo de quando em vez, ao olhar o espelho, mas não me refiro a quem sou agora, e sim, àquele jovem que por um tempo despertou sentimentos tão raros... que se fez confiar com tanta entrega e desprendimento, como se o mundo no qual vivemos fosse o paraíso.

BOA SORTE

Reconheço a grandeza do amor que trouxeste
na bagagem de sonhos expostos ao vento,
a riqueza inconteste que veio em tu´alma
com a simples missão de me fazer feliz...
Sei do quanto sofreste por minha frieza;
pela minha distância; meu abismo exposto;
a barreira em meu rosto, este corpo fechado
prá magia do afeto; a barganha de afagos...
Não podia deixar que sonhasses em vão,
que me desses a mão pra seguires a esmo,
garimpando num céu sem azul nem tesouro...
Avalio em meu peito essa graça perdida,
mas me basta uma vida para não ter norte...
...boa sorte no amor que terás de outro alguém...

MEDO DE AMAR


Tanto quanto te quero, quero não querer;
Sei do preço do apreço; conheço a tabela; 
Já parei de novela, enrolei o novelo,
Recolhi qualquer sonho de trocar amor...
Tenho medo de achar que me achei outra vez,
De perder este medo e também o sossego
De ser só, só viver pra vir ver mais um dia,
Porque a vida não para pra deixar descer...
Mas querer não querer é querer impossível;
Impossível fugir de fugir de mim mesmo
E cair em teus olhos; teus lábios; a lábia...
Quero tanto nem tanto (quanto ao quanto quero),
Que meu quanto não quero se atropela e cai
Neste chão do sem chão que já fico por ti...

VIVER É SAGRADO

Se deixo a vida fazer
curso em mim,
não é senão porque sonho
ter um final;
e não um fim...
E vivo desde a raiz,
do "inicial",
pois uma história se faz
do se fazer,
do não ficar para quando
o todo jaz;
deixa de ser...
Eu bato ponto no mundo;
marco presença na vida;
se tenho tempo a ganhar,
pago pra ver,
porque viver é sagrado
e não me agrado
de morrer
até morrer...

FARSA

Minh´alma insana tem paz
no caos da farsa perfeita
da poesia que me faz
e faz de conta que é feita...

NOITE NO SEU CORAÇÃO

Fui aquele sorriso que alugou seu rosto
por um tempo que o tempo desbotou no espaço,
faço falta em seus olhos dos quais fui a luz
quando fomos dois sonhos encarnados num...
Perfumei a su´alma e colori seu mundo,
espalhei um jardim na solidão sem céu,
sem distância, sem fundo, que a tornava um ermo
sob a noite perene do seu coração...
Mas um dia o seu rosto se cansou do riso;
seu olhar decidiu restituir a sombra;
ser feliz lhe soou como futilidade...
Porque fui a verdade que não pode ser
pra quem acha que o sonho só pertence ao sono;
põe as dores no trono da vida real...

CHÃO DO MEU DESERTO

Só queria me achar, me convencer
a sair deste sonho que me anula,
que me ovula e "rechoca" pro vazio
deste afeto sem eco; sem resposta...
É tristonho intuir que sentes muito"
mas não podes pagar na mesma flor;
na "moeda" ou valor do que dedico
aos teus olhos dispersos; tão distantes...
Ou queria te achar no meu espaço,
no cansaço, no vácuo da carência
desse olhar; dessa voz ao meu encontro...
Só não quero esculpir a eternidade
que se forma em redor da solidão;
vira pedra no chão do meu deserto...

SONO DE PEDRA

Quem toma calmante
faz que sim, mas não dorme.
Morre até de manhã.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

TER QUE TER

Neste mundo em que o ter por ter vai muito além da necessidade, não é o simples não ter que gera sofrimento e frustração. Chegamos ao ponto em que o ser humano ressente-se da falta do que não faz falta; tem urgência do que não é urgente; amarga essa ditadura do ter que ter.
Sobrecarrega os nossos ombros, o peso do fato de que o ter já nos destituiu faz tempo, da verdadeira importância, da essência e do valor inestimável do simplesmente ser.

VOLUNTARIADO EQUIVOCADO

Jamais se permita ser voluntário onde você pretende um dia, por mais distante que seja, ser tratado como profissional. Qualquer instituição que hoje obtém seus préstimos ou desfruta de seus talentos de forma não remunerada sempre o terá como voluntário; amador; figura disponível... colaborador gratuito nos tempos de pouca ou nenhuma verba e também nos tempos de abastança, quando outras pessoas com os mesmos dotes que você ou nem tanto, serão contratadas, por boas quantias, para fazerem as mesmas coisas. 
Você há de ser sempre o amigo abnegado, que deixará de ser visto como amigo se vier a reivindicar o mesmo respeito, a mesma distinção, as mesmas regalias que sempre são destinadas aos que nunca doam. jamais colaboram. Não se expõem nem têm tempo a perder com parcerias não rentáveis. Por isso mesmo são respeitados. Tratados com reverência. E quanto mais altos forem seus preços, maior é o respeito; maior é a admiração, ainda que o serviço prestado não seja grande coisa, o que ninguém perceberá: todos estarão focados no currículo quilométrico de pessoas tão bem recomendadas, que poderão fazer ou dizer o que arbitrarem, pois até seus possíveis absurdos serão elogiados ou aplaudidos, além de remunerados.
Deixe para ser voluntário onde a real necessidade clama. Onde o seu voluntariado seja caridade, assistência ou corporativismo social. Onde ninguém leve vantagem enquanto você se doa. Onde não podem remunerá-lo, mas também não podem fazê-lo a outros. Não se julgue melhor nem se permita ser tratado como se fosse pior do que alguém. Seja sempre útil. Às vezes utilizado. jamais usado.

PRA VALER A PENA

Quero sonho em meu peito; pulsação na veia;
desmanchar essa teia no vão do meu ser;
tenho pressa do mundo e saudades de mim,
voltarei deste fim; deste caos; deste fundo...
Busco dias perdidos; um tempo mal gasto;
saio atrás do começo, porém lá na frente;
vou no rasto que a vida sempre desenhou,
mas meu olho sem dente não sorriu pra sorte...
Aprendi que o amor se completa no encontro;
sua estrada só serve se tiver mão dupla;
um afeto não ferve sem efervescência...
Doravante só serve o que valer a pena,
sem haver duras penas ou passos incertos,
nunca mais os desertos que me povoaram...

REQUINTADO E NU

Quando me visto bem,
é pra me despir com elegância
perante os olhos de alguém...

AMOR EMBALSAMADO

Será sempre algo mais que deixarei por menos;
uma força maior enfraquecida n´alma;
esta calma nervosa que me silencia
e mascara o que sinto com o que declaro...
Levarei esta carga sob o riso em face,
minha cara risonha que não é meu rosto,
mastigando este gosto que não tem odor
ou a dor que proíbe manifestação...
Serei tudo que o todo jamais lhe dirá
pelo tempo restante, numa estante oculta,
pra guardar o que tenho do que sempre quis...
E me dou por feliz como não dá pra ser,
porque tenho que ver o lado bom do amor
que não tenho, portanto, nunca perderei

PREÇOS QUE UMA ELEIÇÃO NÃO PAGA

Entre tudo o que há de mais previsível numa campanha eleitoral, existem as surpresas. Quase sempre desagradáveis. A eleição não confirmada de um candidato forte, muito bem votado e que era dada como certa é uma delas. Aí surgem as retaliações notórias ou veladas, os distanciamentos de gente que se gosta, os semblantes constrangidos e algo além, geralmente mais entre a assessoria de campanha, pois os políticos mesmo não se desentendem entre si. Não de verdade. Eles se preservam, reconhecendo que podem precisar uns dos outros futuramente, ainda que não como amigos, mas pelo menos como possíveis aliados, parceiros ou algo assim, visando negócios políticos.
É neste contexto que a política é uma desgraça: na caça às bruxas, são os amigos que  deixam de ser; ou não deixam, mas criam rusgas; nunca mais serão os mesmos; haverá para sempre a acusação, por mais implícita que seja, de traição, infidelidade, culpa. Tudo isso, quando pode ser que não haja culpa entre os que se estranham, pois se o desempenho da equipe foi insuficiente, o do candidato também foi, como foi insuficiente o desempenho de sua família, se é que deva ser levado em conta. Acho que não deve, porque uma eleição é muito mais complicada do que isso. Tem muita gente estranha que é contratada para trabalhar e não trabalha. Tem também muita gente estranha que atua como agente duplo, é espiã do outro lado, e essa gente é de fato estranha, não tem compromisso além do free-lancer por uns trocados de onde quer que venham. Os amigos, a família, os apaixonados que acreditam numa política limpa e justa e se alistam na campanha de determinado candidato não traem. Não enganam. Pode ser que não se entreguem à campanha, por não terem essa característica de militância, mas orientam a quem os procura pedindo uma opinião sobre em quem votar; torcem e votam; dão alguma contribuição gratuita, além de alguma contribuição profissional remunerada, e são transparentes quanto a isso.
Também é inconcebível que as preferências, tendências e ideologias diferentes nas eleições estremeçam amizades, causem estranhamentos, esfriem admirações e cumplicidades.
Quem entra em um jogo, uma campanha política, um vestibular, um concurso, uma licitação, se o fizer honestamente entra para ganhar ou perder. E o mundo, a quem os vencedores nunca são gratos realmente, pois atribuem os méritos a si mesmos, também não é culpado quando essas pessoas não atingem seus objetivos. Há que se perder eleições, há que se ver uma pessoa querida passar por isso, há que se ter um filho, um irmão, um primo reprovado na universidade sem que essa tristeza cause uma amargura capaz de fazer atirar para todos os lados granadas barulhentas ou adagas silenciosas em outrens. Principalmente nas pessoas que de uma forma ou outra deram alguma contribuição que não foi bastante. A pessoa que pleiteou, a maior interessada, é quem mais deve refletir sobre o seu desempenho. Depois, as mais próximas, bem próximas mesmo, no caso, a família. Nunca os que não tinham obrigação direta e mesmo assim doaram algo; talvez um minuto, quem sabe uma palavra, uma orientação, uma dica, mesmo que não tenham funcionado.
Nós, que torcemos por alguém, talvez não pelas mesmas pessoas; que atuamos como colaboradores de uma campanha, talvez não a mesma, ou que de alguma forma estivemos juntos na duração da corrida pelo último pleito eleitoral, sejamos inteligentes e razoáveis, da maneira mais correta e sincera, como os políticos são, maioria de forma torta: mantenhamos nosso bom senso, nossa gentileza e a boa vontade. Nós também não apenas podemos, mas certamente continuaremos a precisar uns dos outros. Se ganhamos ou perdemos, ou assistimos nossos preferidos ganharem ou perderem a eleição, uma coisa é certa: não podemos perder nossos afetos; nossos amigos.

CONTENÇÕES DE AFETO

Saberei me guardar na certeza inconteste
de que muitas lembranças não valem meu zelo,
será gelo por gelo a partir do momento
em que o brio ferido souber quem é quem...
Faço curso de achar a minha vaga em mim,
dar um fim a saudades que não têm respostas,
minhas costas prás costas que alguém já me deu,
meu silêncio total pra quem se faz de mudo...
A distância está pronta e terá preço justo;
preço baixo, de custo, superfaturado
ao sabor do mercado, a demanda em minh´alma...
Mas confesso que temo inflações incontidas,
muitos cortes de vidas, contenções de afetos,
numa crise capaz de me falir por dentro...

PARA SER SÓ SEU

Já deixei de verdades pra sonhar contigo;
pra querer um momento, quem sabe uma vida,
ou não seja uma vida; um momento que valha
pelo tempo já findo e pelo que virá...
Que será que serei, ou que será de mim,
se no fim do sem fim que se tornou meu sonho,
descobrir que só foste um fantasma em meu sótão,
foste assombro causado por minha carência?
Por enquanto me deixo, não sei não fazê-lo,
sob o selo insitintivo da imensa paixão;
sem um chão que sustente as quimeras afoitas...
Já parei de parar nas estações do meio;
já não tenho mais freio e me atropelo em ti;
já deixei de mim mesmo para ser teu carma...

A HERANÇA DE NOSSAS IRMÃS

Indagado pela Branca, sobre quando iria em sua casa, respondi que no dia seguinte, mas com uma condição: que ela fizesse um frango frito ou uma carne assada exatamente como nossa mãe fazia. Condição aceita, pouco depois de alguma oscilação, quando eu disse que aceitaria sua tentativa, mesmo que não fosse tão bem sucedida.
Não muito antes desse desafio que fiz à Branca, fiz o mesmo com a Carminha, dizendo que só iria em sua casa se ela fizesse uma broa, também à moda nossa mãe. A Carminha topou e deu certo. Na verdade, quase certo, mas o seu carinho cuidou do resto e com bastante sucesso. O mesmo sucesso com que a Nete já fez, especialmente para mim, aquela jardineira que nossa mãe não fazia muito, mas quando fazia, não durava na panela.
É claro que tais desafios ou condições para visitar minhas irmãs não passam de uma brincadeira. Elas sabem que não consigo ficar longo tempo sem vê-las e aos meus irmãos. Também é claro que quando me refiro às comidas gostosas de nossa mãe, falo dos anos posteriores ao tempo em que praticamente não tínhamos comida; muito menos o que escolher para o almoço ou jantar.
Brincadeira ou não, carinhosamente nossas irmãs levam a sério. Preparar sempre que podem, as comidas que nossa mãe fazia, é uma forma de se sentirem um pouco mães dos seis marmanjos mimados que elas acabaram herdando quando nossa mãe se foi, sem falar dos sobrinhos que fazem parte do pacote.
Cada uma do seu jeito peculiar, nossas irmãs cuidam de nós. Elas têm uma preocupação ativa, uma paciência de mãe, às vezes uma impaciência também de mãe, tudo reflexo do amor que sabemos e sentimos que sentem por nós. Elas também sabem que os seus irmãos, algumas vezes turrões; teimosos; umas vezes desligados e negligentes, e outras tantas ingratos, exatamente como filhos, têm por elas amor, cuidado e gratidão.
No fim das contas, além de serem nossas irmãs, elas são o que temos de mais próximo da mãe que todos nós tivemos.

AMOR GUARDADO

Fico aqui me dizendo pra falar depois,
quando a minha palavra encontrar teus ouvidos,
que o que sinto é "tão" puro; tão água potável,
e nós dois transcendemos afetos palpáveis...
Redecoro pra sempre o meu texto suave,
minha clave de sol, de manhã musical
cujo encanto não corta meus nervos e a carne;
só eu sei como corta, mas calo a sangria...
É tamanho desejo amarrado ao temor
deste amor que não sabe se terá resposta;
um edema, um tumor, um câncer de sentidos...
Amo além do que a lei de te amar se permite
no país inseguro do meu coração,
na visão indecisa do que pode ser...

FLORBOLETA

Natureza do amor...
A borboleta
é o sexo da flor.

FAMA E PREÇO

Todo famoso é um caloteiro em potencial: não abre mão da fama, quer usufruir ao máximo, mas não quer pagar o preço.

OS DOIS LADOS DA BANDIDAGEM

Se excluirmos o agravante da violência explícita que a própria ilegalidade gera, chegaremos a uma conclusão ao mesmo tempo espantosa e lógica sobre os bicheiros, contrabandistas e traficantes de drogas:esses "trabalhadores" da informalidade super marginalizada pelas conveniências politicossociais nada mais são do que os grandes concorrentes dos governantes.
Na minha opinião, o que marginaliza esses "empresários" tortos e seus servidores é a imposição da sobrevivência sob o signo das armas, em um submundo no qual o poder de fogo é o verdadeiro poder, bem como as negociações escusas com os mais fortes potencialmente, que são os políticos e os policiais corruptos. Também os marginaliza a falta de critério e limite na comercialização de seus produtos, que não poupa crianças e adolescentes.
Quanto ao mais, a única diferença que vejo entre tais atividades, os jogos lotéricos dos governos, a indústria e o comércio de tabaco e bebidas alcoólicas é a legalidade. Os danos sociais são quase os mesmos, ainda que os ilegais não paguem impostos; pois afinal, convenhamos: o atraso, a miséria, o índice de analfabetismo e a escassês de saúde no Brasil, onde os impostos são absurdos e ninguém consegue sonegá-los ao consumir produtos de primeira necessidade, não são causados pela sonegação. O grande problema é a corrupção de quem recebe, contabiliza e aplica os impostos. Infelizmente, concluo que grande parte desses impostos está em contas particulares nos paraísos fiscais; outra grande parte aqui mesmo, aplicada em bens pessoais, e a menor parte, muito mal aplicada no progresso, nas melhorias e no bem estar do cidadão comum, trabalhador, maior pagador de impostos.
Ninguém conclua nem finja concluir que faço apologia ao crime, à contravenção e à sonegação de impostos. O que faço é a depreciação da hipocrisia. Evidentemente, sou contra o tráfico das drogas ilegais, tanto quanto a fabricação e o comércio das drogas legalizadas, que também destroem a sociedade. Condeno a jogatina das casas marginalizadas e a das instituições lotéricas, que são as meninas-dos-olhos do poder público e também viciam; enganam; fraudam. Deploro ainda os mistérios bancários dos juros sobre juros; das "bolas-de-neve"; das armadilhas que lesam; ludibriam a clientela mais simples, com o amparo da lei, exatamente como fazem os agiotas, sem o amparo da lei, razão pela qual estabelecem leis próprias de intimidação física, o que também deploro.
Em um mundo igualitário, de fato igualitário, não existiriam bicheiros, contrabandistas, traficantes, ladrões ou agiotas... não existiria ilegalidade ou contravenção, porque ninguém ou quase ninguém sonegaria impostos justos ou se rebelaria contra o poder enxuto; livre dos bandidos oficiais que abarrotam a política e outras instituições que lesam a humanidade... muito menos contra uma sociedade humana, inclusiva e realmente fraterna.
Mas tudo é uma questão de começo, e o mundo não começou agora... Será que dá para recomeçar? Será que todos nós (inclusive os que  sempre levam vantagem) desejamos isso?

EDUCAÇÃO ENGUIÇADA

A educação que julgamos dar às nossas crianças muitas vezes enguiça na postura que contradiz a palavra.

PRESSA DO TEMPO

O ano passou tão rápido que quando março abril já era dezembro.

QUASE AMOR

De repente vasculho meus espaços
e me falta o calor de quando estás,
faltam nossos silêncios e palavras
que dispensam palavras e silêncios...
Levo a minha saudade por aí;
vai atrás desse bem que sempre fazes,
da leveza dos quases, dos rodeios
que sustentam as nossas fantasias...
Já é tempo demais o pouco tempo
entre os dias que fico sem te ver,
é viver aguardando a tua vinda...
São instantes os dias mesmo longos
de conversa; preguiça; quase amor;
desse amor que sentimos; não fazemos...

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

O BEIJA-FLOR E A TELEVISÃO

Pela janela que dá pros fundos, Fernando assiste ao seu quintal. Nesse momento, a tulipa recém-desabrochada recebe os beijos de um beija-flor. É uma espécie rara pra Fernando. Bem pequenino, parece mais abelha do que beija-flor.
Sem tirar os olhos da cena, Fernando chama Luísa. Quer partilhar com ela o encantamento. Quer sua companhia no programa romântico inesperado.
Luísa não pode. Não abandona o seu televisor de LED. Não agora, depois que o Faustão anunciou novidades no quadro DANÇA DOS FAMOSOS. Luísa não vai perder isso por nada. Muito menos por causa de um beija-flor.
Fernando se resigna e continua na janela. Também não deixa de ver o beija-flor, por causa dos famosos. A esposa que fique lá com o seu programa, enquanto ele assiste à cena que jamais terá reprise. Pode ser até congelada, mas no seu coração... só no seu coração...
... Fernando não poderá reprisá-la no coração de Luísa.

DERROTADO E FELIZ

Depois de ler para Júlia um clássico infantil que narra a história do pai coelho e seu filho, que trocam declarações de amor mensurando medidas e distâncias*, romântica e descaradamente resolvo plagiar: Digo para minha filha, que o meu amor por ela é maior do que o mundo. Não; do que o mundo, não. Na verdade, maior do que a via láctea.
Como que a incorporar o coelhinho da história, ela me olha pensativa. Orgulhosa, nem me pergunta o que é via láctea. Tira sua cabeça do conforto de meu colo, senta, e com voz tão doce como desafiadora, mostra quem manda nessa questão.
- Olha, pai; eu te amo mais do que o céu! Não, do que o céu, não! Eu te amo mais do que tudo aquilo que os coelhos disseram, e mais do que tudo isso que você ia dizer depois de mim!
Derrotado e feliz; tão feliz quanto aquele coelho pai, não falei mais nada. De fato, a minha filha me ama muito... e também é muito competitiva.

* Referência à fábula ADIVINHA O QUANTO TE AMO, de Sam Mc Bratney

AMOR E PRONTO

Não quero chegar
à conclusão
(ou confusão)
de que sinto
por você,
muito mais
do que sinto
que sinto,
e sinto muito
se assim for...
Mas, meu amor;
a vida é assim;
a conclusão
tem suas asas;
vontade própria;
opinião...
E veio a mim...

ACOMODADO E FELIZ

Não preciso de mar... É muita água pra mim... Um riacho me faz feliz...

O DRAMA DO NATAL

Não consigo ver natal nos dezembros tristemente alegres, barulhentos e luminosos de uma sociedade que aproveita o ensejo para promover e ostentar o agravamento das desigualdades sociais.

PERDÃO FAJUTO

Qualquer pagão é capaz de pedoar o que já é perdoável. Só me pergunto, e a todos os que pregam o perdão, mas não sabem perdoar o imperdoável, é o que pode haver de fantástico no que até eu faço.

SEM VOCÊ

Sou escravo do afeto quanto são do engenho
essas almas baldias de quem foi escravo;
tenho raiva dos dias em que não a tenho
e por isso me guardo; me tranco; me travo...

Minha vida é uma fruta sem polpa nem favo;
é ação desvalida no meu desempenho;
tem a mágoa da rosa que apanhou do cravo
e das cores que o tempo apagou no desenho...

Fico assim quando a casa pequenina e densa
vira um ermo infinito sem sua presença;
perde os ares de casa; ganha os de prisão...

Sua graça me falta feito à pipa o vento;
como fecham as portas para um ex-detento,
minha mente se fecha pra toda ilusão...

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

PAI SEM NOÇÃO

- Oi, moleca; está no ônibus? Papai teve que sair cedinho. Não deu pra tomar café com você. Mas tudo bem; amanhã saio mais tarde. Você tomou café direitinho? Tá, molequinha; então, beijinho pra você. Papai vai desligar.
Estou viajando a trabalho com um amigo. Ele dirige. Calado até então, meu amigo pergunta. Só por perguntar... Talvez apenas para quebrar o silêncio que se fez durante o meu telefonema:
- Falava com a Júlia ou com a Nathalia?
- Com a Nathalia.
Meu amigo silencia outra vez, com um leve sorriso no canto dos lábios e mais nenhuma pergunta. Só depois de alguns quilômetros entabulamos outra conversa. Evidentemente sobre assuntos diversos.
Mas quem não me conhece, permita que me apresente: Sou Demétrio; educador, escrevedor de livros, pai da Júlia que acaba de fazer sete anos, e da Nathalia, que no próximo fim de ano fará vinte.

EDUCAR É VIVER

A criança confere o meu discurso
no percurso das minhas atitudes;
na firmeza ou na fuga dos meus olhos;
na transparência do que a fala diz...
O menino defere ou indefere
meus conselhos, as recomendações,
quando a própria postura me autentica
ou as contradições me desmascaram...
Valem mais as leituras das ações;
das lições de vivência consistente
no contexto real de minha vida...
Sou estrada pros passos do meu filho;
sou espelho da fé que o meu aluno
tem ou não neste mundo; nas pessoas...

DE QUEM LIDERA

O bom líder é aquele que não centraliza... Que delega poderes e atribuições... Dá "liderdade" aos seus liderados.

POVO E PODER

Não é o povo que elege o político errado... É o político certo que não existe.

TROCA DE AFETO

Descompus o poema de afeto e candura;
decompus o regaço de fraternidade;
vislumbrei a verdade que há tempo se oculta
sob a velha mornura que disfarça o fogo...
Mas agora me perco entre a ética insossa
e uma poça de sangue a borbulhar por ela
nas vielas venosas do corpo que a quer;
no cenário abrasivo de minha emoção...
Já não posso encará-la e não ver desta forma,
não ferir esta norma que o silêncio impõe
ao temor de perder o que tenho e não tenho...
Desmanchei a pintura do amor inocente,
pra mudar o cenário do meu coração
e deixar a paixão me corroer por dentro...

AVIÕES NO CÉU DO BETO

Quando ainda vivíamos com o nosso pai lá em Brasília, o Beto gozava de algum prestígio com ele. Era bem pequeno, mas vivia dançando ao ritmo de qualquer melodia que ouvisse. Todos diziam que dançava bem. Nosso pai, nas poucas vezes em que não estava trabalhando nem se achava mal humorado, esbravejando contra tudo e todos e maltratando esposa e filhos, gostava de levar o Beto à casa de alguns amigos, para exibi-lo. Mostrar que seu filho dançava bem. Todos aplaudiam, nosso pai vivia seus momentos de pai orgulhoso, e o Beto, seus momentos de filho prodígio.
Na verdade, aqueles momentos bastaram para que nosso irmão, pouco tempo depois, tivesse algumas sequelas e se tornasse um menino ansioso por causa da separação de nossos pais. Foi quando nós e a nossa mãe viajamos para o Rio de Janeiro amontoados em uma Rural (espécie de jipe tamanho família muito popular nos anos 60). Quem nos deu carona foi um colega de trabalho do nosso pai. Ele se apiedou de nós, conhecia bem o Rio e nos levou direto à casa da tia Enedina, em plena favela do Jacarezinho. Ficamos lá por três dias, para depois sermos conduzidos a Santa Dalila, onde moramos algum tempo e tivemos vivências inesquecíveis. Éramos, inicialmente, agregados no terreno de nossos avós, que viviam na santa paz com a tia Elídia e seu esposo, “tio” José Carlos.
Ainda me comovo ao lembrar que para o Beto, o som longínquo dos aviões que passavam pelo céu de Santa Dalila representavam, consecutivamente, uma esperança e uma decepção que se repetiam várias vezes por dia: Quando via ou avistava um avião, o Beto se precipitava para o meio da rua, de braços abertos e aos gritos, quase certo de que aquela nave pousaria diante de seus olhos, para o desembarque de nosso pai. Em seu delírio, ele acreditava que além de matar a saudade, viveria pelo menos mais uns momentos de filho prodígio... Quem sabe até realizasse o prodígio de voltar a ter pai e mãe.
No dia em que nosso pai chegou a Santa Dalila não para nos ver, mas reafirmar que continuaria lutando para continuarmos não tendo pensão alimentícia, muito menos herança, o Beto já era um menino grande e desencantado com aquela ideia. Nem olhava mais para os aviões distantes; tão distantes quanto seus olhos se tornaram por algum tempo. Um tempo vencido em nossos corações, graças ao amor de nossa mãe, que foi tudo para nós: Nossa mãe. Nosso pai. Nosso mundo.

FLORES DE MARIA

Para Carminha, Branca e Nete

Falo agora de um chão com três estrelas;
Elas brilham pra nós a qualquer hora;
Canto a sorte maior de nossos olhos
Que as divisam no breu; na luz mais forte...
Verto agora um poema em três matizes;
Em um trevo de afetos que nos tomam,
Somam suas virtudes e magias
Que nos fazem felizes, pois as temos...
As palavras não dizem com sucesso,
Mas preciso expressá-las mesmo assim;
Peço ao meu coração que as autentique...
Falo agora das flores de Maria;
Dessas flores benditas entre os frutos;
Do que somos pra nós neste universo...

DE AMAR, DE AMOR

Só quem ama
amamenta.
Amacia.
Segue a rota:
Sem amor
amordaça;
amortece;
amarrota.
Por amar
a Marcela,
a Margô,
eis meu ganho:
Amorneço.
Amarelo. 
Amarfanho.

UMAS E OUTRAS DO NEM

O Nem tem um jeito especial de lidar com crianças. Mas ninguém imagine um Nem meloso, com voz de falsete ou atendendo a todos os caprichos dos pequenos. Ele sabe dizer não, ser firme, corrigir se for caso, mas tudo isso fica em segundo plano, para quando é caso, pois o Nem é criança. Uma criança quarentona, com todos os ingredientes de alegria, espontaneidade, franqueza e transparência próprios da infância.
Por causa desse carisma e da perfeita identificação com os pequeninos, o Nem vive cercado por seus muitos sobrinhos, filhos dos irmãos que moram próximo, além do filho, Zidane.Também vive cercado pelas saudades dos sobrinhos que moram longe, sempre desejosos de voltar a vê-lo. Todos gostam das gargalhadas sonoras, das brincadeiras fora de hora e contexto e das mais diferentes bagunças que o Nem apronta.
Algumas dessas crianças cresceram, estão crescendo, e com elas o amor pelo tio que sempre lhes deu apelidos, diversão, mas também conselhos e os mais convincentes exemplos de homem honesto, responsável, trabalhador e fiel aos seus compromissos.
Os mais velhos também o amam, porque o Nem que põe apelidos, faz escárnios, diz as mais inusitadas besteiras e às vezes tem suas rabugices, é o mesmo com quem todos podem contar a qualquer hora. É o mesmo Nem que traduz nos olhos uma ternura imensa; um amor tamanho ao próximo; especialmente os bem próximos que por sorte somos nós; os irmãos, sobrinhos, amigos e afins.
Recentemente, o Nem passou por duas cirurgias bem delicadas no único rim que possui. Tivemos medo por ele. Muito medo. Mas tudo correu bem, talvez em grande parte pela corrente de amor que circulou em seu redor. Também tenho certeza de que a nossa mãe, que amava tanto suas molecagens cuidou dele, não sei como, do plano especial em que hoje vive.
Na verdade as coisas correram tão bem, que três dias depois da segunda cirurgia o Nem ligou para mim, com a cara de pau que a natureza lhe deu, para dizer que já estava recuperado e tinha feito até sexo. Nosso irmão é incorrigível. Docemente incorrigível. É assim que o amamos.