domingo, 31 de janeiro de 2016

TRAGÉDIA NA OBRA INACABADA

Demétrio Sena, Magé - RJ.

A confusão foi geral naquela obra que mal começara. Ferramentas, acessórios e materiais de construção se rebelaram entre si. Pelo visto, a casa caiu antes de ser erguida. O nível por lá desceu tanto, que a pedra britada quis ter um papo concreto com o vergalhão, por ele não estar oxidando bem com o arame queimado, e o vergalhão a mandou para se sabe onde, mesmo antes de o banheiro ter privada.
Na verdade, já rolava uma confusão entre os outros itens, por desentendimentos, desencontros, vaidades pessoais e pouca vergonha. O prego, por exemplo, que sempre foi um prego mesmo, resolveu dar uma cantada na areia, mesmo depois de ouvir os conselhos do tijolo, que o advertiu: "A areia é tinhosa, e ainda por cima, tem marido cimento.". Prego é assim  mesmo. Não tem argamassa cefálica, e nem se tocou de que acabaria sozinho, pois em briga de marido, mulher e conquistador barato ninguém mete a colher de pedreiro. O casal entrou em parafuso, a coisa ficou feia pro abusado e até a água, que tentou esfriar os ânimos, se deu mal. Entrou pelo cano antes da hora e foi parar no esgoto inacabado.
Paralelamente, a makita entendeu de gritar mais alto e o mármore não gostou. Disse "corta essa!", e não deu outra: Imediatamente a danada cortou o mármore, gritando mais alto ainda. O granito, primo do mármore, apareceu para vingar o parente com uma tomada de decisão que gerou um curto circuito e danificou bastante o que já estava mal feito e prejudicado.
Mas a barra ficou ainda mais suja quando a tinta resolveu pintar no ambiente, com a decisão de também pintar o sete. Meteu a borrada nas paredes e depois caluniou a pá, dizendo que a toda hora ela puxava um barro. Tímida e cheia de recato, a pá ficou com a vista toda enxada, de tanto chorar. Cenário e cena ficaram tão pesados, que alguém achou melhor chamar o serrote. Sábia decisão, pois realmente urgia serrar aquela discussão incendiária que parecia sem fim. Até os bocais ainda sem lâmpadas começaram a se meter, como se pudessem dar uma luz, mas o assunto não tinha teto nem base confiável. Já estava tudo abalado.
Fato é que a obra terá de recomeçar do zero. Se não for assim, nem as cortinas entrarão nos trilhos e a tragédia será completa quando a laje abatida for à forra contra o forro como já prometeu, e disse: "É PVC nunca mais se meter comigo.". A furadeira, que também deixou seus furos, porém se arrependeu, faz coro à batida do martelo, que proferiu a sentença: "Não quero saber de picareta! É só meter a marreta em tudo e aguardar uma nova planta!". 

quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

POEMINHA VOCACIONAL

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Acreditou em seu sonho
até que acertou em cheio:
na fritura;
na textura;
no recheio...
Sempre achou a vida broa,
e não sabe o que faria...
que não fosse
salgado e doce
de padaria.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

REPENSAMENTO

Demétrio Sena, Magé - RJ.



Essa tua inconstância de humores e ares,
que me faz não saber quem serás logo após,
estudar tua voz, teu silêncio, teu rosto,
ser um camaleão pra manter este laço...
Esta minha insistência em alguém multifase;
sem a face comum, natural, mais presente;
que mistura o que sente sob um tanto faz
e me diz não dizendo: é pegar ou largar...
A certeza que tenho da velha incerteza
sobre como será que me verei em ti,
rouba toda certeza do que pode ser...
Tudo isso me cansa e já faz repensar,
mas depois repensar o meu repensamento,
porque há sentimento na mesma questão...

JÁ VIU ESSE FILME?


Demétrio Sena, Magé - RJ.


Não havia um mandado
de busca
e apreensão...
Só um ente querido
sem limite
nem educação.

QUEM É VOCÊ?


Demétrio Sena, Magé - RJ.


Venho e trago todo afeto;
calor humano sem fim;
você olha para o teto,
ao invés de olhar pra mim...

Outro dia tenho a sorte
de apesar do meu temor,
encontrá-la em outro porte;
até com senso de humor...

Quando penso que já sei
que você é mesmo duas,
subestimo a própria lei
do planeta; o céu; as luas...

Você enche, míngua, cresce,
se renova com vertigem,
esquenta, gela, incandesce,
é cerrado e mata virgem...

Cansei de passos no escuro;
nos vãos de sua maré;
agora só lhe procuro
ao saber quem você é...

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

CAÇADOR DE AFETOS

Demétrio Sena, Magé - RJ.


Hoje cato meus cacos do sentido
que movia os meus passos pra você,
mas trincou na frieza de seus olhos
e quebrou no Saara do seu chão...
Já nem tento repor o desperdício
do meu tempo, meu sonho, minha fé
em seu dom de respostas afetivas;
no seu pé de motivos pra sonhar...
Não queria o reflexo perfeito;
que su´alma entendesse um coração
tão afeito ao acúmulo de afetos...
Só queria sentir que você sente
ou que tem o poder da fantasia;
sua mente não priva seu instinto...

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

DE SOBREAVISO


Demétrio Sena, Magé - RJ.


Planejar meus descuidos mais secretos,
minhas faltas de modo e compostura,
com leveza, ternura e bons intentos
que não deixo escapar do simples gesto...
É um sonho sem eira, beira e plano,
fica em torno da minha inconfissão,
sob o pano disposto em desalinho
pra que a culpa jamais se torne dolo...
Guarde o medo, jamais irei além,
meu desejo conhece o seu lugar,
sei voar e descer sem grande alarde...
Resolvi que jamais descumprirei
essa lei que me faz ficar à margem,
faz de minha coragem meu juízo...

sábado, 16 de janeiro de 2016

IDENTIDADE


Demétrio Sena, Magé - RJ.


Saia dessa fachada e se permita ser,
pois estar nos anula sob as aparências;
é um ter uma vida que não tem sentido;
ter essências de gostos que não são os nossos...
Ou então se convoque, pode ser ainda,
que você não esteja no próprio casulo;
dê um pulo no espaço, tente se pescar
e repor seu extrato; sua identidade...
Só não perca seu tempo mentindo pra si;
só entenda que o só pode ser o seu tudo
e aí talvez more o maior desafio...
Entre nessa verdade que o medo rejeita;
tenha sua receita, jamais a dos outros,
no que tange o respeito pelo próprio eu...

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

FUGITIVO DO AMOR

Demétrio Sena, Magé - RJ.


Desenhei este amor pra brincar de sofrer
uma dor colorida e com traços velados,
pra viver um enredo que valesse a pena
e ter sonhos alados; distantes do chão...
Tive medos tecidos em linhas de vento,
nostalgias voláteis de puro frescor,
dei ao meu sentimento a duração serena
do sentido que a vida permitiu fazer...
É por isso que agora preciso sair;
minha mãe já me chama para tomar banho,
almoçar e cair no cochilo da tarde...
E também é melhor não apanhar da vida
por brincar em excesso e me ferir a sério
no mistério do amor que supera o brinquedo...

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

A ORGIA DOS PODERES

Demétrio Sena, Magé - RJ.



Eis a crise de honra, vergonha e caráter;
um excesso de faixa, fachada e discurso;
tanto show, desempenho, barulho e promessa
e nenhuma verdade; justiça; decência...
Vasta crise de bem, de respeito e vontade;
muito truque; cinismo; frieza; má fé;
muita farsa, mentira, egoísmo, disfarce 
dos que fazem, obrigam, mas não cumprem leis...
É a crise de afeto e de calor humano;
todo sonho do mundo entornado no chão
da nação corroída; sem olhos pra frente...
Uma crise de gente nos velhos poderes,
muitos monstros, ladrões e moleques formais
e a paz irreal de consciências mortas...

MINHA NOVA PAIXÃO

Demétrio Sena, Magé - RJ.


Estou apaixonado. Irremediavelmente. Absurdamente apaixonado. Absurdamente, porque jamais vi a face de minha nova paixão. Sequer imagino qual é o seu nome. Conheço apenas a voz. Uma voz bela, macia e doce, que se aninhou aqui dentro como nenhuma outra que até então passara pelos meus ouvidos.
Ironicamente, a culpada por meu coração estar assim é ninguém menos do que minha filha, Nathalia. Mesmo sem querer, foi a Nathalia que me fez ficar escravo da voz. Confesso que, no início, ficava muito irritado com a interferência remota e rotineira de uma estranha, cada vez que eu tentava falar com minha filha. Uma, duas, três, e até dezenas de vezes por dia. 
Agora, não. Agora sinto profunda necessidade. Como já confessei, tenho vício. Sou escravo. Não consigo mais viver sem ouvir entre dez e trinta vezes por dia, essa voz bela, macia e doce, mas ao mesmo tempo impostada e firme, que diz: "Grave seu recado; você só será tarifado após o sinal...".

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

FICAR MADURO


Demétrio Sena, Magé - RJ.


Caminhei por estradas que não eram minhas
e voltei muitas vezes pra recomeçar,
tive tempo a ganhar porque me dei um tempo
cada vez que perdi a noção do meu rumo...
Foram tantos os passos que passei pra trás
onde vi que o abismo estava logo à frente,
minha mente calou meu coração afoito
que saía do peito pra pulsar na boca...
Repensei as certezas que tive do incerto,
cheguei perto e senti que a distância pertence
às quimeras criadas por nosso capricho...
Só se fica maduro pra saber que o fim
é um sim que dizemos ao não das conquistas,
quando a vida revela que só se revive...

AMOR SECRETO

Demétrio Sena, Magé - RJ.


Tenho rédea e te quero na medida,
como posso e bem sei meu não poder,
deixo a vida esquecer a vigilância
e me deixo furtar alguns momentos...
Fantasio, me visto e me desnudo,
te componho na descomposição,
tiro tudo e mergulho no meu sonho
pra que teu coração não sobressalte...
É assim que nos tenho cá no fundo,
há um mundo moldado para nós
numa chance que o mundo não dará...
Sonho enquanto preservo este segredo,
sem o medo que veste a flor da pele
ou afia os espinhos dos meus olhos...

sábado, 9 de janeiro de 2016

CHILIQUE


RAZÃO DESMEDIDA


DAS RELAÇÕES HUMANAS

Demétrio Sena, Magé - RJ.
Para entrar numa relação, seja de amizade, amor e até trabalho, é preciso que haja um consenso. Que os dois, três ou mais queiram; de preferência, na mesma proporção. E a cada peça desse complicado engenho é permitido até fingir não querer, se for o melhor para quem o faz.
Para sair não é assim. A liberdade ocorre de outra maneira. Deixa de ser coletiva. É pessoal. Cada um sai quando quer; não há nem deve haver consenso. Por isso, ninguém precisa fingir querer até criar uma forma confortável de sair. Nem é justo e decente arquitetar situações para que outro assuma sua desistência. Dramatizar a verdade, pelo simples plano de sair bem... ou sair “por cima”. 
Pra dizer a verdade, não há saídas por cima, por baixo nem pelas tangentes. No que tange as relações humanas de qualquer natureza, só existem duas saídas... ou duas portas: uma delas é a da frente... naturalmente, a outra é a dos fundos.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

ZONA PROIBIDA


Demétrio Sena, Magé - RJ.


Há um sonho caído na beira do asfalto;
é um corpo que sangra seu gole final;
terá sido vendeta, ciúme ou assalto,
será causa profunda ou motivo banal?

Foi mendigo, escritor, fuzileiro naval,
dançarino, garçom, assessor no planalto,
professor, pugilista ou então marginal,
jogador infeliz que apostou muito alto...

Mas não quer apostar, o passante comum,
porque sabe que pode se tornar mais um
a romper os portais insondáveis do além...

Seja ele quem for, o que foi algum dia,
é um sonho que sangra na rua vazia
onde a lei é saber não saber quem é quem...

INDEPRIMIDAMENTE


Demétrio Sena, Magé - RJ.




Faz muito tempo que a depressão pegou senha e se pôs na fila. Sua vez não chegou até o momento, porque a fila emperrou nas muitas prioridades que nunca me deram tempo de admiti-la. Também não tive dinheiro suficiente para bancar os caprichos próprios de sua formação glamorosa e altamente qualificada. 
Ocupei a vida inteira vivendo, entre tombos e levantes. Entre risos, lágrimas e resgates dos risos. Perdas e reposições da esperança. Quebras e reconstruções de minha fé no mundo e nas pessoas. Muitas vezes fiquei triste, apreensivo, mas nas horas certas dei um basta no poço. Nunca fui ao seu fundo. Jamais me abandonei.
Depressão não combina com trabalho; atitude; ação. Inércia não combina com honra. Desonra não combina com brio; coragem; amor próprio. Minha fila segue para o fim da história que aceitei construir. A depressão ficou em sua fila, esperando pelo momento improvável de minha desistência. Minha rendição.

BEM QUERER, MAL QUERER

Demétrio Pereira Sena


Elegi um de seus dois pólos, para só lidar com ele. Nos dias certos. Como você nem precisa de motivos para ficar bem ou mal humorada, prefiro e amo seu bom humor sem fundo, causa e motivação, ao seu mau humor também sem fundo, causa, motivação, e sem remédio para seus momentos.
Você é linda quando sorri. Quando está de bem com a vida, o mundo, consigo própria e particularmente comigo. Seu rosto brilha, os olhos ficam doces, macios, e a sua voz é água fresca de montanha, que bebo e quero cada vez mais. Na qual me banho e não canso de mergulhar minhas carências.
Neste momento estou de mal... de mal com você de mal... mas tudo bem; amanhã será um novo dia. Você mudará de pólo. Ficará novamente linda, luminosa, doce, macia e fresca, e ficarei de bem... de bem com você de bem.

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

PESSOA PROMOCIONAL

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Descubro, lá no fundo insondável da embalagem ou sob a frágil vitrine da hipocrisia, que suas virtudes são de vento. Percebo nas entranhas dessa contrição de rosto, que as aparências não passam de aparências. Tanto quanto entreleio em sua voz, muitos discursos para tão pouco ato. Pulso demais para coração de menos.
Foram tempos perdidos de acolhida incauta e admiração sem base. Na base da sombra e a devoção sem critério. Eu via seu outdoor e qualquer mensagem fazia sentido. Ouvia seu sistema de som e absorvia sem questionar. Você era para mim, tudo quanto queria ser, bastando se propagar com silêncios bem desenhados, volumes de palavras bem esculpidas ou logomarcas expressas em um semblante cuidadosamente planejado para comover. Convencer pela comoção.
Entendi, quase sem querer, que tudo aquilo escondia o nada. Profundamente abatido, percebi na mentira de suas verdades, em seus dons excessivos e nos dotes além do provável, que você não passa de uma campanha promocional... é um eficiente pacote, às vezes discreto e requintado, às vezes colorido e ruidoso, de publicidade.

PELOS PODERES DO FACEBOOK

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Imagem pública da rede social Facebook
O Facebook tem desempenhado um papel muito importante na sociedade: por causa dele, muitos crimes de agressão e morte passaram a não ser cometidos. O fenômeno se deve ao fato de hoje, nada ser mais terrível para um cidadão, do que não ser curtido, ser excluído e finalmente bloqueado, a depender da gravidade com que alguém foi ofendido, magoado, quiçá traído por ele. 
Ao invés de agredir verbalmente, quem está na bronca se satisfaz em não curtir o amigo virtual. Ao invés de bater, a pessoa ofendida exclui, como forma bem grave de vingança. Nos casos mais graves, aqueles indivíduos mortalmente humilhados ou feridos em sua autoestima sabem que matar não basta nem é necessário. As pessoas bloqueadas no "face" desejarão morrer, enquanto só de pirraça ou requinte de crueldade, os tais indivíduos não as matarão. O bloqueio já servirá como a mais terrível das mortes.
Se Deus existe, Ele não sabia, lá no início de tudo, que o Facebook seria criado. Nem as outras redes sociais. Se soubesse, o plano de salvação da humanidade teria sido bem mais fácil. Na verdade, nem haveria plano de salvação, pois ninguém teria se perdido. Bastaria Deus criar o "face", adicionar cada anjo - inclusive o Lúcifer -, cada ser humano, e decretar: aquele que não for fiel, não me seguir e tentar ser maior do que Eu, será, em primeira instância, não curtido. Na reincidência, excluído de Meu Perfil... e na segunda reincidência o bloquearei definitivamente.
Aí, sim: não existiriam essas pessoas que desprezam as ameaças da perdição eterna e do fogo do inferno. A rede social divina seria o céu eternamente almejado, e o diabo nem teria tempo para tramar contra Deus. Com certeza o Lúcifer, que jamais seria o diabo, ficaria encegueirado para sempre, com o Smartphone de última ou perpétua geração que Deus lhe daria, na certeza de conseguir engambelá-lo.