quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

A NAVE


Demétrio Sena, Magé - RJ.


Minha mala está feita, não sei quando vou,
mas a lida está leve; sem tanto a fazer,
só me dar ao prazer de sentir essa brisa
de além-mar, além-chão, além sonhos daqui...
Já deixei de querer o que a vida requer,
desejar o que o mundo promete aos meus olhos,
quero ver a passagem da estrela cadente
que anuncia e desenha o caminho a seguir...
Deixo a mala em seu canto e desfruto das horas;
o que tenho a fazer é deixar que se faça
e tomar uma taça de bebida extra...
Minha nave projeta sinais evidentes;
minhas unhas e os dentes desgarram do chão;
não há pressa nem praça, mas estou aqui...

QUANDO FORES QUEM ÉS

Demétrio Sena, Magé - RJ.


Ao achares que podes vencer a vaidade,
superar a certeza que te faz tão dura,
saberás o valor de ceder à verdade
sobre como a verdade não tem ditadura...

Sairás desse poço muito mais madura,
com as asas abertas à felicidade;
a tu´alma sem arma, nua de armadura,
sonhará sem temor da própria liberdade...

Se deixares de orgulho e vieres pra mim,
acharás em meu lábio aquele mesmo sim
que jamais reneguei ou envolvi em véu...

Quando fores quem és eu serei tua espera,
deixarei meu inverno virar primavera,
meu inferno cair na tentação do céu...

quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

VIVER E NÃO TER VERGONHA - NEM MEDO - DE SER QUEM É

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Hoje, minha sobrinha Vanielle Bethânia comemora seu aniversário com um sarau. Um aniversarau. Ela é uma jovem cantora, que por onde passa deixa encanto por sua voz, a presença e palco e um desempenho sutil, que vai crescendo à vista de todos, e hipnotizando-os. Depois de suas apresentações, o primeiro aplauso na plateia serve como aquele estalar de dedos que tira o paciente da hipnose. Seguem-se aplausos efusivos e comovidos, de gente que pede mais. E a Vanielle ainda conta com o luxo de ter como músico de sua banda o Vandré, seu irmão, que é cúmplice na hipnose, com um jeito único e sobrenatural de fazer com que os instrumentos musicais obedeçam ao seu comando.
Se há - e é claro que há - o mérito de meu irmão Antonio Sena na trajetória de ambos, pois ele criou seus filhos ouvindo-o cantar e o acompanhando em suas composições, há também o grande mérito da Vânia, mãe, que fez questão de apresentá-los às múltiplas formas de capacitação musical. Do Antonio, as crianças herdaram a inspiração. Pelas mãos de Vânia, foram conduzidas às técnicas indispensáveis a uma carreira.
Prestar atenção nos filhos e incentivar de modos adequados os seus gostos e vocações é a maior demonstração de sensibilidade e sabedoria dos pais. Muitos impõem aos filhos caminhos opostos, visando sucessos profissionais com que os mesmos não sonham, e tantos outros exageram nas formas com que empurram os filhos para o que eles parecem desejar, mas pode ser um engano. O correto é observar, ajudar a seguir, estar sempre dentro das permissões dos filhos, para que o futuro não venha a surpreender pela infelicidade do sucesso financeiro com o que não dá prazer, pois não era o que se queria. Vanielle e Vandré, além de serem músicos, são professores. Eles escolheram tanto a música quanto o magistério, e foram livres para seguir seus caminhos, com o apoio e o auxílio dos pais, cada um dentro de suas formas e capacidades específicas de ajudar. 
É com grande felicidade que vejo, dentro de minha família, jovens que decidem seus rumos e não se perdem do que sonham, independente dos resultados financeiros, pois o que buscam acima de tudo é a realização pessoal. Gostam mais do que fazem que dos resultados do que fazem, que serão bem vindos, se vierem sem que haja qualquer necessidade de aviltação. De rendição a sistemas e grupos fianceiros que desprezam qualidade, ideologia, sentido, sentimento e razão. Grupos que só querem dinheiro; muito dinheiro. 
Já ouvi inúmeras vezes, pessoas indagarem o porquê de Vanielle não se inscrever em um desses Realitys musicais de televisão, e sempre que pude, respondi: coerência. Percebo que ela não gosta, critica, e por isso é criticada, mas enalteço a coerência de quem vive o que prega; age de acordo com as próprias palavras e os pensamentos expressos publicamente. 
Tenho grande orgulho de presenciar, mesmo à distância, pois não moramos perto, a maturidade de meus sobrinhos e a integridade que os faz valorizar a essência do que existe. Tratam cultura como cultura; arte como arte. Separam dinheiro e sucesso econômico da beleza do que pensam e fazem. Não se importam com o fato de que o caminho fica mais difícil dessa forma e se desafiam a ficar íntimos da dificuldade compensadora lá no fim, quando seu produto cultural, artístico e humano se revela autêntico; indiscutível; contundente. 
Tenho outros sobrinhos e sobrinhas, ainda mais jovens, além de minhas filhas, que já entendem ou começam a entender a importância dessa autenticidade para viverem bem, não para os outros, mas para si mesmos, e como resultado se refletirem nos outros; em especial, os filhos presentes ou futuros.
Imagino a felicidade de Vanielle quando se iniciarem, hoje, as apresentações musicais e literárias de seu aniversarau. Eu queria muito estar lá, e me penitencio por não poder, mas espero que este texto me represente, porque ele representa a verdade que vai em meu coração. 
Parabéns, Vanielle. Parabéns, Vânia e Antônio; parabéns a toda a família que serviu e serve de base para uma criação tão bem estruturada. De alguma forma estarei presente.

terça-feira, 26 de dezembro de 2017

TRANSFORMADOR


Demétrio Sena, Magé - RJ.


Ser feliz não me livra de certas tristezas;
não há como viver sem que a dor nos provoque;
nossa luz tem seus curtos e seus apagões,
energia dá choque por ser energia...
Encontrei equilíbrio no transformador
instalado em minh´alma desde que não sei;
meus espinhos têm flor como a flor tem espinhos;
essa lei dá seu tom em qualquer caminhada...
Apagar é da vida e terei minha hora,
mas agora não penso em desligar meus sonhos;
não me deixo cortar nem reclamo do preço...
Reativo as tomadas de querer seguir
e replugo esperanças toda vez que o mundo
faz um raio cair sobre minhas certezas...

quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

OLHOS EXTRA-MUNDO


Demétrio Sena, Magé - RJ.

Quero crer na palavra e ter sono sereno;
dar a mão e selar meus acordos de gente,
assinar com sorrisos, com olhos nos olhos
onde a lente não cace letrinhas miúdas...
Com que mundo namoro não sei me dizer,
mas preciso encontrar esse ponto no tempo,
conhecer as pessoas pelo seu silêncio
que discursa e dispensa discursos orais...
Meu olhar extra-mundo quer saber se há
ser humano entre humanos que vejo em redor,
entre a dor de quem sou que já não sei quem é...
Sonho crer em mim mesmo e resgatar meu eu,
sou meu réu predileto e me condeno a ver
que viver é caminho pelos desencontros...

VERDADES OPOSTAS


Demétrio Sena, Magé - RJ.

De repente não sei despir meus olhos
dos teus olhos, teu riso, tua estampa,
tudo acampa no bosque da saudade
que brotou em meus campos afetivos...
Tua voz acompanha meu silêncio
e me faz esquecer os sons externos,
meus eternos motivos de sonhar
se renderam à tua novidade...
Não há pressa em saber se já te amo,
pode ser um sussurro de carência
ou daquelas paixões de meninice...
Mas a minha verdade não é tua;
minha lua não cabe no teu mar;
o que sinto é só meu, de mais ninguém...

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

PRÉ - EPITÁFIO

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Atravessei a juventude sem dar a mínima importância para o que pensavam e diziam de mim. Nos verdes tempos de minha vida, nunca tive a pretensão de, como sempre foi dito pelos moços, ficar bem na foto.
Quando passei de meio século, comecei a me transformar. Tomei a decisão de ser, não precisamente alguém melhor, porque isso é difícil, mas pelo menos alguém menos pior. A visão da velhice anunciada, e com ela o fim, já me fez repensar muitos conceitos, preconceitos, atitudes, pontos de vista e sentimentos.
Deve ser assim com muita gente. Por anos e anos, um 'nem aí' para ficar bem na foto. Aí o tempo passa, e de repente a morte se desenha bem menos alheia e misteriosa. Menos abstrata e mais definida.
Foi assim que da meia idade para cá iniciei um projeto: Fazer as pazes comigo e com o próximo. Ganhar novos afetos, manter os afetos atuais e repor os perdidos. Gostar mais dos outros e ser bem menos apaixonado por mim ou por meus espelhos.

Vejo a vida esvair por entre os dedos. O tempo fecha o cerco. Não posso correr o risco de partir sem antes ter a certeza de ficar bem no epitáfio.

terça-feira, 12 de dezembro de 2017

SEJA FELIZ


Demétrio Sena, Magé - RJ.

Ninguém fica 
feliz
ou infeliz...
mas alegre ou triste.
Segundo a voz
do que me diz
pra ir com fé:
alegre ou triste
a gente fica.
Feliz ou não,
a gente é.

ESPERANÇA E FÉ


Demétrio Sena, Magé - RJ.

A esperança
espera e sente
(e faz sentido),
que nem tudo
- talvez nada
está perdido.
Quanto à fé,
por outro lado,
tem certeza
de que nem tudo
está achado.

MISSÃO EM MIM


Demétrio Sena, Magé - RJ.

Não tem abracadabra pro meu ostracismo,
quando surge a saudade que persisto em ter,
porque cismo em cavar o meu poço mais fundo;
ir mais fundo e perder o caminho de volta...
Falta chave pra porta que fecho por dentro,
se me calo pra tudo que acontece à margem,
pois a minha viagem no centro do eu
não tem pressa do mundo que abandono aqui...
Quem me quer pra me amar ou abater de vez,
desta vez arme o bote ligeiro e seguro
e me cobre com juros por lhe dar trabalho...
Pode ser que na próxima missão em mim
eu me cale no fim do começo de tudo;
fique lá na saudade que não sei de quê...

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

HUMILDADE ARROGANTE

Demétrio Sena, Magé - RJ.


Leio nas entrelinhas um ápice de arrogância, quando aquela criatura mais vaidosa do que um pavão enche o peito já inflado e diz que tem lá seus erros ou defeitos. Não entendo a admiração de todos diante de quem no fundo se declara um deus flagrado com raros traços de humanidade. Mas vejo a humildade que não vejo neste, naquele sujeito que um belo dia se alegra e diz: 'tenho cá minhas virtudes'. Este sim, se reconhece um ser humano, com todas as suas imperfeições, que de repente flagra bem lá no íntimo do seu ser, discretas qualidades. Por falar em defeitos e qualidades, concluo que nosso maior defeito reside numa irrefutável distorção de valores.

ZONA FRANCA

Demétrio Sena,  Magé  - RJ.

Que nenhum amor próprio deixe cegos
nossos olhos de olhar além de nós, 
nem os egos alcancem dimensões 
onde a  voz da razão não tenha vez...
Vamos dar uma pausa nos louvores 
aos espelhos que acendem nossos rostos, 
temos flores pra dar, não pra reter 
nos canteiros escuros do egoísmo...
Nosso amor se divida e multiplique 
os aromas, os gostos, os efeitos 
e não fique restrito ao mesmo espaço...
Amor próprio não seja propriedade 
onde o mundo não pode achar conforto, 
seja o porto, a zona franca do bem...

segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

PICUINHA POÉTICA

Demétrio Sena, Magé - RJ.


Se converso com verso é porque vou além;
faço meu universo; mais versos; infindo;
propriamente universo de versos ao próprio;
é assim que vou indo - como se vai mesmo...
Tenho versos perversos, mas desde que versos,
controversos talvez, contra versos que são,
transformando razão em contexto emotivo
ou contexto emotivo em ciências exatas...
O meu verso malversa conservadorismos
marginais ou de arcádias, atados às barras
de seus vãos formalismos ou vãs marginálias...
Sou poeta transverso, atravesso combates
de cadeiras, escolas, liberdades presas
às defesas do quanto se forjam matrizes...

AFETOS PRÓPRIOS

Demétrio Sena, Magé - RJ.



Para crer ou não em alguém, com vistas a também gostar ou não, acumule critérios inteiramente seus. Observações essencialmente suas, ainda que depois de alertado por pessoas idôneas e queridas, cujos alertas por si só não são suficientes. 
Critérios alheios não lhe pertencem. Observações - e até vivências - dos outros podem estar eivadas de uma parcialidade compreensivelmente humana, que há de comprometer o bom senso, a lucidez e a justiça. 
Não escolha em quem apostar - ou investir -, fundamentado em afetos de afetos pessoais. Isso tem todas as possibilidades de ser injusto, preconceituoso e cruel.

sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

SEJA BEM IDA

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Pergunte aos meus ex-amores que um dia resolveram partir, como foi fácil me dar adeus. Como lhes dei prontamente o sinal verde. Alforria imediata para o que não era escravidão.
Depois pergunte ao meu coração, se por acaso ele saiu pela boca. Também indague ao meu peito se lhe faltou ar; se a pulsação coronária o nocauteou. Você há de constatar, talvez com alívio, que não me rasguei todo em tiras e que a polícia, em todas essas dispensas, não teve o menor trabalho comigo. Nenhuma das algumas partidas de meus ex-amores terminou em prisão para mim, porque nunca tentei ser prisão de quem um dia me amou ou fez que o fizesse. Respeito amores e vontades. Verdades e mentiras. Não cobro juros por juras não cumpridas.
Se seu desejo é partir, não se avexe. Só preciso saber. Não posso responder ao adeus não dado, e quem quer partir não sou eu. Sendo assim, não imponha esse jogo de me cansar. De me fazer tomar uma decisão que é sua. Facilitar o que já é fácil, quando afinal, será exatamente como foi com os demais amores desistentes. Não se acanhe por me desamar e se desmentir de seus tantos “eu te amo”. Do seu automático “não vivo sem você”. Da sua mania de “você é tudo pra mim”, entre outras declarações que se tornaram clichês; carimbos compulsivos de seus lábios que já nem precisavam articular para reproduzir esses textos.
Conheço bem essa hora. Esse olhar. Essa distância, mesmo de perto. Esse mesmo silêncio. Tive outros amores que seriam pra sempre. Que até foram, mas o sempre se limitou. Ficou curto. Depois mais curto, até se tornar nunca mais, e sempre com o mesmo jogo no qual não entrei: o de forjar minha desistência; dizer adeus em meus lábios; acenar com a minha mão. Quando não teve outro jeito, a surpresa: foi tão fácil me dar adeus; fui tão compreensivo e liberal, que me acusaram de frio; que se revoltaram posteriormente com a facilidade, pois doeu na vaidade humana.
Vá em paz. Não é preciso jogar. Estendo meu tapete à sua partida. Seja bem ida e se avexe não... a porta pro mundo é a serventia... do meu coração.