segunda-feira, 31 de março de 2014

A OPINIÃO DO FEITOSA

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Morre de repente o Belizário. Pessoa muito legal, Belizário tinha todos os documentos. Trabalhava de carteira assinada, pagava os impostos, cumpria seus compromissos, não cometia crimes nem contravenções. Legal... muito legal, mesmo.
Além de ser pessoa muito legal, Belizário também era músico. E um músico muito legal: pagava ECAD, registrava suas composições, fazia parte da "ordem", não plagiava. Legal. muito legal, mesmo. Dificilmente um músico é tão legal quanto o falecido Belizário.
Dias depois da morte do músico, um de seus filhos procura o Feitosa. Tem em mãos uma música inédita do pai. Sabe que o Feitosa lida com música e quer saber sua opinião. Justo a de quem faz a mesma coisa e ainda não alcançou o sucesso. Ingenuamente, o rapaz não espera que a opinião daquele homem seja desconfortável, dúbia e frustrante, não por maldade, mas pelo instinto natural de sobrevivência que se agrava na "segunda divisão" do meio artístico.
     - Esta música é mesmo do seu pai?
     - É sim, seu Feitosa. Tem mais ou menos uns três meses.
     - É. Está organizadinha. Tem partitura. Certa cadência. Só me diga uma coisa: ele a registrou?
     - Registrou, sim. Eu nem trouxe o registro, mas ele registrou. E então, seu Feitosa? O que diz da música?
     - Visivelmente desconfortável, Feitosa coça o queixo e se ajeita na cadeira. Estende a música para o moço e o despacha com uma incógnita.
     - Legal... legal mesmo... muito legal.
O jovem olha pro chão, "gradece" com um "brigado" espremido e sai. 
Se depender dessa única opinião, ele jamais saberá se a música é uma porcaria que a gentileza do Feitosa promoveu a "muito legal", ou simplesmente uma obra-prima que a sobrevivência do Feitosa rebaixou para "muito legal".

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