TODOS IGUAIS

A vida é um eterno e definitivo por enquanto. É onde apenas estamos o que julgamos ser. O mundo é a casa das convicções mutantes que obedecem ao tempo e às conveniências de cada um. Nossas diferenças nada mais são do que o desencontro das igualdades.

DEMOCRACIA QUESTIONÁVEL

Cônjuges secretos da ditadura, somos amantes ostensivos da democracia questionável que nos torna inimigos de quem não pensa exatamente como nós.

HIPOCRISIA

Continua criminoso, quem só não comete crimes porque teme a prisão. Pecará eternamente, quem só não peca porque "Deus está vendo" e poderá condená-lo ao "inferno". Não há crime ou pecado pior do que a hipocrisia.

CONSELHO PÓS-MODERNO DE PAIS

Filho; arranje um moço direito, recatado e com dotes culinários, para se casar... não se case com o primeiro que aparecer. Quanto a você, minha filha; veja se arranja uma moça trabalhadora, responsável, que tenha condições de ser uma boa chefe de família e saiba lhe respeitar. E prestem bem atenção, vocês dois: cuidado com os étero! Procurem nunca se misturar com eles! Vocês podem ficar mal vistos na sociedade, além de serem banidos da igreja! Tenham muito juízo, meus filhos... vivam sempre de acordo com as tradições e os costumes de nosso tempo.

ALÉM DE NÓS

Existe vida inteligente fora dos padrões e conceitos equivocados da inteligência que resumimos às nossas bandeiras. Um mundo amplo e diversificado em torno desse mundinho estatutário de convicções raivosas.

TUDO QUE SE TEM

Nosso enquanto nos toma e revolve a seu gosto,
num agosto esquecido em setembro passado;
primavera de aquário, emoção de vitral;
fantasia de amor que se tranca no armário...
Este sonho é sem quando e se deixa pairar;
uma onda sem mar, vai e vem que não vai;
horizonte fadado a ser sempre horizonte
ou pular o presente, cair no passado...
Por enquanto me deixo ser feliz assim;
começamos no fim, mas a força do encanto
enriquece o momento convertido em vida...
Quero tanto este quanto que o sem quando inclui,
que o enquanto eterniza em nosso tempo escasso,
porque faço do pouco tudo que se tem...

MORRER DE SABER

Ao mesmo tempo em que o sábio da família morria de saber, os mais simples viviam. casavam e descasavam; amavam e desamavam; eram amados e desamados. Tinham filhos e preocupações, corriam riscos, cuidavam das próprias vidas e eram felizes entre alegrias e tristezas, felicidades e infelicidades, o que só pode entender quem vive. Quem não estaciona em sua frustração; em seu insucesso. Na dor de acordar todos os dias tão somente para sentir que o mundo perfeitamente reconstruível ruiu na sua cabeça.

Tive muita pena daquele sábio. Daquele fruto precocemente maduro que ninguém comeu, e por isso, apodreceu sem nenhum dulçor nos galhos de uma existência adaptada. Creio que todos sentiam pena daquele sabe-tudo, e só por isso lhe davam aquela esmola diária de uma plateia silenciosa incapaz de magoá-lo com um questionamento... uma demonstração de que podia saber mais do que ele sobre alguma coisa na vida.

DITOCRACIA

A ditadura é a democracia solitária dos tiranos. Paralelamente, a democracia é a ditadura corporativa dos que resvalam à esquerda ou à margem do sistema que predomina. Estes fingem para si mesmos que se orgulham da esquerda ou margem, no entanto sonham com a direita. O poder absoluto; a chave do sistema.

Ambos os lados são radicais, intolerantes, psicopatas e raivosos. Ambos os lados têm fome de riqueza, poder e vingança. Ambos os lados não querem que haja mais de um lado, e por isto são capazes de qualquer ato para que os lados opostos tenham fim.

Pensando bem, não há quem lute pela democracia de fato e de direito. Todos lutam por uma ditadura ou outro regime, seja qual for, contanto que lhes favoreça. Que lhes dê o papel principal nesse grande palco da ideologia flexível de cada um. O "diabo" quer ser "Deus". O coadjuvante quer ser protagonista. A esquerda quer ser a direita.

O grande sonho de qualquer facção, religião, torcida, quadrilha, partido político e até país, é ditar as regras. Mandar. Ter a força. De alguma forma, estabelecer sua vingança e se compensar pelo tempo em que ficou à esquerda ou à margem.

Aí está o PT, que não me deixa mentir.

LUA E POÇA

Congelei os meus anos
em amor aos teus dias;
por temer tuas perdas,
desprezo meus danos;
resvalo no abismo...
Desnovelo esse tempo,
eternizo a saudade,
a idade me avisa
do silêncio e da brisa
que diluem meus sonhos...
Minha poça já sabe
da distância da lua
refletida em mim,
mas preciso sonhar;
começar cada dia
do mesmo fim.

ASSALTO

Não precisa mais gritar.
Entendi a voz de assalto
da sua falta
de argumento...
Vasculhe todos os bolsos,
minha carteira,
meu pensamento...
cale meu coração.
Depois me tome de mim,
despeje na rua,
pois a minha razão
não é minha...
é toda sua.

POEMA DE CARNE

Minhas asas te acharam neste céu
que cheguei a pensar inexistente,
mas havia escondido seu azul
onde a mente não ia procurar...
E meu mundo encontrou teu chão aéreo,
pus os pés na versão de um horizonte,
uma ponte chamou pra ser feliz
ou apenas estar - aqui estou...
Vi a vida se abrir igual botão
que decide o momento de florir;
o amor deu início ao seu ensaio...
Um poema fluiu e se fez carne,
meus escritos te acharam pra compor
mais razões de compor os meus escritos...

AMOR EXCEDENTE

Iventei um amor que se doa e não dói,
mas doeu a certeza da mera invenção;
simulei coração resistente à frieza,
pra roer esta mágoa do quanto não foi...
Fui além do provável pra te conquistar,
dei o quanto restava contido aqui dentro;
foste o meu epicentro, mas roubasta a saga;
depois disto a saudade nunca deu notícias...
Adubei este chão das miragens mais férteis,
viajei nestas asas de pura ilusão,
pra cair do sentido que nada fazia...
Meu amor foi tão denso que acuou teu ser;
teu amor se calou prá verdade ostensiva;
recuei pra viver, pois morria de ti...

AMORES GÊMEOS

O adeus é melhor que a gentileza
de respostas filtradas e sutis,
do carinho sem graça que posterga
esses pingos nos "is" do seu silêncio...
Quando meras palavras só respondem,
correspondem por doses comedidas,
duas vidas deixaram de se dar;
cada um se devolve ao próprio ser...
Deixarei que o silêncio se complete,
já não quero fazer a interferência
que me vale a bondade sem paixão...
É melhor ouvir "não" do que "também";
querer bem não isenta o se querer;
os amores são gêmeos siameses... 

CANSAÇO

Doravante sou caça.
Já cansei de caçar
ou de ser seu cansador.

VASTO MUNDO

O mundo é amplo.
Avance a cena;
estoure a bolha...
Não vire a página.
Não vale a pena...
Retire a folha.

FELICIDADE

Quando não é um fenômeno natural do ser humano, a felicidade pode ser fruto de uma decisão.

SABOR DE SOLIDÃO

Levo sempre o seu rosto, seu sorriso
instalados nos dutos da saudade,
serpenteiam verdades distorcidas
onde oculto sentido e sentimento;
silencio esperanças acuadas...
E me deixo sonhar neste segredo,
neste medo que ampara o quanto quero,
amordaça com panos de outro afeto
este amor que não pode florescer;
jardinar a versão do que já é...
A minh´alma que sempre teve a sua,
bate à porta inflamável do meu corpo,
lambe a lua e provoca minha noite
ao sabor abismal da solidão;
minha mão já cansou de ser você...

MINHA CASA, MEU REINO

Minha casa me guarda e me compõe
feito história geral, crenças e mitos,
tenho muitos Egitos, Romas, Grécias(...)
espalhados nas plantas do quintal...
Este canto é meu mundo, enciclopédia
do que tenho a saber de ser feliz,
guarda os incas, os maias e os astecas;
monumentos gasosos de outras vidas...
Dormem ninfas, os deuses e os heróis,
no silêncio e na paz dos meus instantes;
nas estantes do meu imaginário...
Minha casa é melhor do que Paris;
meu quintal é mais rico do que as sagas
de Joana, Camões e Gideão...

ALMA DE RODRIGO

Para que o Rodrigo fosse meu filho, eu teria que ter sido pai aos 17 anos. Infelizmente não fui. Não tive a chance de concorrer com seus pais para merecer a honra de ter um filho que recebesse, na hora da concepção, essa alma privilegiada. Esse caráter selecionado. Essa mente que reluz e transforma.
Em nossas aventuras culturais, tudo é bom; do trajeto ao instante de cada evento. Dos ensaios às culminâncias de cada palestra, oficina, peça teatral. Nos trajetos falamos de arte, vida e besteiróis... de passado, presente, futuro... de pessoas, fases e memórias. Não escolhemos assuntos, pois eles fluem com facilidade. Dos mais profundos aos mais fúteis, todos os temas ganham versões adequadas à maturidade que nos dota. E os 17 anos a menos não fazem do Rodrigo pessoa menos madura do que eu.
Ele sabe falar e ouvir. Concordar com sinceridade; discordar com respeito. Sabe olhar nos olhos e desaguar o que sente, como tem o poder de modelar o que ouve, para devolver as mais formidáveis respostas com a marca indelével de seu bom senso e a ponderação que acompanha seus atos; palavras; postura.
Tenho aprendido muito com sua facilidade para expressar. Para dizer o que sente. Declarar seu afeto por quem tem a sorte de ser o alvo, como desfiar suas queixas com aquele cuidado peculiar de não constranger a pessoa que o constrange a isso. É o novo ensinando ao velho. O verde amadurecendo a maturidade. O tempo mostrando que a idade não estabelece, obrigatoriamente, a hierarquia dos valores.
Sinto-me pai, com o Rodrigo, mas aquele pai que recebe mais do que dá. Que aprende mais do que ensina. Recebo do meu amigo as lições clássicas que geralmente os mais idosos legam aos moços. E agradeço aos que tiveram a graça de trazê-lo ao mundo, por tê-lo mantido ao alcance da minha sorte de conhecê-lo.

LOUCO POR VOCÊ

Não se ama pouco ou muito. Só se ama. E amor é muito. Acontece que no amor, até a redundância se harmoniza. O piegas é sóbrio. A hipérbole soa como eufemismo.
Quer saber? Eu a amo muito. Redundantemente muito. "Piegasmente" mais do que a própria vida. Hiperbolicamente mais do que a mim próprio.
Ninguém ama em sã consciência. Em seu juízo perfeito. Com juízo nem razão. É aí que meu coração justifica o fato de que sou completamente louco por você.
E pra dizer a verdade...
ninguém é louco pela metade.

CHÃO DE MINHA CARÊNCIA

De repente a descoberta de que o novo amor não é uma prerrogativa naturalmente viável. Ela tem uma caixa de antagonismos que a vida impõe, desde que os erros do passado fizeram da mente um sótão de remorsos. Uma oficina de reparos ou reparações constantes. Um redemoinho de lembranças que roubam desejos quando já estão à flor-da-pele. Justo quando preparam suas investidas na direção do ser feliz. Da permissão do sonho e do prazer.
E assim me recolho ao meu casulo. Meu túnel. Minha bolha. O mundo já não importa, e resolvo guardar a vida pra outra ocasião. Quem sabe até pra outra vida. O novo amor envelhece precocemente aqui dentro, mas pode ser que fique alguma semente no chão de minha carência. Quero crer. Quero ter esperanças. Quero querer.

PEITO ABERTO

Facilito as estradas pro meu ser;
tenho placas notórias de bem-vindo;
podem ver a minh´alma desde o rosto
esses olhos que sabem mergulhar...
Sinalizo meu sim, meu riso brando,
quando quero me abrir a outro sim;
nunca tenho esses nãos inflacionários
de quem superfatura os sentimentos...
Saberás encontrar meu coração,
porque minha verdade já é tua;
já és lua no céu de minha noite...
Vem morar no meu peito, estou aberto
a sonhar e viver um novo amor;
meu deserto pertence ao teu oásis...

MADRIGAL DO SILÊNCIO

Não tinhas mesmo a dizer;
no turbilhão das palavras,
nem por olhares ou gestos...
E te ocultaste na sombra
do teu silêncio assustado;
dos teus desvãos indigestos...
Ganhei de novo com isto,
como ganhei tantas vezes,
por uma doce alquimia:
quando choro minhas perdas,
transformo tudo em tesouro;
termina tudo em poesia...

MULHER DE FESTIM

Mulher "linda" parece um manequim. É uma Barbie de neve, bronze ou piche, que sai da indústria para os comerciais visando lojas e meninas que logo serão as novas Barbies. Ela é, na verdade, um fetiche de palco e de vitrine; um biscuí que respira, fala, desfila e dança.
Duramente modelada nas malhas das academias. Muitas vezes remendada por linha hospitalar, a mulher "linda" contém recheio sintético em altos e baixos relevos que não seguem padrões da natureza... não têm a rubrica; o carimbo natural da vida.
A mulher verdadeira é a só bonita. Já é lindo pra mim só tudo isso. É um misto real de mundo e sonho, pés e asas, mas nunca longe dos olhos de quem sabe que o chão é aqui. 
Vou ao fim de quem sou pela mulher natural. Que se cuida sem se flagelar; que se valoriza mas não vira produto, e tem cheiro de flor; não de borracha. Sempre amei a mulher só bonita, por ser mais mulher, pois pra mim, mulher linda é mulher... de festim.

DESEJOS GUARDADOS

Mergulhar na tu´alma o meu olhar fluente,
que discursa pro vento esta paixão profunda;
ir além dos teus sonhos, mergulhar no caos
das vontades contidas no teu coração...
Quero vida em teus olhos, fogo no teu ser,
pra doar o que trago nas minhas carências,
derramar as essências que agora borbulham
sob o frasco de anseios que não sei calar...
Só depois o teu corpo, a textura, o contato
com a pele que ferve tanto quanto a minha,
uma vinha repleta por frutos ardentes...
É assim que te quero, do peito pra fora,
tua flora e depois a explosão dessa fauna
que repousa na sombra das tuas vontades...

CULPAS E CULPAS

Por mais fortes que sejam as evidências da culpa, creia sempre na chance mínima da inocência de alguém que pareça ter errado com você. Condene, se for caso, mas não sem antes oferecer um julgamento justo, no qual o réu tenha voz para dar e defender uma versão, e no qual a defesa seja imparcial e criteriosamente analisada. Lembre-se de que as cadeias guardam muitos condenados por crimes que não cometeram, mas cujas provas, que aparentemente apontavam todas para eles, não foram analisadas com profundidade. 

CAMPO DE AFETOS

Somos mais do que o mundo em nossas mãos;
do que a dor e o sabor de sermos nossos;
os destroços do adeus e da saudade
ou a velha emoção do reencontro...
Algo além da paixão, até do amor,
das verdades, mentiras, desempenhos;
dos engenhos e as tramas da carência
que resvala por entre a solidão...
Se ficarmos sem nós prossegue a vida,
nossas almas não fogem dos embrulhos
nem o tempo congela o seu compasso...
Nas caladas do espaço que nos ronda,
temos mais do que a nós; o mundo é amplo;
é um campo de afetos incontáveis...