domingo, 11 de maio de 2014

MINHA MÃE

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Às vezes tenho remorsos da vida boa que tenho. Da rotina pacata e do silêncio de que desfruto em minha pequena casa plantada num quintal arborizado. Uma casa que nem parece casa, e sim, mais uma das muitas árvores que me servem limões, acerolas, tangerinas, cajus, pitangas, mangas e jamelões... futuramente outras frutas que algumas árvores adolescentes prometem. Não bastassem as plantas, tenho também duas filhas que me servem sorrisos, carinho, atenção e muitos motivos para me orgulhar delas. Isso agrava meus remorsos, pela consciência de que não mereço colher tamanhas graças.
Minha mãe, que me fez um homem capaz de colher o melhor da vida e compreender que se vem ao mundo para viver com plenitude, nunca teve um décimo deste sossego. Sua vida girou em torno dos nove filhos, mais tarde um neto que se juntou aos filhos que, para ela, jamais cresceram. Ganharam peso, estatura, idade, profissão, cidadania, mas permaneceram meninos aos seus olhos... depois de tantos anos de privações e dúvidas sobre conseguir nos criar, simplesmente se acostumou a nos proteger do mundo, mesmo sem precisarmos. Tinha por hábito, nunca relaxar; não se descuidar dos filhos adultos, depois na meia idade, casados e também com filhos, para que ninguém os magoasse, lhes fizesse desfeita ou maldade.
Mas às vezes me consolo, dizendo para mim mesmo que minha mãe foi feliz. Que a sua felicidade foi nos conduzir. Que nos ver crescidos, capazes e com talentos especiais para viver foi sua grande vitória. Ela só queria nos preparar para o mundo, e conseguiu. Foi presença constante, mesmo tendo que trabalhar tanto, pois fazia do seu tempo conosco momentos especiais de conversas, confidências e contação de causos da sua infância também difícil no interior do Rio de Janeiro, pois começou a trabalhar na lavoura quando não tinha nem onze anos de idade. Uma infância interrompida.
Por tamanha pobreza, nossa mãe não nos deu quase nada material, durante a vida... mas deu a si própria. Foi mãe sem recesso. Não se quis para si; somente para os seus filhos. Fechou seu coração sobre nós, não cabendo nenhum amor para quem chegasse de fora em busca de um pedaço. Migalha desse amor. É por esta razão que tenho remorsos... que o conforto me deixa desconfortável. A boa vida me deixa mal. O sossego me desassossega e causa uma sensação de que a vida é injusta. Principalmente por me sentir incapaz, como pai, de ser para minhas filhas a mãe que nossa mãe foi pra nós.

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