domingo, 29 de dezembro de 2013

"REORGULHO"


Demétrio Sena, Magé – RJ.

Apesar do que dói me cato e vou,
porque ir me faz vivo e dá sentido;
sei quem sou e não posso desistir
da certeza do sonho e da jornada...
Se meus cacos dispersos vão além
do que os olhos alcançam pelo chão,
minha mão me fareja e localiza
quando nem a esperança dá por mim...
Sempre morro e renasço lá no fundo,
há um mundo no fim do próprio mundo
que desaba e parece não ter jeito...
Mas me cato, me colo e me reciclo,
recupero a razão quase perdida
onde a vida convoca o meu orgulho...
 

DESALIENAÇÃO PARENTAL

Demétrio Sena, Magé – RJ.

Falo mal de você ao falar bem;
ser do bem, só agir de boa fé,
mesmo quando sou alvo do veneno
com que sua malícia me desenha...
Minha ética sempre me absolve;
meu bom senso depõe contra você;
tenho senso de humor que a desmascara,
mostro a cara e desminto seu rumor...
A palavra que nunca descumpri,
uma forma de agir que transparece
para quem testemunha seus arroubos...
Fala mal de você a má conduta;
sua luta pra ver se me destrói
dói apenas na sua frustração...

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

MINHA NOVA LEI

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Decidi que o que sinto requer o seu eco
e que não me darei ante a mão recolhida,
doravante não peco por sonhar sozinho
nem mergulho no caos ao encontro do nada...
Meu olhar quer espelho nos olhos de alguém,
quero chama por chama como troca justa,
nunca mais vou além do sentido que faça
esperar que um afeto me faça viver...
Decretei que suporto sentir solidão;
jamais foi o meu fim me acomodar comigo
e não perco meu chão porque não sou amado...
A partir da partida que repete a dor
deste amor que renasce como nunca sei,
minha lei é gostar um pouco mais de mim...

AUTO PERDÃO

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Tenho marcas do quanto me apenei
por ferir tão profundo a tanta gente,
não há lente que faça ver o mundo
com a branda ilusão de quem não fui...
Hoje trago no peito esses remorsos;
só não posso viver de penitência,
quando a vida se oferta como vida
sobre a vaga existência que abracei...
Mesmo tendo a certeza dos perdões
que me cercam depois de tanto tempo,
uma voz me provoca pelo ar...
Muitas vezes me flagro nos meus olhos
e me peço perdão por não saber
perdoar a mim mesmo e ser feliz...

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

VALIDADE NATALINA VENCIDA

Demétrio Sena, Magé - RJ.
 
Dorinha está muito indignada. Seu namorado, Antônio, só lhe deu o presente de Natal no dia 27. Com dois dias de atraso. Não; dois dias, não; três, porque o dia dos presentes não é o 25, e sim, o dia 24; véspera de Natal.
No íntimo, a moça pensou até em perdoar Antônio. Pensou, mas logo retrocedeu. Martelaram mais forte no seu coração, aquelas indagações bem típicas. Tão típicas quanto a ceia natalina e a própria troca de presentes.
Para Dorinha, nada justificava o fato de receber presentes quando os outros já tinham recebido. Inclusive o Antônio que ela presenteou, mais do que religiosamente, relogiosamente em dia, com um belo e caro relógio de pulso.
Que história é essa, de presentear a namorada em data vencida? Que ousadia  é essa, de um gesto não presenciado pelo coletivo? Que negócio é esse, de amar Dorinha depois que todo o mundo já amou todo o mundo?

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

NATALINO

 
 

LUA E POÇA

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Dou afeto profundo; parece contido,
mas confesso que mede o tamanho do mundo;
só não tem o contexto que buscas em mim
ou em vastos discursos; na força de um texto...
Meu amor é sincero, apesar de não ser
esse amor flor-da-pele que vem dos teus poros,
que não posso verter como justa resposta
e não dá pra enganar a ciência do corpo...
Peço então que me acolhas como chego a ti,
como sei que te quero e me tenho pra dar,
posso amar como posso e no vão de quem sou...
É assim que me trago, de forma tão alma,
minha calma precisa se abraçar à tua
para sermos a lua da poça que temos...

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

QUERIDO DIÁRIO:

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Hoje foi um dia difícil. Decisões difíceis. Dia, inclusive, de humildemente pedir perdão pelas muitas faltas do ano inteiro... faltas que tive, não de cometer, mas de aplicar, porque foram reais.
Peço da mesma forma, que me perdoe por tantas notas e anotações em vermelho que ora ponho em seus quadrinhos e pautas. Tenho que ser honesto, em nome do futuro de tantos jovens confiados a mim.
Vou lhe contar um segredo, meu queridíssimo diário: trago muita esperança de que no ano que vem as coisas melhorem. Têm que melhorar, senão enlouqueço com a sensação desta impotência vocacional.
Ainda suplico, antecipadamente, que também me perdoe por abandoná-lo a partir de agora, pois terei um novo diário no decorrer no novo ano. São os ócios e ossos deste ofício roo há tantos anos.
E agora, o meu pedido final: jamais esqueça de mim. De minha parte, prometo guardá-lo com carinho, no coração e no arquivo da memória. Sendo assim, não guarde mágoa... nunca se torne um amargo e triste "odiário".
Por enquanto é só. Só isso tudo, querido diário. Apesar das notas e anotações em vermelho, quanto ao mais está tudo bem... tudo azul.

BARATA MÁRTIR

Demétrio Sena, Magé - RJ.
 
Em seu voo rasante, a barata veio ao meu encontro. Barata tonta. Baratinada.
Por um laivo de sorte, apliquei-lhe um tapa certeiro. Estava muito raivoso, não apenas pelo momento nem só pela barata, mas porque estava mesmo raivoso. Tivera um dia difícil no trabalho, me aborreci com alguns colegas, e a "barata voadora" só teve a triste sina de agravar minha raiva.
Depois do tapa que a derrubou, a infeliz ensaiou correr, mas era tarde: com várias pisadas violentas reduzi o inseto a duas asas, algumas perninhas massacradas e aquela manteiguinha que ninguém ousaria passar no pão.
Ainda bem que existem ratos, moscas, mosquitos, lacraias e baratas, e a certeza de que pelo menos uma dessas criaturas nos espera em casa. Se não fosse assim, não quero nem pensar no que seria de certas outras criaturas... alguns colegas de trabalho, por exemplo.

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

MURILO QUER TREPAR

Demétrio Sena Magé - RJ.

_ Oi, Marialva; posso trepar com você?
_ Sai pra lá, Murilo; comigo, não. Se quiser, vai trepar com a Joana.
_ A Joana é chata; com ela não quero.
_ Você é quem sabe; só sei que não vai trepar comigo.
Vencido pela resistência de Marialva, Murilo inicia sua incursão; quer trepar com alguém. Se ninguém mais aceitá-lo, até a Joana vai servir... mas em último caso, mesmo. 
_ Oi, Teresa; você aceitaria trepar comigo? 
_ Pôxa, Murilo; só agora você diz isso? Já combinei com o Nando, que vou trepar com ele! Quem sabe amanhã?
_ Tá bom... tá bom...
_ Ué; Murilo; por que você não trepa com o Beto?
_ Com o Beto? Você ficou doida? Vê lá se vou trepar com o Beto! Só na sua cabeça mesmo...
Foram muitas as tentativas; ninguém queria trepar com o Murilo, e o Murilo não queria trepar com quem estava disponível. 
Para sua surpresa, de repente a Joana, ou a chata, resolve chamá-lo. 
_ Murilo! Vem trepar comigo, seu bobo!
Murilo olha pra Joana. Depois olha pro Beto, que já se põe na expectativa, logo adiante. E agora? Com quem trepar? A Joana é chata, e o Beto, bem; o Beto...
_ Como é, Murilo? Vem ou não vem?
_ Calma, Joana; tô pensando... você é muito chata!
_ Áh, é mesmo? Sou chata? Então tá... Vai trepar com o Beto... quero ver se você, mole como é, consegue trepar naquela jaqueira quase sem galho!
Murilo se arrepende... a goiabeira de Joana é bem melhor do que a jaqueira do Beto: o tronco é fino, tem muitos galhos, e ainda por cima está cheinha de goiabas maduras. 
_ Olha, Joana...
_ Olha nada, Murilo! Agora sou eu que não quero!

MENSAGEM DO FIM

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Saberei recuar de quem se tranca,
pois a chave do afeto é pessoal,
não se arranca os dedos da recusa
nem se pode arrombar a sua porta...
Minha voz ouve a força do silêncio
e repousa nas cordas da garganta; 
meu amor se levanta, mas recai
quando nada supõe uma resposta...
Acharei o que há pra ser achado
no passado, presente ou no futuro,
quer no claro, no escuro, a imensidão...
Vim aqui pra dizer por que não vim
e lhe trago a mensagem deste adeus;
há um fim que me cabe consumar...

domingo, 15 de dezembro de 2013

TEMPO DE VIVER

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Dizem que tempo é dinheiro. Não; não é. Tempo é vida. E não há quantia capaz de pagar a vida desperdiçada por quem usa o tempo todo para ganhar dinheiro.

ESPERANDO O CRIADOR

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Desconfie do riso constantemente aberto. Faça o mesmo em relação ao pranto que nunca se recolhe, de quem jamais confessa que a dor passou. Olhe fundo no espelho de cada olhar... para lá dos olhos que a cara ostenta superficialmente.
Com toda a sua generosidade ou boa fé, mantenha constantemente um pé atrás ante aquela mão que nunca falha. Que sempre tem flores; nunca espinhos... distribui um perdão ilimitado e desconhece a mágoa; o desejo de revanche; o gosto amargo do ressentimento.
Saiba que nenhum lábio dirá somente sim. Que todos os homens e mulheres têm aquela íntima reserva de nãos. Analise nos pormenores, cada sermão que adentra os seus ouvidos. Quando possível, comparando com as atitudes diárias de quem o profere.
Tenha na carga do seu poder de observação e análise, o vigor e a rigidez deste conceito: ame o conjunto, ao amar alguém. Seja capaz de aceitar uma pessoa, mesmo não aceitando as suas falhas de comportamento e caráter.
Só não se deixe ludibriar, "comprando" vício por virtude. Nem se violente, se não der mais para suportar no outro, tudo aquilo que o avilta e faz mal. Que o deixa indignado sem nenhuma perspectiva de encantamento. Ame-se mais do que ao próximo, quando seu instinto de sobrevivência sinalizar.
Eis a máxima natural: o ser humano perfeito não é uma personagem viável para você ou seja lá quem for... é apenas a obra-prima fictícia que não rima com nossa construção... e ainda espera por um criador.

domingo, 8 de dezembro de 2013

MORRENTES

Demétrio Sena, Magé - RJ.

A gente vive morrendo.
Se não de medo, é de raiva;
se não de raiva, cansaço.
Quase de verdade,
se morre até de saudade.
Gente morre de fome
(de fato e de nome),
às vezes morre de rir,
de frio e calor
e tanto esperar.
As mortes passam por nós,
como despejo;
também se morre de susto,
ciúme ou inveja;
paixão ou desejo.
De não saber extrair
o bom dos fatos;
o bem do mal.
Por ter preguiça de achar
bem lá na frente,
um pouco atrás,
melhor saída...
o mundo vive doente,
a gente morre demais
pra pouca vida.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

PEQUENO POEMA FALASTRÃO

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Se a palavra singela é tão bonita,
por que tanto aparato e tanta tinta;
porque trinta palavras que só dizem
o que uma nos basta pra dizer?
Quando a boca sussurra expõe a entranha;
quando grita só mostra o meu pulmão;
o teor do sermão vem quase sempre
numa frase; nas pausas; no silêncio...
Como vou externar este poema
viciado em falar o que não diz,
que me falo que fiz mas veio pronto?
A palavra qualquer que não expus
entre as tantas que aqui se digladiam,
é a cruz de punir o meu excesso...

INTEIRO


terça-feira, 3 de dezembro de 2013

MUITO PRAZER



Demétrio Sena, Magé - RJ.

Se não pode ser pele, paixão, labareda,
seja seda; mornura; contorno; aconchego;
não havendo explosão, arremate ou traslado,
serve o sonho pautado; maresia d´alma...
O que temos não pode chegar ao não ter;
somos força do ser; muito acima do estar;
este afeto é de fato e não aceita o nada
em resposta ferida porque não é tudo...
De não termos a vida nos restam vivências
e não sermos o mundo nos faz mundo à parte,
um encarte que o tempo não descartará...
Nosso amor se recicla, se ajusta, se ajeita,
porque tem a receita de não ter que ser;
será muito prazer, seja lá como for...

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

A RESPEITO DE SER HOMEM

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Aos 14 anos, quando sem nenhum barulho e de forma bem sutil comecei a sair de casa, ninguém conseguiu me segurar. Isso, porque aquele menino determinado e sem temor do mundo já era homem. Com muitas falhas e aprendizados pela frente, sem profissão nem formação escolar adequada, porém homem o suficiente. Não sabia bem o que queria, mas tinha certeza do que não queria: ficar grudado aos conflitos de adolescente, com todas as manhas que hoje retardam a maturidade nos meninos mimados que permanecem meninos aos 18, 20, 26 ou mais anos.
Também fui homem o suficiente para jamais desejar me fazer de vítima como desculpa indesculpável para me drogar. Fui amigo de adolescentes e jovens viciados, convivi estreitamente com eles, e nunca tive nem mesmo curiosidade nesse aspecto. E trabalhava. Sempre trabalhava. Ganhando pouco ou muito (quase sempre pouco), só nunca me desviei da certeza de que não queria ter no bolso da velha calça puída e desbotada um só centavo que não fosse genuína e merecidamente meu.
Levei pancadas, fui alvo de suspeitas, enfrentei preconceitos, mas conheci muita gente boa que aceitou me conhecer primeiro para só depois julgar. Foi assim que tive muitos amigos adultos, alguns bem mais velhos, que me ajudaram no processo de amadurecimento iniciado em casa, com minha mãe, que sempre foi um exemplo de sabedoria. Uma sabedoria que me deixou pensar que era solto, enquanto ela me acompanhava de perto o tempo todo, inclusive estabelecendo laços com quem me dava oportunidades de trabalho ou me acolhia de alguma forma. Custei a saber dessa estratégia de minha mãe, e quando soube, já estava preparado para ser grato, ao invés de me sentir invadido.
Nas ruas, aprendi a respeitar pessoas. Olhar nos olhos ao conversar. Não ter dúvidas sobre mim. Assumir os meus gostos, minhas preferências, defeitos e manias. Até mesmo se decidisse não ser homem, teria sido homem o suficiente para não esconder isso do mundo nem me esconder numa namorada ou mulher para ser aceito pela família ou a sociedade. Fosse como fosse, tenho certeza de que saberia me portar como pessoa; um ser social; jamais uma caricatura; uma piada.
Como homem de 15, 18 ou 26, sempre soube agradar uma mulher. Tratá-la como tal. Conhecer seus desejos e satisfazê-los. Dar mais valor às namoradas do que aos marmanjos que me chamavam para farras; baladas; bobeiras; futilidades. Nada era melhor, em todo o mundo e a todo tempo, do que ficar a sós com a pessoa amada e fazê-la saber o quanto era de fato amada. Sempre declarei meu amor com gestos, atitudes, palavras, olhares e textos. E se às vezes não estava bem, jamais fugia ou fingia; jamais me tornava bravo para esconder minha fragilidade. Sabia conversar, assumir meu momento e torná-lo melhor com a compreensão e o apoio jamais negados.
Aprendi muito cedo que ser homem, independente das preferências de foro íntimo e sexual, é ser alguém responsável. Assumido. Que sabe quem é, o que quer e o que fazer da própria vida. Que não enrola, não embroma nem posterga o que só causa sofrimento, se não for preciso e transparente.
Isto não é um desabafo. Nem uma inserta. É apenas uma mensagem a todos os jovens desencontrados de suas identidades. A esses meninos mimados, de caráter falho (nem bom nem mal), que a cada geração amadurecem mais tarde, quando amadurecem. Esses meninos que há muito já deveriam ser homens, mas ficam lá, dependurados na barra da saia do passado.  São moleques de 20, 25, 30 ou mais anos, totalmente alheios ao mundo real que os rodeia. Vivem como se a vida fosse um eterno desenho animado.

DE AMOR E VIDA

 Demétrio Sena, Magé - RJ.

Uma vida não basta pra termos vivido;
são amores demais pra tornarmos viáveis;
a paixão, a libido, as emoções além
vão e vêm sem sabermos extrair seu dom...
Há saberes infindos que ficam no meio;
aprendemos tão pouco do muito que passa;
somos massa que a idade modela sem fim,
mas no fim de quem somos nem fomos ainda...
Nós apenas estamos, o tempo é passagem,
é turismo, percurso, passeio vulgar,
pois o mundo é miragem, mesmo que tocável...
Que se viva o momento como a vida inteira;
que se ame pra sempre no mais curto acaso
e se crave a bandeira dessa eternidade...

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

MINHA META É A MORFOSE

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Aprecio mais o zíper
do que a calça. 
Gosto mais mais da própria alça
que da caneca.
A soneca me atrai mais
que o sono, em si.
Amo a ideia de que a terra
"transla e rota",
e não amo tanto a terra.
Admiro a cor intensa
que desbota,
e o professor, quando erra.
Sempre fui um desafeto
do sempre ou nunca;
um dia posso não ser.
O tempo voa,
se nasci não foi à toa.
foi pra crescer.
Muito mais do que do ano,
gosto dos meses;
muitas vezes nego a esmo,
mas gosto mesmo
é deste às vezes.
Sou pessoa de gostar
e depois não,
por enquanto estou assim,
porque acho que o começo,
lá pelo meio
tem ou não fim.
...
Aprecio mais a ida
do que o ponto.
Gosto mais de ficar tonto
que alicerçado.
Ir e vir, mudar de rota,
girar em torno,
são escolhas de pessoas.
Não somos broas
que vão ao forno.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

CARÁTER

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Não há caráter à prova de ociosidade. Ociosos permanentes são ou serão mau caráter.

domingo, 24 de novembro de 2013

ADULTERADOS

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Conheço adultos que nunca se dão conta de que a conta está posta, feito promissória vencida. O tempo voa.  Suas loas não pagam mais a vida, nem o mundo circula em seu redor, como antes parecia fazer. Parecia. Não girava. 
São gastos e velhos moços. Meninos e meninas que roem ossos dos dias que já não são seus, nas esquinas cruéis de seus outonos. Eles tanto dão adeus e despacham esses dias, quanto se agarram aos despachos, não querendo ir. Não querendo largar a barra da saia do passado que ainda querem presente. Por isso envelhecem mimados, disfarçam as rugas com gargalhadas postiças, farras forçadas, baladas nas quais são como peixes fora d´água, mas na busca insana de uma inclusão que já não lhes cabe. Cresceram sem crescer, apodrecem nos galhos onde não aceitam ser maduros e formam famílias sem saber por que; pra quê.
E esses adultos que não conseguem acompanhar a idade, de repente abandonam seus rebentos ou agem como se fossem filhos dos próprios filhos. Roubam seus momentos, anos e vidas, e querem que a família faça como o mundo já não faz: gire ao seu redor; viva exclusivamente para eles e satisfaça todos seus caprichos.
Por indiferença ou abandono, este mundo está cheio de crianças que serão adultos que nunca foram crianças... e que por isso, nunca serão adultos... a exemplo dos adultos que agora os adulteram.

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

FUGA PRO CÉU

Hoje dá pra sentir que meu corpo é de brisa;
que minh´alma deslisa por dentro e por fora
e meus sonhos têm asas que me levam longe;
muito além de horizontes comuns ao olhar...
Para minha odisseia repouso em meu canto,
minha voz pousa e dorme pra tudo em redor,
meu encanto passeia no cio das cores
e deságua nas flores em sua estação...
Não há nada lá fora, não tenho afazeres
nem existem prazeres que valham lembranças
desse mundo guardado enquanto estou aqui...
Em um doce abandono viajo e não vou,
nesta minha viagem me dou e me tenho,
porque venho pro céu quando fujo pra cá...

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

UM DIA É DO PRÍNCIPE; OUTRO, DA DONZELA

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Marinilza, noiva de Armando, era moça romântica e sonhadora... bem ao contrário do noivo atlético e machão, que desperdiçava beleza com a rudez de seus pensamentos expressados a grosso modo. Armando sempre dizia o que pensava (só pensava tolices), e não tinha filtro ao dizer. Como se fosse pouco, destilava zombaria e veneno, toda vez que Marinilza expressava o seu romantismo. 
Um dia, Marinilza disse ao noivo que sempre sonhara com um príncipe montado num cavalo branco. Era um príncipe tão belo e forte quanto ele, mas um príncipe: galanteador, gentil, romântico e disposto a roubá-la. Ele a tomaria nos braços, delicadamente a pousaria em seu cavalo e tomaria rumo ignoto. Para ela, bastaria viver um momento assim, que valeria por todo o sempre. Desnecessário dizer o quanto Armando zombou daquele desejo fantasioso.
Não acredite se não quiser, mas esse dia chegou, para grande surpresa de Marinilza e de todos que acompanhavam a longa e monótona história de seu namoro e noivado: vestido a caráter, cheio de gentileza, galanteios e romantismo, seu belo príncipe surgiu montado num grande cavalo branco e a chamou do portão, com voz potente, porém aveludada. Na mão direita, um mosquete como não se vê a qualquer hora, muito menos em qualquer lugar.
Tímida e com as faces ruborizadas, Marinilza despertou do leve sono da tarde, sem perceber imediatamente o que ocorria. Lá fora, dezenas de pessoas rodeavam aquele príncipe, curiosas e ao mesmo admirando a coragem repentina de tanta exposição por uma donzela. Uma donzela que também teve coragem de chegar ao portão, e sem a menor cerimônia, expressar com sinceridade o seu sentimento:
   - Mas que coisa ridícula... que papelão, hein, Armando!?

OUTRO EU

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Sou avesso às análises humanas;
não me teste pra ver o que acontece;
quem me tece não tece; perde o tempo
que teria pra ter o meu melhor...
Nunca tive lacunas de pôr xis,
meu afeto não dá vestibular,
sua múltipla escolha não procede
nem se há de burlar meu gabarito...
Dou a única escolha de quem quer,
serei mito pra todos os intentos
de moldar o meu éter; minha massa...
Tão apenas me queira e serei seu,
sem a velha trapaça de compor
outro eu; outra face; outra matriz...

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

DELÍCIA E DOR

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Hoje sei como a dor
é prazerosa,
quando meu gemido,
meu choro e meu grito
são tão intensos,
que a carne goza
no buraco negro
de minh´alma...

SUA PRAIA

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Se você gosta da Barra
ou adora o Leblon,
Tatajuba ou Guriú,
Pituba ou Farol,
Itapuã ou Pontal...
Curte Copacabana
ou Cabo Frio,
a Praia da Urca
ou a do Pepino...
Se curte as praias do Rio,
do Ceará, da Bahia,
ou além-mar,
para mim pouco importa...
Mas em outro contexto, 
não invente pretexto...
não me cozinhe
nem se traia...
Você terá que saber
qual é sua onda;
seu balneário...
a sua praia...

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

MEU QUERER

Já deixei de querer e me obrigar
a manter o sentido e o sentimento;
era como se amar fosse palavra,
juramento, promessa e promissória...
Hoje quero querer ou não querer,
também ser ou não ser, conforme queira,
ter escolha e deixar que o vento escolha
em que folha; pra onde me arrastar...
Quero até não saber se quero ou não;
quando quero e não quero; jamais ter
uma lei que me obrigue a decidir
entre dar e reter meu coração...

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

PRECISA-SE DE MÃES

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Aprendi com a minha mãe, que todo o cuidado será pouco para um filho, e que por isso, as mães não relaxam. São felizes, podem viver bem, mas não relaxam. Natureza de mãe que tem mesmo natureza não obedece à lei da prática e da serenidade, porque para ela o mundo está sempre a um passo de ruir sobre os ombros do filho. Há sempre alguém muito próximo, e acima de qualquer suspeita, pronto a se revelar capaz de um gesto indigno, malicioso ou desmano contra esse filho.
Com as demais pessoas, aprendi que não é certo a mãe ser extremada, super protetora e desconfiada de todo o mundo. Até  minha mãe reconheceu muitas vezes, com palavras, o quanto estava errada por ser assim. No entanto, sua natureza infalível, com gestos e vivências me fez ver definitivamente que alguma coisa está errada com a mãe que não erra nesse aspecto. Especialmente aquela mãe que se deixa sufocar pela mulher, sempre bem-vinda, mas não como substituta da mãe.
Foi com a minha mãe que aprendi a apostar minha vida no caráter do próximo, mas não a vida de um filho. E que a integridade física do meu rebento precisa depender de mim, dos meus cuidados, minha desconfiança, e não da sorte ou do acaso de outra pessoa ter ou não bom caráter, tanto quanto aprendi que o caráter não tem cara.
Finalmente aprendi, com suas poucas palavras e muitos exemplos, que mãe não tem meio termo. Se não pecar por excesso, pecará por falta de cuidados, e que nos tempos em que vivemos, toda falta será castigada em maior ou menor escala. E também aprendi, com  a moderna escassez de mães iguais à minha, que os pais de agora têm que aprender a ser mães, pois são muitas as mães que se tornaram como aqueles pais meramente provedores que delegam totalmente seus filhos.

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

MUNDO PLURAL

Hoje o tempo é meu sócio na vida que levo;
tenho mundo cabível na concha das mãos;
dou aos nãos do que sonho a medida real
do caminho de flores, mas também de farpas...
Não farei latifúndio do espaço excedente,
plantarei onde os olhos, a semente alcançam,
porque gente precisa partilhar o chão
pra fazer o seu campo e trasladar o céu...
Aprendi a ter tudo sem que seja o todo;
que meu tudo é meu algo, basta que me baste
sem desgaste ou batalha de vencer alguém...
Vejo além o bastante pra saber parar
onde o mar adverte que pertence ao peixe;
onde o feixe de sonhos encheu a braçada...

VIAJANTE

A caneta vadia
fugiu da seção
na primeira mão
que lhe pôs os dedos...
Entre bolsos e pastas
de ralés e de castas
viajou tantas milhas,
tantos mares e chãos,
tantas mãos,
tantas ilhas,
cartas e ofícios...
De repente a caneta
peregrina, cigana,
sem clã, sem ninho,
desembarca na beira
desta escrivaninha...
Então acolho, acarinho,
ponho na coleira,
pois daqui por diante
a caneta é minha.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

LAMENTÁVEL CONQUISTA

Passados tantos engenhos
e desempenhos
pra distorcer as verdades,
dizer mentiras reais
e sinceras...
Depois de tantas saídas
por mil tangentes,
com seus ardis emergentes
para se manter
porcamente limpa...
Finalmente me rendo
sem nenhuma esperança,
porque nada restou,
você conquistou
minha desconfiança.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

VOLTA INTERNA

Desisti muitas vezes.
Mas logo depois
decidi que o depois
decide por mim.
Foi aí que voltei
do caos, da sombra,
do próprio fim
traçado e pronto.
Converti muitos pontos
em reticências;
voltei a sorrir;
persisti, desisti
das desistências.




APRENDIZ DE AMAR

Aprendi a lhe amar sem morrer desse fogo,
a querer nos limites da minha razão,
ter a minha ilusão e me manter nos pés
e jogar o seu jogo sem perder pra mim...
Comecei a me amar tanto quanto lhe amo,
na medida em que dou me permito cobrar,
quero ser quando estou, pra me sentir inteiro;
ter o gosto do cheiro que o querer propaga...
Decidi que a paixão pode ser na cabeça,
nem por isso esqueci de guardar coração
pra poder temperar sentimento e sentidos...
A  minh´alma já sabe se vestir do corpo
sem perder a magia de sua nudez
ou a vez de viver o que não se repete...

domingo, 3 de novembro de 2013

SUPER HOMEM SUPERADO

Já parei de parar nessas questões
que não fazem questão de fechamento,
não esperam meu tempo, têm o seu,
e desaguam no azul do céu e o mar...
Corro contra correr atrás do vento
varredor do meu sonho e da esperança,
minha dança deixou de se apressar
ao que nem me permite a intuição...
Pois cansei de passar do meu futuro
quando ainda preciso do presente,
avançar os efeitos da estação
sem poder me cansar do que me cansa...

terça-feira, 29 de outubro de 2013

EU E MEUS INHOS

Apesar das palestras motivacionais que me recomendam a troca de cada "inho" por um "ão" do tamanho do infinito, confesso que sou do tipo que adora um "inho", tanto na vida profissional quanto na pessoal. Se isto, por si só, é um sinal de acomodação, devo confessar que sou irremediavelmente acomodado. Também pudera: moro na roça, tenho vida lenta, trabalho três dias por semana e quase sempre recuso trabalhos extras (como dar palestras motivacionais) que me renderiam em poucas horas mais do que a minha remuneração mensal. 
Escolhi me aquietar com um salariozinho de educador, morar numa casinha nos fundos de um quintal cheio de plantinhas, cuidar de minhas filhinhas até que sejam filhonas e não me matar para viver. No meu cantinho, tenho tudo que mais quero: tempo para compor versinhos, bater um papinho com os vizinhos acomodados como eu, criar uma cachorrinha, ler um romancezinho, escrever meus livrinhos e ouvir uma musiquinha de quando em vez. Às vezes, até fazer um amorzinho com quem não despreze um sujeito anti-competitivo; com ambições distorcidas; sem carrão, mansão, "contona" bancária, comendas, fama, influência, status, nominatas.
Agora com licença; preciso tirar uma sonequinha, pois não sou de ferro e meu planinho de saúde não cobre terapias para corrigir problemas que um bom soninho corrige. Ademais, preciso mesmo cuidar bem do corpo e da psique, uma vez que decidi não adoecer física e mentalmente numa peleja insana para pagar, entre outros itens, um grande plano de saúde que não poderá juntar os cacos de quem terá se matado ou simplesmente não vivido exatamente para viver, dentro desse conceito massificado que se tem de vidão. 
Cá com os meus botões, e para ninguém ouvir: vidão, mesmo, é a vidinha que levo neste mundinho particular onde vejo o nascer e o pôr do sol, tenho as rédeas do tempo e sei exatamente quem sou. Até mesmo porque não me confundo com toda essa gente que disputa entre si esse campeonato interminável de quem é mais. Mas isso é uma escolha minha... e não me torna especial... inclusive para minhas filhas, que certamente optarão por não serem acomodadas igual ao pai... e às quais desejo todo o sucesso.

AMOR CONTRA


segunda-feira, 14 de outubro de 2013

CORPO E ALMA

Muitas vezes me flagro à beira desse ardil de querer voltar no tempo. Ser jovem mais uma vez. O que não percebo, é que se houvesse tal retrocesso, não seria só no corpo, mas também na alma. Logo, este sabichão retardatário seria mais uma vez aquele moço tolo, brigão, irônico e arrogante que foi. Na verdade, perfeitamente ajustado ao corpo, embora existam jovens especiais; de almas maduras ou idosas; o que no fundo, é uma pena.
Em contrapartida, sonho de vez em quando que dá para ser um quase velho (em pouco tempo um velho completo) de alma jovem. Aquele "vô" alegrinho em excesso, que diverte os jovens de alma justa e mascara muito bem a frustração de não conseguir se aceitar como é, ou como está. Seu grande artifício está embasado em conseguir se aceitar a qualquer custo, apesar dele mesmo e do seu espelho intimidado sempre que se sente oprimido pelos olhos que o consultam... "existe um velho mais jovem do que eu?".
Vida injusta, essa nossa. Quando começamos a melhorar por dentro, estamos no início das artroses; do agravamento da bronquite; do surgimento das outras "ites" ou "oses" externas. O início do saber viver pertence ao tempo que já não temos para o pleno exercício da prática desse aprendizado... pelo menos por muito tempo... ou pelo mesmo tempo que tivemos, mas desperdiçamos, porque aproveitá-lo seria uma pena... um desperdício.
Fato mesmo, é que não dá para retroceder. Por dentro nem por fora. Só dá para fingir, com cirurgias no corpo (às vezes bem sucedidas por um tempinho de nada) e na personalidade; neste caso, completamente mal sucedidas. Não me desculpo ao falar da idade, porque falo de mim mesmo. Falo de todos nós. De todos os nós que tentamos desatar a esmo, para o desvendamento da vida e o atraso da morte... um eterno atraso de vida. 

domingo, 13 de outubro de 2013

VIDA HUMANA

Quando formos mais leves no tom da palavra,
mais suaves no brilho de nossa expressão,
nossos olhos fluírem frescores e aromas
ou a lavra de ações for mais densa e sincera...
Nesse dia em que tudo soar natural
no silêncio e no som das correntes vocais,
a imagem for cais desse porto seguro
pra quem vê que o externo é vitrine do fundo...
Saberemos enfim que sabemos viver
e viemos ao mundo para muito mais
que vencer um ao outro numa luta insana...
Vida humana é tesouro que se doa e tem,
fazer bem é plantar e não saber pra quando;
quando formos mais gente a vida será fértil...

PRA SER BOM PRA VOCÊ

Depois do amor sem amor
no qual você não se deu,
indague ao triste semblante
se desse dia em diante
pode ser um pouco eu...
E pergunte ao corpo tenso
pela grande frustração,
se no ritmo do peito
é possível dar um jeito
de bater meu coração...