quarta-feira, 26 de setembro de 2018

DO QUE PENSO QUE SEI


Demétrio Sena, Magé – RJ.

Aprendi a não ser o guardião da vida
e não ter as certezas que nos equivocam,
nos evocam pro salto nesse cais do caos
de quem acha que tudo se rende a seu olho...
Sei que sei muito aquém do que penso que sei,
porém algo; pois nada, só quem não viveu;
há um eu razoável curtido em meu peito
que não tem pretensão de ser cofre do mundo...
A estrada termina para quem chegou;
quem é pleno está pronto para ser colhido;
tem um show que nos pede para prosseguir...
Alcancei a ciência de crer no futuro,
meu agora é o escuro sobre o que será,
só existe o saber que se constrói sem fim...

VOLTANDO A CHORAR


Demétrio Sena, Magé – RJ.

Passei muitos anos sem chorar. Sem verter uma lágrima; fosse de alegria, tristeza, dor. Era um ser humano impassível por fora. Cheio de sentimentos; ressentimentos; emoções contraditórias; porém, sem pranto.
Quando minha mãe morreu, a maior dor que já senti foi também minha cura. Rachaduras imensas se abriram dentro de mim, para que o Velho Chico acumulado em minh´alma entornasse todo. Fiquei surpreso comigo, ao recuperar a capacidade perdida. Sabia que não me tornara desumano, mas criara uma casca bruta, grossa e destruidora para o meu ser, que definhava dentro do corpo.
Naquele momento, eu chorava copiosamente pela mãe que tanto fiz chorar quando saí de casa. Quando fui conhecer o mundo e a fiz andar por longo tempo em meu encalço, numa luta insana para me acompanhar sem ser percebida. Para saber com quem eu andava. Quem me acolhia e dava guarida. Sobretudo, para não me perder de vista e ao mesmo tempo não negligenciar meus oito irmãos.
Chorar a morte de minha mãe foi reencontrar minha humanidade. Fazer voltar ao âmago meu eu perdido. Esquecido entre os escombros da primeira infância triste, reprimida e de violência paterna, que depois virou abandono paterno e obrigou a todos nós – meus irmãos, nossa mãe e eu – lutar com unhas e dentes contra um mundo que não nos deu moleza. Uma vida que nos testou muito além dos limites.
Mas vencemos. Foram muitos anos, e muita gente pensou que não sobreviveríamos, mas vencemos.
E a minha mãe – nossa mãe Maria de nove santos demônios revoltados por todos aqueles anos de muitas privações e quase nenhuma esperança – nunca esmoreceu. Nós os filhos, muitas vezes esmorecemos; porém ela juntou filhos, mundo e vida, carregou a todos nas costas, no colo e no coração, sempre que os nossos passos cederam ao peso de uma realidade que fechava todos os horizontes.
Depois que minha mãe morreu virei manteiga derretida. Não por coisas grandiosas nem emoções criadas para fazer chorar, mas por sutilezas. Delicadezas entranhadas nas brutalidades do mundo e percebidas por mim, que aprendi a percebê-las. Vira e mexe um acontecimento sutil, de significado ou ressignificado discreto me arranca lágrimas também discretas, e às vezes, até nem tão discretas.
Mesmo na hora da morte, minha mãe fez algo tamanho por mim. Ela me curou de não chorar. Devolveu minha percepção emocional. Fez-me rever a vida pelo prisma da simplicidade, o valor do afeto, a beleza em nuances e o quanto precisamos uns dos outros, quer sejamos família, familiares, amigos, colegas, vizinhos e até conhecidos de nos cruzarmos nas ruas em direção à padaria.
Só tive, pela vida inteira, motivos para ser grato à nossa mãe. E à vida, com todas as pedras no caminho, por todos nós, os nove, sermos cheios de graça, porque somos filhos de Maria... de Maria do Mundo.

sábado, 22 de setembro de 2018

LETRA NOVA PARA UMA VELHA CANÇÃO


Demétrio Sena, Magé – RJ.

É tanto pranto
para chorar,
que é como ter
um mar em mim...
Guardo as águas
de muitas mágoas;
dor sem fim.

Em minha estrada
sem horizonte,
não acho ponte
pra outro amor...
Morro aos poucos,
na solidão
dessa dor.

Estou sem céu,
sem lua, estrelas,
meu caminhar
é infinito...
Abafo angústias
e meu silêncio
devora o grito.

Nem mais espero
a quem amar
como te amei
num tempo findo...
Já não vivo,
percebo apenas
que vou indo.

Agora eu sei,
não há no mundo
um sentimento
mais denso e fundo...
Este amor
é minha sorte;
vida e morte.

DECISÃO


Demétrio Sena, Magé – RJ.


Quem tem apego à existência, sente a dor sem sentir doer o bastante para levá-lo a desistir. Chora sem lamúria e não deixa que a doença o adoeça. Que a própria solidão o torne alguém irremediavelmente só. Muito menos que a morte o acometa por toda a sua vida.
Viver bem tem muito a ver com abrir mão de qualquer grau de autopiedade. Com nunca se abandonar por nada e ninguém. Isso ocorre quando passamos a não deixar que o sofrimento seja, exatamente, um sofrimento para nós. A vida é uma decisão que precisamos tomar.

quinta-feira, 20 de setembro de 2018

FIM DE FOGO


FAIXA PRETA


MAL CONTRA O MAL

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Somos meros recrutas de forças insanas;
que se doam por nada e se acreditam nobres;
gastam pobres verdades que nunca têm troco,
mas insistem no erro dessa escravidão...
Temos voz reprimida que a caverna engole,
não dá eco, reflexo nem esperança,
só a dança do engodo numa canção muda
que não toca os ouvidos dos donos da terra...
É assim quando somos pregões dos poderes;
coroamos heróis que se auto nomeiam
e recheiam de sombras toda boa fé...
Serão sempre frustradas as nossas apostas
ou as armas expostas com que nos perdemos
alistados na guerra do mal contra o mal...

sábado, 15 de setembro de 2018

VENDA CASADA

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Tenho minhas verdades provisórias;
talvez mudem por força de momentos;
das histórias contadas ou vividas;
só não tentem ditá-las aos meus medos...
Nem me vendam verdades recheadas
de mentiras impostas como fatos,
nem tratadas com tintas de poderes
que lhes mandem mandar nos meus conceitos...
Ser quem sou não é ser por teimosia;
é ceder e mesmo assim ser quem sou,
quando a vida me guia e me convence...
Mas não venham tentar me abduzir,
fazer venda casada pros meus sonhos,
ninguém vai confundir minha visão...

CORPO E MENTE

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Arrasta o dia
se consumindo;
se diluindo...
se remoendo.
Sua doença
vai acabar
lhe adoecendo.

A IMORALIDADE DO MORALISMO

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Observados caso a caso, saberemos que o respeito não tem indumentária. Muitos homens e mulheres atentam contra o pudor, totalmente uniformizados. Cobertos do cimo aos pés. A depender de não poucas ocasiões, tenhamos medo dos olhos indecentes; dos sorrisos maliciosos; da seriedade mal intencionada, o assédio moralista e a contrição que nos come - ou estupra - enquanto reza; ora; entoa louvores.
É preciso ter muito discernimento para saber quando se pode confiar no profano e desconfiar do sagrado. Sentir segurança no despudor e fugir do recato. Entender quando o santo é sonso e perigoso e o demônio é inofensivo e sincero. Perceber muita culpa sob certos panos e a inocência que veste muitos corpos nus.
Nada disso é humanamente obrigatório, decisivo e contundente. Pode ser uma coisa ou outra. Talvez uma coisa e outra. Cada história ou ocasião tem seu texto, contexto, sentido e peculiaridade. 
Jamais condene publicamente, o que você ainda não julgou criteriosa e secretamente, com o justo princípio da imparcialidade; a observação. A leitura de quando, como e com que fim ocorreu seja lá o que for, mas que não atentou contra a integridade física, psíquica e moral de seja lá quem for.
Questione, sim, tudo o que lhe pareça questionável... mas condene apenas o que é, sem margem para injustiça, inegavelmente condenável.

sexta-feira, 7 de setembro de 2018

CIDADÃO ESCALDADO


Demétrio Sena, Magé – RJ.

Só não conte comigo a má fé dos poderes
que alimentam seus ócios de nossos ofícios,
sacrificam as massas mais sacrificadas
nas entregas que fazem do que já não têm...
Tomem tudo de assalto por força da lei;
parcerias com grupos, fundações, empresas,
façam tudo que sei como e quando farão,
mas não façam de conta que são meus heróis...
Negarei aos poderes de quaisquer contextos,
meu esforço e meus bens como empenho gratuito;
só terão se arrancarem sem anestesia...
Não darei meu centavo ao partido em campanha
nem à manha da mídia que me pede ajuda
pra se auto ajudar a ter novos milhões...

SUCATEADO


Demétrio Sena, Magé – RJ.

Sei que tenho conserto, mas não sei mexer
em meus eixos, engenhos, os meus parafusos,
meus estados confusos de preservação
nem minh´alma tomada por vírus e vícios...
Mexo até na fachada, lustro a lataria,
ponho óleo, adereços, me faço notório,
mas a minha utopia me acorda por dentro
e me faz perceber como nada mudou...
Quem tiver oficina de mexer com gente;
ferramentas, virtudes, preparo afetivo,
será todo motivo que preciso ter...
Pegue todo meu ser e dê novo sentido,
porque sei que não sei me refazer de mim,
neste fim que me pede pra recomeçar...

POR QUEM NOS LEIA CORRETAMENTE


Demétrio Sena, Magé – RJ.

Às vezes, confiamos tanto em determinadas pessoas, e Por isso as tratamos com tanta entrega, tamanho desprendimento, e desarmados a tal ponto, que tais pessoas desconfiam de nossa entrega, nosso desprendimento e nossas armas ao chão. Desconfiam de nossa confiança irrestrita, os afetos que julgamos haver conquistado com a devida e suposta profundidade.
Agindo assim, somos tão inusitados nessa rendição de corpo e alma, que as pessoas de quem mais gostamos; habituadas ao fingimento, à má fé e às intenções escusas do outro, acabam sempre achando que “aí também é demais”. Que as boas intenções são sisudas. A moralidade usa uniforme. Só é de confiança o cidadão recatado e devoto; que tem sempre um discurso politicamente correto, religioso, cívico e de condenação a “certas liberdades da sociedade moderna”.
Mas não desistamos do ser humano. Podemos até desistir de algumas pessoas, mas devemos nos embrenhar na procura de outras, até acharmos alguém que nos leia corretamente. Que não nos distorça nas entrelinhas nem tenham temor da coragem que temos de ser quem somos. Quem abrace a nossa confiança e se desarme ao nos ver livres de armas, escudos e soslaios.

domingo, 2 de setembro de 2018

SACRIFÍCIO SOCIAL


Demétrio Sena, Magé - RJ.


Somos mais importantes uns pros outros 
do que os mitos de nosso idealismo, 
nossos ritos de cego endeusamento 
e as nossas entregas sem recibo...
As estrelas do céu equivocado, 
que nos cobre de lendas e legendas,
nunca deram sinal de que percebem 
os despachos de amor que lhes fazemos...
Temos mais a fazer uns pelos outros 
do que amar esses ídolos distantes,
a tal ponto de sermos inimigos...
Ninguém vale meu ódio pelos meus
nem é deus dos meus sonhos de futuro, 
fanatismo é bandeira que não levo...

MINHA VEZ


Demétrio Sena, Magé - RJ.


Tua vez de sentir a minha falta;
minha voz de calar a tua vez;
meu amor já não salta no meu pulso
nem me sinto roer de solidão...
Desta vez doerá bem mais em ti;
esta voz que viveu de te chamar
morre aqui, se desfaz em meu cansaço
e no mar da esperança dissolvida...
Não é caso de amor que desexiste,
mas que tanto esperou que adormeceu,
de tão triste deixou de se sentir...
Minha voz de Saara pros teus gritos;
tua vez de chamar quem ficou mudo
para mitos de amores que se bastam...