sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

À DERIVA


Demétrio Sena, Magé - RJ.

Sinto como a tristeza deságua na gente;
como chega serena feito rio raso;
traz a mágoa escondida numa bolha sonsa;
uma lente que abafa meus olhos pro dia... 
Esta minha tristeza me abraçou de leve,
mas trancou seu abraço em silêncio profundo,
fez o mundo perder a profusão de cores
e a graça que os olhos procuram em tudo...
Só me cabe sentir sua enchente morosa,
ver a rosa fluir no seu transbordamento,
dar os olhos ao vento e não pedir de volta...
Quase alegre de triste recolho as vontades;
perco as minhas verdades e nem sei mentir;
deixo ir... deixo ir... deixo ir... deixo ir...

LOBO


Demétrio Sena, Magé - RJ.

Já lhe dei a desculpa pra sumir
e pra não assumir que assim queria,
se livrar de si mesma em minha culpa
ou na periferia de seus medos...
Sempre fui o vilão conveniente
para os laços de beco sem saída,
minha vida está cheia de verdades
que me deixo mentir para ter paz...
Tome toda inocência necessária,
pego todas as pechas e me ajeito
e me aceito com todas as recusas...
Minha fama será de lobo mau;
vale a pena se vai lhe fazer bem;
se meu mal será bom para você...

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

HOJE

Demétrio Sena, Magé – RJ.

Só não posso dizer que teremos depois;
que seremos pra sempre; nem pra logo mais;
temos mais a fazer do que fazer promessas
ou traçar o destino que a ninguém pertence...
Um amor periférico, à flor do contato,
é meu sonho de alguém até quando não sei,
sem a lei como tábua de passar a vida
que não tem que ser lei nem terá que ser tábua...
Só aceite o que trago sem nota fiscal,
não me peça projetos que não tenho a dar,
tenho a dor de saber que nada sei de mim...
Temos muitos passados; hoje nos cai bem;
querer bem é tão livre quanto cisco ao vento

e ninguém é feliz; estar feliz nos basta...

domingo, 18 de fevereiro de 2018

BRINCANDO DE TREM


Demétrio Sena, Magé - RJ.

O TREM

Tenho certa esperança no tempo que segue;
no meu tempo já curto; meus olhos além;
minha idade que avança; que avança; que avança
feito trem no deserto em direção a nada...
O que mais me consola desespera o mundo,
pois o mundo está sempre tentando saber;
quero só me verter no destino segredo,
não importa o que for, o que flor ou espinho...
Pode ser o começo, mas o fim me atrai;
sou a folha que vai no capricho do vento
e do trem que convida com vida sem prazo...
Sigo neste compasso com passos alheios,
não há mais estação, nem as quatro do ano,
nem há plano; só trilho; só trilho; só trilho...


PERCURSO DE TREM

Floresta, montanha, riacho, menino;
boiada, capela, romeiros, usina;
casinha, poeira, pessoas brigando;
boteco, mãe brava com vara na mão...
Deserto, comércio, pelada no campo;
marmanjos com pipa; patamo, cachorro;
um susto, pedrada, cenário perdido;
a volta dos olhos pra volta da estrada...
Pracinha, comício, começo de serra;
valão, propaganda, barraca de coco;
fumaça num toco no canto da rua...
... um ferro com ferro sentido nos pés;
viés nos olhares; um sino insistente...
sai gente. Sai gente. Sai gente. Sai gente...


TREM DA ROÇA

Só trilho...
só trilho...
só trilho, só trilho, só trilho;
fumaça, fumaça, fumaça;
catraca, catraca, catraca...
Meu beeem!!!
É queeem???
Sivuuuca!!!
Sivuca.
Sivuca.
Sivuca, Sivuca, Sivuca;
cutuca, cutuca, cutuca;
que passa, que passa, que passa...
Fumaça.
Fumaça.
Fumaça, fumaça, fumaça;
só trilho, só trilho, só trilho;
meu filho, meu filho, meu filho...
Garçooom!!!
Que foooi???
Traz sooopa!!!
Traz sopa.
traz sopa.
Traz sopa.
Traz sopa, traz sopa, traz sopa;
que fome, que fome, que fome;
não passa, não passa, não passa...
Tem milho.
Cavaca.
Fumaça, fumaça, fumaça;
só trilho, só trilho, só trilho;
catraca, catraca, catraca...


Respeite autorias. Ao utilizar o que não é seu, sempre cite o autor.

domingo, 11 de fevereiro de 2018

MARGENS DA SOCIEDADE

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Sempre haverá quem já chegue absolvido ou condenado a um tribunal. Vencedor ou vencido a um concurso. A uma licitação ou disputa similar, para fins de fornecimento ou prestação de serviço. Admitido ou recusado em uma entrevista para emprego. Com patrocínio já garantido ou negado, mesmo se o requerente for alguém antes nunca visto. São muitas as situações. Todas de natureza escusa. Não caberiam num livro. Muito menos em um texto que tem o compromisso de não cansar quem se habilite a lê-lo.
Nestes casos, nada vai depender de uma boa bagagem de conhecimentos. Uma capacidade comprovada. Um currículo avaliado com transparência, justiça e profundidade. O talento; a joia escondida sob a visão da pedra bruta. O que vai contar é a parafernália natural ou composta, quiçá comprada, desde os atributos físicos ao conjunto de posses notórias, palpáveis, passando pelo tráfico das influências e as vantagens pessoais à vista - sempre à vista - que virão de qualquer lado. Cada caso terá suas peculiaridades, a depender dos interesses presentes ou futuros, diretos ou atravessados, ou do simples preconceito, mesmo. Às vezes, um preconceito até simpático, elogioso e com aqueles ares consternados de um leve "sinto muito" ou "quem sabe outra hora".

O mundo pode ser bem mais cruel do que admitimos, para quem não corresponde aos imediatismos, às expectativas superficiais e aos olhos da sociedade. Inclusive aos olhos de muita gente que, pelas desvantagens notórias e flagrantes dentro dos contextos aqui expostos, penou muito mais do que os prováveis, para chegar onde se acha: exatamente no patamar que lhe dá a chance de fazer sua parte na tentativa de promover a igualdade social com que tanto sonhou, quando estava na margem oposta.

GENERALIZAÇÃO ANTISSOCIAL


MAIS QUE DE MIM



sábado, 10 de fevereiro de 2018

REVISÃO


QUEIXA POÉTICA


Demétrio Sena, Magé - RJ.

Respeitarão meu poema down; meu soneto de pé quebrado; minha trova fora de compasso. Tratarão com respeito meus versos mal vestidos; carentes de medida; com uma sílaba menos ou algumas sílabas mais do que as milícias literárias ordenam. calarão diante da simplicidade sincera do meu poetar sem lei, lenço e documento..
Farão isso, ou me queixarei aos direitos humanos literários, por ser vítima de preconceito poético. Por não respeitarem a natureza humana, divina e social de minhas letras. Não aceitarei, de modo algum, que discriminem minha poesia especial; portadora de necessidades afetivas e de razões menos conservadoras.

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

O EFEITO OPOSTO DO BOICOTE


Demétrio Sena, Magé - RJ.

Confesso que Jamais entendi a revolta de quem sofre um boicote quando alguém corre, de alguma forma remota ou presencial, presente ou futura, o risco de partilhar com ele as atenções de um grupo. De uma plateia. De seja lá quem for, cujos olhos ou ouvidos atentos possam significar algum prestígio. Talvez alguma vantagem ou simples notoriedade momentânea.
Se alguém boicota um indivíduo, é porque o admira de alguma forma distorcida. Sente-se ameaçado. Sabe que a presença do alvo de sua admiração torta, seu respeito ferido ou devoção despeitada pode representar uma luz tão forte, que todos os seus esforços para brilhar ficarão à sombra. Serão gestos e desempenhos desesperados, em busca do protagonismo que geralmente não está em jogo, do outro lado. 
No fim das contas, boicotes nada mais são (ou nada menos) do que elogios disfarçados em expedientes frenéticos. Um vai e vem desordenado. Uma overdose de amostras gratuitas ou demonstrações de uma superioridade frágil; complexada; inferior. Entenda e perdoe os eventuais boicotes de que for alvo, mesmo sem representar ameaça. Sei bem do que falo.

SABEDOR


Demétrio Sena, Magé - RJ.

Sei
que
sei
bem
menos
do
que
não
sei
que
não
sei.


domingo, 4 de fevereiro de 2018

EVOLUÇÃO TARDIA


Demétrio Sena, Magé - RJ.

Preciso nascer de novo. Não literária, mas literalmente. Quanto mais desbravo meu passado, mais descubro afetos reprimidos, frustrados ou que nem deixei nascer. Abortei-os com o destempero, a revolta cega e ácida contra o mundo, muitas vezes a injustiça, o complexo e a frieza naqueles tempos que o mais remoto futuro não há de recompor, para me regenerar. Foram muitos os erros. Atropelos demais, para que uma simples borracha ideológica tenha o poder de apagar.
Por menos pior que me revele agora, sei que o estigma é poderoso. Aprendi a amar quando já semeara o desamor. Fiquei mais humano, quando se convencionara minha natureza robótica. Mais mole, quando a fama de minha dureza não tem volta; está calcificada. Ficará para sempre o tiranossauro, nas lembranças de quem me vivenciou naqueles anos. No momento em que me torno mais gente, virei um conto. Consagrei-me uma lenda que sempre assustará.
Minha evolução chegou tardia. Meus reparos não têm tempo de compensar o que se foi, como nos fins de novela em que tudo se resolve num simples passe de mágica. Sem nenhuma reconstrução do passado. Quero nascer de novo, literalmente, para ter uma chance de me reformar. Continuar a ser quem sou, mas com melhorias; muitas melhorias. Fantasiar-me de outro ser para driblar o estigma e não gerar temores ancestrais. Memórias genéticas... imemoriais.

SÚPLICA


sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

DONO DE MINHAS ASAS


Demétrio Sena, Magé - RJ. 


Nem tente me amansar. Sobretudo, como quem tange ovelhas à base de orações. Hinos. Vara, cajado e ritos de arrepiar com os seus efeitos psicológicos. 
Não serei o seu passarinho dócil. Próprio de cativeiro. Que trina dia e noite o seu desejo de céus reais. Do paraíso natural que seus olhos apenas veem. Quero cantar, mas não no dedo. Comer, mas não na palma da sua mão. Sonho com bem mais do que olhar além da varanda e ter uma inveja disfarçada e pungente ao ver outras aves. Nunca foi o meu sonho, decantar maravilhas sobrenaturais. Louvar o que os olhos nunca viram e me privar das belezas, emoções e vivências ao alcance do livre arbítrio. 
Ninguém há de pastorear os meus sonhos. Minhas verdades e mentiras sinceras. Meus passos errados à procura do acerto e do compasso. Quem quiser me forjar no fogo e no aço de quem não sou, terá frustrações contundentes, porque sou quem sou, e sou de fato. Não show. Nem apenas estou. 
Jamais me assistirão cantar para enaltecer senhores. Nem senhoras. De nenhum status ou dimensão. Realmente não nasci para louvar o poder. Nenhum poder.

PLÁGIO


Demétrio Sena, Magé - RJ.


Hoje olho meu rosto e fico bem;
meu espelho não diz pra tomar jeito; 
tenho vícios, defeitos e manias,
mas nos moldes de minha humanidade...
Sobretudo, já sei me perdoar;
sei pedir o perdão que não detenho, 
revoar, conhecer o meu deserto 
e colher uma flor entre as escarpas...
Aprendi a me ver em mais alguém;
a.medir os meus erros ou deslizes,
evitar as reprises que magoam...
Quem me dera chegar a tal estágio, 
sou apenas um plágio do que sonho, 
me componho, me forjo, tento ser...