terça-feira, 11 de dezembro de 2012

AVIÕES NO CÉU DO BETO

Quando ainda vivíamos com o nosso pai lá em Brasília, o Beto gozava de algum prestígio com ele. Era bem pequeno, mas vivia dançando ao ritmo de qualquer melodia que ouvisse. Todos diziam que dançava bem. Nosso pai, nas poucas vezes em que não estava trabalhando nem se achava mal humorado, esbravejando contra tudo e todos e maltratando esposa e filhos, gostava de levar o Beto à casa de alguns amigos, para exibi-lo. Mostrar que seu filho dançava bem. Todos aplaudiam, nosso pai vivia seus momentos de pai orgulhoso, e o Beto, seus momentos de filho prodígio.
Na verdade, aqueles momentos bastaram para que nosso irmão, pouco tempo depois, tivesse algumas sequelas e se tornasse um menino ansioso por causa da separação de nossos pais. Foi quando nós e a nossa mãe viajamos para o Rio de Janeiro amontoados em uma Rural (espécie de jipe tamanho família muito popular nos anos 60). Quem nos deu carona foi um colega de trabalho do nosso pai. Ele se apiedou de nós, conhecia bem o Rio e nos levou direto à casa da tia Enedina, em plena favela do Jacarezinho. Ficamos lá por três dias, para depois sermos conduzidos a Santa Dalila, onde moramos algum tempo e tivemos vivências inesquecíveis. Éramos, inicialmente, agregados no terreno de nossos avós, que viviam na santa paz com a tia Elídia e seu esposo, “tio” José Carlos.
Ainda me comovo ao lembrar que para o Beto, o som longínquo dos aviões que passavam pelo céu de Santa Dalila representavam, consecutivamente, uma esperança e uma decepção que se repetiam várias vezes por dia: Quando via ou avistava um avião, o Beto se precipitava para o meio da rua, de braços abertos e aos gritos, quase certo de que aquela nave pousaria diante de seus olhos, para o desembarque de nosso pai. Em seu delírio, ele acreditava que além de matar a saudade, viveria pelo menos mais uns momentos de filho prodígio... Quem sabe até realizasse o prodígio de voltar a ter pai e mãe.
No dia em que nosso pai chegou a Santa Dalila não para nos ver, mas reafirmar que continuaria lutando para continuarmos não tendo pensão alimentícia, muito menos herança, o Beto já era um menino grande e desencantado com aquela ideia. Nem olhava mais para os aviões distantes; tão distantes quanto seus olhos se tornaram por algum tempo. Um tempo vencido em nossos corações, graças ao amor de nossa mãe, que foi tudo para nós: Nossa mãe. Nosso pai. Nosso mundo.

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