Demétrio Sena, Magé - RJ.
Quando a mocinha ruiva e muito
bem vestida entrou no lotação, só havia uma vaga para sentar. Um jovem negro
que ocupava o assento ao lado se ajeitou para que ela ocupasse confortavelmente
a vaga. A moça não quis. Agradeceu educadamente, meio de viés, e permaneceu
como estava. O assento logo foi ocupado por outra pessoa.
Era uma viagem demorada e
cansativa, e o lotação lotou. As pessoas ficaram espremidas e a moça continuava
em pé. Bem depois, um rapaz que desembarcaria no próximo ponto a cutucou pelas
costas e convidou a ocupar antecipadamente a vaga. No assento à direita, uma
senhora bem idosa, em trajes encardidos e muito pobres, abriu um sorriso muito
simpático, de alguns dentes cariados, como se desse boas vindas à moça. Mas a
moça continuava bem. Não estava cansada. Outra vez agradeceu educadamente... e
de viés.
Mas ninguém é de ferro. Quando o
lotação começou a esvaziar, e ainda restava um bom pedaço de asfalto para
chegar ao ponto final, onde a mocinha ruiva desembarcaria, mais um passageiro
desembarca e deixa um novo lugar, ao lado de um moço forte, alto, branco e metido
em trajes sociais. Aí a moça se rende: lentamente se dirige à poltrona, dá um
sorriso simpático, seguido de um 'com licença', senta, se recosta e dorme.
Não tarda muito, e o moço bem
apessoado sai, de forma bem delicada para não acordar a moça. No mesmo ponto,
embarca no lotação um idoso esquelético, visivelmente esgotado e carregando
pesados sacos de sucata, que ele catara provavelmente o dia inteiro. Deixa os
sacos perto da porta, se dirige à vaga na mesma poltrona da mocinha ruiva, e
com expressão de alívio se acomoda, sem demorar também a dormir.
Regidas pelo cansaço, o conforto
da poltrona quase macia, o vento da janela e o ruído suave do veículo em
movimento, ambas as cabeças pendem, cada uma para o ombro ao lado. É nessa
entrega inocente, simbólica e desarmada que ambos seguem viagem para o mesmo
bairro, onde moram cercados pelas mesmas realidades diárias.
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