domingo, 29 de dezembro de 2013

"REORGULHO"


Demétrio Sena, Magé – RJ.

Apesar do que dói me cato e vou,
porque ir me faz vivo e dá sentido;
sei quem sou e não posso desistir
da certeza do sonho e da jornada...
Se meus cacos dispersos vão além
do que os olhos alcançam pelo chão,
minha mão me fareja e localiza
quando nem a esperança dá por mim...
Sempre morro e renasço lá no fundo,
há um mundo no fim do próprio mundo
que desaba e parece não ter jeito...
Mas me cato, me colo e me reciclo,
recupero a razão quase perdida
onde a vida convoca o meu orgulho...
 

DESALIENAÇÃO PARENTAL

Demétrio Sena, Magé – RJ.

Falo mal de você ao falar bem;
ser do bem, só agir de boa fé,
mesmo quando sou alvo do veneno
com que sua malícia me desenha...
Minha ética sempre me absolve;
meu bom senso depõe contra você;
tenho senso de humor que a desmascara,
mostro a cara e desminto seu rumor...
A palavra que nunca descumpri,
uma forma de agir que transparece
para quem testemunha seus arroubos...
Fala mal de você a má conduta;
sua luta pra ver se me destrói
dói apenas na sua frustração...

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

MINHA NOVA LEI

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Decidi que o que sinto requer o seu eco
e que não me darei ante a mão recolhida,
doravante não peco por sonhar sozinho
nem mergulho no caos ao encontro do nada...
Meu olhar quer espelho nos olhos de alguém,
quero chama por chama como troca justa,
nunca mais vou além do sentido que faça
esperar que um afeto me faça viver...
Decretei que suporto sentir solidão;
jamais foi o meu fim me acomodar comigo
e não perco meu chão porque não sou amado...
A partir da partida que repete a dor
deste amor que renasce como nunca sei,
minha lei é gostar um pouco mais de mim...

AUTO PERDÃO

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Tenho marcas do quanto me apenei
por ferir tão profundo a tanta gente,
não há lente que faça ver o mundo
com a branda ilusão de quem não fui...
Hoje trago no peito esses remorsos;
só não posso viver de penitência,
quando a vida se oferta como vida
sobre a vaga existência que abracei...
Mesmo tendo a certeza dos perdões
que me cercam depois de tanto tempo,
uma voz me provoca pelo ar...
Muitas vezes me flagro nos meus olhos
e me peço perdão por não saber
perdoar a mim mesmo e ser feliz...

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

VALIDADE NATALINA VENCIDA

Demétrio Sena, Magé - RJ.
 
Dorinha está muito indignada. Seu namorado, Antônio, só lhe deu o presente de Natal no dia 27. Com dois dias de atraso. Não; dois dias, não; três, porque o dia dos presentes não é o 25, e sim, o dia 24; véspera de Natal.
No íntimo, a moça pensou até em perdoar Antônio. Pensou, mas logo retrocedeu. Martelaram mais forte no seu coração, aquelas indagações bem típicas. Tão típicas quanto a ceia natalina e a própria troca de presentes.
Para Dorinha, nada justificava o fato de receber presentes quando os outros já tinham recebido. Inclusive o Antônio que ela presenteou, mais do que religiosamente, relogiosamente em dia, com um belo e caro relógio de pulso.
Que história é essa, de presentear a namorada em data vencida? Que ousadia  é essa, de um gesto não presenciado pelo coletivo? Que negócio é esse, de amar Dorinha depois que todo o mundo já amou todo o mundo?

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

NATALINO

 
 

LUA E POÇA

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Dou afeto profundo; parece contido,
mas confesso que mede o tamanho do mundo;
só não tem o contexto que buscas em mim
ou em vastos discursos; na força de um texto...
Meu amor é sincero, apesar de não ser
esse amor flor-da-pele que vem dos teus poros,
que não posso verter como justa resposta
e não dá pra enganar a ciência do corpo...
Peço então que me acolhas como chego a ti,
como sei que te quero e me tenho pra dar,
posso amar como posso e no vão de quem sou...
É assim que me trago, de forma tão alma,
minha calma precisa se abraçar à tua
para sermos a lua da poça que temos...

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

QUERIDO DIÁRIO:

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Hoje foi um dia difícil. Decisões difíceis. Dia, inclusive, de humildemente pedir perdão pelas muitas faltas do ano inteiro... faltas que tive, não de cometer, mas de aplicar, porque foram reais.
Peço da mesma forma, que me perdoe por tantas notas e anotações em vermelho que ora ponho em seus quadrinhos e pautas. Tenho que ser honesto, em nome do futuro de tantos jovens confiados a mim.
Vou lhe contar um segredo, meu queridíssimo diário: trago muita esperança de que no ano que vem as coisas melhorem. Têm que melhorar, senão enlouqueço com a sensação desta impotência vocacional.
Ainda suplico, antecipadamente, que também me perdoe por abandoná-lo a partir de agora, pois terei um novo diário no decorrer no novo ano. São os ócios e ossos deste ofício roo há tantos anos.
E agora, o meu pedido final: jamais esqueça de mim. De minha parte, prometo guardá-lo com carinho, no coração e no arquivo da memória. Sendo assim, não guarde mágoa... nunca se torne um amargo e triste "odiário".
Por enquanto é só. Só isso tudo, querido diário. Apesar das notas e anotações em vermelho, quanto ao mais está tudo bem... tudo azul.

BARATA MÁRTIR

Demétrio Sena, Magé - RJ.
 
Em seu voo rasante, a barata veio ao meu encontro. Barata tonta. Baratinada.
Por um laivo de sorte, apliquei-lhe um tapa certeiro. Estava muito raivoso, não apenas pelo momento nem só pela barata, mas porque estava mesmo raivoso. Tivera um dia difícil no trabalho, me aborreci com alguns colegas, e a "barata voadora" só teve a triste sina de agravar minha raiva.
Depois do tapa que a derrubou, a infeliz ensaiou correr, mas era tarde: com várias pisadas violentas reduzi o inseto a duas asas, algumas perninhas massacradas e aquela manteiguinha que ninguém ousaria passar no pão.
Ainda bem que existem ratos, moscas, mosquitos, lacraias e baratas, e a certeza de que pelo menos uma dessas criaturas nos espera em casa. Se não fosse assim, não quero nem pensar no que seria de certas outras criaturas... alguns colegas de trabalho, por exemplo.

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

MURILO QUER TREPAR

Demétrio Sena Magé - RJ.

_ Oi, Marialva; posso trepar com você?
_ Sai pra lá, Murilo; comigo, não. Se quiser, vai trepar com a Joana.
_ A Joana é chata; com ela não quero.
_ Você é quem sabe; só sei que não vai trepar comigo.
Vencido pela resistência de Marialva, Murilo inicia sua incursão; quer trepar com alguém. Se ninguém mais aceitá-lo, até a Joana vai servir... mas em último caso, mesmo. 
_ Oi, Teresa; você aceitaria trepar comigo? 
_ Pôxa, Murilo; só agora você diz isso? Já combinei com o Nando, que vou trepar com ele! Quem sabe amanhã?
_ Tá bom... tá bom...
_ Ué; Murilo; por que você não trepa com o Beto?
_ Com o Beto? Você ficou doida? Vê lá se vou trepar com o Beto! Só na sua cabeça mesmo...
Foram muitas as tentativas; ninguém queria trepar com o Murilo, e o Murilo não queria trepar com quem estava disponível. 
Para sua surpresa, de repente a Joana, ou a chata, resolve chamá-lo. 
_ Murilo! Vem trepar comigo, seu bobo!
Murilo olha pra Joana. Depois olha pro Beto, que já se põe na expectativa, logo adiante. E agora? Com quem trepar? A Joana é chata, e o Beto, bem; o Beto...
_ Como é, Murilo? Vem ou não vem?
_ Calma, Joana; tô pensando... você é muito chata!
_ Áh, é mesmo? Sou chata? Então tá... Vai trepar com o Beto... quero ver se você, mole como é, consegue trepar naquela jaqueira quase sem galho!
Murilo se arrepende... a goiabeira de Joana é bem melhor do que a jaqueira do Beto: o tronco é fino, tem muitos galhos, e ainda por cima está cheinha de goiabas maduras. 
_ Olha, Joana...
_ Olha nada, Murilo! Agora sou eu que não quero!

MENSAGEM DO FIM

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Saberei recuar de quem se tranca,
pois a chave do afeto é pessoal,
não se arranca os dedos da recusa
nem se pode arrombar a sua porta...
Minha voz ouve a força do silêncio
e repousa nas cordas da garganta; 
meu amor se levanta, mas recai
quando nada supõe uma resposta...
Acharei o que há pra ser achado
no passado, presente ou no futuro,
quer no claro, no escuro, a imensidão...
Vim aqui pra dizer por que não vim
e lhe trago a mensagem deste adeus;
há um fim que me cabe consumar...

domingo, 15 de dezembro de 2013

TEMPO DE VIVER

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Dizem que tempo é dinheiro. Não; não é. Tempo é vida. E não há quantia capaz de pagar a vida desperdiçada por quem usa o tempo todo para ganhar dinheiro.

ESPERANDO O CRIADOR

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Desconfie do riso constantemente aberto. Faça o mesmo em relação ao pranto que nunca se recolhe, de quem jamais confessa que a dor passou. Olhe fundo no espelho de cada olhar... para lá dos olhos que a cara ostenta superficialmente.
Com toda a sua generosidade ou boa fé, mantenha constantemente um pé atrás ante aquela mão que nunca falha. Que sempre tem flores; nunca espinhos... distribui um perdão ilimitado e desconhece a mágoa; o desejo de revanche; o gosto amargo do ressentimento.
Saiba que nenhum lábio dirá somente sim. Que todos os homens e mulheres têm aquela íntima reserva de nãos. Analise nos pormenores, cada sermão que adentra os seus ouvidos. Quando possível, comparando com as atitudes diárias de quem o profere.
Tenha na carga do seu poder de observação e análise, o vigor e a rigidez deste conceito: ame o conjunto, ao amar alguém. Seja capaz de aceitar uma pessoa, mesmo não aceitando as suas falhas de comportamento e caráter.
Só não se deixe ludibriar, "comprando" vício por virtude. Nem se violente, se não der mais para suportar no outro, tudo aquilo que o avilta e faz mal. Que o deixa indignado sem nenhuma perspectiva de encantamento. Ame-se mais do que ao próximo, quando seu instinto de sobrevivência sinalizar.
Eis a máxima natural: o ser humano perfeito não é uma personagem viável para você ou seja lá quem for... é apenas a obra-prima fictícia que não rima com nossa construção... e ainda espera por um criador.

domingo, 8 de dezembro de 2013

MORRENTES

Demétrio Sena, Magé - RJ.

A gente vive morrendo.
Se não de medo, é de raiva;
se não de raiva, cansaço.
Quase de verdade,
se morre até de saudade.
Gente morre de fome
(de fato e de nome),
às vezes morre de rir,
de frio e calor
e tanto esperar.
As mortes passam por nós,
como despejo;
também se morre de susto,
ciúme ou inveja;
paixão ou desejo.
De não saber extrair
o bom dos fatos;
o bem do mal.
Por ter preguiça de achar
bem lá na frente,
um pouco atrás,
melhor saída...
o mundo vive doente,
a gente morre demais
pra pouca vida.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

PEQUENO POEMA FALASTRÃO

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Se a palavra singela é tão bonita,
por que tanto aparato e tanta tinta;
porque trinta palavras que só dizem
o que uma nos basta pra dizer?
Quando a boca sussurra expõe a entranha;
quando grita só mostra o meu pulmão;
o teor do sermão vem quase sempre
numa frase; nas pausas; no silêncio...
Como vou externar este poema
viciado em falar o que não diz,
que me falo que fiz mas veio pronto?
A palavra qualquer que não expus
entre as tantas que aqui se digladiam,
é a cruz de punir o meu excesso...

INTEIRO


terça-feira, 3 de dezembro de 2013

MUITO PRAZER



Demétrio Sena, Magé - RJ.

Se não pode ser pele, paixão, labareda,
seja seda; mornura; contorno; aconchego;
não havendo explosão, arremate ou traslado,
serve o sonho pautado; maresia d´alma...
O que temos não pode chegar ao não ter;
somos força do ser; muito acima do estar;
este afeto é de fato e não aceita o nada
em resposta ferida porque não é tudo...
De não termos a vida nos restam vivências
e não sermos o mundo nos faz mundo à parte,
um encarte que o tempo não descartará...
Nosso amor se recicla, se ajusta, se ajeita,
porque tem a receita de não ter que ser;
será muito prazer, seja lá como for...

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

A RESPEITO DE SER HOMEM

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Aos 14 anos, quando sem nenhum barulho e de forma bem sutil comecei a sair de casa, ninguém conseguiu me segurar. Isso, porque aquele menino determinado e sem temor do mundo já era homem. Com muitas falhas e aprendizados pela frente, sem profissão nem formação escolar adequada, porém homem o suficiente. Não sabia bem o que queria, mas tinha certeza do que não queria: ficar grudado aos conflitos de adolescente, com todas as manhas que hoje retardam a maturidade nos meninos mimados que permanecem meninos aos 18, 20, 26 ou mais anos.
Também fui homem o suficiente para jamais desejar me fazer de vítima como desculpa indesculpável para me drogar. Fui amigo de adolescentes e jovens viciados, convivi estreitamente com eles, e nunca tive nem mesmo curiosidade nesse aspecto. E trabalhava. Sempre trabalhava. Ganhando pouco ou muito (quase sempre pouco), só nunca me desviei da certeza de que não queria ter no bolso da velha calça puída e desbotada um só centavo que não fosse genuína e merecidamente meu.
Levei pancadas, fui alvo de suspeitas, enfrentei preconceitos, mas conheci muita gente boa que aceitou me conhecer primeiro para só depois julgar. Foi assim que tive muitos amigos adultos, alguns bem mais velhos, que me ajudaram no processo de amadurecimento iniciado em casa, com minha mãe, que sempre foi um exemplo de sabedoria. Uma sabedoria que me deixou pensar que era solto, enquanto ela me acompanhava de perto o tempo todo, inclusive estabelecendo laços com quem me dava oportunidades de trabalho ou me acolhia de alguma forma. Custei a saber dessa estratégia de minha mãe, e quando soube, já estava preparado para ser grato, ao invés de me sentir invadido.
Nas ruas, aprendi a respeitar pessoas. Olhar nos olhos ao conversar. Não ter dúvidas sobre mim. Assumir os meus gostos, minhas preferências, defeitos e manias. Até mesmo se decidisse não ser homem, teria sido homem o suficiente para não esconder isso do mundo nem me esconder numa namorada ou mulher para ser aceito pela família ou a sociedade. Fosse como fosse, tenho certeza de que saberia me portar como pessoa; um ser social; jamais uma caricatura; uma piada.
Como homem de 15, 18 ou 26, sempre soube agradar uma mulher. Tratá-la como tal. Conhecer seus desejos e satisfazê-los. Dar mais valor às namoradas do que aos marmanjos que me chamavam para farras; baladas; bobeiras; futilidades. Nada era melhor, em todo o mundo e a todo tempo, do que ficar a sós com a pessoa amada e fazê-la saber o quanto era de fato amada. Sempre declarei meu amor com gestos, atitudes, palavras, olhares e textos. E se às vezes não estava bem, jamais fugia ou fingia; jamais me tornava bravo para esconder minha fragilidade. Sabia conversar, assumir meu momento e torná-lo melhor com a compreensão e o apoio jamais negados.
Aprendi muito cedo que ser homem, independente das preferências de foro íntimo e sexual, é ser alguém responsável. Assumido. Que sabe quem é, o que quer e o que fazer da própria vida. Que não enrola, não embroma nem posterga o que só causa sofrimento, se não for preciso e transparente.
Isto não é um desabafo. Nem uma inserta. É apenas uma mensagem a todos os jovens desencontrados de suas identidades. A esses meninos mimados, de caráter falho (nem bom nem mal), que a cada geração amadurecem mais tarde, quando amadurecem. Esses meninos que há muito já deveriam ser homens, mas ficam lá, dependurados na barra da saia do passado.  São moleques de 20, 25, 30 ou mais anos, totalmente alheios ao mundo real que os rodeia. Vivem como se a vida fosse um eterno desenho animado.

DE AMOR E VIDA

 Demétrio Sena, Magé - RJ.

Uma vida não basta pra termos vivido;
são amores demais pra tornarmos viáveis;
a paixão, a libido, as emoções além
vão e vêm sem sabermos extrair seu dom...
Há saberes infindos que ficam no meio;
aprendemos tão pouco do muito que passa;
somos massa que a idade modela sem fim,
mas no fim de quem somos nem fomos ainda...
Nós apenas estamos, o tempo é passagem,
é turismo, percurso, passeio vulgar,
pois o mundo é miragem, mesmo que tocável...
Que se viva o momento como a vida inteira;
que se ame pra sempre no mais curto acaso
e se crave a bandeira dessa eternidade...