segunda-feira, 25 de setembro de 2023

SEIS POR MEIA DÚZIA

Demétrio Sena - Magé

Amemos o distante... amemos o diferente, como a nós mesmos. Sim, porque o distante é nosso próximo, pois mora na mesma casa - o mesmo planeta -. O diferente é nosso semelhante, porque também é um ser humano... é da mesma espécie que nós, ainda que não seja da mesma cor ou etnia, classe social ou da mesma religião inútil que nos tornou soberbos e preconceituosos.
Quem deixou de fumar, beber, falar uns palavrões e ir a bailes... de transar antes do casamento e usar roupas sensuais, para só se tornar arrogante, separatista e atolado em preconceitos, não se converteu a nada que preste. Sua conversão foi trocar seis por meia dúzia. Pior: deixou os vícios, os tais "prazeres mundanos" e passou a praticar maldades acobertadas pelo fanatismo.
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ONDE NASCE A SOCIEDADE

Demétrio Sena - Magé

Algumas famílias grandes que conheço formam sociedades formidáveis. Embora existam entre elas, escalas econômicas, escolares e culturais bem variadas, não há respeito maior pelos mais bem sucedidos social ou economicamente. Os que estudaram mais não são obrigatoriamente os mais admirados nem os que estudaram menos têm menos direito a voz. Aqueles que têm "menos posses" recebem os mesmos convites; frequentam os mesmos grupos... e os mais religiosos não são cultuados nem olham os menos ou não religiosos como insetos indignos. Confusões? Muitas. Todas as famílias têm. Mas nessas famílias bem resolvidas tudo se dirime a curto e médio prazos, utilizando esses critérios.
As intervenções em celeumas são todas muito cuidadosas, para que "a corda não se arrebente sempre do lado mais fraco" (figura de linguagem, porque, nesses clãs não há lado mais fraco). Perde quem é o mais teimoso e rabugento a cada celeuma. Não o mais "feio", mais pobre ou menos culto. E muitas vezes a confusão acaba em "zoação", sem ninguém achar que isso pode acabar em algo mais grave.
O que há em comum nas famílias bem resolvidas, é que são todos loucos; formidavelmente loucos, em níveis diferentes. Talvez seja esse, o motivo da igualdade que reina em seus ambientes. Acho que o simples fato de serem muitos, com tantos desníveis ou diferenças, prepara os membros consanguíneos dessas sociedades privadas para viverem na sociedade aberta; no mundo em torno. Na diversidade ampla, irrestrita, que precisa respeitar, além de todas as outras anteriormente citadas, as diferenças étnicas e de gêneros que já conhecemos e/ou viremos a conhecer. A sociedade, como um todo, deveria funcionar exatamente como funcionam determinadas famílias que tive a honra de conhecer ao longo da vida.
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SEM O SINAL DA BESTA

Demétrio Sena - Magé

Recentemente, uma jovem conhecida minha foi chamada para uma entrevista empregatícia em uma clínica médica. A primeira pergunta que lhe fizeram foi se ela era evangélica. Se a resposta fosse sim, que dissesse de qual segmento e unidade. Se fosse não, a entrevista já estaria encerrada.
Essa jovem foi membro de uma Igreja Evangélica Wesleyana. Faz tempo que se desligou. Talvez não devesse tê-lo feito, por questão de sobrevivência. Atualmente, as portas da sociedade se fecham para quem não é membro de uma igreja evangélica. São pouquíssimas as inclusões sociais, profissionais e outras, por mais preparo, competência e caráter que se tenha.
E a jovem não mentiu. Disse que não é mais evangélica nem pretende voltar a ser. Que daria o melhor de si como ser humano, social e profissional, caso fosse aceita, mas não; não diria que ainda é evangélica. Uma eventual mentira, certamente lhe daria a vaga, pois a clínica gostou muito do seu currículo, afora o detalhe da religião, mas a moça em questão jamais mentiria.
Mais uma vez, a jovem voltou sem o emprego. Ela não tem o sinal da besta. Continuará se deparando com as portas da sociedade fechadas para ela. Dificultando seu ir e vir. Suprimindo seu direito a "comprar, vender, casar, dar em casamento...".
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RELIGIÃO QUE "REDESLIGA"

Demétrio Sena - Magé

Quando a religião nos fecha em lotes
de pessoas mantidas em conservas,
entre servos e servas de senhores
que nos tangem passivos e marcados...
Se por ela viramos gado ovino
a caminho do pasto além dos olhos,
um destino abstrato após a vida
de temores e muitos preconceitos...
E nos torna distantes dos afetos
com projetos de vida em liberdade
ou verdades humanas mais presentes...
Essa religião que nos desliga
dos que fazem a vida ser diversa,
é perversa e carece de sentido...
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SEM FINGIR

Demétrio Sena - Magé

É meu sonho poder não resvalar
pelas sombras do medo de viver,
nem calar meus conceitos e sentidos,
para ser adequado e ter acesso...
Quero a voz igualada, o tom audível,
minha vez entre todas ao redor,
sentir dor ou alívio abertamente,
sem fingir que me ajusto à tirania...
Não desejo forjar a mesma crença,
pra ganhar um sorriso desarmado;
ser amado por minha conversão...
E queria de volta os meus afetos
que fugiram após me verem nu
dos concretos da fé padronizada...
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sexta-feira, 15 de setembro de 2023

SOLIDÃO INVERSA

Demétrio Sena - Magé

Faz-me falta sentir o próprio ser;
ter as minhas vontades à vontade;
ser a própria verdade à luz do espelho
que não mostre um olhar atrás do meu...
Tanto tempo sem choro solitário;
sem fazer um poema todo em paz;
aliás, tanto tempo sem meu tempo;
uma sobra na sombra das lembranças...
Tenho medo é de nunca mais me achar;
me deixar esquecido na vertigem
de não ter mais direito à solidão...
Sinto falta, quiçá, de sentir falta;
uma pauta vazia em minha folha,
pra deixar a grafia do meu sonho...
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domingo, 3 de setembro de 2023

PALAVRA TEMPORÃ

Demétrio Sena - Magé


A palavra persiste na minha corrente
afetiva, sanguínea, pulsante no ser;
na vertente medrosa que requer coragem
pra vencer o vazio das futilidades...
Minha letra desliza da mesma caneta
que nem tinha presságio do computador;
meu planeta secreto continua em mim
e me sinto condor sobre a dor de viver...
Trago a minha palavra e solto vento afora;
ela chora, sorri, mas nunca se renega,
prega meu ateísmo com fome de amor...
Um poeta na era de puro já era
é a fera do campo indefesa no asfalto,
mas não falto à palavra; semeio poesia...
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#respeiteautorias Isso é lei

ANIMAÇÃO CULTURAL - SAGA E SOLIDÃO

Demétrio Sena - Magé 


Dizer que o arte-educador (animador cultural, no sistema da Secretaria Estadual de Educação) não faz nada, é o hobby de alguns colegas regentes. "Não fazer nada" significa não promover festas diárias, e sim, oferecer conteúdos culturais mais profundos, cujo engajamento discente não é incentivado nas aulas convencionais. Em cada unidade que tem o luxo de contar com esse profissional, trata-se de um, no máximo dois. E a nossa função é oferecer "aulas" livres, oficinas e projetos não obrigatórios a jovens que, além do desinteresse em razão do que a sociedade lhes oferece, ouvem outros profissionais nos desqualificarem.

Há colegas formidáveis em algumas unidades. Onde sou lotado, conto com a compreensão e às vezes o apoio ativo de alguns docentes regentes, além da direção, sempre solícita, para que meu trabalho flua. Mas nem isso impede, por tantos outros, os olhares e até citações pejorativos, como forma de repetição da sociedade que sempre desqualificou artistas não  famosos e ricos. Temos, sim, espaços fisicamente ociosos entre uma ação e outra, um projeto e outro... espaços em que projetamos novas ideias, recebemos alunos em nossas salas (quando as temos) e promovemos momentos de reflexão, bate papos e cultura geral desobrigada em seus horários também ociosos. Fora dos olhares oficiais.

E para quem desqualifica a formação dos animadores culturais, é justo sempre lembrarmos que, além das formações acadêmicas, temos em nossos portifólios cursos e capacitações em diversas áreas culturais: na UERJ, UFRJ, UFF, Universidade Popular da Baixada , ABEU, UNIGRANRIO entre outras instituições. Tudo por exigência dos governos estaduais anteriores que nos tinham como essenciais. Para Brizola e Darcy Ribeiro, éramos "as meninas dos olhos" das unidades escolares. 

Quem desqualifica o animador cultural na ausência ou "pelas costas", como se diz popularmente, não é covarde nem medroso. É prudente. Sábio. Afinal, sabe que não teria como sustentar qualquer argumentação, perante os olhos e as refutações argumentativas e facilmente comprobatórias, de qualquer um desses profissionais que há trinta ou mais anos existem e resistem bravamente no sistema da Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro.

Nossa gratidão aos poucos professores e professoras regentes, diretores e diretoras, além de outros colegas que sempre somaram conosco. E que hoje nos apoiam na luta contra a extinção dessa categoria também odiada por alguns dos últimos governos e de forma ostensiva e contundente pelo governador Cláudio Castro e sua equipe. Cultura na educação realmente amedronta os governos fascistas, os grupos sociais e as massas populares de manobra que aprenderam a não aprender com o que sofrem por causa desse atraso sociopolítico de séculos e séculos.
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#respeiteautorias Isso é lei 

A CRÔNICA DO SONHO

Demétrio Sena - Magé 

Acordei assustado. Sonhei que tinha escrito o texto abaixo, e ao abrir os olhos, ele pulsava inteiro em minha mente. Palavra por palavra. Não quero "sobrenaturalizar". Existe uma explicação simples e plausível para isso. Apenas não a tenho. Segue.

"É tanta construção truculenta e vertiginosa de um futuro promissor... é tanta busca - sem pausa - de garantias pessoais excessivas, status, admirações externas... 

É tanto empenho extenuante na escavação de "um lugar ao sol", que a noite chega sem se ter vivido em essência e sem se ter conquistado afetos verdadeiros; pessoais... apenas admiradores de nossas trajetórias e conquistas... do que temos... independente de quem somos, que se perdeu no turbilhão do processo precipitado e desumano de podermos nos auto recompensar pelas perdas em prol dos ganhos.

Podemos viver bem, ter conforto, afetos e reconhecimento, sem abrirmos mão da vida. É que a vida está em nós e não sentimos. O amor nos ronda e não vemos. A saúde se presenteia para nós, não abrimos a caixa e partimos em busca de podermos pagar por ela, quando a perdermos nos excessos do sonho que não administramos. 

Tanto tudo, que o nada cresce por dentro. A solidão se agiganta entre nossas multidões. A morte, um dia tão distante, chega quando pensamos em começar a viver".

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#respeiteautorias Isso é lei.