sexta-feira, 19 de abril de 2019

CARTA PARA CHICO BUARQUE


Demétrio Sena, Magé – RJ.

Quando me tornei seu fã, eu ainda era uma criança. Um quase adolescente que já sentia nas veias esse anseio de cidadania que ainda não tinha nome. Nem podia, naqueles anos de ferro da ditadura militar. Fui filho de um capanga da ditadura. Um funcionário da Polícia Federal que se dava o poder de polícia para cometer crueldades contra quem parecia ser contra o regime. E naquele tempo, qualquer funcionário das Polícias civil, Militar, Federal ou das forças armadas tinha mesmo poder de polícia. Portava armas e algemas com as quais ostentava o poder da maldade contra quem não comia em suas mãos. Acompanhei, caro Chico, a sua coragem de cantar a liberdade; a cidadania ainda não batizada com esse nome; a democracia como regime de governo. Com você, outros gênios ousados da canção, como Gilberto Gil, Caetano Veloso, Elis Regina, Gal Costa, Geraldo Vandré e mais alguns com quem sou injusto por me falhar a memória, sem contar os contestadores de outras áreas, que sofreram a mesma perseguição política truculenta e sanguinária que vocês. 
Mas você, meu amado Chico; sempre foi o meu gênio-mor. Meu exemplo maior de perseverança por um país livre; democrático. Talvez o único que, em nenhum momento, achou que já estava bom. Continuou teimoso em sua lida pelo país sonhado por milhões de brasileiros de alma livre; pensamento libertário; inquietação legítima por sonhar com um Brasil de todos; não de tolos. Nem só daqueles que dominam. Um país que ninguém domine, mas que seja vivenciado em toda a sua plenitude, como a mátria e pátria de qualquer cidadão. Sei, no entanto, que você só não contava que, tantas décadas depois da sua vitória musical, escrita e atuada sobre a ditadura, uma parcela tão grande da população se revelasse amante ferrenha da própria; saudosa dos tempos de torturas e assassinatos oficiais (alheios). O que foi instaurado por um golpe, acaba de ser restaurado pelo voto. Ou seja; a ditadura contra a qual você tanto lutou foi eleita pela democracia. Eu, igualmente, não contava.
Mais assustador nestes tempos contraditórios é o fato de que, essa mesma massa que hoje grita como papagaios contra o que chama, por estar teleguiada, de doutrinação, é doutrinada de forma vergonhosa por seus donos ideológicos. Senão vejamos: milhões de componentes dessa massa eram seus fãs até agorinha. Aí chegou essa nova turma do poder público e ordenou: “Não sejam mais fãs do Chico”. Obedeceram prontamente. Mesmo ainda sendo, incubados, deixaram de ser fãs declarados. Publicamente, passaram a ser inimigos. E o chamam de viado, pelas ruas, o que só é ofensa pelo termo ou tom pejorativo, mas não é ofensa ser chamado de gay, mesmo você não sendo. Sabe por quê? Porque os gays, amado Chico; masculinos ou femininas, têm se revelado as pessoas mais conscientes, inteligentes, corajosas, bom caráter e consistentes deste país que as inveja mais do que detesta.
Estou contigo, Chico. Eu te amo por tudo que você foi e é para o lado bom deste país. Também julguei que o lado bom (cidadão, livre, pacífico, solidário, consciente, sem preconceito...) fosse maior, mas tudo bem. Tenho orgulho de estar no grupo menor. E de ter sido derrotado em meu voto. Depois deste artigo, também me chamarão de viado. E também não me importarei. Independente de por acaso ser hétero, eu ficaria honrado em saber que tenho a mesma consciência cidadã; a mesma coragem, inteligência, consistência e o bom caráter dos gays. De forma tão evidente, os desta geração.

VIVENDO CONTRA NÃO VIVER


Demétrio Sena, Magé - RJ.

Observando a ética e preservando a lei, decidi bem cedo jamais deixar de fazer o que me desse desejo; por mais estranho, incomum ou descabido que fosse. Como apesar de tudo, nunca desejei algo sobre-humano ou que me custasse dinheiro, até hoje cumpri meu propósito. Fiz tudo aquilo que o coração, muitas o impulso me levou a fazer.
É desnecessário dizer que foram muitos os erros cometidos. E não há como ninguém ter se magoado em alguns momentos, às vezes muito, mas nunca deixei de puxar para mim as consequências dos meus atos inconsequentes. Fato é que nunca fui de não fazer o que arbitrei para minha vida ou pelo menos para muitas fases do existir. 
Sempre foi latente a minha caça de liberdade. A questão de não permitir buracos no tempo. Não deixar para trás as vontades; os projetos. Não ter sonhos limitados ao sono; à sonolência gerada pela preguiça de ousar. Houve ocasiões em que foi rotina quebrar a cara; muitas vezes ainda quebro, mas não tentar seria quebrar o espírito. 
É por isso que trago nas veias, nos olhos, nos traços do meu rosto e até no eventual silêncio, este grito estampado. Esta inquietação contra o deixa estar, a resignação e a obediência. Minha forma íntima de ser evoluiu para não aceitar uma fôrma de ser. Uma imposição externa para o meu comportamento pessoal; particular ou público.
Cresci sem grades. Com limites talvez, porque limites têm a ver com o próximo. Quando existem para preservar o próximo, alguns limites me detêm. Grades, não. Minha formação é livre; democrática; indignada com preconceitos, mordaças e temores. Para mim, é difícil viver nestes tempos reinaugurados em primeiro de janeiro de 2019.

segunda-feira, 15 de abril de 2019

JANELA DE AMOR

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Somos mais do que flanco entre nossas vontades;
do que margens opostas nos dizem que somos;
temos nossas verdades atadas por sonhos
ou de sonhos tecemos a ponte pra nós...
O amor que sentimos tem asas potentes;
é a mágica, o truque, o encanto exercido;
nossos dentes nos pescam no rio do tempo
que deságua nas ondas do nosso querer...
Eu te caço e me caças com fogo nos olhos,
com a pele grudada na grelha do instinto,
vinho tinto na carne tremendo entre a mão...
Entre vozes uivantes nos temos em nós;
nossa foz vai ao chão, engravida o vazio
e acende o pavio para novo incêndio...

domingo, 14 de abril de 2019

O RETRATO DO BRASIL

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Sempre fugi dos ditos reality shows. Mas este ano, depois de ver um episódio do tal BBB, na rede Globo de Televisão, quando a participante cujo nome até gravei, disse palavras preconceituosas, tive muito interesse de assistir pelo menos a mais alguns episódios, para ver até que ponto iria o preconceito da moça. Não aguentei acompanhar tudo, mas vi a parte final. A Paula foi a vencedora do reallity.
Andei lendo a respeito e vi que a moça falou, durante a temporada, muito mais frases preconceituosas do que as ouvidas por mim. E no dia de sua vitória, o apresentador a classificou como autêntica, franca, e disse que foi a única que não teve medo de ser quem é. Um elogio rasgado aos preconceitos racista, religioso, de gênero e classe da vencedora. 
O Brasil é um país muito preconceituoso. Mas os preconceitos de toda sorte ganharam força total nas últimas eleições presidenciais, com o surgimento de um líder cujos discursos racistas, machistas, homofóbicos e recheados de ódio contra religiões e seitas de origem africana incendiaram as multidões incubadas. Os mais de sessenta por cento dos brasileiros que só precisavam de alguém que os encorajasse a libertar seu ódio; sua gana separatista.
Eis o conceito em voga: franqueza é gritar aos quatro ventos ofensas contra diversidades. Autenticidade é dizer sem meias palavras: 'Não gosto mesmo de preto e macumbeiro'. Ser quem é significa não se importar com o próximo, se ele não for igual; não rezar na mesma cartilha; não for da mesma etnia, religião, condição social...
Não foi por coincidência que a vencedora do reality obteve o mesmo percentual do vencedor das eleições presidenciais no ano passado. Votos de quem diz odiar a Globo, mas estava lá, prontinha para detonar pretos, pobres, eventuais gays, umbandistas e quaisquer outros que ousem ser diferentes do padrão desenhado por uma elite de merda.

domingo, 7 de abril de 2019

SAUDADES DE MEDOS


Demétrio Sena, Magé - RJ.

Hoje tenho saudades do velho do saco;
da mulher do banheiro, asfalto, cemitério;
dos terrores, mistérios, sustos infantis,
o retrato do morto que piscava os olhos...
Sinto falta da Cuca e dos meus pesadelos,
das caveiras com capa sob a luz da vela,
a cabana do ogro no meio do mato
e aquela ruína das almas irmãs...
Eu queria ter medos que nunca mais tive,
mas não ter estes medos de monstros reais
ou dos mais execráveis moleques dos tronos...
Ficaria feliz entre as almas penadas,
porque temo viver entre gente sem alma;
tenho trauma da perda do melhor de mim...

CÉU OCULTO


Demétrio Sena, Magé - RJ.

Nunca de pecar por não pecar;
sempre fui de colher a flor da pele,
para dar de presente aos meus sentidos;
não ceder aos meus nãos que não são meus...
A minh' alma está fora do meu corpo,
minha mente se doa, se permite,
sem atritos, cuidados e rodeios
que me façam temer ferir o céu...
É o céu que se forma e vem pra nós,
o inferno se ajusta em nossos medos
pra dar voz aos conflitos que nos castram...
Não existo em razão de me guardar,
ser um anjo espremido pelas asas,
ter o ar como esmola pros pulmões...