quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

FELIZ ANO TODO

Demétrio Sena, Magé - RJ.



Peço a todos, licença para não gostar, nem mesmo agora, no calor das obrigações do fim de ano, daquela pessoa que o meu coração ainda considera indigna de afeto, respeito e admiração. Verdade não dá trégua. Sinceridade não tira férias. E se de repente me deu aquele desejo de perdoar ou ser perdoado, peço também licença para fazê-lo depois. Bem depois da fragilidade a que somos expostos no fim do ano, por influência das propagandas e as mensagens institucionais específicas destes dias.

Depois, sim. Caso ainda sinta esse desejo de me aproximar ou reaproximar de quem quer que seja, quero fazê-lo despojado; sem emoções obrigatórias e qualquer selo de religiosidade sincera ou hipócrita. Que seja mesmo eu, aquela pessoa prostrada ou ereta confessando as falhas e pedindo perdão ou praticando a grandeza de perdoar; o que é bem mais fácil, porque nos deixa bem "na foto". Seja qual for minha posição, ela só há de ser autêntica ou pelo menos confiável, se o meu caráter não estiver bêbado nem hipnotizado pela ocasião maciça. Mais ainda, se a minha temperança, boa vontade ou repentino amor ao desafeto secular não tiver montado suas bases em conveniências de última hora. 
Quem espera qualquer atitude nobre de minha parte, pegue a senha e fique na fila. Detesto correr o risco de fazer firulas ou dar espetáculos ocasionais que a médio prazo poderão perder consistência e gerar interrogações. Tenho, sim, velhos arrependimentos que pretendo expurgar um dia, com pedidos de perdão, porque me sinto mesmo culpado, e até alguns perdões para distribuir, pois algumas pessoas, mesmo poucas, também me devem esse pedido e até já o fizeram. Só falta minha parte. Não sou bom em ser bom. Seja como for, nada será no fim do ano. Nem na páscoa ou no dia do perdão. Muito menos no dia da bandeira.
Quanto aos mais, aqueles que já desfrutam do que há de melhor ou menos pior em mim, quero e deixarei carimbados os meus sinceros desejos de um feliz ano todo e um próspero todo dia. Aos familiares e amigos queridos, a reiteração do amor, o respeito e admiração. Aos desafetos, meu nada. Nem ódio nem amor. Nem isto nem aquilo. Somente o lamento por não sabermos, de ambos os lados, o que estamos eventualmente perdendo, quiçá evitando, com a distância do próximo. 

terça-feira, 29 de dezembro de 2015

SABENÇA


DISLEXIA SOCIAL


Demétrio Sena, Magé - RJ.

Muitas vezes o amigo oculto em fim de ano, revelado como alguém especial cujas virtudes sublimam os eventuais defeitos, é exatamente o desafeto suportado no decorrer do ano. Aquele sujeito indesejado, cujos defeitos inaceitáveis enterram as eventuais, escassas e questionáveis virtudes.
Não é uma crítica. É um elogio sincero à insondável capacidade humana de assumir a cor do ambiente, o ritmo da música e a filosofia da ocasião. Saber exatamente onde ganha, perde ou empata o que tem para investir no campo das relações humanas, muitas vezes com vistas a um futuro bem próximo.
Mais do que um elogio, é uma inveja de quem nasceu aleijado neste aspecto. Sem esse dom natural e obrigatório à sobrevivência de seres sociais. Alguém que tentou, fez o curso, mas nunca teve sucesso nas provas de única escolha que o mundo aplica nessas horas cruciais.

JOGO DE AFETO

Demétrio Sena, Magé - RJ.

É bem difícil tomarmos a iniciativa de oferecer a uma pessoa querida o benefício do afastamento, ao percebermos que a nossa presença constante, previsível, já está saturando essa pessoa. No entanto, é imperioso que assim façamos o quanto antes, para prevenirmos o desgaste maior, que não tarda e logo se agrava nestes casos.
Um afastamento suave, sem rancores, cobranças, atitudes abruptas ou passionais, e no tempo certo, logo há de ser alvo do reconhecimento, a gratidão, e quem sabe a saudade ou nostalgia da pessoa querida. Pessoa para quem somos também queridos, ou não teria existido a relação que chegou ao ponto em que chegou.
Para nunca mais viver esse desconforto, resolvi me forjar procura. Não me demonstrar oferta. Não bater à porta e me ostentar como promoção; artigo afetivo em queima de estoque. Doravante, quem me quiser faça o pedido; passe no caixa; peça entrega. Fique ansiosa, insegura e cheia de planos para cada vez que a encomenda chegar.

domingo, 27 de dezembro de 2015

FOLIA


Demétrio Sena, Magé - RJ.


No carnaval
deste natal,
na tal folia
do fim de ano,
brinquei de amor,
justiça e bem,
pus fantasia
de ser humano.

MEUS MEDOS

Demétrio Sena, Magé - RJ.


Sempre tive um medo imenso de ficar grande sem crescer. De amadurecer sem ficar maduro. Curtir a vida, os lances, oportunidades, e não curtir minha essência.
Desde cedo não sabia como era isso, mas o meu coração girava em torno dos medos. Queria o corpo em sintonia plena com o espírito, para que o rótulo correspondesse ao conteúdo. Meu rosto, meu resto e minhas palavras não fossem a propaganda enganosa de quem não sou.
Tinha pavor de brilhar e mesmo assim permanecer no escuro de uma ignorância equivocada, com ares inúteis de sabedoria. Temia puxar um saco de filosofias hipócritas, bondades plásticas e religiosidades vãs, de conveniências e chaves que abririam as portas da sociedade. Da popularidade familiar. Do prestígio ao meu redor e os apupos externos de quem olha e pronto. Não importa ver, porque isso dá prejuízo; afasta os favores e subtrai prestígios com vistas a vantagens futuras.
Tenho muitos; muitos vícios, defeitos e desmandos. Bem maiores do que os  que julgo, até condeno em terceiros, mas temia os vícios, defeitos e desmandos menores. De quem vai mas não vai. Finge que não, no entanto é. Finge que sim, porém não. Tudo sempre a depender das perdas e os danos; dos lucros e as cotas... ou até das sobras e as sombras que lhes restem ou não.
Tive medo imenso de aprender a fingir. A simular. Ganhar na estampa e levar a melhor na lábia. Ser quem não sou. Talvez até jamais ser; só estar. Fazer acordo com as rotações do mundo, as demandas da vida e as músicas conforme as quais devo dançar nas horas desconsertantes. Nos momentos em que não vejo saída, se não for pelas concessões. 
Jamais deixei os meus medos. Eles me ajudam a ser menos pior do que sou. Não os troco pela coragem sonsa de abrir mão das minhas verdades para supostamente me dar bem.

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

SOLITÁRIA SAUDADE

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Quando vejo a saudade que não sentes,
ou a tua nenhuma nostalgia,
minha mente reage ao coração
e resfria os sentidos do meu ser...
Mas a falsa frieza não perdura,
pois o sol do que sinto atinge a neve;
faz a greve do afeto em desalinho
derreter os chavões de minha mágoa...
Eternizo a saudade solitária,
meus ensaios de orgulho são só fases,
frágeis quases que nunca se completam...
Restituo meus olhos pro vazio;
fio bamba da fé na eternidade;
linha tênue de horizonte sem luz...

PAIXÃO EM GUERRA

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Sei tão bem o que pensas, porque vivo aí;
moro em teus pensamentos; povoo saudades;
quando mentes verdades muito além das tuas,
vejo vãos reticentes; lacunas em branco...
Teu afeto negado é meu filme contínuo,
pois estou na plateia da tua emoção,
sou expectador que não sai da poltrona
desse teu coração que já faliu no meu...
Finges bem, mas nem tanto para quem já sabe
quem é quem desde o fundo à fina flor da tez;
fez um ninho durável nos teus devaneios...
Tenho todas as cotas das tuas ações,
emoções, fantasias, verdades ocultas
pela guerra forjada; raiva de festim...

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

FELIZ DIA NOVO

Demétrio Sena, Magé - RJ.


Desejo a cada ser essencialmente humano, que o dia seguinte seja pleno de alegrias, realizações e novos sonhos a serem realizados. E que o dia seguinte ao seguinte venha mais iluminado ainda, por surpresas inesquecíveis que serão superadas por outros, outros e todos os outros dias.
Nessa fila dos dias cada vez melhores o amor, a paz e a boa vontade natalizem os corações abertos aos bons presságios e sentimentos relevantes. Corações ateus e cristãos, espontâneos e contritos, porém bons. Contraditórios em seus conflitos existenciais, mas perfeitamente perdoáveis pela natureza e pelo próprio possível Criador de tudo. Criador tão supremo e superior, se de fato existe, que para Ele pouco importa ser louvado ou não. Elogiado ou não. Acreditado ou não pelos seres imperfeitos que teria criado, e certamente não os culpa se não for por maldade, má fé, arrogância, egoísmo absoluto, barbáries de qualquer natureza. 
Feliz dia novo para os próximos propriamente próximos e também os próximos distantes. Os semelhantes de fato semelhantes; os nem tanto assim; os semelhantes realmente semelhantes. Para os que também me desejam bons dias, me consideram irmãos apesar das possíveis diferenças de cor, nacionalidade, classe social, filosofia e credo. Da mesma forma para os que me julgam, condenam e desejam, intimamente, que minh´alma sofra essas agonias eternas supostamente reservadas aos que não acreditam, exatamente como eles nas mesmas coisas.
Cada dia de vida seja melhor para todos. Até mesmo para os que tentam parecer melhores que todos, e dizem para si próprios, com a intenção de se convencerem, que os outros são os outros.

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

GOSTEI DE VIVER

Demétrio Sena, Magé - RJ.


Não é de morrer que tenho medo. É de não nascer de novo. Temo a treva do vácuo e da desexistência. Os domínios do nada. O fim que chega e pronto. Reina por todo o nunca. Tenho medo é do nunca mais. Do para sempre nunca mais.
E ao supor levemente que não nascerei de novo, dói a ideia de não repetir os amores vividos, as amizades conquistadas, os laços extras de afeto que fiz mundo adentro e me ajudaram a construir uma riqueza íntima que nada substitui. 
Gostei de viver. Sofreria de novo as dores passadas. Os medos, angústias e privações. Todas as perdas, frustrações e perigos. Os baques. Os tombos. Desafetos. Desertos e solidões. Teria os mesmos vícios; defeitos; estranhezas.
Meu único pedido é ter de volta minha mãe. Meus oito irmãos. Minhas duas filhas. Os afetos reais e sinceros das pessoas especiais que jamais cruzaram meu caminho. Ficaram. Moraram em minha vida. Possuíram meu coração.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

AMOR AO PRÓXIMO

Demétrio Sena, Magé - RJ.


É bem cômodo este meu amor ao próximo que me agrada e oferece contrapartida. Massageia o meu ego, por estar sempre de acordo com as minhas ideias e corresponder às mais fundas expectativas.
Amo ao próximo que sempre soma para os meus ideais e fecha comigo no que der e vier. O próximo bem próximo, por ser aquele que dá vantagem, é meu cúmplice ou confidente, me dá razão, me admira, obedece ou apoia, seja qual for a causa.
Ou amo aquele próximo distante, que dá status amar. Que me deixa bem, aos olhos da sociedade, cada vez que ostento amor com um gesto remoto e único, para também fazer as pazes com a própria consciência.
Mas não amo aquele próximo que me desconforta. Tão próximo e sem afinidade. Sem possibilidade, promessa e sentido para para os gritos de minha vaidade; as necessidades mais profundas; aquele velho egoísmo da voz ansiosa pelo próprio eco.
No fim das contas, reconheço que o que faço e difundo como tal, não é exatamente amar ao próximo. É cuidar dos meus interesses.

POESIA

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Poesia tem que ser um afago na alma ou um soco na boca do estômago.

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

SILÊNCIO


CPI


FANATISMO POLÍTICO-PARTIDÁRIO


Demétrio Sena, Magé - RJ.


Amor extremado e cego. Não; não me refiro ao amor de mãe. Até porque, algumas mães, por mais que amem conseguem ver. Falo do amor de certas pessoas por determinados partidos políticos e os seus eleitos; especialmente governantes. Para tais pessoas, esses políticos podem fraudar, se corromper à vontade, afundar a nação, e caso queiram, assaltar ou cometer homicídio à luz dia, que mesmo assim serão inocentes. O amor por eles estará sempre lá. Incólume. Nenhuma prova, por mais fundamentada que seja, será suficiente.
Os demais cidadãos, que um dia também votaram nessas figuras, reagem às traições. Protestam contra os desmandos. Reclamam. Muitos nem fazem nada, mas ainda ficam indignados. Não gostam de apanhar, e se não apanham, por algum privilégio pessoal, não gostam de ver quase todos à sua volta sofrerem com o desgoverno, a impunidade política e suas consequências. Sofrem com os que mais sofrem por serem mais vulneráveis ou desfavorecidos. A maioria da população.
Falo desses pobres coitados que o poder desconhece, não têm acesso a qualquer esquema, e se algo sobeja para eles não passa de migalhas. Na maioria das vezes nem as migalhas, em troca da devoção. Mesmo assim defendem; brigam; criam desafetos em nome do fanatismo político-partidário. São burlados em seus direitos padecem perdas salariais causadas por incompetência ou corrupção política e passam por privações, não têm perspectivas ou estão desempregados há muito tempo, apesar dos bons currículos, mas nada os dissuade. Não há nada que tire suas mãos do saco dos poderosos.
Quem ama extremada e cegamente os ocupantes do poder político sem nenhuma razão plausível, nem mesmo torta ou suspeita, é como aquelas amantes de malandros: gostam de apanhar, e até sentem falta. Justificam a covardia de seus homens, taxando-os de injustiçados, incompreendidos e vítimas de sabe-se lá o quê. Pior ainda, repetem aos quatro ventos as desculpas lamuriosas de seus algozes, depois de cada surra.
Aos amantes longínquos do poder, nada resta... ou nada que não seja esse sentimento não correspondido... não reconhecido ou recompensado, em momento algum, por esses ícones que nem sabem o quanto são amados incondicionalmente. Desses pobres diabos que nunca deixam de ser povo, até o poder da indignação se perdeu no espaço e no tempo já perdido com tanto amor em vão.

domingo, 29 de novembro de 2015

ESPELHO

Demétrio Sena, Magé - RJ.


Desça um pouco dessa frágil grandeza de ser humano imaculado, sempre certo, virtuoso e perdoador. Fazendo assim se reveja, e veja dentro de si aqueles muitos motivos para também pedir perdão.

DESEJO BALDIO

Demétrio Sena, Magé - RJ.


Fosse leite o que sinto, já seria queijo;
é antigo e curtido pelo meu tormento;
esse beijo, esse abraço e o além dos meus olhos
moram sob o momento que virou eterno...
Viraria vinagre, caso fosse vinho,
caso fosse algum fóssil daria petróleo;
meu espólio que a vida poria em leilão,
se o que sinto em segredo fosse declarado...
Ficaria poroso feito pedra pomes
ou teria mais lixo que os quintais baldios;
as ruelas e os rios do Rio central...
O desejo profundo abandonado em mim
à espera do sim que nem foi requerido
é meu elo perdido em nossa não história...

MARCAS


segunda-feira, 23 de novembro de 2015

A POESIA É O POETA

Demétrio sena, Magé - RJ.

Nenhum poeta em essência; em essência, mesmo, e não por formalidade ou ofício deve temer nem aceitar a ideia de fazer poesia errada. Não existe poesia errada, seja ela soneto, haicai, trova, terceto, aldravia, o chamado poema livre ou marginal.
Que nenhum pretenso deus das letras confunda o verso clássico de pé quebrado com o não verso. Sonetos fora de métrica, mesmo assim serão poesias, e vale o mesmo para qualquer outra modalidade fixa que por ventura fugiu à regra ou à ditadura. E ninguém confunda versos brancos com versos em branco.
Poesia é sentimento, e não se pode afirmar que alguém errou na expressão do que sentiu. Só quem sente sabe a forma, profundidade ou fôrma do que sente. Além do mais, nenhum ser humano deixa de ser humano por haver quebrado a perna, o braço, a costela. Ninguém é alienígena porque nasceu diferente.
A cada dia que vivo e faço versos, reconheço mais e mais a poesia como legítima expressão das emoções humanas...

... Ao mesmo tempo, deploro as academias de letras tão semelhantes às de musculação que induzem ao uso de silicone ou anabolizante, pela propaganda enganosa de que apenas os corpos mais esculpidos correspondem à ideia de saúde perfeita.

ACOMODAÇÃO

Demétrio Sena - Magé


Vai ver
que viver,
pra ser franco,
é ver a vida
não vivida,
não vívida
nem ávida
passando em branco.

CARIDADE

Demétrio Sena - Magé


Não há nada mais caro
e mais sujeito à inflação,
do que estar com a razão.

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

GRITOS D´ALMA


AMORES ETC

Demétrio Sena, Magé - RJ.


Desisti de trocar o meu tudo por algo,
meus extremos por meios – caminhos ou termos,
ter carinhos enfermos pelo bom humor
com que dou este afeto sem cabresto e muro...
Aprendi a temer os temores de mim,
ficar longe do longe, calar pro silêncio,
dizer sim ao jamais que recheia o talvez
do sorriso velado, a palavra espremida...
Já não quero pairar no vazio de alguém
para quem tanto faz ou às vezes até
tem um quê de bem-vindo que logo evapora...
Quero caso de amor, amizade ou acaso
que não seja forçado, por sinais de aviso,
a ser tímido e raso como precaução... 

OLHOS AO MAR

Demétrio Sena, Magé - RJ.


A discreta e profunda paixão daquele homem eram os olhos daquela mulher. Não era o corpo, já proibido mesmo pra ele, nem mesmo a alma, igualmente proibida, e sim, as janelas. Ele adorava ser olhado por aqueles olhos. Pelo menos ter a impressão de que o era. Embora devotasse grande amizade pela proprietária dos olhos e não tivesse qualquer intenção de pular os muros daquele afeto, aquele homem queria ser cada vez mais olhado. Ser a passarela, o pasto, a passagem obrigatória dos olhos daquela mulher. 
Em nome dassa impressão - possibilidade mais próxima -, o escravo daqueles olhos passou a fazer empenhos para conquistar mais olhares. Passeios mais intensos. Incursões mais profundas e curiosas. Começou a disponibilizar imagens outrora escondidas entre os panos descuidados. Doravante, cuidadosamente mais descuidados. Abriu caminhos para visões bem secretas, paisagens bem escondidas e atalhos que apontavam para destinos que permaneceriam lá, em nome da probidade; ou do bom senso restante; ou do seu temor de perder até mesmo aqueles olhares do início, tão discretos e velados. Queria ser um roteiro turístico levemente mais radical, para se oferecer aos olhos que nunca saíam de seus olhos nem de seu pensamento.
Aquilo não era uma perversão. Não havia mesmo intenções ocultas ou escusas. Aquele homem não desejava tocar, possuir, ter prazeres palpáveis com aquela mulher, até porque isso quebraria o encanto, além de ferir a probidade ou a lei dos laços que já formalizaram outros contextos. A troca dos mesmos obrigaria um processo doloroso por algo inviável, previamente quebrado, e por isso mesmo vencido. Validade vencida já no começo. Sua culpa não tinha dolo. Era culpa sincera. Culpa inocente. Não seria capaz de qualquer ato que gerasse uma exposição além daquela, entre a dona dos olhos e seus empenhos. Nem à consumação do crime ou pecado, por mais seguro que parecesse. Sabia conter qualquer arroubo.
Com o tempo, a dona daqueles olhos pareceu decidir que já era tempo de retirá-los de cena. De cenário. De pasto. De passarela e roteiro. Delicada e sensível, teve o zelo de fazer isso lentamente. Não queria causar de uma só vez todos os ferimentos emocionais que sabia inevitáveis. Ela só não sabia que os olhos daquele homem não sabiam viver sem ver seus olhos. Eram dependentes dos passeios, das curiosidades, incursões discretas e delicadas daqueles olhos. Com a retirada, o pobre homem sofreu profundamente, chorou fontes, rios, mares, e quando a dor de não ver os olhos daquela mulher sobre ele não era mais suportável, resolveu não ter olhos.
Foi assim que os mares, criação final do choro dos olhos daquele homem tiveram a companhia de nada menos que aqueles olhos. Agoniados e deprimidos olhos, que se uniram na dor eterna e profunda - mais profunda que os próprios mares - de saberem que nunca mais o seu dono seria mapa; roteiro turístico... nem o simples pasto e a  passarela dos olhos daquela mulher.

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

RITUAL

Demétrio Sena, Magé – RJ.

Amanhã bem cedinho esperarei teus passos,
teu silêncio e depois a tua voz sumida,
um instante, uma vida que um instante vale
no compasso excessivo do meu coração...
Logo após um olhar que diz tudo pra mim,
sob as cordas do quanto não podes falar,
entre os ares de sim que ficarão nos ares,
pois nos cabe sonhar sem pretensão além...
A exemplo da espera das demais manhãs,
quero crer na manhã de qualquer amanhã
desses velhos encontros que marco sozinho...
Abrirei bem cedinho a janela do sonho,
deixarei meu silêncio te chamar sem eco
nesse peco, não peco de faz tantos anos...

HORIZONTES

Demétrio Sena, Magé – RJ.

Ando meio sem tempo de nutrir
depressão, baixa estima, insônia e mágoa,
estou meio sem água pra chorar
o que o mundo guardou dentro de mim...
Já não cabe me abrir à própria crise
de sentido, propósito e contexto,
ao deslize de minhas esperanças
onde o texto fugiu de meu rascunho...
E não posso me dar sequer ao luxo
do lamento e da velha nostalgia,
cada dia requer um novo sonho...
Fico meio sem chão pra me plantar,
sem arpão pra morrer na minha praia

cujo mar está cheio de horizontes...

PELOS CORTES DA VIDA

Demétrio Sena, Magé – RJ.


É que a gente se foge de tanto fugir;
já não pode com nada, mas quer se poder;
nem quer mais se fundir ao que a vida forjou,
mas no fundo se toca; está toda fundida...
Nada pode salvar a quem o mundo pode,
pois explode no abismo de quem foi podido,
foi fugido e não foge do alvo da fuga
cuja rota lhe foge no fim da ilusão...
Quando a gente se arvora o mundo vem podar
pelos cortes da vida, pois a vida é poda;
uma roda cortante que o mundo não cega...
Ninguém pode poder o que pode sem fim,
apesar de fundida sei que a gente foge
pelo sim, pelo não, de ser o que não é...

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

BRASIL: QUEM SOBREVIVER VERÁ

Demétrio Sena, Magé - RJ.


Em todas as instâncias, os governantes deste país estão apaixonados pela crise. Também pudera. É a crise que lhes dá os argumentos necessários para que possam embolsar cada vez mais o tesouro público, e cobrar do próprio tesouro, para depois embolsar mais ainda, sem a vigilância criteriosa de um povo que já se habituou às explicações oficiais.
"infelizmente, por causa da crise, teremos que atrasar os salários...", "devido à crise que atravessamos, este ano seremos obrigados a suprimir alguns benefícios...", "informamos ao servidores que a crise está nos levando a deixar de cumprir a segunda parte do décimo terceiro...", "pedimos desculpas aos fornecedores, mas, em consequência da crise, não poderemos honrar nossas dívidas...", "brasileiros! Infelizmente, a crise nos obriga a majorar os impostos, os combustíveis e tudo o mais, para tentarmos recuperar a economia!". Blá, blá e blá...
A paixão é assim: fazemos tudo em seu nome. Usamos de todos os artifícios para mantermos o alvo do sentimento. Não seria diferente com a crise, que o governo federal manterá indefinidamente para facilitar a própria vida e a dos demais governantes, sem contar os parlamentares, ministros e demais assessores. Graças à crise no Brasil - que não é a mesma do mundo, e sim, causada especialmente pela onda de corrupção política -, executivo e legislativo de todas as esferas seguirão roubando impunemente, certos de que o povo seguirá pagando a conta.
Só quero ver, no ano que vem, se faltarão recursos, por exemplo, para cumprir todas as metas inerentes à olimpíada. Se faltarão, em algum momento, recursos para os inúmeros assistencialismos que garantem milhões de votos... e se também faltarão recursos para campanhas eleitorais, tanto em 2016 quanto em 2018. Quem sobreviver verá.

terça-feira, 10 de novembro de 2015

SEXTA BÁSICA


Demétrio Sena, Magé - RJ.



Entre risos, lorotas e apelidos,
a libido guardada pra depois,
um atalho pro bar da encruzilhada
ou aquela barraca do açaí...
O descanso é buscar cansaço extra,
perder voz em algum karaokê,
dar de besta pra cima das novinhas
ou nem tanto, entretanto, disponíveis...
Tem um som sertanejo logo ali,
é aí que ninguém quer ir pra casa,
faltam asas e hoje não há ninho...
A libido recorre ao habeas corpus, 
abre fechos, vontades, enche copos
de bebidas e duplas solidões...

PRA SER JUSTO


Demétrio Sena, Magé - RJ.


Faço as contas; desconto meus enganos;
tuas fugas discretas, preventivas,
teus desvios, as rotas de silêncio,
rodas vivas de medos resguardados...
A distância terá que ter cimento;
ferro e pedra; o melhor dos alicerces;
fundamento e sentido indiscutíveis
para minhas razões acumuladas...
Ligo as pontas, abono as coincidências
que minh´alma não pode refutar;
quero mais evidências pra ser justo...
Só apago esta luz sobre quem és
quando até de viés eu puder ver
que me vês como alguém que nunca está...

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

VOLTO PRA MIM

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Tive minhas coragens, mesmo tortas,
cuidadosas, improbas ou estranhas,
minhas portas se abriram pouco a pouco,
as entranhas mandaram seus sinais...
Houve medo, mas foi de ser covarde,
de morrer e levar os meus segredos,
ficar tarde pra todas as certezas
que se pode alcançar de sim ou não...
Fui alguém que lançou a rede ao lago,
teve sua ilusão ao ver a lua
num afago do céu na flor das águas...
Sutilezas, engenhos e ousadias;
dei aos dias eivados de paixão
a razão de viver a olho nu...

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

PRA SEMPRE NUNCA

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Só me deixe saber que não ardo sozinho,
que meu fogo não queima sem oxigênio,
minha taça de vinho nem exala cheiro
e meus olhos não nadam num nada sem fim...
Saberei não deixar que o saber me domine,
guardarei o silêncio sobre a flor dos lábios,
pra manter os espinhos do corpo grelhado
entre sábios contornos deste sentimento...
Sempre fui prisioneiro do segredo exposto
ao seu rosto, seus olhos, ninguém, nada mais,
em discretas paisagens do mapa inseguro...
Nem lhe peço esse filme, somente umas cenas,
umas pontas amenas, remotas e vagas,
uma vaga no sonho do pra sempre nunca...


terça-feira, 3 de novembro de 2015

A PALAVRA PALAVRA

Demétrio Sena, Magé – RJ.


A grande crise do tempo que atravessamos é de palavra. Em todos os grupos, clãs e camadas sociais a palavra é um artigo banalizado, e por isso, em franca extinção de sentido. Se temos o hábito de apontar os políticos como os únicos não cumpridores da palavra, chegamos ao ponto em que tal afirmação é injusta, pois eles fizeram escola. Todos nós aprendemos a não cumprir compromissos, promessas, juras e acordos... palavra dada, gravada ou escrita. Nem mesmo assinada e com firma reconhecida. Tudo isto, sem falar dos que jogam conversa fora; prometem o que não podem cumprir... arrotam.
Como se vê, não falo apenas dos contextos mais arrojados e grandiosos da palavra, mas também do dia a dia. Os momentos; nuances; detalhes. O “dia desses”, o “qualquer hora”, o “daqui a pouco” e o “peraí”. A palavrinha sem importância para quem dá, mas de grandes expectativas para quem recebe, muitas vezes sem pedir ou fazer cobranças, mas que a partir daí estabelece uma expectativa que pode ser danosa. Com o fenômeno da falência da palavra, o ser humano se descompôs em mentiras, fraudes, dissimulações, apropriações e posses do que não lhe pertence por natureza, direito nem ética.
Ela, que um dia valeu e se bastou por meio de gestos simbólicos e códigos naturais ou instintivos de honra, hoje não tem qualquer valor, mesmo com todos os aparatos de garantia do seu cumprimento. Estamos no tempo em que urge reformularmos os nossos valores e conceitos, pelo bem do próprio mundo, para devolvermos aos cofres arrombados do caráter humano aquele sentido pleno e verdadeiro da palavra palavra. 

ACOMODAÇÃO

Demétrio Sena, Magé – RJ.

Sigo a vida, já fui de andar na frente,
mas a frente só tem o mesmo nada,
vi que o mundo está dentro desta lente
onde os olhos rascunham minha estrada...

Amo a fera, cansei de amar a fada,
pois a fera é mais próxima de gente,
perco as asas e teço aquela escada
para o céu que se alcança pela mente...

Vou no tempo que a pressa não alcança,
pouso e durmo nos braços da esperança
e me assumo simplório; acomodado...

Quero sonhos banais à luz da lua,
brisa leve beijando a pele nua;
meu futuro nas águas do passado...

REMÉDIO AMARGO

Demétrio Sena, Magé – RJ.

Pode ser o momento de abraçar meu canto
e calar estes gritos que dou em silêncio;
depredar um encanto sem razão de ser
para minhas visões adequadas ao sonho...
É preciso assumir o possível desgaste
dos instantes que agora se tornam rotina,
redimir a retina, encarar as caretas
do vazio em que venho despejar afeto...
Já enxergo a distância como bom remédio
mesmo amargo e difícil de me convencer
do efeito esperado; não colateral...
Tomaria por ti, contra minha vontade,
contra minha verdade que ainda não sei
onde fere; retrai; descompõe; desconforta...

domingo, 1 de novembro de 2015

ADORAÇÃO

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Vou levando esta carga de silêncio
entre tantas palavras escolhidas,
tantas idas e vindas pra depois
nunca ter avançado além de mim...
Meu segredo faz mímica, insinua,
dá sinais e recolhe seus contextos,
algo atua em meus lábios que desviam
as denúncias do corpo réu confesso...
Feito alguém que faz prece a uma imagem
eu te amo, és a minha idolatria,
liturgia de fé à toda prova...
Minha bênção não vem, mas não importa,
pois te adoro na porta pro infinito,
onde o mito eterniza meu amém...