quinta-feira, 15 de março de 2018

QUEM MANDOU?


Demétrio Sena, Magé – RJ.


Quem mandou ter crescido nos becos da Maré e não ter ficado por lá mesmo, quietinha em seu canto, vendo a vida passar? Assistindo aos desmandos, às covardias e todos os demais efeitos das desigualdades sociais? Quem mandou ser ativa, inteligente, querer estudar, conhecer o mundo que a cerca e se acercar dos oprimidos, os negros, pobres, renegados por questões de gênero, opção e condição social?
Quem mandou não se conformar com o mundo como é, e se meter na política, velha “praia” dos homens, que a querem de volta só para eles? Quem mandou... quem mandou ser corajosa, ter fome de justiça, visão apurada, crítica e profunda? Enfrentar a polícia que mata em vez de proteger vidas? Por que diabos encasquetou de gritar contra a corrupção, a violência como um todo, e fazer diferente num campo minado pela ganância e a falta de respeito a quem ainda deposita nesse campo suas esperanças?
Você foi avisada e não obedeceu. Continuou a ser quem era. A sonhar com um mundo melhor a partir de sua comunidade, suas crianças, mulheres e homens de todos os sexos, gêneros, etnias e religiões. Prosseguiu com a teimosia de querer paz, respeito, cidadania, direitos iguais, uma sociedade para todos. Foi em frente na sua obstinação em não aceitar que a desgraça humana é algo normal para quem nasce nos morros, nas baixadas, nos lugares distantes da mídia e das atenções de quem busca voto e lucro.
Diga; mulher; quem mandou? Quem mandou ser negra e ousada? Favelada e doutora? Tomar o próprio destino em suas mãos e querer ajudar os mais carentes, injustiçados e desassistidos a transformar seus destinos para melhor? Isso não está nos scripts da farsa humana, montada pelos que sempre foram os donos de tudo; senhores do engenho social que jamais deixou o contexto da escravidão pseudo-abolida.
Ninguém lhe mandou subverter a ordem geral, que não é senão a desordem. Querer o progresso humano, que não combina com o progresso desenfreado, irresponsável, pelo qual vale tudo. Enfrentar a polícia deteriorada, em nome de suas vítimas, e conhecer os olhos maus de quem quer o mundo só para si. Quem mandou? Em nome de tudo quanto é sagrado, quem mandou ser gente? Ser do bem? Semear esperanças, engrossar sonhos, não abrir mão de sua cidadania e da cidadania do seu povo?
Os que tanto avisaram, “amigos” eram. E deixaram de ser, à medida que você foi se tornando mais incômoda. E a mataram, para que você deixasse de se preocupar com o outro. Com esse próximo, que eles querem cada vez mais distante da realidade que os cobre do luxo que não lhes pertence. Do que seria de todos.
Quem mandou; invejável mulher? Quem mandou não mandar, ao lado deles? Quem lhe mandou pedir licença, para continuar a fazer parte do cotidiano de sua gente? Um cotidiano, que se você não fosse a grande mulher que foi, teria deixado de ser seu, e você estaria viva não por mérito, mas por ser indignamente viva como quem a matou. E agora, mulher? O que faremos desta lacuna? Quem mandou?

Pela vereadora assassinada Marielle Franco e o motorista Anderson Pedro Gomes

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