domingo, 28 de janeiro de 2018

AMOR DE FESTIM

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Eram tão exaltados
o teu amor de festim,
a tua louvação,
que hoje não nego:
conquistaste meu ego;
não o meu coração.

sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

FACILITE


Demétrio Sena, Magé - RJ.


Facilite o troco;
o acesso.
Facilite o preço.
O apreço.
O processo.
Facilite as idas
e as vindas,
desimpeça estradas,
não torne o mundo
uma profusão
de charadas.
E facilite
a verdade,
a metade
rumo ao todo,
facilite sonhos, 
enunciados,
leve o claro
ao escuro.
Facilite as vistas
e as pistas
pro futuro.
Capacite o freio;
o meio
que procura o fim.
O prelo.
O elo.
Facilite o sim,
resuma o não,
convença o sangue
a ter afeto
pelo coração.
Possibilite.
Habilite o riso;
também o choro
atado ao nó.
Facilite a vida,
o coro
de quem é só,
num grande nós.
Facilite a voz,
incite a vez,
para que a vida
seja simples
como contar 
até três.

terça-feira, 16 de janeiro de 2018

AMOR À PARTE


Demétrio Sena, Magé - RJ.


Fui à última instância de crer nos teus olhos
e de crer nos meus olhos como tua crença,
minha imensa esperança num afeto extremo
sem a mancha do medo nem da precaução...
Quis viver algo à parte, uma lenda sem fraude,
um amor com poder sobre todos os mais,
pela paz da não jura e do não compromisso
nem do certificado de laço exclusivo...
Inventei uma troca de silêncios férteis
entre jogos de olhares que diziam tanto
ao encanto exclusivo de gestos secretos...
Só queria te amar sem trair convenções
ou ferir corações com raízes no meu
que não tem o direito de roubar o chão...

FORMOL


Demétrio Sena, Magé - RJ.

Hoje quase me curvo de formalidade;
modulei meu afeto pra não te assustar;
fiz a minha verdade se calar no peito,
pra depois refluir cautelosa e solene...
Ao podar os meus modos não toco teus medos;
o carinho contido soa confortável;
entre palpos e dedos te livrei dos riscos
do calor mais humano e da presença estreita...
Aceitei o formol que julgaste adequado
e ficou acertado ser melhor assim,
nos tonarmos mais algo e bem menos alguém...
Aprendi a dosar o melhor de quem sou,
já não dou tanto eu em razão de nós dois
que afinal somos dois e me fizeste ver...

segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

A QUEM É

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Vou dizer por que posso compor um soneto
e também um poema do gueto e da rua,
me permito vestir uma farda pesada
ou apenas a lua sobre o corpo nu...
Posso amar a Bethânia e também a Simária;
cultuar Ludmilla, Marisa e "Marron";
Caetano Veloso, Chico e Chororó;
ler Drummond; As Valkírias de Paulo Coelho...
Eu assisto à Record, à Globo, a Band News,
leio belos romances, revista pornô,
amo Pablo Picasso, Mestre Vitalino...
Violino, agogô, trompete, acordeon,
qualquer som, qualquer letra, toda e qualquer fé,
tudo cabe a quem é; não a quem se rotula...

REDES FACIAIS

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Surgem muitos juízes para poucos réus;
muitos santos pra quase nenhum pecador;
não há céus o bastante pros que vão subir;
são atores demais para pouco tablado...
A virtude faz farra no baile dos bons,
uma festa sem rédea se faz entre os puros,
entre os muros pomposos dessa Babilônia
onde os tons se afinaram no mesmo discurso...
Vejo dono em excesso pra pouca verdade;
muito amor e perdão para ódios extintos;
para tantos distintos, poucos marginais...
Há um mundo perfeito no qual me procuro,
quero muito esse furo pro meu parafuso
no confuso refrão das redes sociais... 

LETRAS MARCIANAS

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Academias de letras são latifúndios culturais que às vezes precisam ser invadidos pelas manifestações populares... pelos plantadores de arte com cheiro e traços de povo... pelas letras humanas; literatura de gente... por escrevedores que surgem do mundo real.

sábado, 13 de janeiro de 2018

O PIOR ALUNO DA ESCOLA


Demétrio Sena, Magé - RJ.


Naquela escola, o título de pior aluno tinha um dono absoluto. Ele conquistara o posto a duras penas, ao desbancar um a um todos os rebeldes sem causa como o próprio, que ousaram a tentativa de usurpar o poder. Para cima dele ninguém se deu bem, pois a sua criatividade para ser cruel, baderneiro, armador e sonso o bastante para não ser expulso não tinha limite.
Houve até um menino que uma vez - ou era uma vez - chegou bem perto de se tornar pior do que o pior aluno da escola. Foi páreo duro, mas quando o dono do pedaço viu que a coisa estava feia, reagiu radicalmente. Tão radicalmente, que o aspirante sentiu na pele, nos olhos, no queixo, nos dentes, na boca e na boca do estômago, que a honra de ser pior - ou melhor pior do que o pior - poderia lhe custar muito mais caro do que o previsto. No fim das contas, ele foi obrigado a reconhecer a supremacia do melhor pior que aquela escola poderia ter, de fato.
Para não ficar sem trono e não sofrer para sempre as consequências drásticas de ameaçar o posto do pior aluno, aquele segundo pior, que detestava ser o segundo e queria ser o primeiro em algo, fez o percurso inverso: decidiu ficar bem bonzinho; cada vez mais bonzinho, estudioso, e decidiu enfim se conformar com o posto de o melhor aluno da escola.
O pior dessa história de ser o melhor é que o cargo não dura muito. O melhor vai em frente, passa de ano e tem sempre que recomeçar. Fazer tudo de novo por uma nova fama. Sendo assim, aquele já melhor aluno também resolveu radicalizar; fazer história: virar um nerd sem precedentes; um CDF inveterado; em outras palavras, um chato de galocha... ser o melhor aluno de todos os tempos, daquela bendita escola.
Por uma sorte torta, ser o melhor aluno da história daquela escola, de certa forma realizou seu primeiro sonho, porque chegou-se a um ponto em que ninguém o suportava com aqueles ares de o melhor, do bonzinho que virou bonzão, que fizeram dele o pior. O mais impopular de todos. Aquele que os meninos e meninas queriam desbancar, para ele deixar de ser besta. 
E por sorte ainda mais torta, ocorreu que o pior aluno da escola nem se dava conta da inversão de valores que o tornara melhor do que o melhor aluno.

sábado, 6 de janeiro de 2018

MINHAS MORTES

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Já morri de paixão e de saudades;

muita gente me matou de ciúmes,
mas também de agonia e de vergonha
das verdades que sempre me desmentem...
Tantas vezes morri de solidão;
de vazio; tristeza; de pavor;
um amor que não foi correspondido;
uma raiva que tive que abafar...
Eu morri de feliz, realizado,
muitas vezes frustrado e de remorsos
ou de pena; de tédio; de tesão...
Só não morro de susto após sofrer
tanto susto; morrer de tanta vida
que já tive pra matar tanta morte...

quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

DA VIDA


Demétrio Sena, Magé - RJ.



Um velho conhecido - pessoa muito religiosa e atenta em questões alheias - me avisou para ter cuidado com uma nova amizade. Matar o mal pela raiz, pois aquela mulher espontânea, bem humorada, espirituosa e sagaz era da vida. Uma mulher da vida.
O aviso cheio de boas intenções daquele homem que tentou me afastar da suposta má companhia, na verdade me aproximou ainda mais de minha boa e recente amiga, por identificação definitiva... eu também sou da vida... um homem da vida.
Por ser da vida, quero cada vez mais distância de mulheres e homens da morte... pessoas sempre dispostas a julgar, condenar e matar pela raiz.

terça-feira, 2 de janeiro de 2018

SÓ UM CONTO QUASE DE AMOR


Demétrio Sena, Magé - RJ.


Durante anos e anos, em todos os reencontros ocasionados sempre por ele, depois de longos afastamentos, ela dizia que o amava. Com todas as forças do seu ser. Toda sua verdade. Parecia mesmo que ela o amava, pela comoção demonstrada; os abraços desmedidos; a multiplicação das mãos; os beijos que não escolhiam quais partes do corpo.
Eles eram amigos íntimos; muito íntimos. Deitavam juntos inteiramente nus; se acariciavam sem fazer sexo; frequentavam campos, recantos e cachoeiras desertas, onde mais pareciam no jardim do Éden. Trocavam juras de amizade perpétua, sempre assim: sem permitirem que um romance pusesse tudo a perder. Que as nominatas e os arremates físicos os tornassem proibidos, porque ambos já tinham em separado, perante a sociedade, nominatas formais incompatíveis com quaisquer outras.
Um dia, ela não reconheceu sua voz numa ligação telefônica. E quando ele se anunciou, disse que lá não havia ninguém com aquele nome; portanto, era engano. Certo de que o engano era seu, e de muitos anos, o velho amigo desligou o aparelho e seguiu sem fazer queixumes.
Bem vivido, com uma larga experiência de mundo e formado em seres humanos pela escola do tempo, aquele homem sobreviveu ao baque. Não a culpou e compreendeu que a grande amiga se rendera finalmente às nominatas, mesmo sem os arremates. Fora convertida pela sociedade sempre correta, imaculada, religiosa e defensora de nomes.

TODO MUNDO


Demétrio Sena, Magé - RJ.

Se todo mundo faz besteiras na vida, sempre que você puder não seja todo mundo. Seja você.

SEMPRE NU

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Tenho tanto a calar; por isso escuto;
é meu culto às verdades que não sei;
porta exposta pro mundo sempre novo,
lei dos olhos que buscam horizontes...
Há um tempo a ganhar, portanto invisto
nesta pausa, o suposto perder tempo,
me revisto e me flagro sempre nu
de certezas; conclusões; embalagens...
Trago muitas perguntas sobre tudo,
no silêncio de minha ignorância;
na ciência do vasto não saber...
É a velha incerteza que me leva;
tenho treva, por isso teço a luz,
para tê-la no fim de cada túnel...

segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

SOBRE NÓS E OS SISTEMAS

Demétrio Sena, Magé - RJ.


Uma pessoa não se rende a um sistema porque de alguma forma está inserida nele. O funcionário público, por exemplo, trabalha para seguidos governantes, dos mais diferentes partidos, e dos quais gosta e detesta; com os quais concorda e contra os quais esbraveja, mas continua funcionário público. Mesmo assim, mantém intactos os seus conceitos retos ou enviesados... às vezes raivosos.

A mesma realidade vale para os tão criticados funcionários das grandes mídias ou empresas de comunicação. Tal como acontece no setor público, lá dentro estão funcionários de todas as formas de caráter. Estão a trabalho, maioria ama o que faz, mas todos fazem muito do que não gostam, pois têm patrões. A desvantagem dos mesmos em relação aos trabalhadores estatutários, é que eles não têm as mesmas facilidades, como a de protestar protegidos pela estabilidade funcional. Por isso é muito mais fácil para funcionários públicos, como eu, execrar o servidor privado, que perderá seu emprego ao não agir de acordo com os padrões, as normas e o perfil da empresa para qual trabalha.

Generalização é preconceito. É hipocrisia. Pense, por exemplo, que os bancos pertencem a grupos financeiros cruéis e às vezes criminosos. Mesmo assim, movimentamos lá o nosso dinheiro, recebemos nossos proventos, pagamos contas e nos damos ao luxo de odiar justamente os funcionários que lá estão a trabalho, em defesa da própria sobrevivência e a de suas famílias. Exatamente como fazem os professores; os médicos; pedreiros; balconistas; advogados; jornalistas; policiais (...).

Até os trabalhadores informais – e os liberais – estão inseridos em algum sistema pernicioso inevitável, fora do alcance de sua escolha ou recusa. Maioria não se rendeu ideologicamente, mas todos precisam trabalhar.

No fim das contas, o que precisamos indagar constantemente a nós mesmos é se às vezes não combatemos o poder que almejamos; a fama que perseguimos; o sucesso que poderia ser nosso. Em suma, o sistema no qual somos os oprimidos e gostaríamos de ser os opressores. Só seremos verdadeiros, felizes e livres, depois de respondermos coerentemente aos nossos corações e consciências.