quinta-feira, 29 de agosto de 2013

EXCLUSÃO, MALDADE OU INJUSTIÇA

Quando vi pela primeira vez um indivíduo contar histórias mirabolantes de superação, simplesmente para vender doces ou badulaques em um coletivo, minha desconfiança foi imediata. Logo me armei para não cair na esparrela, passando a não comprar nada que tais pessoas oferecem. Ninguém precisa ter conhecido o inferno, para ganhar o crédito e a boa fé das pessoas. Quem deseja comer um doce, adquirir uma caneta ou lanterninha, pode simplesmente fazê-lo sem antes ter que ouvir as aventuras de um ex-viciado em maconha, cocaína, crack ou estrume. Toda essa estratégia tira o sabor do doce; o prazer de utilizar o artigo adquirido.
Mas devo confessar que minha desconfiança chegou a extremos. Depois de um tempo, ainda que precisasse do item oferecido pelo quase pedinte, meu radar "anti-otário" não me deixava comprar. Eu ficava querendo, mas não comprava. Fiquei viciado em não comprar na condução, mesmo que mais tarde fosse procurar uma loja distante, para fazê-lo. Minha prevenção se tornou maldade; preconceito. Minha blindagem tanto não deixava o sujeito se aproximar, quanto não me deixava sair de mim para confessar de alguma forma, que afinal precisava ou simplesmente gostara do seu produto, e por isso, queria comprar.
Pela turrice ou impertinência em não reconhecer no meu íntimo as causas decorrentes daquela primeira decisão, acabei por me acumular negativamente: como já não era do tipo que compra só para ajudar, tornara-me também do tipo que não compra só para não ajudar. De repente, fazia o que mais condenei a vida inteira, no ser humano: praticava exclusão. Queria ser justo, não fazer assistencialismo trabalhista em nenhuma instância ou setor, mas me permiti ser injusto em muitas ocasiões, ao não consumir o produto nem contratar a mão-de-obra da qual precisava ou queria, em razão do meu medo bobo de me fazerem de bobo.
Continuo não gostando nem um pouco das abordagens gaiatas, mentirosas ou não, mas ainda assim constrangedoras e às vezes de cunho veladamente ameaçador, de alguns ambulantes em coletivos. Mas tomara que eu tenha me redimido, em tempo hábil, do radicalismo em que me flagrei. Ou que não esteja, mesmo sem querer, praticando nenhuma outra forma de preconceito, exclusão, maldade ou injustiça.  

REMÉDIO

Potencialmente, só existe mesmo remédio contra o remorso de não ter melhorado por não tomar o remédio.

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

SEMI-ADEUS

Aprendi a saber quando estou fora
do contexto e da hora, do padrão,
quando avanço e derroco de algum sonho,
sou aceito, não sou, e se já canso...
Foi assim que aprendi se fico e saio,
se nem chego, se caio e se levanto,
como encaro e se vale meu esforço
pelo sim, pelo não, pelo talvez...
Outro aceno está solto em minha mão,
uma voz de soltura já combate
sua voz de prisão pelos meus crimes...
Já cumpri minhas penas ao seu lado,
condenado a te amar fui bom detento,
mas agora me pronto pra viver...

terça-feira, 27 de agosto de 2013

UMA GRANDE BESTEIRA

A morte acaba de convocar o Ermenevaldo Bastos da Figa...  ou de uma Figa. Ermenevaldo, pessoa de grande vulto e prestígio, era imortal. Pelo menos estava imortal. Era membro de academia de letras.
É assim mesmo, a vida: somos imortais até que a morte nos desminta. Ou mortais, até que a morte nos imortalize por algum tempo, talvez por algumas gerações, em saudades ou homenagens pontuais. Uma eternidade miúda, passageira, se considerarmos a própria eternidade.
O que aprendi neste mundo, até o momento, é que a vida é besta. Somos todos, bestas... tudo isto não passa de uma grande besteira.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

ESTE NERO EM MIM


MÁGOA DE AMOR

Virá sempre outro sonho de amor infinito;
somos todos avessos à verdade nua;
quem agora se forja de bronze ou granito,
logo após vai ser lobo chorando prá lua...

Nunca mais é o instante que o viver acua,
tanto quanto pra sempre será sempre mito,
e o extremo do mundo pode ser a rua
ou esquina mais próxima do nosso grito...

De repente a pessoa improvável pra nós
ouvirá nosso apelo trancado na voz
que acabou de jurar: a solidão é sina...

Só é duro esquecer a pessoa que outrora
nos tirou de nós mesmos, depois lançou fora,
porque mágoa de amor não dissolve na urina...

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

DESINVENTANDO A FELICIDADE

Se não tinha que ser, me acomodo e me calo;
meu abalo é bem meu, sei cair só por dentro,
porque sou implodido e preservo em redor
quem não sabe que a dor é raiz do meu chão...
E assim se repete uma história de sempre,
que termina em vazio, em solidão sem fim,
na poeira que o tempo saberá conter;
nos escombros do sonho que passou da hora...
Sei calar quando a voz não conseguiu antena,
quando a rena percebe que não tem natal;
sem presente ou presença volta pro seu canto...
Eras minha ilusão de ser feliz de novo,
minha caixa, meu ovo, embalagem da sorte
ou deserto inventado só pra ter miragem...

DOR-DE-COTOVELO


terça-feira, 20 de agosto de 2013

CENÁRIO DE AGOSTO


HERANÇA

Quero a graça da gafe;
do ledo engano;
da surpresa final
com o ser humano,
quando nem existir
mais esperança...
Mas depois de cumprir
todas as milhas,
hoje peço perdão
às minhas filhas,
pelo mundo que deixo
como herança...

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

SOCIEDADE PLURAL

Se quem me feriu de alguma forma, demonstra que se arrepende com um simples "foi mal", tudo bem pra mim. Já pediu desculpa ou perdão, e será perdoado sinceramente. E se alguém me agradece com um despojado "valeu", também vale. Terá o meu "de nada", "não tem de quê" ou "não seja por isso".
Considero devidamente firmado, aquele compromisso com o indivíduo, quiçá "brother" inteiramente tatuado e com piercings por todo o corpo, que me responda um "já é". Confiarei plenamente. Acolherei o "quebra essa" como "por favor"; o "fui", como "com licença, preciso ir", e a declaração de amor pode ser o eterno, velho e bom "me amarro em você". Às vezes basta uma piscadela descontraída, uma careta risonha ou simplesmente um sinal com o polegar.
Meu bom dia, boa tarde ou boa noite não é melhor nem "mais da hora" que o já batido "e aí" de quem cruza o meu caminho. Seja bem-vindo pode ser "chega mais", quando quem convida o faz com carinho e boa vontade.
O amor e o respeito se revelam em todos os idiomas, regionalismos, classes, culturas e aparências. Concordarei dizendo "é isso aí", do meu jeito, a qualquer cidadão de bem - tenha bens, fina estampa, ou não -, que até me chame de "bicho"... mas me trate com o gente.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

AMORES TERMINAIS

Muitas vezes me alugo, dando a impressão de que me dou. É um cuidado pessoal, que faz pensarem que vou, quando já retornei. As minhas ordens misteriosas de um despejo velado sempre deixam desejos inconcebidos. Pelo meio. Frustrados no meu medo de amar.
Por meu medo, levo eternos amores temporários na bagagem do corpo, minha pele, minh´alma. Meus fichários estão abarrotados de paixões honorárias. Muitas delas nem chegaram a ter o início do por enquanto. Do futuro interino. Da quase perpetuidade no som das das vozes eivadas de gemidos enganosos.
Levo mágoas e piso em sonhos movediços. Minha solidão parece algo invencível, por mais que a vida ponha pessoas em meu caminho. Sou a própria caixa de segredos que me rouba do constante quase ser feliz. Dos doces que me dá e toma nos melhores momentos.
Creio que me guardo para nunca e ninguém... ou para quem ouse me desmentir destas linhas, inventando a pessoa que procuro em mim. Quanto ao mais, o meu tempo é uma busca indefinida. Talvez uma espera do fim da busca... uma incógnita. 

BRINCAR DE FELIZ

Se brincavas de ti em meu saguão,
e me amaste num belo faz-de-conta,
foste amante, amazona, dama e ninfa;
uma fila de fêmeas surreais...
Em teus braços brinquei de ser brinquedo,
cavaleiro, cavalo, espada, herói,
teu enredo infantil de cunho adulto,
tua farra e teu culto adaptado...
Ao brincares de mim em teus caprichos,
libertei os meus bichos em teu zoo,
dei meu céu ao teu voo mais profundo...
E brinquei de pensar que não brincavas;
essa foi a melhor das fantasias,
porque rias do quanto fui feliz... 

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

SER HUMANO; E DAÍ?

Ser poeta ou artista,
mas também ser humano...
Não precisa ser tísico,
deprimido e metafísico, 
arrogante ou simplório,
desleixado nem chique...
Tenha versos profundos,
cores bem abstratas,
e suas obras retratem
outras vidas e mundos
ou quem sabe outras datas,
mas tenha sempre a pessoa...
o ser humano fútil...
que ri do esmo, do inútil,
que se apaixona por glúteos,
por abdome,
que dá ou come
ou mesmo ambos,
aprecia fraque ou longo,
roupa esporte, pouca roupa,
talvez use molambos,
só não despreza os opostos...
Um artista ou poeta
que não se afete ou arrote
bafos da divindade,
nem seja o tal; seja um...
Porque poeta ou artista
também cospe; vomita...
(...)
e solta pum.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

NEM SAUDADES

Minha idade abateu as nostalgias,
meus amores perderam validade,
sou apenas a cinza das paixões
em um frasco arranhado; já ranzinza...
Tenho sonhos baldios que se assanham
quando sinto a ilusão de ser amado,
mas estão no passado e não me alcançam;
não têm asas; motor; nem mesmo velas...
Nunca mais fui aceso por alguém
(não além desse abano inicial
ou do leve brincar de ser feliz)...
Hoje quero mentir, mas na verdade
só me restam saudades de saudades
que já tive razões para sentir...

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

CORRIGINDO A SABEDORIA

Não sou do tipo hediondo
que um dia engole sapo,
porém no dia seguinte
não conta nem até vinte;
cospe marimbondo...
Não tenho a praga da gula
dos que matam dois coelhos
numa cajadada,
e como quem não fez nada,
depois picam a mula...
Com a vida fiz o trato
de não matar um leão
a cada dia,
completando a covardia,
atirar o pau no gato...
Nem a dor jamais me dobra,
me torna mau
feito alguém que mata cobra,
sapateia sobre a sobra
e mostra o pau...
Fico aqui, porque me canso,
não sem antes deixar dito
que jamais afoguei ganso,
chutei cachorro morto
ou matei cachorro a grito.

INVEJA

A diferença entre ter inveja e ser invejoso está na frequência, na intensidade ou na vazão das invejas que todo ser humano tem.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

ALÉM DE NOSSA JAULA

Tenho medo e me privo de sonhar
que já posso voar e ser feliz,
não há mais promissória por cumprir
nem paixão pra suprir o velho amor...
E me deixo romper a validade,
ser escravo da caixa que nos tem,
digo amém aos teus cantos, tuas preces
que me fazem cair no mesmo chão...
Já nem sei porque temo, apenas temo
essa vida pra lá de nossa jaula,
esse que remo que pede a minha mão...
Perco as águas do rio salvador,
não me dou à corrente libertária
com que posso romper esta corrente...

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

PERSONALISMO

Era tão diferente,
que um dia olhou pra si mesmo
e não sabia quem era...
Era tão sabedor,
que perdeu a sabedoria
do bem viver...
pelo menos no mundo.
Era tão profundo;
mas tão profundo
(e pro fundo),
que no fim tropeçou
na vertigem do excesso
de profundidade...
Quebrou a cabeça
na pedreira
de sua identidade...

DISFUNÇÃO FUNCIONAL

Ao setor burocrático do C. E. Alda Bernardo dos S. Tavares, Piabetá - Magé

Existe uma linha tênue que separa o estritamente profissional do desumano. Romper essa linha pode nos transformar em admiráveis máquinas ou monstros sociais politicamente corretos... irrecuperavelmente corretos.
Assim como o ser humano tem que ser profissional no exercício de suas atribuições laborais, o profissional não pode se afastar do ser humano que é. Funcionários funcionam perfeitamente, sem abrir mão de ser pessoas... servidores não servem para nada, se não forem gente... gente que serve. Que extrapola o convencional. Sabe a hora de ser ou não estatutário, pois não perde a sensibilidade... tem paixão pelo próximo, e sabe que o próximo é aquele conhecido ou estranho que o momento lhe apresenta ordinária ou extraordinariamente. 
Ser intransigentemente frio, impessoal, padronizado, específico e longínquo do seu público alvo não é ser funcionário nem servidor. Além de máquina ou monstro, é ser um escravo manso do complexo a que pertence...

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

POEMINHA SEXY

A caneta ejacula
um prazer sem igual,
na folha do bloco;
no caderno em meu colo;
no papel desgarrado
sobre a escrivaninha...
Tecer os meus versos
ao computador
é compor com camisinha...

PAGANDO AMOR

Jamais me chama.
Tão só atende
ao meu chamado.
Não sou amado,
só respondido,
pois só me quer
quando quer,
e a pedido.
Não doa ou dá,
apenas troca,
me recompensa;
jamais me atiça.
Ela não ama
ou seu amor
é só justiça.

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

CORAÇÃO DE POETA

Se meus dedos envolvem
a caneta,
versos livres desaguam
neste universo
de qualquer face,
pra pulsar no meu peito
a inspiração...
          ...
acho que a caneta é meu coração.