terça-feira, 28 de agosto de 2012

COMO QUEBRAR UMA EMPRESA


A ostentação de superioridade hierárquica gera baixa autoestima dos funcionários mais simples, que são a maioria. Essa baixa autoestima trabalha em silêncio na produção da revolta que, por sua vez, interfere diretamente na produção funcional. Nenhum chefe ou diretor inteligente gera guetos no ambiente de trabalho, pois isso há de gerar prejuízos ou impedir lucros que são muito maiores quando os trabalhadores atuam satisfeitos.
Gerar guetos é, por exemplo, criar dois ambientes no refeitório, de modo a deixar bem claro quem é quem, pela diferença de cardápio; ventilação; decoração; claridade. É proibir aos mais simples, tão só aos mais simples, manifestações de alegrias que não interferem no expediente. Expor as desigualdades funcionais com diferenças gritantes e constrangedoras nos armários em que são guardados objetos e roupas. Na diferença da higienização dos setores de trabalho, dos banheiros e das áreas de lazer. Em qualquer item que vise apenas estabelecer diferenças sociais dentro da fábrica, do supermercado e de outros complexos.
É claro que existem funções diferentes, escalas, hierarquias, líderes e liderados dentro de qualquer setor da sociedade. O que não pode haver é a distorção que transforma hierarquia funcional em desigualdade humana. Que faça no ambiente laboral aquilo que é feito no dia a dia do mundo cão, que por isso mesmo está cada vez pior. A geração de guetos gera conflitos. Conflitos emperram progressos. Atrasam expedientes.
Funcionários que trabalham contentes e com autoestima elevada fazem mais do que são obrigados. Produzem mais do que as cotas a serem batidas. Colaboram sem que ninguém lhes obrigue, para tirar a empresa de uma eventual crise, atuando fora de seus setores, quando necessário. Fazem da empresa uma família paralela, que não querem ver desfeita ou falida. Para esses funcionários, o seu local de trabalho é bem mais do que a fonte de sustento de suas famílias consanguíneas. É o seu patrimônio de cidadania. Sua identidade honorária. É onde se sentem pessoas honradas; importantes para si próprias e a sociedade.
Nenhuma empresa sobrevive sem a maioria, que são os trabalhadores mais simples. Os braçais; os operários; os balconistas; o grande elenco. Isso é tão certo quanto nenhum corpo se move sem o esqueleto. De nada valem a pele; a carne; o filé de nenhum complexo fabril e comercial, se os seus ossos tiverem osteoporose. Se os chefes forem tiranos e arrogantes, os comandados não serão obedientes... Serão sonsos e imprevisíveis.

TROCADILHO PERIGOSO


Você pode mascar chicletes de hortelã;
se tiver um rompante, por que não pimenta?
pode o cravo, a canela, uma folha de menta,
nada impede que masque também a romã...

Já vi gente mascando casaco de lã
com tamanho prazer que lembrar me atormenta;
carne crua, borracha, uma lesma gosmenta,
sapo boi; só não sei se pensando que rã...

Mascar alho não pode... por favor, meu filho,
qualquer coisa que acabe nesse trocadilho
tem que ser evitado; procure outro atalho!

Caso masque madeira, nem assim condeno;
vidro, plástico, giz, pedra pomes e feno!
Só lhe peço, prometa, jamais mascar alho...

NOJO


Pareceu ser amor, porém foi drama
obscuro, encardido, falso esboço
que me fez encontrar só lodo e lama;
mesmo assim adentrei até o pescoço...

Foste o fundo que havia no meu poço;
fui além do sensato nessa trama;
fiz calar o juízo e dei meu osso
pra roeres no vão da tua cama...

Eras minha prisão, mas escapei;
nunca fui tão feliz, fora-da-lei,
foragido intocável pro teu ser!...

Quando minha razão viu bem a cara
da tu´alma sem pano, enfeite, apara,
tive nojo e coragem pra vencer...

ALMA PERDIDA

A minh´alma está perdida e precisa de Salvador... Aliás, não só de Salvador, mas da Bahia inteira.

VAGABUNDAGEM

Em alguns momentos, um vagabundo se esforça tanto para não trabalhar, que o seu esforço acaba sendo mais trabalhoso do que o trabalho.

CRISE DE CRISTO


Acabou a loucura, não foi senão isso,
foi um salto no abismo numa noite escura,
uma queima de fogos de artifício insano;
minha perda, meu dano, meu coma instintivo...
De repente passou e não foi um milagre,
despertei de quem foste, voltei pra quem sou,
porque tinha que ser; não cabia outra sorte;
ou matava essa morte ou morria de ti...
Foste sono pesado, pesadelo insone,
quando foste futuro já eras passado
que me dei de presente ao te dizer adeus...
Já paguei pelo crime de te conhecer
e me cabe viver, estou livre pra isto,
minha crise de Cristo superou a fase...

IMORTAL ATÉ MORRER


O tempo é uma tampa sobre o passado. Ninguém nunca retorna dessa rampa eterna. Sequer acampa sobre o presente, pois esse logo não é. Vira passado, e o presente já é outro. Somente o futuro continua lá; sempre lá, desafiando nossa caminhada.
Uma vida é simplesmente o joio por entre o trigo, no campo das vivências que a cada dia nos impõe. Cá comigo, afirmo que a mesma é joia rara. Se acaso nos causa uns arranhões, alguns graves, morrer não ganha minha questão. Não tem como ganhar.
É que o mundo é franco. Preto no branco. Mas muitas vezes dá um branco em meu preto e não resta fundo. Mesmo assim vou à frente, porque o tempo não pode me tampar. Tomei a decisão de apostar na imortalidade que o sonho empresta. 
No fim das contas, nossa imortalidade é provisória. Por isso temos que aproveitá-la e não morrer enquanto a morte não chega.

PALAVRA DE AMIGO SEM PALAVRA


Um dia, também hei de aprender a não ter tempo. A estar sempre ocupado e de agenda cheia. Ter a pressa que vejo em todo o mundo. Sendo assim, criticar o tempo dos que o têm de arranjar uma forma, seja qual for, de contatar os amigos por necessidade puramente afetiva.
Saberei finalmente, não poder parar numa rua para cumprimentar um amigo; para saber como está; trocar pelo menos algumas palavras. A partir dessa data, nunca mais perderei um minuto com aquelas saudades fúteis que sempre me levam ao telefone. Às vezes ao computador, para deixar uma mensagem curta; uma palavra; mero sinal de vida.
Chegará minha vez de só ter ligações comerciais. Quando só terei colegas de formalidades. Companheiros de trabalho; partido; associação; clube. Superiores hierárquicos e talvez alguns subalternos. Com gentileza ou não, mas invariavelmente com a frieza típica e necessária, pessoas para me regerem... Serem regidas por mim ou comigo. 
Tenho muita esperança... Amadureço em meu peito esse dia em que vou cumprir minha promessa... O grande momento em que darei esse troco envelhecido e sob o risco de perder valor... Que de tanto ser adiado, já está mofando no calor inegável dos meus bolsos de afetos.

O PODER É NOSSO

Remunerados ou não, somos todos cabos eleitorais de nossos candidatos preferidos em campanhas... Mas durante os mandatos dos eleitos podemos deixar de ser apenas cabos, para nos tornarmos vassouras dispostas a varrê-los do poder, quando necessário.

SOBREVIVÊNCIA

A luta pela sobrevivência obedece regras; leis; códigos de ética... não pode ser briga de rua.

AMOR EXTÁTICO


Essa tua ilusão de que me tens na estufa;
tuas velhas pantufas nesses pés de sonhos;
uma gasta certeza de que não acordas
e não cais da brandura dessa correnteza...
Tenho medo por ti, pela tua esperança,
pelo tombo maior ao chegares mais alto,
caso quebres o salto num passo deciso
dessa dança em que julgas, mas não sou teu par...
Leio  numa expressão de soberba velada
uma carta selada, mas que transparece;
que revela essa prece da tua intenção...
Esse jogo é só teu e não me tem por parte;
se te julgas divina me tornei ateu;
tu és arte barroca perdida no altar...

NATUREZA MORTA

Já matamos tanto com o que desmatamos, que a natureza nem quer mais desmorrer. 

PRECE DOS DESESPERADOS


Pão nosso do dia sim dia não. Não nosso de cada dia. Na busca do que é nosso, esse desespero de cada pão. Mãos nossas que apertam nossas cabeças na fome de cada passo. Dor nossa de cada soco da polícia, morte nossa de cada dia entre as grades. Quando não das cadeias, de realidades mais amargas ainda. 
Emprego de cada placa de não há vaga. Vaga de cada emprego reservado a outro. Desemprego nosso de cada chance negada por faltar currículo... Currículo insuficiente nosso, por educação escassa. Escola sofrível de cada dia, pois o dia a dia do poder o assusta, mostrando como seria um país bem educado. 
Pai nosso de cada prece que já perde a fé. Prece de cada laivo do instinto que busca um deus inútil. Igreja nossa de cada culto que distorce a vida e leva o quase nada que nos resta. Restos nossos de uma dignidade roubada por todos os lados, numa sociedade cercada por quadrilhas legais.
Destino! Por favor, caro destino! Tira-nos da margem desta sociedade marginal por natureza! Orienta-nos a mudar o mundo a partir dos nossos filhos! Cura em nós as mordidas desta vida cadela e nos mostra o caminho do pão, da educação, da cultura e da saúde física, emocional e psíquica! Queremos de volta nossa cidadania!

A GLOBALIZAÇÃO PELO RESPEITO


É preciso que o ser humano deixe de lado a pretensão de reger os gostos, as vaidades e ambições do próximo, tendo a si próprio como base ou matriz. Como nem todos torcem pelo mesmo time, são filiados ao mesmo partido político ou sequer torcem e se filiam, nem todas as vaidades e ambições têm que ser iguais. É sensato entendermos que a roupa surrada de alguém pode ser a sua preferida, mesmo que ele tenha roupas muito melhores ou condições para tê-las. Muitos estabelecem modas próprias, que não foram influenciadas pela mídia e devem ser respeitadas, mesmo que não seguidas. A cafonice dos meus conceitos pode ser sua moda, e vice-versa.
Sobre ambição, quem foi que disse que ela só está focada em obter cada vez mais posses, poder e fama ou na superação cotidiana do outro? Se muitos perseguem sonhos de grandeza, já outros sonham com vidas simples, a paz do anonimato, o sossego de uma casa modesta no campo. Enquanto alguns se dedicam a ganhar medalhas, ser campeões, governar cidades ou países, tantos outros dão a vida por uma rotina longe dos holofotes, dos gabinetes e os projetos sofisticados em qualquer área. E tudo isso é ambição. Não há ninguém acomodado em nenhum desses contextos, porque até mesmo a acomodação é um projeto ambicioso de quem decidiu, por exemplo, viver bem mais para os filhos e para si próprio. Portanto, quem optou pela sofisticação, o luxo, as conquistas materiais, não é mais ambicioso. Também não é melhor ou pior.
Acho que o respeito, sim, esse deveria reger o ser humano. Se todo o mundo se respeitasse, não haveria preconceito contra escolhas pessoais, estilos de vida, filosofias, crenças, orientações... E sendo assim, os espaços respeitados resultariam igualdade. A igualdade resultaria o não preconceito. O não preconceito se estenderia para todas as áreas das relações humanas, fazendo com que o mundo fosse de fato globalizado não apenas em seus aspectos socioeconômicos, o que já não é fato, mas como lar de todos nós. A humanidade seria uma família e todos participariam dos sonhos, dos gostos, das vaidades, ambições e conquistas um do outro.
Ambição desmedida, esta... Vaidade acima de qualquer expectativa... Mas isto, porque chegamos a este ponto. Porque temos preguiça de começar de novo, a partir de nossas casas, nossas relações de amizade ou trabalho... Nossos afetos. Achamos que o mundo se compõe de fora para dentro, quando na verdade começa dentro de nós, passa pelo seio dos nossos e aí sim: Fica pronto para o que nós, pela ignorância entendemos por mundo, com a velha mentalidade materialista, mercadológica e competitiva que nos impõe cabresto. 

A FÚRIA DO LIMONADA


Por uma dessas razões que ninguém nunca sabe, Juvêncio - moço bastante sério, que vivia sozinho numa casa discreta - foi apelidado. A exemplo das lendas, que nascem não se sabe onde, quando nem por obra de quem, da noite para o dia todos começaram a chamá-lo de limonada. Ele certamente não, foram muitos os constrangimentos, mas não houve jeito. Virou mesmo limonada, e de nada valia ficar azedo com todo o mundo por causa disso.
O problema, mesmo, foi o excesso. A turma do barulho não se conformou em chamá-lo normalmente pelo apelido, como que pelo nome, nas horas necessárias; nas conversar. Vivia gritando alto, com algazarra e deboche, para deixar o rapaz louco:
- Dá-lhe, limonada! Vamos tomar limonada!
Juvêncio acabou não suportando mais. Resolveu mudar. Foi morar numa cidade bem distante, onde ninguém sequer imaginasse que ele tinha um apelido.
Por um tempo até razoável, Juvêncio viveu em paz naquela cidade. No entanto, parecia que o apelido era seu destino. Seu carma. quiça sua expiação. Um belo dia, digo; um dia nada belo, ele mal abre a porta de casa e ouve o que pensara nunca mais ouvir:
- Diz aí, limonada!
Era demais para o moço. Ficou inconsolável, pensou em discutir, entendeu que seria inútil. Voltou para dentro. Sabia por experiência, que aquele dia seria um inferno; o primeiro dia de um apelido ou de sua descoberta é insuportável. Ao mesmo tempo, entendia que não era possível fugir para sempre. Não podia ficar ali escondido, e a qualquer hora em que saísse, as ruas estariam lá, cheias de moleques a chamá-lo de limonada.
Depois de muito matutar, o infeliz teve uma ideia mais infeliz do que ele próprio: Foi até a cozinha, pegou uma faca enorme, de ponta bem afiada. Pôs a faca na cintura, de forma bem ostensiva e abriu a camisa. Feito isto saiu prá rua, na certeza de que ninguém ousaria mexer com ele.
- Agora vamos ver quem me sacaneia...
Depois de no máximo seis minutos caminhando ante olhares pasmos, e com a sorte de não passar por nenhum policial, Juvêncio escuta: 
- Olha o limão!
Puxa a faca, esbaforido, mas antes de ameaçar pensa bem. Afinal, era só o limão; não a limonada.
Menos de três minutos depois, quando atravessava uma rua, um novo grito ecoa:
- Olha o açúcar! 
O infeliz repete o gesto, pensa de novo em ameaçar, e mais uma vez desiste.
Mal devolve a faca à cintura, um novo engraçadinho grita não se sabe de onde:
- Agora é a água!
Foi o cúmulo. Enfurecido e atrapalhado, Juvêncio arranca violentamente faca, exibe-a bem alto e berra com todas as forças de que dispõe:
- Se alguém misturar, eu juro que sangro o desgraçado!

POEMA BOCEJADO


Essa névoa que a tudo faz grisalho
e revolve num véu a luz do sol,
põe silêncio e preguiça nos meus olhos;
rege os passos num ritmo contido...
Na manhã deste julho quase agosto,
molho a minha poesia no cenário
como se molha o pão no capuccino;
bem mais por hábito que por sabor...
Por falar de sabor, bebo lembranças,
nostalgias, imagens requentadas,
tomo chá com torradas de saudades...
Neste quadro em que a vida quase para
na moldura do momento infinito,
poetar é meu rito; meu despacho...

terça-feira, 21 de agosto de 2012

TODAS AS MULHERES EM LUMA

Vilma chance de ser feliz, quando você chegou na minha vida. Parecia Sheila de amor pra dar. Era como se num susto a Aurora dos meus anos se repetisse, devolvendo sonho e vigor. Antes, nunca fora chegado às tramas do coração, e quem Lídia comigo sabe disso. Tive muitas paixões, a Carmem é fraca, mas logo me desvencilhava; fazia Aspásia comigo e dizia: Ninguém Amanda em meu coração.
Você mudou tudo isso. Não sei se maldita ou Benedita a hora em que a conheci. De repente o amor, fiquei com medo, vieram noites e noites de Sônia, pois nunca pensara que a Maria tanto. Quando a gente Semira no espelho e vê nos próprios olhos o brilho típico de quem se rende, quer fugir... Quer, mas não foge; logo se confessa entregue, bobo e feliz, deixando a velha Norma de lado e pedindo à nova dona de seus sentidos: Por favor; Chica para sempre comigo.
Faz tempo que você partiu... Que a gente se amou Perla última vez. Você foi pra distâncias insondáveis e não posso Iraí, porque não chegou minha hora. Vivo Dilma lembrança que ao mesmo tempo mata e faz viver... Aposto Nélia para conseguir achar que a vida vale a pena. Se nada Carla o meu pranto, ele pelo menos afoga um pouco a dor da saudade que não me deixa um só momento.
Nas noites de Luna cheia, fico ao relento reverenciando a imagem de quem teve o melhor de todas as mulheres, e nessas horas imploro ao silêncio: “Cíntia como está triste o meu coração, porque não me Consuelo sem meu amor... Sendo assim, Cássia estrela mais linda no infinito e Kátia para mim, pois com certeza será ela e a gente vai a Márcia todo momento... E para todo o sempre.

VIVER ENQUANTO HÁ VIDA

Uma vida foi pouco prás minhas emendas;
de repente me flagro equivocado e torto,
a pessoa enguiçada e sem rumo de sempre;
um navio sem porto pra pousar seus ferros...
Foram tantas as pausas, os repensamentos,
os conceitos mudados e as visões enxutas,
minhas lutas insanas para ser melhor
do que nunca entendi por que não pude ser...
Hoje ainda me prego, me soldo, costuro,
corro contra o meu tempo e já não corro tanto,
planto minhas sementes em terra cansada...
Só não posso deixar de querer algo mais
de quem sou, do que sinto que posso avançar,
pra deixar este mundo como quem tentou...

MOVIDO PELA ESPERANÇA

Na vitrine fumê dos meus olhos há uma gôndola. Ela expõe os meus descontentos, as minhas tristezas e frustrações. No silêncio profundo que flui de cada sulco, minha face decanta o que dói aqui por dentro, como se num poema gasoso... abstrato.
Mas levo a minha carga. Ela me fere por dentro e por fora. Nas entranhas do meu corpo e no lombo de minh´alma. Se me permito equilíbrio, mantenho serenidade o bastante para não gritar ao mundo, é porque sei que bem poucos teriam olhos para os meus olhos, apesar do grito, que não seria convincente. Ninguém teria ouvidos atentos para o meu rosto. Só mesmo para minha voz, que não diria muito, porque seria uma explosão.
É assim que me guardo não sei pra quando, quem nem onde. Com tal façanha me poupo, vou além, me acumulo e fico na expectativa de que nada poderá me dissolver. Neste silêncio procuro forças – e as tenho – para não me render ao caos.
Pelo meu esforço e o dom da sobrevida foi que aprendi o essencial ao ser humano: A razão de viver é simplesmente o estar vivo e não deixar que a esperança morra. Estou aqui, tenho rumo e pretendo cumprir destino, porque nunca me deixei para trás.

SAUDADE

Sem ver o rosto risonho
da bela e doce Maria,
eu nunca mais tive um sonho
nem desses de padaria.

LIVRO PARA VOAR

É nas asas dos livros que os meus sonhos embarcam. Na fluência das letras conquisto mares e me transformo em monarcas de mundos melhores. Nesses reinos posso construir castelos de magias; esperanças; miragens que me deixam de bem com a vida.
Quando leio, desbravo planos fantásticos. Tenho vidas para lá deste planeta finito e sou adulto; criança; duende; super herói. Tudo que me convém, quando quero que os mitos se tornem fatos... Ganhem contornos de realidade na minha mente.
Vivo histórias guardadas. Que parecem feitas para mim, por quem nunca me viu; nem sabe que vivo. Dentro dessas histórias vou ao fim desse azul que não tem que ser céu... Pode ser qualquer coisa para o poder que a leitura proporciona.
Fantasias, temas reais, isso não depende. Ao ler bons livros; bons, de fato, não existe limite para minhas viagens. Aventura, informação, romance, pouco importa, se a leitura me completa, me acultura e torna capaz de ler também o mundo; a sociedade.
Muita coisa limita; encarcera; oprime... Mas o livro salva... Livro livra.

AMOR DÁ E PASSA

O amor é mesmo eterno... Porém, essa eternidade não nos pertence, mas ao próprio amor. Sendo assim, ele não é vinculado ao tempo de nossas relações... É um passageiro que tanto quanto embarca, desembarca de nossas vidas quando quer.

ARTIGO GENÉRICO DA SACANAGEM

Uma cidade cujo poder público é dono da iniciativa privada... O judiciário teme o legislativo... A oposição política tem código de barras... Bandidos cuidam da segurança e o povo gosta, é uma cidade sem cidadãos.
Numa cidade sem cidadãos, qualquer esmola compra um voto; qualquer promessa infundada ganha crédito e a massa não cansa de sofrer... Por isso repete os votos vendidos, de cabresto, nos mesmos nomes ou em nomes vinculados aos velhos clãs do vício, do abandono,a mentira e a corrupção.
Estou numa cidade sem cidadãos... E não adianta lutar isoladamente - mesmo assim não desisto - contra os que roubam minha cidadania. Estou no todo; sou artigo genérico da sacanagem que viciou este povo.

A ÚLTIMA CARTA

A senhora me atendeu. Visitou meu sonho naquela noite fria, quando a minh´alma inquieta já não mais esperava. Sua visita fez meu sonho ser algo mais. Trouxe alento e certeza de que a vida nos unirá outra vez, não sei quando, em qual dos planos misteriosos do infinito, mas neste momento é necessário libertá-la.
No sonho a vi translúcida. Seu rosto estava sereno. Sua voz mansa e aveludada me abençoou como sempre fazia. Num abraço envolvente, seguro e longo, a senhora me falou da saudade que sentia de nós, do amor que sempre nos dedicou, e fez um pedido. Disse que precisava partir, seguir seu caminho, mas a nossa dor, nosso lamento e a tristeza não estavam deixando. Neste plano, seu amor jamais a deixou se desprender; sua preocupação conosco a mantinha perto; ao redor... E aos seus olhos, nunca deixamos de ser crianças... Mas dessa vez, precisava mesmo ir.
Quanto a mim, seu pedido velado e carinhoso foi de que não a chamasse mais, durante as noites. Não conversasse mais com o seu retrato. Não lamentasse a sua partida. Explicou que o seu espírito não teria forças para romper com este plano, como tem que ser, enquanto ainda notasse um de nós abatido por não conseguir superar o trauma de já não tê-la.
Quando acordei, não parecia ter acordado. Na verdade, acho que não acordei mesmo. Voltei do encontro real que tive com a senhora. Um encontro importante para me fazer aceitar que a vida prossegue; no entanto, em planos diferentes para nós. Nada poderá reverter essa realidade, fazer o tempo recuar e repetir o que foi vivido.
Agora vá... Vá em paz. Prometo ficar bem. De alguma forma entendi que ainda nos encontraremos, mas não aqui. Seja como for, posso lhe garantir que pelo tempo restante sobre a terra, seja o tempo que for, o amor que a senhora nos dedicou será bastante para nos manter firmes.
Só mais uma vez lhe peço, antes deste adeus, a sua bênção... Não apenas para mim... Mas para todos que a senhora deixou aqui, mal acostumados com tanta dedicação, proteção e presença.

EU E ELAS

Quando saio de nós não vejo vida;
sou a duna que o vento varre ao léu;
é um tombo do céu, do sonho bom
que me abriga dos velhos temporais...
Há um caos que me aguarda feito bonde
para onde não sei nem faço caso,
toda vez que as desato e me desprendo
rumo ao nada, no rastro da saudade...
Reconheço a carência deste afeto;
muitas vezes deploro a transparência
que lhes cobra respostas viscerais...
A minh´alma desaba, tem vertigens,
falta fundo, esta queda não tem fim;
quando volto pra mim acaba o mundo...

PAI QUE É MÃE

Sempre que um pai se deixa envolver por seu lado mãe, ele se torna menos presentes e mais presença... Mais efetivo na formação afetiva dos filhos, e menos mero provedor dos sonhos filiais de consumo.

MINI-TRATADO SOBRE A MORTE

O maior símbolo de que a morte é renascimento está no fato de que somos "plantados" ao morrermos.

AOS FÚTEIS E CAMUFLADOS

Há muitas estampas que seduzem. Expõem o selo das virtudes que tornam bem amadas pessoas não merecedoras. Pessoas estas, que têm um zelo notório pelos traços da mais profunda versão de seriedade.
São inúmeras as expressões cujos painéis propagam as mais admiráveis virtudes do ser humano. Sobre tais expressões há sempre um pano de fundo admirável que põe o céu a favor dessas maquetes. Desses desempenhos pela propagação das imagens que se tornam produtos comercializáveis.
Nestes tempos de futilidade, onde reina o imediatismo na busca do prestígio, a fama e o possuir a qualquer preço, medram pessoas que vivem das capas. Prometem vinhos, fumos de fina sociedade, sem que suas essências possam cumprir. Seus encartes não correspondem aos rótulos.
No entanto, para quem sabe olhar mais fundo, essa publicidade não convence. Tudo isso cai por terra, quando surge alguém “letrado” o suficiente para ler o mapa de um olhar que dissimula e forja...
E creiam: Para os fúteis e camuflados, esses bons entendedores do olhar e da alma humana podem ser os futuros salvadores de suas essências desperdiçadas. Se eu for um deles – os fúteis e camuflados –, quero conhecer um “salvador”.

SONHO É VIDA

Há um sonho pendente no meu ser,
uma faca segura nos meus dentes,
muitos galhos cobertos por espinhos
trancam novos caminhos; horizontes...
Tenho mãos e coragem, rumo e pés,
mas o mundo complica essa viagem;
levo todas as armas, meus projetos
contra todos os muros; trevas; carmas...
Acontece que a vida requer mais,
muito mais de quem sou, do quanto aposto
e dos meus entressonhos até lá...
Sei que sempre haverá uma promissória,
mesmo assim me disponho a prosseguir;
a compor minha história e ser alguém...

FIM DO MUNDO

Temos tanto pavor do fim do mundo, e não percebemos que todos os dias o mundo acaba para milhares de pessoas... Algumas delas, bem perto de nós.

EU TE AMO PRA CACHORRO

Este amor no meu peito é joia rara;
é por ele que babo, subo em tetos
e te peço: Não fiques uma arara,
quando vês que sou burro pros afetos...

Tenho todos os modos inquietos
duma hiena, um macaco, dou a cara
prá censura e pro gume de seus vetos;
pro cajado e prá coça; o cinto; a vara...

Sou leão que se rende por amar,
tubarão que se afoga em alto mar,
vivo desta emoção pela qual morro!

Mas me calo, meu medo prende a voz,
quando quero dizer, contigo a sós:
minha gata; eu te amo pra cachorro...

A REVOLTA DO LIXO

A caixinha de leite condensado,
já vazia, sem outra utilidade,
fui parar num bueiro destampado
entre os muitos que jazem na cidade...

Ao achar um jornal, fez amizade;
um carrinho de tábua, logo ao lado,
reclamava do mundo; a realidade;
a criança que o tinha desprezado...

Caixa, impresso, carrinho, muita lata,
vidro, plástico, ferro, mais sucata
cuja sina seria diferente...

... Por vingança feroz pela má sorte,
aliaram-se à chuva intensa e forte
pra punir a cidade numa enchente!

MILAGRE DA VIDA

São muitas as dores de quem vive. No entanto, é importante que o ser humano seja maior do que tais dores ao longo do caminho. Supere as pedras da vida real; sem poesia. Cada espinho tem que ter sido apenas mais um, quando a luz de um novo dia florescer.
É preciso atinarmos prá realidade, sem que a vertente sonhadora se perca de nossas veias; nossa mente; nosso coração. Precisamos desbravar a cidade, os seus desvãos, e fluir como rios entre florestas. Nada pode secar a fonte que nasce de nossa fé no mundo, nas pessoas, no tempo e até mesmo numa certa força maior.
Eis aqui o presente, a nos pedir o melhor de quem somos. Nossa idade, seja ela qual for, quer muito mais do que a erosão pura e simples do nosso olhar sobre o passado... Nossa visão estendida sobre o percurso a ser cumprido na direção do futuro. Creiamos nesse futuro, pois ele pode guardar surpresas que a preguiça tenta estragar.
Há um céu entre nós o tempo inteiro, esperando para ser descoberto por nós. Não por alguém em razão de nós. Queiramos mais do que auxílios misteriosos. Algo mais do que o Cristo milagreiro que nos cure da vida como é...  Ou exatamente como tem que ser.

PARA SERMOS HUMANOS

Minha entranha não tem que ser arquivo
de saudades, lembranças, nostalgia,
nem a idade precisa me curtir
nas angústias; no caos; na solidão...
Quero a vida na faixa do meu tempo,
só voltar ao passado por prazer,
ser maduro e guardar esse verdor
de quem nasce outra vez ao acordar...
Meu estado não tem que ser de alerta,
porque minha prudência firma o chão
e meus passos têm rumo decidido...
Cabe a toda verdade o dom do sonho;
cumpre ao sonho ter fundo, saldo, extrato,
para sermos de fato deste mundo...

BANDEIRA UNIVERSAL

Este céu do Brasil e do Japão;
do Sudão, do Himalaia ou do Haiti;
pano azul estendido sobre os mares
dos confins e daqui, é o mesmo pano...
A bandeira infinita, indecifrável,
que nos banha de aurora e de luar,
borda estrelas ou tece o breu total,
faz amar e sofrer em qualquer chão...
Entretanto se ainda somos tristes,
algemamos em nós os nossos sonhos,
temos dedos em riste para o outro...
... É que ainda não vimos mais profundo;
este mundo é presente unificado;
uma prenda embrulhada pelo céu...

PAIXÃO

Educar vai além da disciplina;
qualquer sina é maior que o alfabeto;
ninguém teve o bastante pra incutir,
se ninguém aprendeu de algum exemplo...
Vai além da palavra, o traço, a lousa,
rompe gráficos, fórmulas, frações,
é maior do que as aulas criativas
ou ações; desempenhos; estratégias...
Não há como educar, senão vivendo;
vence todas as bulas do ensinar
pras conquistas que o mundo negocia...
E ninguém o fará sem ter paixão;
se não for o seu chão, seu ar, seu credo;
sua crença no mundo e no depois...

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

CARTA PARA O PODER

Pode ser que este nosso brio calado só espere a vez de soar e saiba exatamente onde mora essa vez. É provável que a nossa res, no fundo seja o disfarce da cabeça; da mente que parecemos não ter. Queremos crer que trancamos toda a luz nos escombros da velha esperança para que ninguém, durante o percurso a veja em destaque nos nossos olhos e a transfome no alvo perfeito.
Sendo assim, se os senhores quiserem, podem continuar subestimando este oculto poder de fogo. Continuem dando as cartas, ignorando os nossos trunfos. Olhem para nós como sempre olharam; sem enxergar. Atravessem nossos monturos e resvalem certos de que jamais reagiremos, porque não existimos no contexto de sociedade que os senhores arbitraram para si.
Só assim teremos tempo de montar as nossas trincheiras. Teremos a sombra e o silêncio necessários para tecermos muitos planos. Nossas estratégias inesperadas contra os golpes, perdas e danos que já sofremos, que ainda compõem nossa realidade, bem como serão essa realidade por tempo indeterminado. Sabemos disso, e cultivamos a sabedoria do saber com calma e resignação.
É a  nossa estampa inofensiva que nos guarda para o dia final. Tão inofensiva, que nem mesmo nossos desabafos, como agora, fazem com que os senhores a levem a sério. Isso é bom, porque nos permite ser a surpresa crescente... contida pela tampa que resiste a pressão, até que a hora propícia se revele. Aí sim, nossa explosão mostrará que somos nós o poder.

ALEGRIA DE AMAR

Todo amor empobrece, não resiste,
quando sua função se torna fardo,
tem placar, promissória e dedo em riste;
armadilha; torpedo; bomba; dardo...

Esse laço está sobre papel pardo
e o presente, no fundo nem existe;
restam mágoas contadas por um bardo
ao passado, presença vaga e triste...

Quando a dúvida paira sobre o dom,
se nem tudo, igual antes, é tão bom,
certa via desgarra dessa regra...

Repensar é sensato, eis a lisura,
quase sempre a ferida não tem cura;
todo amor vale a pena enquanto alegra...

FILHOS DAQUELA

Tantos filhos do acaso e do destino;
do descaso e das causas arquivadas;
quantos nadas pra todos estes frutos
desta pátria só pátria para uns...
Quanta orgia no cio dos poderes
que saqueiam riquezas da indigência,
tanta urgência escondida na fartura
de quem sempre viveu da fome alheia...
Somos filhos das falhas sociais,
do mesmismo de ofício galopante
sobre o lombo do velho comodismo...
Precisamos achar o nosso brio,
pra que os filhos dos filhos que virão
herdem fio de ação e de meada...

ALELUIA DE TIBÚRCIO

Naquela pequena igreja de roça, os louvores eram bem exacerbados. Havia pouca gente - uns vinte ou poucos mais integrantes -, mas a louvação era tanta, que do lado de fora se podia crer numa multidão. Entre as muitas expressões de fervor, os gritos de aleluia se destacavam... Eram sempre os mais frequentes. Mas o velho Tibúrcio, que na época somava setenta e oito anos de vida, merece um destaque a mais nestas lembranças. Ele parecia ter pulmões de uma criança hiperativa de 11 anos de idade. Com tal disposição, gritava tão alto e com tamanha fé, que a distorção do seu grito de aleluia gerava outro vocábulo:
- Ralolôia!!!
Era um brado que além de sobressalente, surgia não poucas vezes nos momentos mais inadequados, como aqueles em que o plenário prestava um minuto de silêncio por alguém que recentemente falecera. O pastor anunciava o “passamento” – palavra predileta para causar impacto e dramaticidade –; os fieis fechavam os olhos, baixavam suas cabeças, contritos, e lá vinha o trovão tiburciano:
- Ralolôia!!!
Crianças endiabradas e zombeteiras, eu e meus irmãos, que junto com o Rubinho, o Edinho e a Rubenita – três colegas também irmãos entre si – seguíamos minha avó para os cultos, não demoramos a apelidar o velho Tibúrcio de Irmão Ralolôia. Como se não bastasse, começamos a imitá-lo, aproveitando as horas de maior fervor para gritar o nosso ralolôia em alto e bom som. Gritávamos à exaustão, entre risos incontidos, mas aquelas pessoas de boa fé, além da fé, propriamente, não percebiam. 
Em pouco tempo, passamos brincar de fazer culto, no quintal de nossa casa. Meu irmão mais velho, que não perdia tempo, era sempre o pastor. Nós outros, incluindo os colegas inseparáveis, éramos os fiéis, e berrávamos sem parar enquanto ele simulava pregações, usando a velha bíblia de minha avó. E é claro, entre os berreiros que fazíamos, caprichávamos no ralolôia, o que muitas vezes dava briga, porque todos nós acabávamos querendo ser o Irmão Ralolôia.
Essas brincadeiras invariavelmente maliciosas e com exagero, sobretudo no apelido ao velho Tibúrcio, que logo veio a saber, causaram muito aborrecimento a minha avó. Ela nos pedia com insistência, para deixar de zombarias com o homem, mas de nada valiam seus apelos. Aí zombávamos mais e mais, correndo pelo quintal e gritando ralolôia. Desafiando a quem quisesse nos dar um corretivo.
Passou o tempo, aquilo tudo cansou, vieram coisas piores, mas deixamos o velho Tibúrcio em paz. Passados poucos meses, nem lembrávamos mais do Irmão Ralolôia. Na verdade, até paramos de frequentar o pequeno templo sem luz elétrica, mas pleno da energia, da fé e do fervor daquelas admiráveis pessoas simples e sinceras que mesmo analfabetas ou quase, sabiam comunicar suas emoções mais fundas. Formavam entre si uma comunidade perfeitamente sábia.
Quase dois anos depois, minha avó também nem lembrava da zombaria, hoje batizada nas escolas, como bullyng. Um dia entrou em casa chorosa e contrita, e procurou um canto discreto da casa para curtir a dor. Como nada escapava aos nossos olhos, fomos respeitosamente procurar saber a razão de sua tristeza. Amávamos nossa avó. Éramos insuportáveis, porém nutríamos grande amor por ela.
- Ah, meus netos... Uma pessoa muito querida em nossa igreja fez a passagem... – Disse com um fio de voz.
- O que a senhora quer dizer, vó? Morreu alguém da igreja?
- Foi sim, queridos... Morreu uma pessoa.
- Quem foi que morreu, vó? Nós conhecemos?
Como se aquilo nunca tivesse dado qualquer aborrecimento no passado, ela fez um afago em nossos rostos, antes de responder. Parecia nos consolar pela morte, passagem ou passamento de uma pessoa muito querida não só por ela, mas também pelas pestes que naquele momento a enterneciam.
- Conhecem sim, queridos... Foi o Irmão Ralolôia.

JUSTIÇA ALÉM DA ESTÁTUA

Talvez seja tempo de se mudar a estátua da justiça, e já passou do tempo de a justiça deixar de ser estátua nas horas mais importantes para o sentido que a sua instituição deve ter. A justiça precisa enxergar de vez ou ficar definitivamente cega. Ter os olhos vendados quando lhe é conveniente gera muita injustiça; deixa de fazer jus ao nome. Com a estátua desvendada e a justiça, propriamente, assumindo seu papel e deixando de ser estátua, os clamores de um povo injustiçado serão atendidos. Os menos favorecidos econômica e socialmente já não mais nascerão culpados, e os abastados, deixarão de ser inocentes por antecipação, mesmo quando abarrotados de culpas.
Tem que haver no meio da velha preguiça estatutária, na má fé, no egoísmo e na frieza dos que incham seu sistema, quem desperte prá boa rebeldia. Quem vire a mesa, levante o tapete e faça ver a sujeira que se oculta sob tanta opulência. Tal sistema tanto estatuatário quanto estatutário tem que ser revisto, revirado e recomposto, para que o país cresça como nação. Não apenas como a casa que os governos dizem eternamente arrumar, mas só o fazem no contexto da decoração política e na ostentação de um crescimento econômico e social que a sociedade não vê. Apenas uma parcela, e justamente a que nunca sofre, mesmo quando o país está oficialmente no fundo do poço.
Temos que ter uma justiça que haja com igualdade a favor de todos, ou contra todos, quando for caso de fazê-lo. Seja como for, sempre pelo bem do cidadão que preza pelo correto, justo, legal. Sonhamos com uma instituição que seja dura com os corruptos de qualquer classe, escalão e cultura. Que ofereça defesa aos pobres e ricos; aos influentes ou não, e nunca se deixe vender por dinheiro, facilidades e poder maior. Muito menos se deixe intimidar pela força hierárquica dos que fazem as leis.
Essa estátua precisa de uma luz... E o que ela representa precisa de um clarão, para que toda inocência largue o peso da cruz que a vitima e deixe de ser julgada por aparência, raiz, berço e conta bancária. Isso vai ocorrer um dia, quando a justiça olhar prá lei com desejo real de desvendar e banir os mistérios que a cegaram. Os mistérios que desonraram a estátua em seu significado original e fizeram da instituição mais uma estátua... E nada mais.

AMEI DEMAIS

Fui humano demais pro teu sistema;
muita gema na casca da teu ser;
foste circo sofrível pro roteiro
no terreiro das minhas emoções...
Minha valsa excedeu as tuas notas,
tuas rotas falharam neste mapa
das verdades do afeto que nutri;
do sentido que achei para sonhar...
Foste pouca lentilha em minha sopa,
pouca roupa no quanto fiquei nu
pra te amar livremente; sem mistério...
Fui poema demais pro teu orgulho,
teu entulho sumiu na minha flor,
pois te amei muito mais do que tu és...

A PRAGA DO ASNO

Moro neste recanto que nem sei
Como classificar, porque no fundo
Mais parece um apêndice do mundo;
Uma íngua sem ordem; regra; lei...


Populacho modesto, aconchegante
Que trabalha com fé, honestidade,
Mas parece não ter capacidade
Pra votar; eleger representante...


Nunca houve um prefeito nem edil
Que tivesse respeito pelo povo;
Atuasse de jeito inverso e novo;
Não fizesse da terra o seu redil...


O menos preguiçoso é incapaz,
Quem se mostra capaz já é ladrão,
Quando morre um maldito fica o grão;
A cidade não cresce nem tem paz...


Muitos dizem que tudo foi agouro
Dum asno dos tempos coloniais,
Que morreu a serviço dos feudais;
Sob carga excessiva de tesouro...


Era bicho pensante; animal raro
E nutria rancor; a sua mente
Deplorava o lugar, aquela gente
Com espírito insano; mau; avaro...


Tinha igual rejeição à covardia
Dos mais pobres, os simples, os escravos
Entre os quais nunca viu heróis ou bravos;
Era um povo que a nada reagia...


Foi por isso que o asno, já no fim,
Nos momentos finais antes da morte
Rogou praga, ditando a triste sorte
De que a coisa seria sempre assim...


... Foi-se o tempo, até hoje se duvida
Que um pequeno quadrúpede orelhudo
Possa ter influência sobre tudo
Nesta pobre cidade mal regida...


Sei, porém que a verdade bem notória
Desafia o passar de cada ano;
A população só tem perda e dano;
Seus feudais acumulam bens e glória...


Sei também que mudamos o destino
Ao nutrirmos amor por nossas plagas;
Que o povo rompe maldições ou pragas
Quando não é nem elege cretino...


                     Magé - RJ, junho de 2011.

LÚPULO

Você é mesmo essa carga
que já nem sei não levar,
que jarga em mim feito frases
de caminhões pelo asfalto,
é meu assalto à mão livre
ao qual me rendo sem fuga...
A maldição que bendigo
porque mendigo essa praga,
porque me traga igual fumo
e cospe ao chão com trejeito,
mas não tem jeito, é verdade
o quanto agrada isso tudo...
É parasita em minh´alma,
porém meu corpo não larga,
não abre mão desse bem
que faz o mal que me faz,
que traz nas perdas e danos
os planos mais instintivos...
Você é lúpulo, amarga,
mas faz gostar do sabor
e consumir com tal vício,
com desperdício até mesmo,
por não poupar meu impulso
vibrando a vulso em você...

POETA IMPOSTO

Nunca fui um poeta marginal;
fiz meu mundo e me fiz a sua essência;
tive minha decência muito minha
e ninguém me pegou em suas malhas...
Dei aos versos que fiz, dou aos que faço
as melhores roupagens; panos finos;
o melhor do que sinto; penso e sou;
do que sempre arbitrei como verdade...
Pelas ruas do quanto já vivi,
fiz a lei se adequar ao meu versejo;
meu desejo foi ordem literária...
Enganei os poetas de milícias,
invadi seus quarteis arcadianos
e tomei o respeito sonegado...

JUSTIÇA ESTATUATÁRIA

É preciso que alguém desvende a estátua
e que a estátua não seja mais estátua
pros clamores de um povo injustiçado;
que já nasce culpado a seu não ver...
Tem que haver na preguiça estatutária,
na má fé, no egoísmo e na frieza,
quem desperte pra boa rebeldia;
vire a mesa e revele o que se oculta...
Essa estátua carece de uma luz,
pra que toda inocência condenada
largue o peso da cruz que a vitimou...
A justiça precisa olhar pra lei;
desvendar os mistérios que a cegaram;
que a tornaram estátua e nada mais...

LAGARTO NO ASFALTO

Já passei de grisalho e não deixei de ser
o garoto iludido por maços de verbos,
por palavras tecidas feito rede ou cesto
e miragens de mundos que só eu vislumbro...
De repente me flagro vencido e disforme,
uma flor encravada em deserto rochoso;
sou espécie teimosa depois da extinção
que lhe coube no tempo apressado em excesso...
Vejo apenas andróides; insisto poeta,
me descubro invisível, quem sabe, abstrato;
linha reta envergada por um labirinto...
Na verdade um lagarto nos ferros urbanos,
a ferrugem nos panos da festa de gala,
velhas balas de coco em calibres de guerras...

EDUCAÇÃO E REFLEXO

Apesar dos que falam como quem vomita,
como quem acredita que o falar sem freio
atropela o silêncio dos que vão além;
sabem antes do meio o que virá no fim...
Sob todas as chuvas de palavras vãs
que abarrotam plenários, tribunas e salas,
ganham fãs e lacaios carentes de senso
e de falas vazias treinadas pra isso...
Mesmo tendo que ouvir falastrões burocratas,
sabichões de bravatas que a prática nega,
sei que a velha verdade continua nova:
Será sempre matriz a vivência real;
a palavra é capaz de transformar o mundo,
mas terá que fluir de quem vive o que diz...

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

COM A VIDA QUITADA


Vivo de fato. Não espero a morte. Creio ter explicado, embora vá fazê-lo de novo, que a minha vida é preciosa. Tenho cada momento como nova pepita garimpada no percurso de minhas paixões. De meus sonhos projetados para o futuro. De minha crença na existência desse futuro, ainda que ele não passe do dia seguinte. Não há pedra na vesícula, ou no rim, que possa diminuir o valor da pedra preciosa que há no meio do percurso... Do meu percurso.
O sentido que dou a cada dia vai muito além das conquistas materiais, embora também as valorize, decididamente bem menos do que às conquistas de afetos, saberes e culturas. Viver bem, no meu caso, tem pouco a ver com os bens acumuláveis ao longo da existência. Confesso que nunca lutei por casa, carro, fama, influência, cargos destacados no emprego e na sociedade. Até mesmo como escritor, nunca enviei calhamaços, livros demo, endereço pessoal de blog ou algo parecido para editoras, visando contratos. Percorri meus caminhos do meu jeito, com as dificuldades próprias de quem escolhe caminhar, e por isso demorei tanto a parir livros.
Sou realizado como como escritor de pouca fama e educador apaixonado. Sobretudo como pai de Nathalia e Júlia, irmão de oito pessoas amadas com as quais partilhei a mãe dos sonhos de qualquer filho, e como amigo de pessoas também especiais. Eis minha realização pessoal. A realização de um homem que chamam de acomodado, mas que na verdade é muito ambicioso, pois deseja (e tem com fartura) o que nunca será comprável.
Se hoje não temo a morte, é porque minha vida está quitada. Já estou em paz comigo, errei tudo o que pude, consertei o que deu, fiz minhas escolhas certas e erradas, paguei por estas outras e tive por aquelas as recompensas de praxe. Fui criança na idade certa, fiquei maduro na maturidade, agora caminho rumo à velhice, tendo na mente um conceito enxuto e sereno de velhice, para não ser, equivocadamente, um triste velho de alma jovem.   

SOBRE A MANGA


Do que mais gosto na manga é o seu formato atrevido. Ele me sugere a indecência de uma libido na mina inesgotável dos meus sonhos, fantasias e projetos carnais. Isso acontece, quando a fruta lambuza o meu rosto com seus pêlos macios. Plenos de mel. 
Quanto mais bolino a manga, na intenção de sorver o melhor do seu sabor, mais fantasias ela traz. São mil imagens que jorram, ao deslizar entre as mãos, como que brincando em movimentos bem próprios, que parecem não depender de mim. Leveza de fêmea que arde; geme; sussurra nos ouvidos de um felizardo.
Por estas e outras razões, afirmo que a manga é mais feminina e sensual do que a maçã. É ávida, ciosa de gestos que a desnudam com cio. Com o mesmo cio se lança vertiginosamente na ordenha de suas delícias. Deixa-se absorver pela gula, o desejo de mais e mais, a exploração do infinito em momentos breves, porém intensos.
Na extremação do gesto com que absorvo seus sabores, parece até que sussurro em seus ouvidos coisas que a faço entender. Eis a minha impressão quando a fruta, bem dengosa e melada, claramente goza nos meus lábios que se fundem a ela.

NEM CARVÃO


Enviei o meu corpo e não tive resposta;
preservaste o teu corpo e feriste meu brio;
minha velha esperança, por vício de aposta
inflamou a ilusão e apagaste o pavio...

Fiz calor em excesso e não venci teu frio;
naveguei tantos mares, morri numa costa;
foste lua distante que busquei no rio,
no regato, no lago, na lama e na crosta...

Tive tantos empenhos nessa busca em vão!
Tanta lenha queimada e nem restou carvão!
A minh´alma sem fogo evaporou no vento...

Sem motivo real para mais fantasias
te rasguei no meu sonho, nas noites tardias
pro desejo; a carência; quiçá sentimento...

ESTUDANTE NÃO VIAJA DE GRAÇA


Quando viu o aluno de escola pública tomar assento no ônibus, o cobrador gritou de lá.
- Hei, deixe a vaga para um passageiro pagante!
O menino dócil, sem palavras nem expressões de qualquer desagrado se levantou. Deu lugar a um homem robusto e de olhar grave, que já esperava por isso. Talvez fosse aquele, o motivo da ordem do cobrador.
Muitos outros passageiros aprovaram a cena, o que é previsível, pois parece que a sociedade não gosta dos estudantes. Aliás, neste país em que os jovens se tornam a menor parte, cresce o desejo de superá-los. Parece que os mais velhos culpam a juventude pela escassez de oportunidades que os atinge. Pelas covardias que o poder público lhes impõe, quando já trabalharam por muitas décadas e o corpo implora um descanso. Cobram dos mais novos, especialmente dos estudantes, o preço dos direitos que a oficialidade lhes nega.
O que a sociedade grisalha – que também componho – não enxerga é que os estudantes não são os culpados por suas desventuras. Eles não ocupam nossas vagas no dia a dia, nas empresas, nos clubes, nem mesmo nas conduções... Muito menos nas escolas. Se muitos de nós não estudamos na idade certa, devemos culpar os governantes de nossas épocas. Igualmente os nossos pais, que se acomodaram pela pressa de nos verem trabalhando como adultos, por necessidade ou não, sem qualquer tempo para os estudos.
Quanto à vaga na condução – aquela que não é destinada por lei, aos idosos, às gestantes e aos portadores de necessidades especiais –, cabe à consciência do estudante, do não estudante ou da pessoa de qualquer idade, com força e saúde, cedê-la para quem não goza dos mesmos atributos, definitiva ou temporariamente. Cada estudante precisa saber, para não ser tratado como lixo pelos motoristas e cobradores, que a sua passagem é paga, sim. O governo reembolsa as empresas pelo cumprimento da lei que lhe dá o direito às viagens de ida e volta sem ele ter que pagar de forma direta.
Se as passagens dos estudantes não fôssem pagas, eles não teriam que ter passe escolar. Esse passe escolar, bem como o passe idoso e outros, mas estamos falando dos estudantes, serve para registro e prestação de contas. O que se pode cobrar do utilitário é que o mesmo seja correto na sua utilização: Nas horas certas, nos trajetos casa- escola/escola-casa, sempre uniformizado. Estando com razão, ele pode rebater dizendo que é pagante, sim, que a empresa recebe pelo seu passe. É claro que a sua resposta deve ser polida, com bons modos, ao melhor estilo estudante. Seu tom de voz não deve ser o mesmo tom grosseiro dos cobradores, motoristas e outros atendentes frustrados porque lhes faltou escola.
O mundo não é de alguns. Tem vaga para todos. Cada ser humano deve ocupar a sua, e não usurpar nem impedir a vaga do outro.
Todos nós pagamos um preço, justo ou não, para viver... Mas pagamos, e como pagantes que somos, fazemos jus ao nosso lugar na sociedade.

CORPO FECHADO


Poupe traços que tentem desenhar
um cenário de amor que nos inclua;
uma rua, um resquício de horizonte
ou momento; vivência; enredo breve...
Não desenhe contextos, velhas fraudes,
desempenhos eivados de pretextos,
nem arrisque uma sombra, tom sutil
que lhe sirva de golpe à queima roupa...
Guarde o lápis, a guache, o giz de cera,
sua feira de ações ao meu redor;
sou à prova de sonhos que nos lacem...
Tenho vistas pra lá da sua faixa,
sua caixa esgotada, sem surpresa
que arrebate meu saldo emocional...

VILANIA NATURAL

O poder e a riqueza não fabricam vilões: Revelam.

RATOS!

Termos nossas maiores frustrações sociais, quando acordamos da crença de que os ratos de câmaras, palácios e coretos são grandes homens e mulheres.

PROIBIDOS


Foste sempre pendência; parêntesis; flanco;
Fantasia incompleta por ética e senso;
Nunca dei ao que sinto vazão no que penso,
Quando a vida carimba meus papéis em branco...

Vives nesta miragem; num cenário tenso;
Meu desejo indelével te guarda num banco
Do que posso e não devo, caso rompa estanco,
Nesta guerra empatada; não perco nem venço...

Correspondes, bem sei, porém és também proba;
Ora sou caçador, logo depois a caça,
Como sempre varias entre ovelha e loba...

Somos nossos, no entanto, à maneira Platão;
Caso a carne conspire tentando a trapaça,
Cai aos pés do juízo que monta plantão...

CAÇADOR DE RESPOSTAS


Já sulquei o meu leito, agora sigo
este rio que o mar por certo espera,
minha fera quer selva e não aceita
uma jaula privando-a de quem é...
Um azul na distância, um desafio,
tenho cio do céu que posso ver
onde a vista flutua e se afunila
pra filtrar os meus sonhos e sentidos...
Seguirei o que os olhos desenharam;
tenho muito a fazer para chegar;
mais vertigem que pausa, que prazer...
Caço a mina insondável das respostas,
viro as costas pra todos os convites
ao descanso precoce; à indolência...

INÍCIO NO FIM


Minha fase poente começa o percurso,
meu espaço está pardo; vejo pouco azul;
sou mais urso que onça e por isso me guardo
lá no sul do meu ser, caço menos que outrora...
Seleciono meus medos (de amor, por exemplo),
há um templo aqui dentro e cultuo sossego,
tenho apreço por lendas, histórias e "causos";
coisas simples, pequenas, valores sem preço...
Vendo a morte mais perto recomponho a vida,
faço flores brotarem no imenso deserto
e não tenho mais pressa, pois meu tempo é lucro...
Cada dia revela uma verdade nova,
dou à noite roupagem de fim de novela,
como prova do quanto não me rendo ao fim...

PAIS E FILHOS


Por mais que firam as vistas,
que os fatos tomem seus vultos,
pra certos pais extremistas
filhos nunca são adultos.

SONHADOR DIPLOMADO


Leio nas entrelinhas as tocaias,
vou além do que os sonsos deixam ver,
sei brotar do que resta quando extraem
essa terra inexata sob os pés...
Aprendi a saber exatamente
onde mora o boicote ou a má fé,
quando querem podar as minhas asas,
inibir meu poder de achar o céu...
Mas também sei fingir que nada sei;
é assim que persisto e chego acima
dessa lei de quem tranca o ar e o cosmo...
Sou formado em sonhar que o ser humano
saberá se bastar sem seu despeito;
seu complexo em forma de soberba...

DEUS EXTRAQUADRO


Há um deus complicado, metódico e burocrático apresentado por greis. Parece uma estrela de cinema: Quem quiser que o busque nas alturas. Galgue os  degraus da prece, do elogio e do louvor. Fure o cerco dos assessores ou santos, para suplicar bênçãos que uma boa mãe, um pai, um grande amigo terreno dão de bom grado, sem nenhum ritual ou convenção. Nenhuma exigência de quesitos como fé, lealdade cega, sacrifício e crença dogmática.
Mas há um Deus que me atrai nos seres humanos que amam sem ter que amar. Fazem o bem sem mandamento. Religiosos ou não, crentes ou ateus, refiro-me aos homens e as mulheres de boa vontade ou índole, que são e seriam dessa forma conhecendo ou não as escrituras sacras. Pessoas capazes de promover a paz e prestar solidariedade sem qualquer interesse no paraíso e nenhum temor de fazerem jus ao inferno, se forem diferentes.
Eis o Deus em que acredito. Esse que alcanço fisicamente ao tocar a face de uma criança e sentir as mãos de um velho... Ao abraçar um amigo e ter prazer com a mulher que amo. Um Deus extraquadro, que as paredes dos templos não garantem. Podem tê-lo, mas não detê-lo, pois Ele pertence a corações de bem; mentes livres; espíritos desarmados... É nessa criatura, o próximo, e não no criador incógnito, abstrato e distante, que acredito.

ROSAS


Reina sobre o jardim, singela e linda;
sobre todas as formas de beleza,
desde cedo até quando a tarde finda;
é rainha com traços de princesa...

Quero-a sempre ao relento, à natureza,
pra dizer à manhã "seja bem-vinda";
semear os seus dons, a realeza,
tudo quanto a celebra; louva; brinda...

Não a colho prá moça mais formosa,
nem oferto à celeste, à Bete, à Rosa,
uma rosa; um botão; não mato flores...

Planto e cuido, conservo sãs e vivas,
rosas tenras; do solo; não de ogivas;
trazem sonhos, perfumes, paz e amores...

ONDAS DO SOL


Veleiro no mar,
cortando as ondas do sol.
Mormaço da tarde.

CENA INTERNA


Caneca na mesa.
Um espiral de fumaça
sai do capuccino.

PEDRAS DO CÉU


O céu apedreja
telhado frágil de zinco.
Chuva de granizo.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

APARÊNCIA E MERCADO DE TRABALHO


Faz tempo que os anúncios de vagas para empregos não podem conter a ressalva de que os candidatos devem ter boa aparência. Essa foi uma prática perniciosa e longa do preconceito empresarial de um país que nunca esteve entre os primeiros a extinguir as aberrações sociais, a exemplo da escravidão e da ditadura. Na verdade, o Brasil foi o último país a acabar com a escravidão. Isto não quer dizer que o preconceito racista foi abolido naquela época ou em tempo algum, neste país. Também sabemos que, se não há escravidão oficial, ainda hoje existe a escravidão velada, oficiosa.
Voltemos ao preconceito empresarial que já não pode se manifestar nas melhores ofertas de trabalho. Não pode, mas ainda o faz, quando exige foto nos currículos. Para tais empresários a experiência, o grau de instrução ou nível cultural nada contam, se quem pleiteia um emprego  não corresponde aos seus padrões de aparência física. Ou não tem "boa aparência". E assim como antes, a tal de boa aparência quase sempre tem a ver com etnia. Significa, em primeira instância, que o candidato não é preto. Algumas vezes pode ser pardo, moreno - desde que "bonito" - e até mulato, se tiver traços finos, mas não preto. Cumprido esse quesito, estabelecem-se as outras formas de filtragem por aparência.
Em suma, nas empresas preconceituosas, quem tem aparência em desvantagem sequer terá oportunidade para provar seu talento, suas habilidades e qualificações pessoais, pois a foto no currículo já o impedirá de chegar à entrevista. Isso quer dizer que os empregadores mantêm a prática perniciosa, mas de forma velada e até bem mais confortável para eles, pois nem correm o risco de um candidato fora de seus padrões físicos acreditar-se habilitado e se apresentar, com toda a sua inocência. 
Com todas as leis que tornaram tudo mais suportável, ainda estamos longe de nos livrar do preconceito. Especialmente no quesito mercado de trabalho. Logicamente, refiro-me às oportunidades de nível médio para cima, pois as nossas elites ainda tentam fazer com que os seus não escolhidos se contentem com os trabalhos duros, braçais, não visíveis e de baixa compensação financeira. Os negros e outras vítimas históricas de preconceito, que alcançaram posições mais sólidas, praticamente arrombaram as portas da sociedade para conquistar seus espaços merecidos, 

SAUDADES DE FILHO


Ela dói no vazio que vem aqui dentro
reservado à saudade que nasceu sem fim,
mas a dor tem um quê de leveza e doçura
que me faz dizer sim ao seu curso constante...
Mora nessas lembranças mais simples e fundas,
na leveza do sonho que as noites repetem,
no silêncio que rompe a barreira do som
pra ser bom; todo meu; sem nenhuma partilha...
Quando choro em sigilo meu pranto não pesa,
minha reza de ateu cria deus em seu rosto
e me sinto amparado pelo seu amor...
Quando as noites adentram a velha janela,
minha casa é capela que sempre a cultua (...);
ela desce da lua e me toma no colo...

BORBOLETA


Visitante alada.
Uma fada em meu jardim,
troca beijos; pólen.

QUERENDO NÃO QUERER


Nunca mais me dirija esse olhar de fogueira,
De lamber corpo e alma, despertar os viscos,
Porque trago aqui dentro sentidos ariscos
Que me deixam sem teto; sem chão e sem beira...


Cale a sua expressão, já provocam meu fisco
Tantas uvas vistosas na sua videira,
Mas prefiro fugir pra xepar numa feira
Frutas menos eivadas de vício e de risco...


Tive muitas paixões, todas elas assim;
Quero a calma que há tempos procuro e não vejo;
Será não (mesmo louco para dizer sim)...


Leve tanta lascívia, sedução e graça 
Para longe da força deste meu desejo
Que me toma e domina, mas finjo que passa...

VIAGEM


Uma vida por dia, e tantos anos
desse tempo sem tempo, essa vertigem,
tenho broca e fuligem, trago estampa
sobre os danos causados pela idade...
Será fácil dizer o que não fiz;
foi tão pouco, talvez por não querer,
quando quis uma pausa sorrateira
para ver um luar; um pôr do sol... 
Muitas vezes até me perguntei
se nas formas da lei dos meus desejos
não cabia uma brecha humanitária...
De repente me vejo sem bagagem,
a viagem corrida e sem critério
pôs de fora o melhor de minha vida...