quinta-feira, 26 de outubro de 2017

DOCE VIDA


SIMPLES


Demétrio Sena, Magé - RJ.

Quase tudo é difícil, mas é burrice dificultar o que pode ser fácil.

VEGETAIS


Demétrio Sena, Magé - RJ.

O que falta pra muitos é sentir a falta
do que mora num sonho e não foi conquistado,
é estado concreto do que sempre foi
abstrato, platônico, fora de alcance...
Um amor, algum bem, uma graça pendente;
o que falta pra gente, caso tenha tudo,
será sempre uma falta que não é sentida,
ressentida no vácuo desse velho nunca...
Precisamos não ter, pra que o ter satisfaça,
o completo está cheio de vazio insano
como dano de nunca ter sentido a dor...
Sofrimento final é de quem não sofreu;
há um eu que se fere de não ter ferida,
quando a vida nos cria no jardim do Éden...

terça-feira, 24 de outubro de 2017

SOBRE OS OLHOS DA CARA

Demétrio Sena, Magé - RJ.

A sociedade gosta - ou não gosta - imediatamente, do que olha, pois olhar é fácil; superficial; externo. Olhar é físico. Para que ela veja um indivíduo do qual não gostou com os olhos e mude sua concepção, existe um longo trajeto a ser percorrido. Isso leva tempo. Há que se ter muita, mas muita bagagem mesmo, para compensar diariamente a falta de atributos físicos, de sofisticação indumentária, posses notórias e/ou qualquer outro rótulo satisfatoriamente comercial.
Curioso, entretanto, é que os portadores de toda essa parafernália natural ou não, física e notória, jamais precisarão provar algo. Eles podem ser fúteis, de mau caráter, presunçosos, reacionários, inflacionários e, alguma vezes, até criminosos. Tudo bem. Basta serem viáveis física, social e muitas vezes religiosamente, pois a religião, desde que não tenha indícios de africanidade, valoriza mais ainda o que a sociedade olha, gosta e dispensa ver.
Ainda mais curioso é que muitas vezes, pessoas que sofrem por longo tempo para vencer preconceitos e serem vistas pela sociedade que os olhou inicialmente sem gostar, passam a ter os mesmos preconceitos por seus iguais. Aprendem a olhar sem ver. Passam a vida revalidando seus valores para manter o status, e não aprendem que ver não é dos olhos da cara. É da sensibilidade ou intuição apurada e livre de preconceitos, que dispensa o sentido da visão.

PREVENIDO


Demétrio Sena, Magé - RJ.

Tijolo tem medo;
saiu da calçada
e foi pro acostamento...
Eu sei o segredo;
areia lavada
tem marido cimento.

segunda-feira, 23 de outubro de 2017

PRA VIVER


Demétrio Sena, Magé - RJ.

Só preciso me achar no silêncio da hora
que se tranque no tempo duma vida inteira,
jogue fora meus lixos existenciais
num abismo sem beira que sugira volta...
Quero muito encontrar um momento mais meu
do que todas as posses que já tive um dia;
uma hora tardia que me recomponha
e conduza meus passos em um recaminho...
Sei do quanto me devo em verdades bem minhas,
peço ao tempo agiota e não importam juros
nem as novas espinhas na cara do eu...
Nascerei outra vez e será pra viver
sem calar tanto sonho e temer os mergulhos
em riachos escuros rumo ao que será...

ANTI-COBAIA

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Minhas modas se aplicam às minhas vontades,
tenho cá meus critérios que ninguém amolda,
porque olho nos olhos das plenas verdades
que ao acaso quebradas o tempo não solda...

Minha moda maior é não estar na moda,
só entendo ser livre como não ter grades,
crio asa no vento e no chão ganho roda,
pra fugir das estampas e publicidades...

Nunca tive carimbo nem preço de capa,
dou a cara pro mundo ensaiar o seu tapa
e jamais conseguir consumar esse ato...

Sou de corpo gasoso para quem me caça,
pois me quer no seu banco de réu ou de praça,
seja lá como for, para servir de rato...

MEDO DO SEM FIM

Demétrio Sena, Magé - RJ.


Vida cansa e começo a pressentir
a tristeza, o ranger do não chegar,
só seguir e saber que não há porto
nem um ponto em que pouse os olhos baços...
Uma vida sem fim seria o fim
rastejado; insistente; sem sentido;
um pedido inaudível por socorro,
de quem sabe que o tempo já parou...
Tudo cansa e se perde sob o nada,
minha estrada revela o que seria
caminhar à deriva para sempre...
Horizonte; horizonte; nada mais;
não há paz na ilusão da eternidade;
comecei a temer que jamais morra...

sábado, 21 de outubro de 2017

AS MÍDIAS, OS INTERESSES PESSOAIS E A HIPOCRISIA RELIGIOSA

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Chegou ao fim, uma novela que me fez entrar em sua história. Uma trama que encontrou as mais diferentes formas de alcançar os corações e as mentes dos brasileiros. Tanto os que assistiram quanto os que não; porque afinal, os que não assistiram fizeram exatamente como aquelas pessoas que não tomam bebidas alcoólicas, porém, cheiram as rolhas. Colhem as rebarbas. Tentam saber por meio de terceiros, ou em última instância, dão audiência escondidos.
Não tenho como não aplaudir uma obra; seja novela, filme, peça teatral, dança, livro, arte plástica (...), exibida por qualquer veículo... seja ele a Rede Globo ou a Band News; a CBN ou a Rádio Tupi; qualquer site, revista ou tela de cinema, se ela propõe um conjunto de reflexões de suma importância para o mundo contemporâneo, de formas tão delicadas, ao mesmo tempo cruas, porém dotadas de responsabilidade social. Conexão com as verdades que nem sempre queremos, mas precisamos encarar.
Vi a novela do início ao fim, com os mesmos olhos que tenho sobre qualquer obra de arte: olhos atentos às mensagens; às entrelinhas; às particularidades que me dizem respeito, e a toda a sociedade, na vida real. Olhos também atentos ao desempenho dos atores; à sensibilidade com que todos incorporam suas personagens e vivem suas histórias como heróis, bandidos, intermediários e figurantes.
É claro que a arte, a exemplo de tudo, tem seus contextos positivos e negativos; perniciosos e sãos. O que posso dizer aos que temem novelas e determinadas emissoras porque seus líderes espirituais ou politicopartidários mandam temer, é que o princípio da cidadania mora na liberdade. Liberdade para vermos, lermos e assistirmos o que achamos de bom tom, com a certeza de separarmos o que é bom e mau para nossas vidas a curto, médio e longo prazo.
Gostar ou não de algo é um direito de todos. Ninguém é obrigado, por exemplo, a ser noveleiro porque sou. Nem deixar de ser porque o padre, o pastor, o pai de santo nem o grão-mestre ou guru não gosta... ou desaprova. Seus próprios olhos e critérios são os mais recomendáveis para você avaliar o que é de bom e mau agouro, didático, antididático, belo, terrível...
Foi com essa liberdade pessoal, esses olhos e critérios que pude absorver o que há de melhor em uma trama. Desarmado, consegui entender que a história trouxe para dentro de minha casa o que meus preconceitos às vezes não querem ver. Arrombou meu sossego e acomodação social, me fazendo refletir sobre a importância de aceitar que o próximo não é só o igual. É também o diferente. Próximo é perto. Ao alcance de nossos olhos, nossas mãos e nosso amor... ou pelo menos nossa tolerância.
Não, não e não. As novelas não influenciam a sociedade. As realidades sociais influenciam as novelas, que as devolvem à sociedade física embrulhadas em arte, literatura e espelho, para decidirmos o que representa em nós. Nem há pregação. Nenhum autor manda cometer crime ou delito, mudar de gênero nem se converter a outra orientação. O que nossos filhos sabem é pelas próprias observações. O que eles são, enrustidos ou às claras, já são mesmo. E o que aprendem, mesmo em nossa companhia, o fazem nas ruas e na vizinhança; nas convivências inevitáveis na escola. E como se não bastasse, ainda aprendem com nossas rabugices religiosas, sociais e políticas, lições incontestes de pura hipocrisia.
Vi uma trama combater, com histórias espelhadas em experiências de vidas reais, o preconceito de gênero; o racismo; o ódio religioso; a negação do vício; a injustiça política e social. Também vi essa trama trazer à luz os caminhos que levam ao crime, para depois mostrar as consequências. Li nos contextos da referida, o discurso verdadeiro de que nos vemos diante de uma nova sociedade, e não nos resta senão optar entre o amor e o ódio, pelas diferenças. E é claro, além de muitas outras realidades, um pouco de poesia.
Enfim, vi com o meu discernimento e minha liberdade, na novela que todos viram com seus olhos ou os olhos alheios, uma mensagem múltipla de amor. Um amor que se distorce na hipocrisia religiosa e na intenção eleitoreira dos candidatos a cargos públicos, quando contradizem suas pregações pretensamente alicerçadas no livro que usam para suas conveniências pessoais.
Este pagão ou não religioso alicerça o seu manifesto utilizando exatamente o livro no qual não crê como guia divino de sua conduta ou caminho para salvação da alma, mas no qual descobre, sempre que o relê, máximas ou ensinamentos preciosos. A bíblia confronta e desmente seus pregadores, onde fala de amor ao próximo; primeiro, porque o próximo é qualquer pessoa de algum modo alcançável. Segundo, porque diz que se deve fazer o bem sem olhar a quem. Terceiro, porque fala do amor de Deus como um amor incondicional. E quem não ama incondicionalmente, fere natureza e o princípio do amor desse provável Deus.
Por fim, a bíblia também desmente seus pregadores, onde afirma que Deus deu ao homem o livre arbítrio. O que os religiosos mais têm feito, com linchamentos verbais e físicos, às vezes letais, é se mostrar superior ao possível Deus, querendo arrancar à força esse livre arbítrio do semelhante. Se a tal bíblia fala em inferno após a morte, porque será que seus seguidores querem condenar o próximo ao inferno – da exclusão, do julgamento e a condenação contínua – mesmo antes da morte?
Conhecer o mundo além das paredes dos templos, das palavras dos líderes, das páginas da bíblia, das dicas da web, das mensagens carolas de redes sociais, da hipocrisia política e familiar e até das mídias fixas e recomendadas, é sair da ignorância. Vencer a limitação. Ter bagagem para refletir por conta própria. Possíveis céu e inferno são o futuro. Não Continuemos ignorantes do agora.

sexta-feira, 20 de outubro de 2017

AMOR À VIDA

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Levo a cabo,
acabo
o que começo.
Sempre luto
pra que o luto
não perdure.
Minha testa
só atesta
o que sou.
Eu contesto
com texto,
preguiça
de viver.
Tenho tudo
que tudo
me reserva,
porque nada
nada
em mar de rosas.
Sei que sei
bem menos
do que penso
que sei que sei,
tenho medo
é do medo
de saber.
E tenho a paz
como pás
pra enterrar
o mau humor.
Meu amor
pela vida
cata espinhos.
Mas logo rio
do rio
de lágrimas
que choro.
Trago a flor
à flor
de cada poro.

terça-feira, 17 de outubro de 2017

FANATISMO


Demétrio Sena, Magé - RJ.

A distância do próximo se alarga,
pelo amor de matéria duvidosa;
pela carga de raiva dos opostos
ou da rosa dos ventos adversos...
Ninguém ama e respeita os diferentes;
preconceito é bandeira dos covardes;
rangem dentes os donos da verdade
mal forjada nos templos da mentira...
Quem confunde moral com moralismo,
tem a fé como ferro de ferir,
já morreu de mesmismo sem vacina...
Se lhes cabe algum céu é o céu da boca
duma noite sem lua e sequer céu;
fanatismo já é o próprio inferno...

QUEM ME AME


Demétrio Sena, Magé - RJ.

Já não quero seu eco
me devolvendo a seco
o que me soa infame...
Não quero mais alguém
que me ame também...
desejo quem me ame.

MUNDO NARCISISTA


Demétrio Sena, Magé - RJ.

Ninguém há de negar que a globalização tornou o próximo mais próximo do que nunca. Mas o amor, por sua vez, tomou a direção oposta. Está mais distante do que nunca, em razão das diferenças. Da constatação definitiva do quanto o ser humano é diverso. Raramente amamos o próximo, a menos que o próximo seja nossa réplica, em todos os sentidos. O mundo moderno excede no narcisismo.

segunda-feira, 16 de outubro de 2017

MORTOGRAFIA

Demétrio Sena, Magé - RJ.



Jamais entendi alemães, anões e mãos. Muito menos axé; táxi; praxe; guache. Sempre fui cismado com ducha e puxa... puxa vida! Como se não bastasse, ainda tem a linguiça, que enguiça no trema imaginário. 
Meu exame se perde no vexame. Ao mesmo tempo, a pança cansa a cabeça tão confusa. Perco o osso no poço, envolvo o troço no posso e caço o passo nessa confusão. Transa cansa o porquê, que não convence, tanto quanto a bossa coça o queixo, intrigada.
Azar da asa, que não tem z. O mesmo z com que ainda seria a asa, ou aza que o azar não teria... neste caso, azar do azar, cujo s não o livraria da sina. Da mesma forma, inchada ou não, a enxada será sempre a enxada e não adianta nem discutir o x dessa questão.
Quanto ao prazo do caso, nem se discute. O lixo é fixo e pronto; nada o define. Pode-se afirmar o mesmo da onça, que é sonsa e nem liga para o detalhe que não poderia mesmo explicar.
Já não presto atenção na tensão. Na intenção e na pensão. Vou na raça, isso passa, essa peça também não encaixa, mas tudo bem. A ortografia não é mais virgem. Perdeu bastante o hífen.Violaram muito do seu acento. Ela não assenta nem acentua como antes...
Chega o tempo em que a escrita emperra. Não tem regra; só adivinhação. Talvez intuição. Escreve melhor quem adivinha ou intui o maior número possível de palavras.

GRANDE ATOR

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Não
existe
a
tua
ção
que
substi
tua
a
tua
a
tua
ção.

SOCIEDADE - NOVELA - SOCIEDADE

Demétrio Sena, Magé - RJ.
Cheguei à conclusão de que não posso exigir que a arte pare no tempo, sob pena de se tornar fútil; superficial; sem qualquer compromisso com as realidades contemporâneas. A dramaturgia, por exemplo, quando não se propõe a exibir histórias de épocas passadas ou de cunho estritamente religioso, tende a se tornar alienada, fora de propósito e contexto, caso exceda nos véus.  A menos que haja intenção dos autores, por questões de humor, fantasia ou romance atemporal.
Como não dá para enfiar computadores, smartphones, armas nucleares e comportamentos ultramodernos em histórias de séculos, quiçá milênios passados, também não dá para fazer o oposto nas histórias de nosso tempo. Afinal, a arte existe em razão da sociedade; não a sociedade em razão da arte.
Excetuando os casos de fanatismo artístico, em que a falta de compromisso com crianças, adolescentes e outros vulneráveis interfere perniciosamente no processo natural e gradativo de formação ou assimilação, não acho nada imoral. Nem contradidático. Nem escandaloso. Na arte, no entretenimento nem na lida interpessoal e consensual. É só uma questão de achar ou não por bem consumir, e de querer ou não, de forma explícita, inequívoca e decidida, interagir com o outro. Tudo com discernimento próprio; não de acordo com regras, prismas ou imposições de que ou quem quer que seja.

É claro que havemos de repudiar qualquer manifestação artística e de outras naturezas, se houver clara imposição ou incitação ao ódio; ao preconceito; à exclusão; ao crime. Mas confesso que o que tenho visto é que a mídia, em especial a dramaturgia na maioria das vezes tem feito, com ou sem eficiência e sucesso, é exatamente pregar a compreensão, a tolerância, o respeito e os novos olhares sobre as diferenças cada vez mais evidentes. Com vícios, distorções e falhas, mas cabe às famílias aplicar seus filtros, propor as devidas reflexões, assessorar seus vulneráveis para o entendimento viável do que assiste. Ou proibir a audiência, pelo reconhecimento da incapacidade de assessorar.

O que nenhuma pessoa, família, grei, organização ou grupo tem o direito de fazer é decidir o que os outros podem ou não podem, com base nas suas proibições internas, por moralismo; fanatismo; ideologia; crença; imposição de cultura ou tradição.

Que se denuncie o que fere a lei; o que é crime ou contravenção. Mas ninguém se julgue apto a reger a sociedade; a exigir que todos vivam dentro de seus moldes ou virem suas ovelhas compulsórias. Voltando à dramaturgia, chegamos ao tempo em que, por falso moralismo e ditadura de fé, como se já não bastassem os preconceitos religioso, de gênero e até racial, temos que conviver com o preconceito a depender dos programas que apreciamos, a emissora de rádio ou televisão que preferimos, o jornal que lemos, os sites que acessamos e até as músicas de nossa expressa preferência.

Na contramão do que muito cidadão tem feito, se um dia me acudisse a ideia de mover um processo judicial de natureza pública, baseado em influências de comportamentos, eu preferiria processar a sociedade, da qual faço parte, pelas más influências que ela, sim, tem levado às telenovelas. Repito que a arte existe em razão da sociedade; não a sociedade em razão da arte.

sábado, 7 de outubro de 2017

DISTINTA SENHORA NUA

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Quando percebeu que eu aceitara em meu perfil de rede social a solicitação de uma distinta senhora que diariamente se mostra nua em sua linha do tempo, um contato puritano me remeteu uma mensagem desaforada, para só depois me bloquear. Nenhum problema com o bloqueio, que neste caso me foi conveniente, mas a sua mensagem ofendia uma pessoa ausente, que nenhum mal lhe fizera, e cujo perfil público não tem como ser visto sem expressa e voluntária visita. Posso até adivinhar o que tenha ocorrido ao meu ex-contato, por obra de uma possível patologia, talvez de fundo religioso, para deixá-lo tão culpado.
A vítima do puritanismo em questão tem um dos mais relevantes perfis que já conheci em rede social. Ela usa delicada e criativamente o corpo, tanto como arte quanto como expressão legítima de pura liberdade. Cada pose exibida é contextualizada por um madrigal, de sua autoria, sobre algo relevante: preconceito racial, social, de gênero, intolerância religiosa e algo similar. Imagino que o ex-amigo não percebeu tudo isso, porque ficou fissurado exatamente no que o levou a julgar, condenar e aplicar a sanção ao seu curto alcance.
Manterei a senhora nua em meus contatos. E se outros quiserem me bloquear, que o façam, pois a senhora nua tem bem mais a dizer do que as criaturas sonsas que usam roupa como farda para esconder as falhas de caráter. Que não têm, para usarem o corpo como arte ou expressão de liberdade, a mesma coragem de minha amiga virtual – e virtuosa –, a quem devoto respeito e admiração.  Aliás, um respeito e uma admiração que nem sonho ter por gente muito bem vestida para julgar, excluir, fraudar, enriquecer com o medo alheio do inferno, com verbas públicas e todas as outras formas de exploração da fé pública.

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

MEIO AMOR

Demétrio Sena, Magé - RJ.


Embora sempre ouça de alguém a mesma explicação esdrúxula, foi com espanto e frustração que ouvi uma grande amiga explicar seu motivo para não visitar um parente hospitalizado: ela não gosta de hospital. Ainda emendou que também não vai a velórios e sepultamentos, porque “não curte” capelas mortuárias e cemitérios.
Bem que tento entender minha grande amiga, exatamente por ela ser minha grande amiga, levando em conta o seu temperamento sempre alegre. Seu despojamento, a expressão leve, o rosto cheio de luz. Inquieta, enérgica, cheia de vida, ela nunca dispensa uma balada; malha todos os dias; é flamenguista convicta e não perde um só jogo do seu mengão.

Mesmo que aceite a explicação, não consigo evitar o meu lamento. Confesso que não por ela, mas por mim, pela consciência de que não contarei com sua presença, caso fique doente ou me aconteça o pior.  A menos que eu seja hospitalizado numa discoteca; velado numa academia de ginástica; sepultado num estádio de futebol.

terça-feira, 3 de outubro de 2017

TROPEÇO


Demétrio Sena, Magé – RJ.

Acredito em mudança,
mas tantas vezes esbarro
nas intempéries do sonho,
nas frustrações da esperança
e nas condições do carro.

AMOR PROIBIDO

Demétrio Sena, Magé – RJ.


Sei que nunca entendeste o gostar despojado,
minha fila de olhares e gestos contidos,
a canção do silêncio que vai nas palavras
entre tons comedidos pra conter deslizes...
Nunca tive projetos de me projetar
nessas águas que avisam sobre seu perigo,
fecho tudo comigo e sei me dar sem troco
e me sinto feliz, apesar de não ser...
Sempre fui esse fruto que não colherás,
mas respeito a recusa, quase te agradeço,
quero a paz de te amar sem temer o pior...
Só me deixes fingir que te sinto querer,
que não vais me morder, mas teu olhar me lambe
sem o risco formal de machucar o mundo...

PARQUE DAS FLORES, DOS FRUTOS E DAS GENTILEZAS


Demétrio Sena, Magé - RJ.

Ontem cheguei à minha rua em Parque das Flores, e me deparei com o 'seu' Roberto, vizinho de frente, aguardando com duas pinhas maduras na mão. Explicou que já me chamara duas vezes, lá no portão de minha casa, mas não havia ninguém. Agradeci com carinho, peguei as frutas e fui comê-las mesmo instante. Estavam duplamente deliciosas, pelo sabor natural das mesmas e pelo sabor, também natural, do afeto de meu vizinho, que logo depois ganharia livros.
A rua na qual moro alguns dias da semana é assim. Uma interminável troca de gentilezas. Acordo sempre ao som da voz amiga - e estridente - de seu Gerson a cumprimentar a vizinhança. Em outras ocasiões, com o rosto voltado para minha casa, esperando para perguntar se estou bem e se preciso que encha minha caixa d´água, pois sabe que a bomba de meu poço às vezes deixa a desejar. Não raras vezes, trocamos limão por jambo e tangerina por mamão.
No quintal de fundos para o meu, seu Hélio varre folhas, assessorado por sua esposa, e nunca deixa de cumprir o ritual de observar para ver se tudo está bem no meu pedaço. Quando saio às ruas, é um tal de bom dia; boa tarde; boa noite, a depender da hora. Muitos senhores ainda tiram o chapéu para cumprimentar quem para eles merece tal reverência, pelo simples fato de ser um professor. Coisa das antigas.
Tem ainda as velhinhas da rádio esquina, que assim batizei porque as mesmas estão sempre lá, pondo assuntos em dia, vendo se não falta ninguém na vizinhança e analisando os poucos acontecimentos do lugar. Elas têm sempre um sorriso, uma observação e um cumprimento alegre, despretensioso e cheio de calor humano.
Não sei descrever o encanto que é morar em Parque das Flores. O texto seria longo, e mesmo assim, precário para descrever esse meu recanto. Conheço muitos e muitos lugares onde os vizinhos recebem uns aos outros com pedras na mão, enquanto em Parque das Flores, especialmente na minha rua, recebemos uns aos outros com corações desarmados... e frutas na mão.