quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

MEU FELIZ ANO NOVO

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Muito embora não compartilhe da provável essência do natal, vejo bastante significado no início de mais um ano. Aprecio começos e recomeços; novas chances; reocasiões e repensamentos. Tudo isso deve ocorrer a cada manhã ou toda vez que sentirmos necessidade, mas é algo especial e significativo chegarmos a mais uma etapa de mundo, junto com os seus bilhões de habitantes. Creio muito no pensamento humano e no desejo real um tempo melhor.
A boa vontade do ser humano, que em sua maioria é bom, tem o poder de salvar. É dessa vontade que o mundo sempre dependerá. É graças a ela que ainda não se fez o caos total. Uma vontade com o tempero do amor à vida e ao semelhante, apesar das não semelhanças que nos igualam. Inclusive as não semelhanças de credo, gosto e opinião, que geram conflitos entre os homens e as mulheres de má vontade que julgam o outro, por se julgarem especiais e imunes aos males e às fraquezas inerentes a todos.
Que a nova chance alcançada nos leve à reflexão sobre o que realmente vale a pena. Talvez seja tempo de conhecermos valores maiores do que dinheiro, status e fama. Tempo de termos tempo para quem amamos e para nós mesmos. Uma nova era, em que nos doarmos mais aos nossos filhos tenha mais poder do que dar coisas conquistadas com ausências provindas do excesso de trabalho. Novos tempos, em que a presença fale mais alto que o presente.

É este o feliz ano novo que o meu coração consegue desejar a todos. Eis a grande conquista que a humanidade ainda não valoriza: o amor que aproxima. Que não espera troco nem recompensa. Que põe as pessoas acima de suas posses ou não posses. De seus nomes e sobrenomes. Aparências, feitos e resultados. Credos, etnias, cores, escolhas e orientações. Isto sim é igualdade.

DELÍRIO


VITÓRIA

Demétrio Sena, Magé - RJ.
Sofremos muitas derrotas, mundo afora... o que não podemos é sair derrotados dessas derrotas.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

AMOR & SOCIEDADE

Demétrio Sena, Magé - RJ.
É assim que te quero; como quem não quer;
numa reza sem fé; busca sem desempenho;
no silêncio da voz que transfiro pros olhos,
mesmo assim de fumê; de regato e não foz...
Eu te quero com filtros de não te perder,
muitos véus e desvelos ao ficar assim,
sem começo nem fim; meio termo eficaz
em não ter que acordar deste meu não dormir...
Um querer sem querer, mas por querer e pronto,
esse ponto sem nó pra poder desatar
quando a vida entender de cobrar transparência...
Não importa o contexto, é querer de verdade,
mesmo tendo a mentira como seu escudo,
para tudo ficar na moldura da lei...

quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

SONETO SOCRÁTICO

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Se morri toda morte que se morre,
já vivi cada vida que se tem,
ou de cada bebida o justo porre;
todo mal, se por mal ou se por bem...

Fui além do infinito, após além,
por amor fui mocinho em Love Story,
odiei, fiz a guerra, paz também,
mas ninguém me condene ou condecore...

Sou quem sou desde o dia em que cheguei,
sei de tudo, no entanto nada sei,
quanto mais me procuro e me aprofundo...

Ser poeta me abona pra voar
ou pra ir pelos ares lá no ar,
onde o céu justifica estar no mundo...

AMIGO


Demétrio Sena, Magé - RJ.


Amigo não é coisa. Nem é pra se guardar. Muito menos debaixo de sete chaves. Amigo é um ser especial, com o direito de ir e vir... e ter sempre abertas as portas do nosso coração.

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

AMOR SEM ECO

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Um gostar dissolvido em névoa e véu;
disfarçado no céu de minha voz;
uma chama escondida que não chama
e me leva pra cama só comigo...
Meu amor se declara pra si mesmo,
minhas mãos te procuram nos meus cantos,
onde os mantos de minha solidão
chocam sonhos que nunca darão crias...
Tenho via de fato sem saída,
servidão que não serve um horizonte,
velha ponte quebrada noutro extremo...
É assim que meu mundo anseia o teu;
céu de ateu que não crê, só por despeito;
eu te odeio de amor ignorado.

domingo, 21 de dezembro de 2014

GOSTAR DE PASSARINHOS

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Detesto ratos, escorpiões e lacraias... mesmo assim não os prendo. Porque haveria, então, de prender passarinhos?

FANTASIA SUSTENTÁVEL


Demétrio Sena, Magé - RJ.


Ainda que o alvo seja uma pessoa proibida, é perfeitamente moral fantasiar. Mas a fantasia perfeita só é possível quando se consegue desse alguém a cumplicidade secreta pela qual se trocam gestos, silêncios, provocações veladas e olhares tortos. A depender das ocasiões, culminar com as gentilezas eróticas de se deixar ver naqueles flagrantes deliciosos de pós-banho, sono descuidado, corpo mal coberto, pequenos sustos ou naturalidades teatrais.
Nem mesmo para quem tem cônjuge, fantasiar é trair. Não é, desde que não se chegue às vias de fato. Na verdade, as vias de fato rasgam a fantasia. Desestabilizam a leveza do sonho. Tiram toda poesia que se compõe da magia do ato. Do ato sem ato. Que só é mágico por ser assim. Por não abrir portas ao arrependimento. Por não levar a sofrer pelo que não houve, porque fantasiar é isso: é não haver; é pairar sobre o fazer. É a constatação do poder de sonhar com o impossível, vê-lo possível, mas resistir à realização que nos tornaria os vilões de uma história que não poderia ser nossa.
Fantasio desde sempre. E tenho cumplicidade. Resposta velada e digna, com a perfeita consciência dos limites. Meus olhos leem aqueles olhos, conhecemos trechos de nossas curvas e nos provocamos respeitosamente. Negociamos gentilezas eróticas e nunca falamos a respeito. Permutamos desejos silenciosos que não afetam em derredor e jamais levaram ao sofrimento quem não merece mesmo sofrer por isso. É o nosso segredo. Nosso mundo secreto. Um querer sem querer que nos acende por dentro, para depois nos entendermos a sós; cada um consigo mesmo.
Não adentro atalhos rumo às vias de fato. Sou fiel ao segredo e à manutenção do sonho. Da impossibilidade. Não quero mais do que o querer sem querer que nos apimenta e devolve à certeza do que nunca será. Seremos para sempre a fantasia mantida sobre as convenções, para que o mundo à nossa volta não seja desarrumado e mantenha essa fantasia... de que não há fantasia.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

NATAL SECRETO


Demétrio Sena, Magé - RJ.

Anos e anos de procura, e não encontrei a versão do meu natal no meio das cores fartas e sintéticas que saturam as ruas da cidade. Nem mesmo nas cartas de crédito e consumo que chegam à caixa de correspondências de minha casa e me chamam pras lojas enfeitadas por itens e gentes. Ou só por itens, porque afinal, pessoas também são itens no brilho superficial dos shoppings que se enchem de afetos para todos os gostos e poderes aquisitivos.
O natal com que sonho desde criança, e que não casava com os sonhos de outras crianças, nunca veio ao meu encontro. Talvez porque não exista, e porque os sonhos de meninos e adultos alienígenas não podem mesmo se realizar, para que o mundo não seja desarrumado. Jamais me achei, nem ao meu natal disforme, sob as ondas da paz comercial desse amor que se apresenta nos moldes emergenciais da velha data instituída.
Com o tempo, precisei adequar meu egoísmo à normalidade cívica e dogmática do natal que polui os olhos e dentro em pouco poluirá lixeiras, esquinas, encruzilhadas e guetos. Quando a minha esquisitice lamber os restos de abraços, discursos e sorrisos, meus olhos verão pessoas ainda mais esquisitas e carentes revirarem o lixo em busca dos restos gastronômicos do natal. Para essas pessoas, afetos de fim de ano são presentes de outro mundo.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

SOLIDARIEDADE REAL

Demétrio Sena, Magé - RJ.
Não dê porque é dando que se recebe, e sim, porque alguém precisa do que você tem para dar.

CARÁTER NATO

Demétrio Sena, Magé - RJ.
 Agrada-me a ideia de que uma pessoa é íntegra porque é; por natureza. Não porque obedece às leis, aos mandamentos, teme a justiça humana, divina, ou porque isso abre as portas do mundo e do paraíso.

DE VIVER


sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

IMPORTANTE

Demétrio Sena, Magé - RJ.
Quem é muito; muito importante mesmo, é porque não tem nada; nada mesmo, para exportar.

TALENTO


Demétrio Sena, Magé - RJ.

Por mais que o talento seja de berço... nenhum sucesso começa em casa.

PODRIDÃO

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Era podre de rico...
de prestígio e de fama...
bens e cobre...
mas morreu e deu bicho,
tanto quanto quem morre
podre de pobre...

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

TRAIÇÃO FIEL

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Dê seu jeito e se arranje a qualquer preço,
no consolo evasivo desses braços,
nos espaços vazios que deixei
pra que alguém se aventure a preencher...
Improvise a paixão, simule amor,
um calor de artifício, alguns ruídos,
feche os olhos e finja que me vê
na tevê da saudade aí no fundo...
Ponha salsa e pimenta nos momentos,
como quem condimenta pão e água,
faz a mágoa vestir-se de prazer...
Só não diga o meu nome, se apiede,
pois lhe pede a resposta merecida
uma vida plantada em sua mão...

HUMANIDADE

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Se o seu orgulho exigir uma reação ao ser desafiado por alguém, vá em frente... vença o desafio... mas tente não derrotar o desafiante. 

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

AMOR HOSTIL

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Tenha calma e me queira menos tensa;
mais a fundo; silente; bem contrita;
seu amor se confessa em sua ofensa
e seu olho desmente o que a voz grita...

Não se renda e também não faça fita;
guerrear de fachada não compensa;
é a súplica em gestos de quem dita
numa espécie afetiva de doença...

Pra pintar de frieza o sentimento,
leve o seu coração ao pensamento
e supere a si mesma; chegue ao pódio...

Sua fúria não vai vencer o drama;
se não pode assumir o quanto ama,
não precisa me amar com tanto ódio...

ENGANA-ME

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Quem quiser mentir pra mim,
terá que ser convincente;
mentir como quem não mente;
brincar de autenticidade...
porque terá que mentir
de nem notar ou sentir...
saber brincar de verdade.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

NADA

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Sei que vives, pois te vejo
nos desvãos do vai e vem...
vida normal.
Sem repulsa nem desejo,
hoje não te quero bem...
nem quero mal.
Tudo em ti é tanto faz;
não me desagrada em cheio...
nem agrada.
Não há conflito nem paz,
não te amo nem te odeio...
eu te nada.

CASTELO REFEITO

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Ela tem a ilusão de me achar noutra casca,
tira lasca e suor desse corpo escolhido,
mas não pode colher minha essência em tal fonte
nem achar o cupido que me recomponha...
Sempre finge que sente o prazer que não tem
no prazer emprestado pela fantasia,
vai aquém do que tenta revestir de céu
e tem olhos perdidos nessa busca insana...
Quer minh´alma num corpo que procura em vão
e meu corpo na mão que nunca teve alma
entre a palma do sonho insubstituível...
Recompus meu castelo e não a quis de volta,
porém ela não solta o cordão de saudades
que desenha o passado em papel de presente...

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

CONVICÇÃO PÁSTICA

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Um cirurgião plástico de respeito é aquele é aquele que pode afirmar, com propriedade: Não tenha medo; seio que faço.

AMOR E RANCOR

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Já não tens o sorriso que achavas em mim
e depois refletias pra tudo em redor,
teu olhar é só dor dessa perda sem volta
e teu lábio a revolta que ficou do adeus...
Hoje tens um sabor de amargura sem fim
que semeias no cheiro das tuas palavras,
feito pedra no rim que te faz espremer
cada gesto entre buscas de momentos mortos...
E por isso me odeias com tamanho amor,
com um senso de humor que amaldiçoa o mundo,
pois não sabe acender uma luz no semblante...
Sempre voltas pra mim em delírios ocultos,
colhes vultos de outrora e mergulhas em ti,
mas te perdes no chão que se abre aos teus pés...

A ESTRIPULIA DO REX

Demétrio Sena, Magé - RJ.

O Rex é um vira-lata. Quase de raça, porque é filho de um também vira-lata com uma poodle. Um belo, talvez terrível dia, o pai sumiu no mundo, como um bom vira-lata que era ou ainda é, mas a mãe poodle não o abandonou, enquanto viveu. Deu-lhe todo amor, atenção e cuidados, como poucas mães humanas contemporâneas fazem.
Depois que a mãe, de nome Sofia se foi, o Rex passou a ser cachorro único, naquela casa. E como todo bom filho único, é cheio de mimos e vontades. Uma peste, mas no bom sentido, pois as suas travessuras agradam a todos. Nem sempre na hora exata, mas acabam por agradar. Principalmente às crianças, que fazem farra o dia inteiro com o amiguinho hiperativo e sem vergonha.
Dia destes o Rex inventou de comer o sofá, quando todos estavam distraídos. A turma decorava o quintal para uma festinha de aniversário, e a casa ficou inteiramente vazia. O danado parou em frente à peça caríssima, comprada em parcelas nas Casas Bahia. Olhou atentamente pra fora; depois pra dentro; novamente pra fora; novamente pra dentro. Quando viu que o momento era propício, não perdeu tempo: botou os dentes para funcionar.
Só muito mais tarde, bem depois do bolo e dos parabéns, foi que a família viu o estrago: um buraco enorme no sofá e farelos de espuma por toda a sala. O Rex estava escondido. Sabia o que tinha feito, e não queria dar as caras. Com isso, a raiva pela estripulia do bicho teve que se juntar à preocupação, pela ideia geral de sua fuga.
Horas depois, a turma deu por si: toda vez que aprontava, o Rex buscava exílio embaixo do velho fusca esquecido nos fundos do quintal. Já sorridentes e totalmente esquecidos do sofá, exatamente como Rex planejara, foi que os meninos o acharam... lá estava ele, cheio de manhas, olhando para todos com aquela cara de filho da poodle.

SOBRE JOÃO ALGUÉM

Demétrio Sena, Magé - RJ.

João Alguém era realmente um sujeito especial. Chantagem de pobre não o comovia. Muito menos pompa, circunstância e suborno de rico. Ele sabia como suportar dignamente os aplausos, os risos e agrados extras do bajulador, tanto quanto a perseguição e a truculência do invejoso mal humorado.
Nem mesmo a fúria maior do forte o demovia de sua personalidade, como não o fazia o mais profundo complexo do fraco. Para ele não havia mistério indesvendável nem confete, seda ou fogo de artifício transformador de caráter.
Era mesmo assim, o João Alguém: resistente à fogueira das vaidades. Ao ferro de solda e ao maçarico. Aos altos e baixos, espinhos e flores, dores e alívios desta vida. Nada conseguia derretê-lo... ou quase nada. Somente o calor humano podia mais do que isso: deixá-lo completamente derretido.

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

SONHANDO COM A IGUALDADE

Demétrio Sena, Magé - RJ.


Aceito, e de bom grado, qualquer gesto espontâneo de carinho. Até mesmo a homenagem sincera de quem transforma o carinho em gestos notórios. Mas rejeito medalhas, troféus e homenagens formais; instituídas. O que se transforma em comenda ou honraria não me agrada, pela pompa e a comparação com outros seres humanos.
Tenho crença no amor como a salvação da humanidade. Além do afeto que nos devemos, refiro-me ao amor pelo que se faz. O que não visa prêmios, avaliações e vitórias sobre o próximo. É a minha forma de pensar, com o devido respeito às diferentes formas de pensamento, nas quais não vejo, em maioria das vezes, maldade nem má fé. Simplesmente um desejo de superação pessoal, pela superação do outro.
Quero dizer com isto, que aprecio mais a parceria do que a concorrência. Gosto mais de fazer e conquistar junto, partilhar meus segredos e resultados, do que travar batalhas. Acho que um dueto é bem mais bonito e saudável do que um duelo.

DE PELE


Demétrio Sena, Magé - RJ.

A sociedade na qual vivo, aceita ou tolera a etnia negra... não a pele.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

ALMA SECA

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Não queria, mas quero amar de novo,
pra dizer a mim mesmo que tô vivo,
há um ovo que ainda me fecunda
e renova o motivo de viver...
Tenho andado vazio feito bolha,
feito porto isolado e sem função,
folha seca varrida pelo vento
em um chão desgastado; calvo; infértil...
A minh´alma secou, está deserta,
nem um sonho pra dar algum verdor,
uma dor dessas boas de sentir...
Pelo menos voltar a ser volúvel,
dissolúvel, poroso, permeável
como sempre não quis, me rendo e quero...

DETALHE SÓRDIDO

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Os ricos que fogem da justiça estão foragidos... os pobres, estão fugidos.

AMARGA VITÓRIA

Demétrio Sena, Magé - RJ.

A vitória será do mau caráter,
para quem a desonra justifica,
pois implica vencer a qualquer custo
e depois exibir o seu troféu...
Vencerá quem perdeu a compostura,
pondo a ética embaixo do carpete,
quem mistura verdades e mentiras
em um tacho sombrio e corrompido...
Mas a triste vitória costurada
pelo falso cordão dos desempenhos
tem um gosto indigesto e corrosivo...
Não desejo a falência de vencer
por engenhos de pura decadência,
pra morrer de saber que não venci...

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

SOCIEDADE OBRIGATÓRIA

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Somos uma sociedade postiça, dividida entre os criminosos e os que não são por força da lei. Os pecadores convictos e os temerosos do juízo final. Os cônjuges infiéis e os que não suportam a ideia de perder a família e dividir os bens. Os que não cumprem palavra e compromisso e os que temem o peso de um contrato assinado... os mentirosos e os conscientes do efeito de serem flagrados na mentira.
Canso-me de mim próprio e da cidadania obrigatória. Da pureza de cabresto e da fidelidade sem saída. Da honestidade assombrada e a verdade no tronco; no fio da navalha; no pau-de-arara. Sei, no entanto, que jamais seremos a sociedade perfeita: sem polícia, justiça instituída, carimbos, tratados, religiões e avisos, pelo simples caráter do ser humano perfeitamente sábio na utilização do livre arbítrio.

FACEBOOK


terça-feira, 18 de novembro de 2014

GUERRA PASSIONAL

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Esse amor abismal com que me odeias
faz rodeios, inventa mil motivos,
lança teias pra ver se me abduz
e me cola na cruz dos teus caprichos...
É assim que me queres; fogo a fogo,
no teu jogo cerrado e passional,
numa guerra sem trégua, regra e honra,
pois seria teu fim me ver em paz...
Tua raiva me caça feito louca,
tua boca me ofende com desejo,
teus ataques confessam teu querer...
Falta chão aos teus pés quando me vês,
teu olhar, tua tez, tudo me come
com a fome raivosa da paixão...

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

O AMOR COMO PRINCÍPIO

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Quando quero ou não que a Júlia faça algo, jamais aponto para os efeitos futuros de sua possível desobediência. Ela sabe que se não me "obedecer" não levará uma surra, não será destratada, castigada nem deixará de ganhar o presente ou passeio prometido. Sabe apenas que ficarei decepcionado, não como forma ou estratégia de represália, mas naturalmente. Sabe ainda, que a desobediência de um filho é algo muito grave, não importa o que acontecerá ou não depois. Tive a graça de bem cedo conseguir fazê-la entender a dimensão negativa desse ato, às vezes me usando como exemplo negativo. De positivo, apenas o drama de consciência que os erros me causaram, quando fui meu próprio acusador.
Faz bem pouco tempo conversei demoradamente com minha filha, para me redimir do erro de lhe ter permitido, em nome do sossego, o que muitos chamam de uma pequena mentira. Tive a chance de lhe dizer que a mentira nem sempre tem "pernas curtas". Muitas vezes ela tem asas e ninguém as alcança nem descobre, de forma que o mentiroso fica impune para sempre. No entanto, mentir é grave. É traição. Não devemos fazê-lo, porque com isso, fazemos os outros sofrerem. Desrespeitamos o próximo. É em nome do próximo, das pessoas que amamos e outras que nos rodeiam, que não devemos mentir, ofender, bater, roubar, matar. Nada de "Deus tá vendo"; "a polícia pega"; "o castigo vem". Sei muito bem em que mundo nós vivemos, e a Júlia já começou a entender que muitos mentirosos se dão bem, dentro do contexto negativo e vulgar de se dar bem. Os políticos são um exemplo clássico dessa verdade. Ela já percebe, de alguma forma, que muitos seres humanos roubam, matam, prejudicam, não pagam o que devem, praticam toda sorte de abusos e seguem livres, impunes, fisicamente saudáveis e queridos na sociedade. Sendo assim, não é por causa do "troco" presente ou futuro que ela deve ser uma pessoa direita e honesta, e sim, porque isso é certo, porque o ser humano deve ser assim para que o mundo seja melhor. Para que a felicidade seja possível.
Sempre de forma simples e leve para seu entendimento, também digo a minha filha que ela deve ser solidária, fazer o bem, perdoar, pedir perdão, mas nunca pensando em recompensa. Já a fiz entender que nem sempre ou quase nunca os outros serão solidários com ela. Nem sempre ou quase nunca ela terá o reconhecimento pelo que fez, proporcionou ou deu. Muitas vezes perdoará e será de novo magoada, como tantas vezes pedirá sinceramente perdão e não terá. Mesmo assim, esses preceitos devem ser seguidos e observados, não levando em conta o que virá do outro lado. Nossa parte há de ser feita sem nenhuma cobrança da outra parte. Aprender a ser uma "boa pessoa" para que o mundo seja bom com ela, é aprender a ser hipócrita. Dar com a mão direita de forma que a esquerda veja. Fazer filantropia para que a sociedade admire. Promover a paz para, quem sabe, ganhar o Prêmio Nobel, e não porque entende que a paz é essencial para a humanidade.
Quero que a Júlia seja melhor do que eu. Bem melhor. Tenha virtudes que nunca tive, mas hoje tento ensinar enquanto aprendo. Não quero contar de novo com a sorte que me coroou, de ver a Nathalia, minha primogênita se tornar a grande pessoa que é, sem grandes méritos meus. Mesmo não contando com a experiência, os conhecimentos e as visões de mundo e vida que ora tenho, adquiridos com grande sofrimento. E boa parte desse grande sofrimento é outro item dispensável na vida de qualquer pessoa, se houver quem possa orientá-la sobre como amadurecer feliz. Amadurecer no pé. Ser pessoa íntegra não por medo, opressão, hipocrisia, interesse, troca ou egoísmo, e sim, por amor. Amor ao próximo e a si mesmo como extensão do próximo, tendo sempre a consciência como promotora de acusação dos erros.

PRETEXTO PARA SER MINHA

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Nos meus braços de puro enforcamento,
beba o gosto salobro destes lábios;
leia o peso que levo sobre os passos,
entre os traços profundos do meu rosto...
Tenho jeito, é só ter o seu carinho,
ser amado apesar da minha carga,
sou espinho que pode vingar flor
onde amarga o pior do que se é...
O que peço é que veja um lado bom
ou invente o seu dom de me aceitar,
como simples pretexto pra ser minha...
Filosofe que sou um ser humano,
há um plano maior pras nossas vidas
numa vida sem tempo pra temores...

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

PASSARINHA


VIDAS DE UMA VIDA

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Uma vida bem fértil; de muitos fazeres;
muitas quedas, viradas e voltas aos pontos;
dores quentes, prazeres, verdades e sonhos
que não foram verdades, ou às vezes sim...
Tive tantas paixões, que me fogem à conta;
fui alguém de alma tonta e fui sóbrio pra ser,
porque vi que viver exigiu recondutas
nos momentos limite; nas beiras de abismos...
Nesta hora me aninho pra chocar lembranças
que não geram filhotes, mas me servem vinho
de saudades bem doces, mesmo quando amargas...
Vejo a morte bonita, com véu e grinalda,
mas ainda pretendo me atrasar pro ato
e me cato sem pressa de me concluir...

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

O CASAMENTO E A MOSCA

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Excluindo-se os casos de traição, o que determina o fim de um casamento é o acúmulo de futilidades. Elas agem na vida a dois como aquela mosca impertinente que no começo enxotamos com certa calma. Na segunda ou terceira vez, um tanto mais irritados, e na trigésima quarta, cuspindo marimbondos.
As futilidades moram na rotina como a rotina pertence aos laços estáveis. Temos que aprender a conviver com elas, como convivemos com moscas, baratas e fezes de cães. Especialmente nestes tempos em que outros itens de futilidade, como as redes sociais, curtidas ou não curtidas em perfis e desentendimentos de ordem cibernética geram incidentes medíocres que supervalorizamos, tornando-os incontornáveis dentro e fora de casa. 
Os problemas internos realmente sérios, ou realmente problemas, unem os cônjuges. E a cada vez que ocorrem, há um fortalecimento surpreendente; os laços se renovam. Como se trata de causas sérias e profundas, a seriedade dignifica. O casal se respeita pela nobreza da busca de uma grande solução.
Das futilidades, ou da mosca reincidente, nascem os olhares pejorativos; as palavras depreciativas; a não admiração e os atos de pouca estima e respeito. Por isso, a irritabilidade crescente com o que não deveria ganhar vulto. E quando o casal já cospe marimbondos, não tem jeito: como a mosca vai e vem sem se deixar alcançar, mata-se a relação  

terça-feira, 11 de novembro de 2014

FILHO DA MÃE

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Sou do tempo das mães extremadas e loucas
Pelas proles extensas, os filhos em série,
Conheci as mães roucas de muito gritarem
Seus avisos, pedidos e premonições...
Tive mãe nesse tempo em que as mães não dormiam,
Não viviam pra si, só pra suas ninhadas,
Tinham medos do mundo que cercava os seus
E sabiam que “Deus” não seria babá...
Fui um filho de mãe que não tinha controle,
Nada era bastante pra me ver seguro,
Via sempre o futuro a lhe pedir urgência...  
Houve o tempo em que as mães eram puro exagero, 
Desespero de amor, agonia de paz,
uma dor que jamais as tornou infelizes...

FRANCO ATIRADOR

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Renato é louco por negras.
Maurício sempre quis ruivas.
Ao mesmo tempo João
bate o pé, não abre mão
daquelas moças bem brancas...
Marcelo sempre foi fã
das nordestinas porretas.
Antonio adora morenas;
Armando é mais radical,
prefere pretas bem pretas...
Enquanto isto se sabe
que a preferência de Rafa
não é morena nem ruiva;
não é chinesa nem índia...
é só jogar a tarrafa.

OPINIÃO ROUBADA

De que adianta pedirmos uma opinião sincera, se o nosso tom de voz intimida e exige o endosso de nossa máxima?

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

RECONSTRUÇÃO

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Reatar meus extremos e voltar pra mim,
dar começo ao meu fim pra caminhar de novo,
pra caber no futuro a partir do presente
que desmente o passado ao resgatar meus grãos...
Exalar do morrer que não se quis assim
e da minha omelete refazer um ovo,
desenhar a minh´alma na folha da mente
para o corpo caber entre as linhas das mãos...
Vou cair de mansinho dos voos que dei,
transgredir essa lei de só seguir além,
ser liberto por crime de sã consciência...
Consertar uma história que não tem conserto,
pôr enxerto no tronco daquela verdade
que me pede mudança e preciso atender...

VIDA POR VIDA

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Já não gasto meu lume com gente sombria;
que resvala, ressente, mais mia que fala;
tem os olhos de ocaso e semblante contrito
como quem nunca sai da masmorra que leva...
Não vou mais à procura de gente sem cor,
passageira da dor que por vezes nem há,
resguardada e que nunca se confessa bem,
porque teme que o riso a denuncie fútil...
Afinal me cansei dessa gente remosa,
pesarosa e com ares de pura mortalha;
tem um luto constante, uma nobreza fria...
Quero gente mais viva, menos recolhida,
dou a vida por vida e negocio sonhos
que não cedem ao peso dos que nunca dormem...

DOR

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Sonha, dor;
sonha que passa, 
que se cura,
ganha cor...
não é simples querer,
simples loucura
de sonhador...
sonha, dor.

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

ONIPRESENÇA

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Se você não está de bem com a vida, não adianta ir pro Caribe ou pras Ilhas Cayman, pois a vida está por toda parte.

PRA CIMA

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Não há nada pior do que o pior... a partir daí, só melhora.

BURRICE

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Quando a genialidade congestiona o cérebro de quem não quer dividi-la com o coração, é que os gênios implodem... implodem de burrice.
A cabeça é arrogante, o coração é simples, e o ser humano precisa desse tempero para se preservar humano; pelo menos metade humano, se quiser vencer a si mesmo e conviver com o próximo. Se quiser ter próximo, não se distanciar do mundo e virar uma espécie solitária; espacial... espacial de tão especial... idiota e desgraçadamente especial.
É necessário ser simples para ser gênio... e gênio para ser simples, domar e administrar a genialidade. Não ser assim é burrice... é implodir.

LONGE DOS PÓDIOS

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Ter humor na cartola, pro pior da festa;
ser alguém que se apruma no cio do abismo;
dividir o mesmismo em milhares de cacos
e dar faces distintas; contextos diversos...
Nova cara-de-pau quando a minha quebrar,
uma flor por espinho que atravesse o ser,
pra deixar todo mundo sem graça e sem chão
por me ver consertado e disposto pra mais...
Hei de amar esta vida com todos os ódios,
correr longe dos pódios e ser vencedor
sem vencer as pessoas ou ferir o mundo...
Saberei sempre achar o caminho mais brando,
para quando as vaidades, todas elas vãs,
estiverem no inferno do engarrafamento...

PAIXÃO CAMUFLADA

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Essa raiva gritante, abusiva e desenfreada que algumas pessoas têm de seus ex-cônjuges e aproveitam qualquer oportunidade para demonstrar, não é raiva. É paixão não curada e quase todos percebem... quase todos... menos os cônjuges atuais.

terça-feira, 4 de novembro de 2014

PARA PENSAR ANTES, DURANTE E DEPOIS DE CADA ELEIÇÃO


Demétrio Sena, Magé - RJ.

Passadas as eleições, ainda se vê parentes e amigos estremecidos, porque um votou na Dilma e outro no Aécio. Este preferiu o Pezão, e aquele, o Crivella. Matilde adora o PT, mas Pedro é louco pelo PSDB. Na opinião de Zefa, Lula foi melhor do que o Fernando Henrique, porém, Arnaldo não acha. 
Minha cidade, por exemplo, tem aqueles que matam por determinada ex-prefeita, enquanto muitos morrem pelo prefeito atual. De alguma forma, todas essas pessoas têm seus ídolos políticos. Umas tietam alguns e dão marretadas em outros; outras, vice-versa. Como sou alienado e cético em relação a todos os aspirantes, detentores e pingentes dos poderes constituídos, apenas me calo e passo ao largo das discussões apaixonadas de quem reverencia o poder, não importa o lado, partido, facção nem quadrilha. Ademais, tenho mesmo essa mania de preservar os meus próximos, em nome da história que já tenho com eles. 
Cada um tem suas preferências, convicções ou quimeras. Desperdiça tempo, argumento, esperança e voto com quem quiser. Peço apenas que alguém responda sinceramente: será que algum desses trastes que agora estão ou que um dia estiveram lá realmente merece o estremecimento de nossos afetos? O sacrifício de nossas amizades?

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DAS DORES

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Apanhei de mim mesmo até saber, finalmente, que uma vida requer sim, algumas marcas... mas nem todas as que levamos foram realmente obrigatórias. Temos perfeitamente como viver e aprender sem certos traumas e sombras entre as cores de nossas mais que bem-vindas ilusões.
Foi aí que aprendi que o sofrimento, em determinados contextos e ocasiões é desnecessário. Inteiramente sem sentido e qualquer explicação plausível. Mesmo assim, ele porta o poder de transformar tais momentos em bem futuro. Suas marcas, ou até mesmo as marcas do que não deveria ter havido revelam sempre que dá para ser feliz, e com um tempero especial.
Agora sei que as boas fases também amadurecem. Que as alegrias ensinam tanto quanto as tristezas, o ranger de dentes e as frustrações reais ou inventadas... as que só não inventaríamos, caso pudéssemos prever o futuro.
Isto quer dizer que sei, também, que não há quem saiba o que sei agora, impunemente. Não há em todo o mundo, quem preste sempre atenção nas flores, e tão somente nas flores da missão. A verdade, nua e crua, é que nutrimos o vício de saber que as flores têm espinhos... até mesmo aquelas que não têm.

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

POLIPOLARES

Demétrio Sena, Magé - RJ.

As pessoas instáveis, inconstantes,
ora chovem; carregam frentes frias;
ora queimam nos climas escaldantes,
como ficam pesadas e sombrias...

Umas vezes têm mil hipocondrias,
tantas vezes parecem debutantes,
têm ataques, arroubos e sangrias
ou a calma forjada por calmantes...

Vivo bem com pessoas e mudanças,
aprendi nos caminhos, nas andanças,
na lição natural das estações...

Entretanto as matrizes ou origens
quebram nessas viradas e vertigens
de mudanças que viram mutações...

terça-feira, 28 de outubro de 2014

RENASCENÇA

Demétrio Sena, Magé - RJ.

O projeto eficaz e definitivo de despoluição seria um só: parar de poluir. Deixar a natureza se recompor.

GENTE

Demétrio Sena, Magé - RJ.

O próximo, o semelhante,
podem ser, perfeitamente:
o distante; o diferente...

SALOMÃO NO SÉCULO XXI

Demétrio Sena, Magé - RJ.

O rei Salomão se recompunha em seu trono, enquanto batia um papo ao celular, com a presidente Dilma, do Brasil. Dilma ensinava a Salomão, algumas espertezas políticas bem mais eficazes do que a sabedoria milenar do grande rei ressurreto. 
De repente, adentram seu palácio duas mulheres. Ambas indignadas, levavam consigo uma criança recém-nascida. Uma das mulheres a segurava pela cabeça, e outra, pelas pernas. A confusão era porque ambas diziam ser a mãe verdadeira da criança que restou de uma tragédia na qual morrera outra criança, também filha de uma delas. Logo atrás, quatro soldados tentavam conter os ânimos exaltados e ninguém entendia nada por causa do grande volume de palavras proferidas aceleradamente pelas supostas mães.
"Já vi esse filme"; pensou o rei, enquanto se recompunha para que ninguém visse as suas partes íntimas sob o roupão de majestade. Salomão ficou calado, mão no queixo, como convém a um grande sábio, e de repente, pareceu também se lembrar do desfecho da história ou do "filme" parecido. Só não recordou que os tempos são outros. Estamos no século XXI. 
- Soldado! Traga uma espada! Já sei exatamente como resolverei essa questão!
Temeroso, ciente das intenções do monarca, e com a certeza de que aquilo não tinha como dar certo, o soldado, mais sábio do que Salomão, tentou adverti-lo da mancada que estava dando, mas não teve sucesso. 
- Responda uma coisa, soldado! Quem é Salomão aqui? Eu ou você?
- O senhor...
- Pois então faça o que lhe mando! Corte a criança em duas e divida entre as mulheres! Se ambas dizem que são mães da mesma criança, que se dê um pedaço a cada uma!
O soldado levantou a espada. Como não viu nenhuma reação das mulheres, o rei fez sinal para que aguardasse. Olhou profundamente nos olhos de ambas e perguntou, primeiro a uma, depois a outra:
- A senhora não diz nada?
A primeira não se fez de rogada. Ou melhor; se fez. Também encarou o rei, como se fosse uma rainha, e respondeu solenemente: 
- O senhor é meu Rei. Seja feita sua vontade.
Já um tanto aliviado, e julgando adivinhar o que ouviria da outra mulher, Salomão não pressionou. Esperou com paciência, o quanto pôde, até que a perdeu e disse, asperamente:
- Qualé, mulher? Vai ou não vai dizer?
Depois de fazer um muxoxo, a segunda se recompôs. Estava meio distraída, mas voltou a si, pareceu se consultar com os seus botões, e disparou:
- Olhe, majestade... acho que um pedaço é melhor que nada. 
Não acreditando no que ouvira, Salomão se "redescompôs": espumou, andou de um lado para outro e fez mil caretas, enquanto o soldado já se cansava de segurar a espada, em posição de carrasco. E foi o soldado quem acabou cobrando uma atitude do rei:
- Pô, majestade! O que faço com essa espada! Vai ou não vai dar a ordem? Já estou com câimbra!
Um brilho diferente, de satisfação e vingança chegou aos olhos do rei. Ele sorriu em silêncio, deu uma cusparada e reuniu a coragem necessária para mudar o fim do "filme" que já vira:
- Certo, soldado! Vá em frente! Corte as duas vacas em quatro!

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

MINHA LEI

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Sei sonhar e saber que só é sonho,
mesmo assim acredito e me dou corda;
quem acorda e não sabe mais voltar
perde a vida por força de viver...
Reconheço a quimera, sempre a tive
como a grande verdade que me segue,
que me vive no espaço do meu tempo
e sustenta o desejo de seguir...
Minha lei é deixar que a vida flua,
ir pra lua, mentir pra ser verdade,
não ter lei, manual de como ser...
Também sei que uma sombra me rodeia,
faz a cama e seu sonho é me acordar
entre os choques reais de sua trama...

ARQUIVO MORTO

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Dou ao tempo a coragem dos meus passos,
porque tenho a missão de ser quem sou,
crio laços e driblo a solidão;
não me dou ao vazio que se oferta...
Quero apenas o quanto está pra mim;
vou pro mundo que vem ao meu olhar,
lá no fim se desenha o que já é
neste mar de verdades pré-moldadas...
As receitas estão no arquivo morto,
há um porto em que todas as sucatas
contam suas histórias pra ninguém...
Forjo a rota, o destino, crio a fé
sem correr, pois a vida me acomoda;
tenho muita preguiça de morrer...

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

ESTAMPA

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Quem é quem não se pinta na faixa do rosto;
não está nas palavras do discurso aberto;
vai além da fachada e destoa do exposto,
pois o seu conteúdo é tesouro coberto...

Abstrato e distante quem se vê tão perto;
fevereiro e dezembro vestidos de agosto;
sob traços de oásis pode haver deserto,
nosso anjo da guarda pode ser encosto...

Não espere uma essência na simples fachada;
ninguém sente o sabor da conserva fechada
nem conhece o caráter por um tom de fala...

Será sempre surpresa um detalhe que for,
uma nódoa, remorso, quem sabe um rancor
ou a doce virtude que a careta cala...

MENTALIDADE

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Nunca tive um mentor. Nem na mais tenra idade, quando somos suscetíveis aos comandos de quem admiramos. Em toda minha vida sempre admirei pessoas, tive meus ícones, mas não fui um fantoche dos caprichos de quem quer ter alguém para incutir seus conceitos, preconceitos e complexos dourados de virtudes.
Mentores dominam, vigiam, fazem aparas intermináveis e decidem a quem podemos admirar; quem pode ser nosso amigo e quem deve ser desafeto. Nosso gosto apurado é aquele que "bate" com os seus, e teremos constantemente que optar entre eles e alguém que os incomode com algum sinal de vida mais inteligente. Isso ocorre porque  os mentores sabem que seus soldados podem se tornar livres, ampliar seus horizontes e as relações humanas, ou se debandar para os campos de outros mentores. 
Sempre tive amigos. E  nunca tive preguiça de ser quem sou sem as escoras dos donos da verdade ou dos pontos de vista. Como nunca fui, jamais me aceitei mentor nem mestre de quem quer que seja. Prefiro ser um amigo. Dar uma dica e deixar à vontade. Apontar um caminho, se solicitado, mas deixar explícito que existem outros, e quem sabe, um melhor. Opinar, sabendo e fazendo saber que a minha opinião é humana, mesmo que técnica; e por isso, passível de falha.
Quem é meu amigo pode ser amigo do meu inimigo. Quem me admira pode admirar a quem deprecio, a quem me faz concorrência e talvez ameace o meu destaque. Se alguém me tem em alta conta, não me aproveito para engaiolá-lo e ter seu canto só para mim, seja por admiração, temor de que um dia me supere, fique livre ou caia nas garras de outro dominador de notoriedades.
Não; não tenho... nunca tive mentor... tenho mente.