terça-feira, 29 de setembro de 2015

A LIXA

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Um abismo secreto se abriu entre nós,
uma voz evadida se perdeu no espaço,
porque todos os sonhos calaram a cor
na preguiça do amor ante as dores reais...
Fomos menos que a força daquela vontade,
caminhamos pra fora dos planos de vida,
quando nossa verdade furou a esperança
no futuro, no mundo, nos pés e no chão...
Nunca fomos de fato quem juramos ser,
não soubemos nascer de todos os finais
e fechamos as portas pra toda magia...
Somos este passado apesar do presente,
uma lente que agora já não é de aumento,
pois o tempo lixou toda nossa ilusão...

FLEXIBILIDADE SOCIAL

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Tento ser o mesmo indivíduo para todas as pessoas de minhas relações. No entanto, acho que sei dividir o indivíduo, de pessoa para pessoa, obedecendo a critérios como faixa etária, visão de mundo e vida, sensibilidade, afetividade, gênero, confiança e temperamento. Sou reservado com uns, burocrático e formal com outros, expansivo com quem posso, desinibido com tantos outros e até bem desinibido com raros; com aquelas pessoas que se tornaram minha elite afetiva, porque reúnem todas as condições de conviver com quem sou, exatamente, sem exigir escudos ou máscaras. De qualquer modo, jamais me descaracterizo; não abro mão de meus princípios e conceitos. Apenas me permito a utilização de filtros adequados à convivência com diferentes naturezas humanas.
Esta é a minha forma de aceitar e respeitar as pessoas e me fazer aceito e respeitado, sem ser modelado nem modelar. Sem agredir e ser agredido em minhas faculdades naturais. Quero dar do meu eu, e de mais ninguém, com a flexibilização externa e gestual de minha identidade que nunca será secreta. É apenas questão de me conter ou liberar um pouco ou muito mais, por ter aprendido a observar qual é a dose de mim que pode ser ministrada nas diferentes formas de relacionamento. Afinal, para que as pessoas me aceitem como sou, preciso saber ser, caso a caso.
Com este respeito aos limites de cada um, às variações psíquicas, emotivas e até culturais das diversidades humanas, é que nos tornamos habilitados a reivindicar também o respeito às nossas características. O segredo, enfim, é sabermos nos propor, ao invés de nos impor como a truculência social recomenda.

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

SER GENTE

Demétrio Sena, Magé - RJ.



Fui buscar um sorriso em qualquer canto;
procurar um semblante reluzente;
conhecer gente leve, resolvida
com seu pouco; seu algo; seu entorno...
Adentrar Ambientes onde o luxo
vem das flores, da sombra, do arvoredo,
das pessoas sem medo de não ter
o que só se terá por já ter tanto...
Diz ao mundo que fui pro fim do mundo
que no fundo está mais pro seu começo,
mas entendo que tenho de voltar...
Vou catar uns tostões de bom humor,
amor próprio, versão da humanidade
que não acha sentido em nossos dias...

terça-feira, 22 de setembro de 2015

CONSIDERAÇÕES SOBRE A IDADE


ANTIGÊNIO


Demétrio Sena, Magé - RJ.

Nunca tive o desejo de cortar as orelhas. De me flagelar de alguma forma. Se gostasse de tatuagem, piercing, algo parecido, abriria mão pelo simples fato de ser avesso à dor. Suporto bem qualquer dor, desde que seja inevitável, mas não tenho esse prazer de buscá-la. De provocá-la em mim próprio.
Também não gosto, e além de não gostar, não entendo a depressão. Se não sou alegrinho, serelepe, uma pessoa dançante, é mais pela timidez ou pelo senso de comportamento externo conveniente. Também não me agrada ser aquele sujeito que os entes mais queridos nunca saberão como está, caso queiram vê-lo. Se tiverem saudade ou preocupação.
Agrada-me ser agradável, receptivo com as pessoas queridas, ainda que não esteja em minha melhor fase, o que não repasso quando recebo alguém de boa fé. Que demonstre afeto sincero; sentimento livre; desarmado... e que aprecie minha presença.
Por isso gosto de luz. Luz natural. Janelas e portas abertas, ambiente convidativo, indumentária informal para propagar a certeza de que as pessoas uma vez bem-vindas serão sempre bem-vindas. Não de vez em quando. Não às vezes ou quando a solidão é pesada; insuportável. Minha única exigência é que tais pessoas sejam sempre aquelas que me conquistaram. 
Evidentemente, tenho momentos de tristeza e revolta. Fico feliz por isso. Ainda bem que tais momentos não são de alegria e satisfação. Seria medonho, para mim, se a tristeza e a revolta fossem minha normalidade. Decididamente, acho que não sou um gênio. Falta-me ser excêntrico e deprimido.

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

ESCRITORES E GENTE

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Tente não se deixar iludir, pelo menos tão facilmente, com a natureza dos escritores que, assim como eu, abarrotam livros, blogs e redes sociais de pensamentos, reflexões e conselhos sobre virtudes humanas. Você pode ou deve seguir tais conselhos e reflexões, porque são verdadeiros, mas não pense que eles refletem sempre a realidade pessoal de quem os escreve. São muitas as vezes em que os escritores admoestam a si mesmos na segunda ou terceira pessoa.
Ontem, por exemplo, nada menos do que um dia depois de haver escrito sobre serenidade, equilíbrio emocional, tolerância, e até o velho truque de contar até dez, eu estava mais explosivo do que nitroglicerina. Não me sentia disposto a contar nem até meio. Mesmo assim, continuarei a escrever. Pode ser que um dia os meus escritos me convençam a ser exatamente como quero e peço, incessantemente, que o mundo seja... e que assim seja. 

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

FÚRIAS PASSIONAIS

Demétrio Sena, Magé - RJ.


Não se melindre nem fique assustado se uma pessoa do gênero oposto, com quem você nunca teve um romance, nunca foi casado nem teve grande amizade ou envolvimento em negócios, trabalho, sequer projetos, começar de repente a persegui-lo com um ódio inexplicável. Sem fundamento nem sentido. Na verdade, o sentimento negativo dessa pessoa não é tão inexplicável, tão sem fundamento nem sentido como sempre quer parecer.
Sabe aqueles clichês de novelas? É, aqueles mesmo, nos quais uma mulher detesta um homem, ou vice-versa, sem mais nem menos, do nada, e assim estabelece uma perseguição sistemática: difama, inventa razões sem pé nem cabeça, e tempos depois o folhetim revela que nada mais é do que uma paixão recolhida. Um sentimento de afeto arrebatador, que a previsão ou certeza de uma rejeição sumária faz trocar pelas demonstrações públicas e ostensivas de cólera. Sentimento avesso ao que vai no fundo; bem lá dentro do coração gravemente machucado. 
Pois é; aqueles clichês não são exatamente clichês. Ou até são, mas de tão reais e reincidentes. E se de repente alguém surgir dessa forma em sua vida, feito um furacão disposto a destruí-lo, não revide com a mesma fúria. Faça ver, definitiva e carinhosamente, que a paixão não é correspondida. Se for, viva logo essa paixão. caso ache que vale a pena, corresponda levemente; permita uma fantasia, um momento, mas com cuidado para não iludir; não fazer juras pelas quais leve a crer na consistência que o caso não tem. 
Do contrário, aí sim; você corre o risco de fazer uma inimiga, um inimigo fundamentado; cheio de razões que você deu. E se ninguém é obrigado a ser de alguém, não importa: psicopatas não têm esse conceito, e lá no fundo, já nem do coração, mas da mente, você terá sempre a culpa, talvez não o dolo, mas pelo menos a culpa de haver despertado aquele monstro adormecido que ninguém quer enfrentar depois de conhecer o anjo externo.

MADALENA E SOFIA

Demétrio Sena, Magé - RJ.


Romualdo é tapado, incompreensivo e bruto. Machista e intolerante. Só pensa em dar ordens e transar. Quem afirma é a própria esposa de Romualdo, a Madalena, em conversa com Sofia, esposa de Adalberto. 
Mas ao mesmo tempo em que se queixa, Madalena contemporiza e defende o esposo, afirmando que ele seria um cavalo completo, mas não é, porque tem algum sentimento. Porque naquele peito ainda pulsa um coração.
Adalberto é o contrário de Romualdo em comportamento cotidiano. Sempre sensível, cavalheiro, compreensivo e solícito, além de maestro, intelectual, profundo conhecedor das mazelas da sociedade.
Ao mesmo tempo que relata, Sofia tenta se orgulhar das qualidades do marido. Certamente o ama – pelo menos o bastante para não manchar sua imagem numa simples conversa fora do divã.
Em dado momento, ela se trai ao confessar, já se arrependendo, que Adalberto seria um chato completo. Seria, mas não é, porque tem algum fogo. Porque naqueles eixos ainda pulsa um pênis.

domingo, 13 de setembro de 2015

DOCE MENTIRA

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Sempre fui o romeiro e sempre foste a graça;
minha fé, mesmo intensa, nunca te alcançou;
meu amor é fumaça que a brisa dispersa
e meu show é silêncio que devoro em seco...
Sou a velha esperança que se desidrata;
perde o sonho no espaço da própria quimera;
uma data pra nunca no seu calendário;
primavera invadida pelos gafanhotos...
Mesmo assim jamais pulo desse Titanic,
não é doce morrer na solidão sem fim
de não ter só pra mim esse amanhã contínuo...
É melhor naufragar ao alcance da imagem
que virou a miragem de minha verdade
mentirosa, improvável, mas revigorante...

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

MINHA RIQUEZA


Demétrio Sena, Magé - RJ.



Caminhava para o ponto do ônibus, quando encontrei o Professor Rogério Lopes. Ele saía de uma loja de rações, e carregava nos ombros um saco de trinta quilos. Olhou fixo para mim, pediu que aguardasse um momento e pôs o peso no chão. Feito isto, abriu aquele sorriso largo, me deu um abraço de quebrar os ossos, um beijo no rosto, e disse bem alto: 
- Cara! Que alegria ver você! Faz tanto tempo! Ainda bem que sempre o vejo na internet! Leio tudo que você escreve! Não perco nem um texto seu! Obrigado por tantas coisas maravilhosas!
Não conversamos por muito tempo, mas foi um momento especial para mim. Não é todos os dias que nos deparamos na rua, com alguém tão disposto a nos cumprimentar, e com tanta efusividade, alegria sincera e calor humano, mesmo estando com tanta pressa. Também é muito simbólico ver uma pessoa se despojar de seus pesos, desocupar os braços, as mãos e os ombros, para ter o prazer e a liberdade de abraçar um amigo e lhe dizer palavras amáveis.
O Rogério é, de fato, leitor constante de meus textos. A cada vez que publico algo em rede social percebo sua leitura, sua presença, e leio seus comentários ponderados; coerentes; dentro do contexto. 
São várias as pessoas que me privilegiam com suas leituras, e às vezes os comentários, mesmo sabedoras de que minhas vindas ao computador são sempre ligeiras e limitadas às postagens e autopromoções como escritor e fotógrafo. Isso resulta poucas retribuições expressas, de minha parte, podendo até me deixar marcado como alguém esnobe ou antipático.
No dia a dia, são muitos os curiosos que me perguntam sobre quanto ganho, em dinheiro, como escritor. Ganho pouco dinheiro. Se não tivesse o meu emprego de arte-educador, pelo qual também não recebo grandes quantias, e alguns trabalhos como fotógrafo de vaidades pessoais e autoestima, passaria por privações com o que angario por escrever, lançar livros e permitir a utilização de meus textos em veículos diversos.
A grande riqueza, riqueza mesmo, que não enche barriga e bolso, como tantos dizem, mas enche minh´alma e meu coração de alegria e desejo de viver, viver muito, para também escrever muito, é tão somente a existência de amigos e leitores sinceros, que me pagam com carinho. Com admiração verdadeira. Com respeito. Com palavras sinceras e a certeza que me fazem ter, de que meus escritos fazem efeito em suas vidas.

terça-feira, 8 de setembro de 2015

PREGUIÇA

Demétrio Sena, Magé - RJ.


Por favor me perdoe pela calma
nos meus traços, no brilho do semblante,
pela palma da mão que não transpira
e a voz que não perde a impostação...
Guarde a raiva, prometo que outro dia
soltarei o meu bicho mais feroz,
minha foz de rancores reprimidos
por verdades avessas aos meus sonhos...
Mas agora só quero esta ressaca,
o silêncio, a soltura do bocejo,
meu solfejo, a canção assobiada...
Só lhe cabe adiar esse confronto;
contornar o rompante que lhe atiça;
tenho muita preguiça de odiar...

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

POROROCA

Demétrio Sena, Magé - RJ.


Pra fluir e somar,
o vai e vem
é o maior desafio:
todos querem ser mar,
e ninguém
quer ser o rio...

PRUDÊNCIA

Demétrio Sena, Magé - RJ.


Não vivo de medo,
mas também não morro
de coragem.

VAIDADE HUMANA


Demétrio Sena, Magé - RJ.


É a mania de grandeza que nos torna pequenos e fúteis para reconhecer a real grandeza dos pequenos gestos. Das palavras discretas. Das profissões humildes. Dos pequenos passeios. Dos momentos e os espetáculos menos espetaculares. Pelo nosso apego extremado à ostentação e às impressões do todo, somos pobres dos detalhes que nos enriquecem a partir da essência.

SOCIEDADES INTERNAS


Demétrio Sena, Magé - RJ.


É profundamente lamentável quando as irmandades ideológicas ou de fé, os grupos de amigos ou confrades e as comunidades familiares decidem, velada ou ostensivamente, conscientes ou desapercebidos copiar a sociedade externa em seu aspecto mais pernicioso: estabelecendo o valor de cada um de acordo com o que possui. Com o que brilha na estampa. Com os favores e as bondades materiais que oferece; as vantagens que pode proporcionar. Às vezes, pelas meras fagulhas de prestígio com que possa beneficiar os potencialmente mais próximos ou mais identificados.
Fica bem mais difícil viver em sociedade, se até os nossos habitats estão divididos em classes e o respeito atende às demandas de conveniências, cotas e participações financeiras nas quais o desfavorecimento dos menos afortunados não é levado em consideração. A injustiça social que gera ódios, conflitos, guerras declaradas ou frias mundo afora, muitas vezes se justifica, injustamente, nas divisões em classes que se afagam ou se digladiam de acordo com expectativas e conveniências ou incômodos e caprichos nas relações mais estreitas.

terça-feira, 1 de setembro de 2015

MAGIA DE VIVER

Demétrio Sena, Magé – RJ.


Sei que nunca fui sábio; só sabão;
minha carta não soube ser cartão
quando mais precisei me apresentar...
Mas cansei; ao cansar virei canção,
virei ave, cresci, sou avião,
alcancei meu espaço pelo ar...
Meu caminho cresceu, é caminhão,
fiz da poça caldeira de poção
ao notar como é mágico viver...
Eu saí do comum pra comunhão,
nunca mais me fizeram de pagão;
desde quando acordei, pago pra ver...
Vou sem lente, não quero lentidão,
faço coro ao que vem do coração,
sem perder o teor de minha mente...
Forjei aço com sonhos em ação,
tive raça e da raça fiz ração
pra ter forças e sempre andar pra frente...
Terminei o plantão; a planta enfim,
dá seus frutos; a vida ri pra mim;
tive perdas, mas tenho meu perdão...
A tristeza não faz o velho efeito
e ser só foi pro sótão do meu peito;
já não solidifico a solidão...

ORGULHOS E SILÊNCIOS

Demétrio Sena, Magé – RJ.


Nunca fui um sujeito com quem se possa contar para o que demanda força bruta, influência e dinheiro. No entanto, foram muitas as vezes em que pude ajudar de alguma forma pessoas próximas e queridas, o que faria de bom grado, mas, na maioria das oportunidades elas próprias me algemaram.
Evidentemente, se eu fosse uma pessoa invasiva, cara de pau, indiscreta, não teria falhado em notar e socorrer. Também não teria falhado se tivesse o poder de olhar além. Ver através de orgulhos e silêncios, para saber exatamente onde atuar e não temer censura, se algo não saísse a contento.
Como não tenho tais poderes nem me dou aos desfrutes da intromissão, teria sido providencial se tais indivíduos tivessem tido a grandeza de ser humildes. De confessar e pedir. De baixar o ego e não esperar que eu suplicasse para fazer algo por eles, mesmo sem saber o que.

Quando me foi permitido notar que precisaram de mim, já não precisavam. A essas alturas, eu era o famoso monstro insensível. A criatura egoísta e desumana que se juntou ao resto do mundo, também egoísta e desumano, para lançar à própria sorte as vítimas temporais do infortúnio e da solidão.