quinta-feira, 24 de julho de 2014

BAIXADA FLUMINENSE

Demétrio Sena, Magé - RJ.

É na baixada fluminense que os extremos se encontram. Inferno e céu. Às vezes, inferno é céu. Outras, céu é inferno. Por isto somos um povo que sabe andar na corda bamba. Viver no limite. Dançar conforme a música. Um povo de clichês ou saberes levados ao pé da letra porque a vida, no caso específico, a nossa, exige.
Como temos áreas de risco e de sossego, temos dias sossegados em áreas de risco, e dias arriscados em áreas de sossego. O poder público nem percebe a diferença, porque despreza a baixada fluminense. Gosta de mandar, mais do que propriamente legislar ou governar, pois é bom negócio, mas despreza. Evidentemente, sem desprezar os resultados materiais de seus cargos.
De risco ou sossego, em todas as áreas da baixada fluminense há gente viva. As ruas fervilham, as casas comerciais vendem, as pessoas conversam nas esquinas. Umas riem, outras choram. Pobres e ricos têm a mesma cara, níveis culturais parecidos, e o preconceito que se tem é cada um de si mesmo, como se fosse do outro. Olhos nos olhos, eis o nosso espelho e as reservas que trazemos dentro de nós.
Do céu para o inferno e vice-versa, é o nosso vai e vem casa-trabalho, trabalho-casa. Casa-escola, escola-casa. Vida-morte, morte-vida. Nós próprios nos governamos, representamos, e às vezes até fazemos nossa justiça, mas ainda assim elegemos os que fingem cuidar de tudo isso, porque a lei, que nunca está do nosso lado, reza que devemos fazê-lo, e nós, diferentemente, sempre estamos ao lado da lei.
Se vivemos, é porque nossa vida se multiplica, depois de todas as mortes às quais somos expostos. Se temos esperança é porque ela, sendo a última que morre, tem o dever de nos esperar depois de cada baque. Somos corporativistas anônimos. Amigos ocultos. Inimigos-amigos quando “o bicho pega”.
Na baixada fluminense todos somos um. O todo se condensa mais e mais, para ser escudo. Nosso orgulho se perde por orgulho, na solidariedade. Somos a baixada geográfica, em alta na autoestima, mesmo quando parece não haver motivo. Se nas demais bandas cada um se oculta em paredes de cristal, o povo da baixada se expõe, se encontra, se arrisca e risca os traços do destino sonhado.
Temos força, porque temos o hábito da obrigação de ter. Trazemos nos ombros o peso do oceano, e sobrevivemos aos tubarões que fingem ser daqui, por interesses políticos e financeiros. Sendo baixada fluminense, vivemos abaixo do nível do mar, mas a onda não nos leva... nem morremos afogados.

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