quinta-feira, 31 de maio de 2018

QUANDO CAIO EM MIM

Demétrio Sena, Magé - RJ.


Caio em mim quando penso que voo mais alto;
não há céu que sustente a pretensão do ser, 
nem há palco pra todos os egos do mundo
espremidos no peito da mesma pessoa...
Quando caio me arrasto e me vejo no espelho
dessa mesma verdade que a todos rodeia,
numa teia mais forte que todas as grades
detentoras ferrenhas de olhares em fuga...
Solidão predadora nos acha e traslada, 
não importa em que festa nosso eu se oculte,
quanto fogo se avulte na soberba humana...
Tudo mostra meu nada quando caio em mim;
vou ao fim dessa história que julguei escrita
e começo de novo pra novo errar...

domingo, 27 de maio de 2018

POETA

Demétrio Sena, Magé - RJ.

O poeta bem sabe
que o corpo da alma
do poeta, em si,
não é o mesmo corpo
do qual a alma
é a alma daqui...
Somos doutro planeta,
temos outro prazer
e outra meta...
O poeta não come;
não tem sede nem fome
nem toca poeta.

DOCETERIA CARIOCA


sexta-feira, 25 de maio de 2018

A EDUCAÇÃO E O TALENTO

Demétrio Sena, Magé – RJ.

A educação que a escola oferece não pode fechar os olhos para a cultura e o talento, seja ele nas artes, nos esportes ou nos ofícios, ainda que dissociados da formação acadêmica. A escola deve reconhecer que não se aprende a ter talento, embora ela tenha como ajudar no mesmo; e quando alguém se revela talentoso, boicotar ou demonstrar menosprezo a depender de sua formação intelectual ou cultura fere todos os princípios da educação.

Quando, por exemplo, menosprezamos o jogador de futebol, o MC, o DJ, o cantor de hip-hop ou de funk dotados de conteúdo relevante, só porque alcançaram sucesso e fortuna mesmo sem formação escolar, evidenciamos uma triste contradição: somos arautos e atores do futuro de nossas crianças e nossos jovens, da dignidade, a cidadania, o sonho, a liberdade, o sucesso pessoal, mas ao mesmo tempo execramos tudo isso, por haver faltado a “sagrada grade curricular acadêmica”.
Isso também revela o despreparo de uma classe que perde a classe por despejar suas frustrações com os governantes ou empregadores em quem buscou o sucesso por outros caminhos e o alcançou. Em um país onde a formação escolar é um calvário para os mais pobres, deveríamos ficar felizes pelos artistas, desportistas, prestadores de serviços, ambulantes, negociadores e afins que desafiaram a falta de oportunidades e arrombaram as portas informais do sucesso.
Valorizemos o talento e incentivemos o seu exercício entre nossos alunos, sem nenhuma cobrança ou atrelamento a notas, empenhos e desempenhos escolares. O talento, por si só, não atende a essa demanda. Devemos mostrar ao jovem talentoso que os estudos o ajudarão a lidar melhor com o sucesso e seus resultados perante a sociedade, mas não conseguiremos convencê-lo de que sua arte ou seu ofício livre não sobreviverá sem a escola.
Cultura, educação e talento se fortalecem de mãos dadas, mas respeitemos os fenômenos. Os que venceram de maneiras informais, inusitadas e até solitárias. Foram aprovados pelo mundo, ainda que reprovados por nós. O respeito nos representa melhor... bem melhor do que o despeito que às vezes assola nossa humanidade nem sempre imune aos sentimentos menores advindos de tantas injustiças contra o educador.

quinta-feira, 24 de maio de 2018

ORAÇÃO DE POETA


Demétrio Sena, Magé – RJ.

Que não falte poesia no meu pão
e meu corpo se cubra de poesia;
jorrem versos, despejem no vazio
a magia do verbo inquietante...
Nunca falte manteiga na minh´alma
nem estampa nos panos do meu sonho,
minha mente não perca suas ondas
onde ponho verdades pra dançar...
Nunca esvaia o tempero da palavra
ou a lavra de aromas auditivos
que a poesia oferece ao pensamento...
E não falte um olhar sempre apurado
para ver o que os olhos não veriam
no passado, no agora e no futuro...

CORAÇÃO E FÉ


Demétrio Sena, Magé – RJ.

Se eu tivesse uma fé que me levasse a orar, jamais teria uma oração decorada. Dessas que todo mundo admira por seus termos corretos, a concordância em dia, o rebuscamento e a total ausência de pleonasmos e vícios. Conheço minha emoção à flor da pele, quando trato de assuntos não materiais; quando caio no campo dos afetos; dos sentimentos ou instintos. Do que não se define pela intelectualidade ou a frieza do conhecimento acadêmico.
É por isso que acredito mais nos fiéis religiosos do que nos líderes, com todos os seus conhecimentos adquiridos em seminários, onde o divino ou sobrenatural vira tese. Torna-se objeto sistemático dos mais rebuscados estudos científicos que buscam explicações pela lógica, sendo que nenhuma lógica explica o que deságua no campo da fé. E a fé, como até eu sei, é o fundamento do que não se vê nem está preso ou sujeito a provas, mas ao livre sentimento e aceitação sincera de cada um.
O verdadeiro conhecimento religioso não é exatamente o conhecimento. Por isso é intuitivo e livre. Quem conhece com o coração, conhece de natureza; de sentimento e percepção profundos. Por isso, conhece mais do que aquele que aprendeu o que julga saber nos bancos da formalidade. Por meio de catedráticos que também aprenderam de outros catedráticos que ao longo dos tempos ou das idades do mundo fizeram da fé uma ciência exata.
Além dos simples de formação, conheço gente de formação acadêmica invejável, mas que tem essência e se mantém no patamar de ser humano comum. Que se reconhece notoriamente, não por palavras, mas por postura, um “perfeito” ignorante confesso dos assuntos que não são de nossa alçada. Conhecem a literatura e a história humana segundo a Bíblia, no entanto sabem que nada sabem além das abordagens, pois a Bíblia não é um tratado que dissecou a natureza, o pensamento e a biologia do possível Deus.
Por isso a minha oração, caso eu fosse religioso, perderia todas as arrotações do meu pretenso saber. Pelo menos pretendo crer que assim seria depois do que já observei do nenhum saber humano sobre o que não há como saber. Ouso crer que só é sincera uma oração submissa; que não sai da mente. Ela é o coração gago numa voz sumida e sem convicção de méritos. Oração é coração. Só falta o c.

segunda-feira, 21 de maio de 2018

AULINHA DE PORTUGUÊS


Demétrio Sena, Magé RJ.

Não é só questão
de língua portuguesa...
Quer as cartas na mesa?
Para dar um exemplo, 
aqui vai um toque:
se a origem é o vento
prefiro ventaval,
porque vendaval
parece queima de estoque.

JUSTIÇA E JUS


Demétrio Sena, Magé - RJ.

Se os seus mandados
de segurança
ou de busca
e apreensão
não são bem sucedidos,
que tal trocar
os mandados
por pedidos?

domingo, 20 de maio de 2018

SEMELHANTES


Demétrio Sena, Magé – RJ.

Ninguém é mais nem menos inteligente porque tem ou não tem perfil em rede social ou porque no momento não o está usando. Porque assiste ou não assiste novela. Nem porque gosta da rede Globo ou da BandNews. Ama ou odeia o Lula. Grita ou não FORA TEMER.
O maior indicativo da inteligência humana está em fazer o melhor uso de suas escolhas e preferências e ser livre para perceber o que é bom ou mau no bem e o mal que ele convencionou, se é que não foi levado a convencionar. É ser livre para mudar de lado e conceito; para ser ou não aquela metamorfose ambulante cantada pelo Raul Seixas e jamais dever nenhuma explicação a ninguém. Livre, sobretudo, para conservar ou romper com ideologias cristalizadas, sejam marginais ou de ofício. De esquerda ou direita.
Temos em todo o caso, que reconhecer quando o outro tem razão, mesmo que o coletivo do qual somos adeptos grite que não e teime que o outro nunca está certo em nada. Esse poder de reconhecimento e confissão sincera é o parágrafo único dos credos, ideologias, partidos, times e tudo o mais. Aprendamos a discernir o coletivo do singular e as verdades de ofício e de grupo das que são pessoais e intransferíveis. Não transformemos as lutas por conquistas coletivas em brigas particulares contra o semelhante que pensa e crê diferente.
No fim das contas, pensar e crer diferente não me torna superior ao próximo. Em nenhuma hipótese as nossas diferenças indicam graus e degraus de humanidade. Sobretudo, não nos despojam do status (ou do fardo) de semelhantes.

sábado, 19 de maio de 2018

AQUELE QUERER


Demétrio Sena, Magé – RJ.


Tenho fome das fomes que já tive,
minha sede de antes me dá sede,
pois a rede repousa o corpo inerte,
mas me cansa o sossego indefinido...
Sinto falta de abismos e vertigens,
muita falta das faltas que não sinto,
minto a esmo verdades inventadas
sobre como alcancei a minha paz...
Quero aquele querer sem tino e prumo,
retomar incertezas do passado
para mais uma vez não ter futuro...
Meu escuro e meus saltos desmedidos,
minhas cismas e o velho desconforto;
este porto seguro é fim de linha...

JOGO DE POESIA


Demétrio Sena, Magé - RJ.


Sinto falta de alguém que não conheço,
do lugar que não sei nem onde fica,
trago a cica do fruto não sorvido
nem cheirado, e que nunca tive à mão...
Sou de muitas vivências não vividas,
tenho tantas verdades surreais,
muitas vidas num mundo construído
de concreto abstrato em chão de ar...
Quem me olha direito não me vê,
porque só a mais torta das loucuras
tem o dom de procuras eficazes...
Saio caro no quanto sou de graça,
pois domino a trapaça mais honrada
que na vida real se faz do sonho...

quarta-feira, 16 de maio de 2018

LIÇÃO DAS RUAS

Demétrio Sena, Magé - RJ. 

Aprendi muito cedo, que aprender, 
ver o mundo com olhos de procura, 
tem a fórmula simples do poder 
que não têm os que perdem a ternura...

Foi a rua que disse; a vida é dura;
quem só ganha dinheiro há de perder; 
não há bem que valha mais que a cultura 
para quem não corrompe o seu saber...

Aprendi com a rua esta verdade; 
aprender não combina com vaidade;
ser quem sou é maior que o que se tem...

Nem é crime ou pecado ter conforto, 
só não faça das posses o seu porto;
seja quem, onde o caso é que ou quem...

ESSÊNCIA

Demétrio Sena, Magé - RJ. 

Se você não deixar de ser quem é, 
pode até repensar alguns conceitos; 
ver algumas razões na outra margem; 
os defeitos de sua perfeição...
Tenha fé ou não tenha, pouco importa, 
troque a porta, permita-se a janela,
sem perder o sentido essencial; 
a receita, o tempero do seu ser...
Não se largue ao tomar um novo rumo;
um olhar diferente não transforma 
sua polpa, seu sumo e sua seiva...
Nem se deixe cortar pela raiz
e sangrar a verdade mais profunda; 
ser feliz é jamais perder seu chão...

domingo, 13 de maio de 2018

NÃO DEIXE O TEMPO ESFRIAR


ÀS MARIAS E OUTRAS MÃES


Demétrio Sena, Magé – RJ.


A estas horas, os meus irmãos estão nostálgicos como eu. Imagino-os, cada um em seu canto, remoendo um universo de vivências. Muitas e muitas, tristes; algumas alegres; mas todas envolvendo amor, esperança e uma luta insana pela sobrevivência e pelo “ficarmos juntos”, que era um bordão de nossa mãe.
Temos, de fato, este universo de vivências com nossa mãe. Mas o tesouro imensurável que nos restou de todos aqueles anos é a cumplicidade que nos envolvia. Entre choros, percalços, privações e muito trabalho, nós sempre tivemos uma relação intensa de amor, apesar dos momentos de revolta contra tudo e todos ao nosso redor. O amor intenso, a presença forte, a coragem e a determinação de nossa mãe, cuja única ambição era conseguir nos criar como pessoas de bem, preparadas para o mundo e aptas para sobreviver com dignidade nos transformou ao longo dos anos. A revolta foi permeada pela ternura, e o sofrimento nos deu experiência e força para conseguirmos nosso lugar no mundo graças ao trabalho e à criatividade que aprendemos a ter com a nossa Maria cheia de graça, para driblar as horas difíceis. Ela nos tornou vencedores.
As lembranças e a saudade não se limitam à data instituída. Mas a data instituída nos organiza dentro de um turbilhão de afazeres e até de outros afetos, para separarmos um dia dentro de um ano, de nos dedicarmos como em todo o mundo, especificamente às homenagens. É boa essa corrente, mesmo com a consciência da exploração comercial que nos remete ao consumo. Que faz o comércio e a indústria comemorarem não especificamente o amor às mães, mas o dia do ano que só perde para o natal, no que diz respeito ao lucro, o que não condeno, pois isso atende ao anseio dos filhos de mães vivas, a lhes dar um agrado como símbolo e demonstração de amor e reconhecimento.
Quando viva, nossa mãe conseguia nos reunir, nos últimos anos, a cada dia das mães. As reuniões se tornavam grandes festas, porque somos nove irmãos; todos com filhos. Alguns com mais de um filho. Outros com netos. Somando-se as esposas, não era necessário ter mais ninguém para encher e movimentar um ambiente. A grande alegria de nossa mãe nunca foi ganhar presentes. Ela nunca deu a menor importância para utensílios, bens, roupa nova e qualquer outro agrado material. Sua maior felicidade era ver todos juntos e nos encher de comida, como se para compensar os muitos anos de pouca, e às vezes, quase nenhuma comida, mesmo com tanto trabalho para que pelo menos o alimento nunca faltasse à mesa simbólica. Simbólica, porque poucas vezes tivemos mesa. Quando tínhamos, era feita por nossa mãe, de caixotes velhos de feira.
Desculpem se quase sempre os meus textos que tratam de mãe soam meio lamuriosos. Não é minha intenção. Até porque, lamentável, mesmo, seria não termos tido a mãe que tivemos. Hoje nem todos os irmãos conseguem sair de casa para se juntar em só ambiente com o fim de homenagear nossa mãe. A certeza de que não a veremos nos desestimula um pouco, e nos faz priorizar a homenagem presencial às mães de nossos filhos e, algumas vezes, às nossas sogras. Homenagens muito justas, porque todos nós nos casamos com grandes mulheres e, em maior e menor escala também filhas de grandes mulheres.
Neste dia das mães, além da homenagem à memória de nossa Maria, quero também homenagear a memória de outra Maria, mãe de minha esposa Eliana, por quem tive grande afeto, e a grande mãe que a Eliana aprendeu a ser com sua Maria. Esta homenagem se estende a todas as mães que fazem jus à maternidade.