domingo, 29 de novembro de 2015

ESPELHO

Demétrio Sena, Magé - RJ.


Desça um pouco dessa frágil grandeza de ser humano imaculado, sempre certo, virtuoso e perdoador. Fazendo assim se reveja, e veja dentro de si aqueles muitos motivos para também pedir perdão.

DESEJO BALDIO

Demétrio Sena, Magé - RJ.


Fosse leite o que sinto, já seria queijo;
é antigo e curtido pelo meu tormento;
esse beijo, esse abraço e o além dos meus olhos
moram sob o momento que virou eterno...
Viraria vinagre, caso fosse vinho,
caso fosse algum fóssil daria petróleo;
meu espólio que a vida poria em leilão,
se o que sinto em segredo fosse declarado...
Ficaria poroso feito pedra pomes
ou teria mais lixo que os quintais baldios;
as ruelas e os rios do Rio central...
O desejo profundo abandonado em mim
à espera do sim que nem foi requerido
é meu elo perdido em nossa não história...

MARCAS


segunda-feira, 23 de novembro de 2015

A POESIA É O POETA

Demétrio sena, Magé - RJ.

Nenhum poeta em essência; em essência, mesmo, e não por formalidade ou ofício deve temer nem aceitar a ideia de fazer poesia errada. Não existe poesia errada, seja ela soneto, haicai, trova, terceto, aldravia, o chamado poema livre ou marginal.
Que nenhum pretenso deus das letras confunda o verso clássico de pé quebrado com o não verso. Sonetos fora de métrica, mesmo assim serão poesias, e vale o mesmo para qualquer outra modalidade fixa que por ventura fugiu à regra ou à ditadura. E ninguém confunda versos brancos com versos em branco.
Poesia é sentimento, e não se pode afirmar que alguém errou na expressão do que sentiu. Só quem sente sabe a forma, profundidade ou fôrma do que sente. Além do mais, nenhum ser humano deixa de ser humano por haver quebrado a perna, o braço, a costela. Ninguém é alienígena porque nasceu diferente.
A cada dia que vivo e faço versos, reconheço mais e mais a poesia como legítima expressão das emoções humanas...

... Ao mesmo tempo, deploro as academias de letras tão semelhantes às de musculação que induzem ao uso de silicone ou anabolizante, pela propaganda enganosa de que apenas os corpos mais esculpidos correspondem à ideia de saúde perfeita.

ACOMODAÇÃO

Demétrio Sena - Magé


Vai ver
que viver,
pra ser franco,
é ver a vida
não vivida,
não vívida
nem ávida
passando em branco.

CARIDADE

Demétrio Sena - Magé


Não há nada mais caro
e mais sujeito à inflação,
do que estar com a razão.

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

GRITOS D´ALMA


AMORES ETC

Demétrio Sena, Magé - RJ.


Desisti de trocar o meu tudo por algo,
meus extremos por meios – caminhos ou termos,
ter carinhos enfermos pelo bom humor
com que dou este afeto sem cabresto e muro...
Aprendi a temer os temores de mim,
ficar longe do longe, calar pro silêncio,
dizer sim ao jamais que recheia o talvez
do sorriso velado, a palavra espremida...
Já não quero pairar no vazio de alguém
para quem tanto faz ou às vezes até
tem um quê de bem-vindo que logo evapora...
Quero caso de amor, amizade ou acaso
que não seja forçado, por sinais de aviso,
a ser tímido e raso como precaução... 

OLHOS AO MAR

Demétrio Sena, Magé - RJ.


A discreta e profunda paixão daquele homem eram os olhos daquela mulher. Não era o corpo, já proibido mesmo pra ele, nem mesmo a alma, igualmente proibida, e sim, as janelas. Ele adorava ser olhado por aqueles olhos. Pelo menos ter a impressão de que o era. Embora devotasse grande amizade pela proprietária dos olhos e não tivesse qualquer intenção de pular os muros daquele afeto, aquele homem queria ser cada vez mais olhado. Ser a passarela, o pasto, a passagem obrigatória dos olhos daquela mulher. 
Em nome dassa impressão - possibilidade mais próxima -, o escravo daqueles olhos passou a fazer empenhos para conquistar mais olhares. Passeios mais intensos. Incursões mais profundas e curiosas. Começou a disponibilizar imagens outrora escondidas entre os panos descuidados. Doravante, cuidadosamente mais descuidados. Abriu caminhos para visões bem secretas, paisagens bem escondidas e atalhos que apontavam para destinos que permaneceriam lá, em nome da probidade; ou do bom senso restante; ou do seu temor de perder até mesmo aqueles olhares do início, tão discretos e velados. Queria ser um roteiro turístico levemente mais radical, para se oferecer aos olhos que nunca saíam de seus olhos nem de seu pensamento.
Aquilo não era uma perversão. Não havia mesmo intenções ocultas ou escusas. Aquele homem não desejava tocar, possuir, ter prazeres palpáveis com aquela mulher, até porque isso quebraria o encanto, além de ferir a probidade ou a lei dos laços que já formalizaram outros contextos. A troca dos mesmos obrigaria um processo doloroso por algo inviável, previamente quebrado, e por isso mesmo vencido. Validade vencida já no começo. Sua culpa não tinha dolo. Era culpa sincera. Culpa inocente. Não seria capaz de qualquer ato que gerasse uma exposição além daquela, entre a dona dos olhos e seus empenhos. Nem à consumação do crime ou pecado, por mais seguro que parecesse. Sabia conter qualquer arroubo.
Com o tempo, a dona daqueles olhos pareceu decidir que já era tempo de retirá-los de cena. De cenário. De pasto. De passarela e roteiro. Delicada e sensível, teve o zelo de fazer isso lentamente. Não queria causar de uma só vez todos os ferimentos emocionais que sabia inevitáveis. Ela só não sabia que os olhos daquele homem não sabiam viver sem ver seus olhos. Eram dependentes dos passeios, das curiosidades, incursões discretas e delicadas daqueles olhos. Com a retirada, o pobre homem sofreu profundamente, chorou fontes, rios, mares, e quando a dor de não ver os olhos daquela mulher sobre ele não era mais suportável, resolveu não ter olhos.
Foi assim que os mares, criação final do choro dos olhos daquele homem tiveram a companhia de nada menos que aqueles olhos. Agoniados e deprimidos olhos, que se uniram na dor eterna e profunda - mais profunda que os próprios mares - de saberem que nunca mais o seu dono seria mapa; roteiro turístico... nem o simples pasto e a  passarela dos olhos daquela mulher.

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

RITUAL

Demétrio Sena, Magé – RJ.

Amanhã bem cedinho esperarei teus passos,
teu silêncio e depois a tua voz sumida,
um instante, uma vida que um instante vale
no compasso excessivo do meu coração...
Logo após um olhar que diz tudo pra mim,
sob as cordas do quanto não podes falar,
entre os ares de sim que ficarão nos ares,
pois nos cabe sonhar sem pretensão além...
A exemplo da espera das demais manhãs,
quero crer na manhã de qualquer amanhã
desses velhos encontros que marco sozinho...
Abrirei bem cedinho a janela do sonho,
deixarei meu silêncio te chamar sem eco
nesse peco, não peco de faz tantos anos...

HORIZONTES

Demétrio Sena, Magé – RJ.

Ando meio sem tempo de nutrir
depressão, baixa estima, insônia e mágoa,
estou meio sem água pra chorar
o que o mundo guardou dentro de mim...
Já não cabe me abrir à própria crise
de sentido, propósito e contexto,
ao deslize de minhas esperanças
onde o texto fugiu de meu rascunho...
E não posso me dar sequer ao luxo
do lamento e da velha nostalgia,
cada dia requer um novo sonho...
Fico meio sem chão pra me plantar,
sem arpão pra morrer na minha praia

cujo mar está cheio de horizontes...

PELOS CORTES DA VIDA

Demétrio Sena, Magé – RJ.


É que a gente se foge de tanto fugir;
já não pode com nada, mas quer se poder;
nem quer mais se fundir ao que a vida forjou,
mas no fundo se toca; está toda fundida...
Nada pode salvar a quem o mundo pode,
pois explode no abismo de quem foi podido,
foi fugido e não foge do alvo da fuga
cuja rota lhe foge no fim da ilusão...
Quando a gente se arvora o mundo vem podar
pelos cortes da vida, pois a vida é poda;
uma roda cortante que o mundo não cega...
Ninguém pode poder o que pode sem fim,
apesar de fundida sei que a gente foge
pelo sim, pelo não, de ser o que não é...

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

BRASIL: QUEM SOBREVIVER VERÁ

Demétrio Sena, Magé - RJ.


Em todas as instâncias, os governantes deste país estão apaixonados pela crise. Também pudera. É a crise que lhes dá os argumentos necessários para que possam embolsar cada vez mais o tesouro público, e cobrar do próprio tesouro, para depois embolsar mais ainda, sem a vigilância criteriosa de um povo que já se habituou às explicações oficiais.
"infelizmente, por causa da crise, teremos que atrasar os salários...", "devido à crise que atravessamos, este ano seremos obrigados a suprimir alguns benefícios...", "informamos ao servidores que a crise está nos levando a deixar de cumprir a segunda parte do décimo terceiro...", "pedimos desculpas aos fornecedores, mas, em consequência da crise, não poderemos honrar nossas dívidas...", "brasileiros! Infelizmente, a crise nos obriga a majorar os impostos, os combustíveis e tudo o mais, para tentarmos recuperar a economia!". Blá, blá e blá...
A paixão é assim: fazemos tudo em seu nome. Usamos de todos os artifícios para mantermos o alvo do sentimento. Não seria diferente com a crise, que o governo federal manterá indefinidamente para facilitar a própria vida e a dos demais governantes, sem contar os parlamentares, ministros e demais assessores. Graças à crise no Brasil - que não é a mesma do mundo, e sim, causada especialmente pela onda de corrupção política -, executivo e legislativo de todas as esferas seguirão roubando impunemente, certos de que o povo seguirá pagando a conta.
Só quero ver, no ano que vem, se faltarão recursos, por exemplo, para cumprir todas as metas inerentes à olimpíada. Se faltarão, em algum momento, recursos para os inúmeros assistencialismos que garantem milhões de votos... e se também faltarão recursos para campanhas eleitorais, tanto em 2016 quanto em 2018. Quem sobreviver verá.

terça-feira, 10 de novembro de 2015

SEXTA BÁSICA


Demétrio Sena, Magé - RJ.



Entre risos, lorotas e apelidos,
a libido guardada pra depois,
um atalho pro bar da encruzilhada
ou aquela barraca do açaí...
O descanso é buscar cansaço extra,
perder voz em algum karaokê,
dar de besta pra cima das novinhas
ou nem tanto, entretanto, disponíveis...
Tem um som sertanejo logo ali,
é aí que ninguém quer ir pra casa,
faltam asas e hoje não há ninho...
A libido recorre ao habeas corpus, 
abre fechos, vontades, enche copos
de bebidas e duplas solidões...

PRA SER JUSTO


Demétrio Sena, Magé - RJ.


Faço as contas; desconto meus enganos;
tuas fugas discretas, preventivas,
teus desvios, as rotas de silêncio,
rodas vivas de medos resguardados...
A distância terá que ter cimento;
ferro e pedra; o melhor dos alicerces;
fundamento e sentido indiscutíveis
para minhas razões acumuladas...
Ligo as pontas, abono as coincidências
que minh´alma não pode refutar;
quero mais evidências pra ser justo...
Só apago esta luz sobre quem és
quando até de viés eu puder ver
que me vês como alguém que nunca está...

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

VOLTO PRA MIM

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Tive minhas coragens, mesmo tortas,
cuidadosas, improbas ou estranhas,
minhas portas se abriram pouco a pouco,
as entranhas mandaram seus sinais...
Houve medo, mas foi de ser covarde,
de morrer e levar os meus segredos,
ficar tarde pra todas as certezas
que se pode alcançar de sim ou não...
Fui alguém que lançou a rede ao lago,
teve sua ilusão ao ver a lua
num afago do céu na flor das águas...
Sutilezas, engenhos e ousadias;
dei aos dias eivados de paixão
a razão de viver a olho nu...

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

PRA SEMPRE NUNCA

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Só me deixe saber que não ardo sozinho,
que meu fogo não queima sem oxigênio,
minha taça de vinho nem exala cheiro
e meus olhos não nadam num nada sem fim...
Saberei não deixar que o saber me domine,
guardarei o silêncio sobre a flor dos lábios,
pra manter os espinhos do corpo grelhado
entre sábios contornos deste sentimento...
Sempre fui prisioneiro do segredo exposto
ao seu rosto, seus olhos, ninguém, nada mais,
em discretas paisagens do mapa inseguro...
Nem lhe peço esse filme, somente umas cenas,
umas pontas amenas, remotas e vagas,
uma vaga no sonho do pra sempre nunca...


terça-feira, 3 de novembro de 2015

A PALAVRA PALAVRA

Demétrio Sena, Magé – RJ.


A grande crise do tempo que atravessamos é de palavra. Em todos os grupos, clãs e camadas sociais a palavra é um artigo banalizado, e por isso, em franca extinção de sentido. Se temos o hábito de apontar os políticos como os únicos não cumpridores da palavra, chegamos ao ponto em que tal afirmação é injusta, pois eles fizeram escola. Todos nós aprendemos a não cumprir compromissos, promessas, juras e acordos... palavra dada, gravada ou escrita. Nem mesmo assinada e com firma reconhecida. Tudo isto, sem falar dos que jogam conversa fora; prometem o que não podem cumprir... arrotam.
Como se vê, não falo apenas dos contextos mais arrojados e grandiosos da palavra, mas também do dia a dia. Os momentos; nuances; detalhes. O “dia desses”, o “qualquer hora”, o “daqui a pouco” e o “peraí”. A palavrinha sem importância para quem dá, mas de grandes expectativas para quem recebe, muitas vezes sem pedir ou fazer cobranças, mas que a partir daí estabelece uma expectativa que pode ser danosa. Com o fenômeno da falência da palavra, o ser humano se descompôs em mentiras, fraudes, dissimulações, apropriações e posses do que não lhe pertence por natureza, direito nem ética.
Ela, que um dia valeu e se bastou por meio de gestos simbólicos e códigos naturais ou instintivos de honra, hoje não tem qualquer valor, mesmo com todos os aparatos de garantia do seu cumprimento. Estamos no tempo em que urge reformularmos os nossos valores e conceitos, pelo bem do próprio mundo, para devolvermos aos cofres arrombados do caráter humano aquele sentido pleno e verdadeiro da palavra palavra. 

ACOMODAÇÃO

Demétrio Sena, Magé – RJ.

Sigo a vida, já fui de andar na frente,
mas a frente só tem o mesmo nada,
vi que o mundo está dentro desta lente
onde os olhos rascunham minha estrada...

Amo a fera, cansei de amar a fada,
pois a fera é mais próxima de gente,
perco as asas e teço aquela escada
para o céu que se alcança pela mente...

Vou no tempo que a pressa não alcança,
pouso e durmo nos braços da esperança
e me assumo simplório; acomodado...

Quero sonhos banais à luz da lua,
brisa leve beijando a pele nua;
meu futuro nas águas do passado...

REMÉDIO AMARGO

Demétrio Sena, Magé – RJ.

Pode ser o momento de abraçar meu canto
e calar estes gritos que dou em silêncio;
depredar um encanto sem razão de ser
para minhas visões adequadas ao sonho...
É preciso assumir o possível desgaste
dos instantes que agora se tornam rotina,
redimir a retina, encarar as caretas
do vazio em que venho despejar afeto...
Já enxergo a distância como bom remédio
mesmo amargo e difícil de me convencer
do efeito esperado; não colateral...
Tomaria por ti, contra minha vontade,
contra minha verdade que ainda não sei
onde fere; retrai; descompõe; desconforta...

domingo, 1 de novembro de 2015

ADORAÇÃO

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Vou levando esta carga de silêncio
entre tantas palavras escolhidas,
tantas idas e vindas pra depois
nunca ter avançado além de mim...
Meu segredo faz mímica, insinua,
dá sinais e recolhe seus contextos,
algo atua em meus lábios que desviam
as denúncias do corpo réu confesso...
Feito alguém que faz prece a uma imagem
eu te amo, és a minha idolatria,
liturgia de fé à toda prova...
Minha bênção não vem, mas não importa,
pois te adoro na porta pro infinito,
onde o mito eterniza meu amém...

FILHAS

 Demétrio Sena, Magé - RJ.

Quero a vida pra tê-las, não há mundo
sem o tom de seus olhos frente aos meus,
meu adeus não seria dor nem drama
se não desse ao sentido de quem sou...
É por elas que tenho lado bom,
ganho luz em recantos do meu ser,
sei vencer os meus monstros pessoais
e olhar sem descaso pro depois...
Só aceito partir se as vejo inteiras,
resolvidas, felizes e seguras
de seus sonhos; de suas realidades...
Quero mundo pra tê-las, não há vida
sem as chaves do amor que me liberta
da ilusão de viver só para mim...