segunda-feira, 26 de junho de 2017

PRESO NO PARAÍSO


Demétrio Sena, Magé - RJ.


O passarinho está livre na gaiola. Mas está preso... na gaiola. Está livre do gato e do gavião. Do sol... da chuva. Livre até de ser preso em outra gaiola. Livre da liberdade.
Tem alpiste, água e remédio. Tem um senhor... um senhor que lhe dá o alpiste, a água, o remédio e a garantia de que o gato, o gavião, a chuva e o sol não o pegarão... muito menos a liberdade o pegará.
E o passarinho canta. Canta para o seu dono e senhor, que além de prover suas necessidades, garantir o socorro e as libertações, ainda lhe dá o direito de olhar o mundo e sentir o ar, mesmo sem poder explorá-los... avançar os limites das permissões espremidas. Ele apenas olha, e sabe que deve agradecer por tudo, esse tudo-nada, para não ofender seu dono e senhor, que sempre sabe o que é bom.
Hoje, o passarinho entende que esse é seu livre arbítrio. Não é livre... nem é arbítrio. Mesmo assim é seu livre arbítrio, depois do medo que aprendeu a ter das consequências de não ter medo. De ser livre. Ter arbítrio. Correr os riscos de ser quem é por natureza ou pelo pecado original de haver nascido. 
Essa é a sua casa. Seu mundo; seu habitat. Sua prisão no paraíso... longe do seu ninho. A gaiola é o templo... a igreja do passarinho.

sexta-feira, 23 de junho de 2017

SIMPLESMENTE GENTE

Demétrio Sena, Magé – RJ.

Se tiver boa índole, pode vir. Fale certo, com vícios ou tudo errado. Tenha qualquer cor, textura, seja transparente. Escreva bem, vulgarmente ou nem saiba escrever.
Você pode me chamar de senhor, mano, cara ou bicho, desde que só tenha uma cara... e que me trate como ser humano. Ter talento, não ter, pedir desculpas ou só dizer que foi mal, quando reconhecer um erro.
Quero apenas a índole de quem é recatado ou sem pudor. Adora funk, gospel, jazz, ópera ou MPB. É cristão, umbandista, herege, ateu, à toa. Tem mansão, casa boa ou palafita. Fala inglês, outras línguas ou só a língua do pê.
Venha e traga sua boa índole. A embalagem pode ser um corpo liso ou tatuado; bem vestido, nu ou com pouca roupa. Cabelos lisos ou duros; louros ou vermelhos; negros ou inexistentes não importa: será tudo bem vindo, se a índole for boa.

Se não tiver estudo, que tenha sensibilidade. Não tiver juízo, tenha coração. E se não for gentil, tudo bem, mas veja bem... desde que seja gente. 

quinta-feira, 22 de junho de 2017

PRECONCEITOS


Demétrio Sena, Magé - RJ.


Preconceitos velados têm rostos risonhos,
atenções piedosas, vozes conseguidas,
as medidas distintas de afetos formais
que ninguém poderia contestar por lei...
Para ter preconceito e demonstrar que não,
é preciso saber se vestir de presença,
dar a mão que depois há de ser bem lavada
e visar recompensa sobrenatural...
Quem se dita melhor por questão de raiz,
de aparência, verniz ou por ter o que tem,
sabe como enganar seu conceito mais fundo...
É que o mundo se rende aos que sabem pagar
com seu ar filantropo e gestos adequados
aos contextos e quadros em torno de si...

TANTA ILUSÃO


Demétrio Sena, Magé - RJ.


Foste um pôster bonito proposto ao meu sonho,
propaganda enganosa que me fez comprar,
dei lugar aos desmandos do sentir mais cego
e guardei a razão nos desvãos mais ocultos...
Eras muita embalagem pra pouco produto,
mas amei tua estampa e consumi teu oco,
vi a casca perfeita do coco sem carne,
devorei a ilusão do que jamais comi...
De quem eras pra mim nem saudade restou,
porque foste holograma de alguém que não és
e meus pés encontraram num deserto insano...
Felizmente me achei quando mais me perdi,
retornei ao meu dia e quebrei teu encanto
em meus cantos dormentes de tanta ilusão

DOR DE SOLIDÃO


Demétrio Sena, Magé - RJ.


Meu olhar serpenteia por entre seus olhos,
arma o bote na calma de minha tensão,
pra sugar no silêncio desta timidez
o que seu coração talvez queira dizer...
Novamente me acanho, só me assanho em sonho
e por mais que me chame pra fora de mim,
mais me ponho em meus medos de não ser feliz
nos engenhos guardados pra quando não sei...
Mas também pode ser que seu ser sequer tenha
uma lenha viável pra chama que trago,
um afago na força do meu bem querer...
Minha voz trai meus olhos e cala o calor,
volto cheio de nada, vazio de tudo
que tentei dar à dor de minha solidão...

segunda-feira, 19 de junho de 2017

POR TE AMAR

Demétrio Sena, Magé - RJ.


Apesar dos pesares, te amar pesa mais;
faz querer um ficar, com planos de partir,
o sorrir e o chorar que vão chegando ao tom
de sentir uma paz que nunca foi real...
Mesmo armado, ferido e com farpas na voz,
cianeto nos olhos, paixão nuclear,
alma cheia de nós, um orgulho algemado,
é te amar que supera o não fazer sentido...
Não importa se a porta me chama pro mundo
e revela que o fundo já cumpriu seu poço,
tenho todos os ossos cravados aqui...
Já parei de pesar se apesar deste amor
vale a pena viver um morrer tão constante,
pois te amar é bastante pra nunca saber...

terça-feira, 13 de junho de 2017

O PRUMO DA VIDA

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Antes do tiro que lhe coça o dedo, procure ver quem é. O que deseja. A que veio. Antes da partida ou do freio que moram em seus pés, pergunte a si mesmo seu porquê. Defina o ponto, a rota, e tome ciência da medida. 

Segure um pouco seu não, seu sim, para dar ouvido à pergunta, o pedido, a proposta em sua totalidade. Não se precipite. Pode ser frustrante, até perigoso, ter uma resposta pronta; padrão; sempre a postos no play da língua.

Tome tento. Antes do antes, do depois ou do corte pré-determinado, permita o benefício do tempo que o mundo pede. Deixe a vida cumprir seu chão. Seguir seu prumo rumo à morte que sempre aceita o depois, para ser definitiva.

PASSANDO A LIMPO

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Um dos maiores riscos que o escritor enfrenta é o de soar hipócrita. Isso ocorre quando ele fala dos vícios e das mazelas do ser humano, com seus textos eivados de conselhos e críticas ao comportamento social como um todo.
É assim que me sinto a cada vez que publico em livros, páginas de jornais ou em rede social, textos que tratam de posturas, conceitos e preconceitos que pautam a sociedade na qual vivo. Sei que não poucas vezes pareço estar acima de qualquer suspeita ou carência de reprimenda, mas isso é um equívoco provocado pelo meu desejo de ser exatamente como recomendo que os outros sejam.
Se jamais cometi um crime, um delito, qualquer ato que a lei condene, devo confessar que não sou exatamente um exemplo como ser humano. A lei não tem, realmente, por que me condenar, mas a graça propõe constantemente à minha consciência, uma profunda reflexão. Um repensar necessário à paz interior, pois tenho cá meus vícios, minhas posturas íntimas, estritamente pessoais, que só eu sei como pesam, nos meus muitos momentos de autocrítica. 
Vivo me condenando às escondidas, ora punido pela consciência, ora beneficiado pelo habeas corpos no qual me justifico por ser apenas um ser humano, e assim vou. Do que posso me orgulhar é apenas a tentativa constante, quase sempre bem sucedida, de não prejudicar o outro. Só a mim mesmo. Isto é uma filosofia que adotei faz tempo, quando consegui absorver algumas lições de ética e preocupação com o ser humano. Posso não ser um cidadão nota dez nesse quesito, mas creio que passo raspando.
Em suma, quando venho a público deplorar o comportamento humano, muitas vezes deploro consciente ou inconscientemente a mim mesmo, convidando a todos para uma reflexão em conjunto. Ao tecer conselhos, críticas e até pregações, aconselho ao meu eu mais fundo; critico meus próprios atos e prego para minha consciência, deixando em aberto para quem mais esteja inserido nos contextos.
Obrigado por ler meus versos. Minhas crônicas. Meus artigos. Por acreditar nas mensagens. Na minha sinceridade ao escrever. Mas não caia no ardil de me adotar como seu espelho; seu guru; seu sabe- tudo. Não sei de nada. Sé sei mesmo escrever, como forma de ajudar a mim próprio e dividir com quem aceite, mesmo sabendo que um saber profundo a meu respeito poderá lhe causar algumas frustrações.

segunda-feira, 12 de junho de 2017

AMOR EPITELIAL

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Eu amei o teu corpo e teu amor,
meu poder sobre as tuas sensações,
foste a flor no Saara dos instintos
duma longa estiagem no meu brio...
Eu me amei no reflexo da estima
que acordou entre a pele provocada;
na menina que deu ao meu outono
um atalho que nada presumira...
Não te amei como a febre fez sentir,
mas bebi a loucura de que amei,
pela força dos poros encharcados...
Eu te amei como eco da mentira
com que sei que me amaste quando a vida
foi a lira da minha solidão...

sexta-feira, 9 de junho de 2017

AQUELE AMOR


Demétrio Sena, Magé - RJ.


Nunca mais repeti aquele amor
que me dava mais forças pra viver,
um torpor que acendia o corpo inteiro
e fazia sonhar com tudo eterno...
Fui feliz; de sentir que até doía;
de querer duvidar por precaução,
mas a minha emoção gritava forte
pra deixar a loucura ser maior...
Um amor que me deu raiz e chuva,
chão e sol pra florir e vingar fruto, 
fez da uva o meu vinho precioso...
Foi a minha ilusão bem verdadeira,
minha beira de abismo rumo ao céu
que só pude alcançar naquele amor...

terça-feira, 6 de junho de 2017

FOLDER

Demétrio Sena, Magé - RJ.


Sabes tanto e não sabes que fazer
desse tanto que nunca te valeu;
tanto 'eu' processado em teu vazio
que o saber ostensivo não preenche...
Há um todo poder que não te salva
dos teus medos, da tua solidão,
do perdão que não tens a dar nem ter
quando encaras os olhos que te veem...
Tudo sabes e o tudo se faz nada,
porque já não te cabe aprendizado
e ficar no passado é teu futuro...
É um triste saber que se reduz
a um foco de luz repetitivo
sobre a mesma propaganda enganosa...

quinta-feira, 1 de junho de 2017

SAGA RESTANTE

Demétrio Sena, Magé - RJ.



Hoje venço as derrotas forjadas pra mim;
já não busco vitórias que são duvidosas;
lá no fim dos meus sonhos estão meus espelhos
onde quero me olhar e sorrir pro que veja...
Errarei outras vezes; não nos mesmos pontos,
nem serão novos erros que premeditei,
desses prontos, medidos e delineados
pela lei de chegar sem questão de caminho...
Tenho prole que pede para ter matriz,
há um giz que precisa fazer jus ao quadro,
uma saga restante que requer critério...
Aprendi as lições que o passado ensinou;
sou aluno esforçado, quero me formar
e saldar com a vida pra partir em paz...