terça-feira, 29 de janeiro de 2013

SEM ESSÊNCIA

Muitos não nascem para evoluir como pessoas, mesmo depois de crescerem tanto em tamanho, idade, profissão. Passam pelos vinte ou trinta, os quarenta ou setenta, como se o tempo jamais passasse. Ganham muito dinheiro, fundam empresas, fazem faculdade, mestrado, e no fim das contas não fizeram nada pela própria essência.
São grandes nomes, mas não propriamente grandes homens ou mulheres. Têm extensos currículos e saberes, mas quase ou nenhuma sabedoria. Seus corpos amadurecem, as rugas fazem propaganda enganosa de vivências relevantes, e no entanto, as mentalidades desmentem... as atitudes cotidianas derrubam tudo, e o que sai de suas bocas é um verdadeiro desastre... nada se aproveita.
Uma gente que apenas nasce, estica, incha... ganha músculos, estatura, beleza plástica. Torna-se placa de quem é, tentando expôr quem jamais será. Tem corpo de adulto, gente grande, mas o cérebro é de... "BBB".

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

NA SELVA DO QUARTO

Eu me pego no salto ensaiado pra ti;
minhas mãos te procuram nos meus terminais;
peço mais e me nego, mas me dou aos poucos,
com aquele remorso de quem se rendeu...
Minha carne se cobre de lembranças tuas;
 a saudade me salga, o suor me prepara
numa grelha escondida na sombra do quarto
no qual faço de conta que ainda me chamas...
Quando inflamas o sonho, carvão da memória,
já não dá pra fingir que planejo escapar;
só me cabe assumir o prazer que se acende...
Caçador que se caça te caçando em mim,
digo sim ao tempero que já me curtiu
e me como pensando no sabor que tens...

AMOR E HUMOR

Quem ama tem que humorar;
tem que ter senso de amor...
Alguém amar sem humor
é algo aquém do tamanho;
é mar impróprio pro banho;
é onda imprópria pro mar...

sábado, 26 de janeiro de 2013

VOLTANDO PRA MIM

Ao lhe dar o que sinto esperava uma troca;
fui lesado em meu sonho, minha boa fé,
quando fora de mim, desarmado e sem tino,
me tornei um menino e me deixei levar...
Vim aqui me buscar, não me quero mais seu,
faço falta em meu peito, meu quarto e meu sono,
minha vida está ôca de sentido e brio;
não me sinto mais dono de minhas vontades...
Por me dar feito alguém que se atira no abismo,
ser quem sou apesar dessas perdas e danos
dos meus anos de afeto real e profundo...
Já me sinto sem mundo e lhe cobro por isso;
quero ter o meu eu corrigido e com juros;
tenho pressa e preciso voltar a ser meu...

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

DESGASTE

Quando a ficha cair será triste pra nós;
quando a voz do bom senso entender de soar,
for mais fácil calar pra que se queira ouvir,
e se há de convir: será tarde pra isso...
Ouso crer que a verdade quer brilhar agora,
pois mais tarde a mentira já terá vencido,
se lá fora está pronto nosso precipício
que por vício e loucura queremos burlar...
Se pudermos ouvir o bom senso acuado,
tendo a tempo a noção do que tudo revela,
da novela real que dá nó nessa trama...
Usaremos a cama para refletir,
para não repetirmos os erros diários
nem os vários caminhos que nos desgastaram...

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

O PESO DA PRESSA

Vou botar estes dias no avião;
quero vê-los voar para bem longe;
não sou monge, não tenho a eternidade
pra ficar tanto tempo sem você...
A lembrança dilata minha espera,
passa e prende, me faz parar no caos,
uma fera me acua neste canto
em que choro a saudade sem limite...
Se puder despachar as longas horas
dos momentos eternos de viver,
pode ser que meu peito sobreviva...
Minha mão quase apalpa o passaporte,
mas a pressa enguiçou este avião
de levar os meus dias sem você...

domingo, 20 de janeiro de 2013

PASSADO BEM PASSADO

Você foi o sentido equivocado que meus sentidos arbitraram que havia, quando foram tomados de assalto. Foi jogo marcado para roubar minha razão. Meu destino. Todas as certezas de um destino que passei a não ter. Era visível, previsível, mas aquela cegueira não me deixava saber por aonde seguia.
Desde que a sua máscara caiu, até hoje me pergunto em que vácuo foi parar a paixão que senti. Um dia tudo pra mim, você me conduziu aos anos de fogo intenso que o mundo em volta se perguntava de onde vinha. De repente o nada, nenhuma nostalgia, lembrança relevante ou dor-de-cotovelo. Nem houve decepção ao constatar quem és, como se tudo em mim soubesse, mesmo não querendo saber, por influência do sentimento carnal, quase carnívoro que me fazia seu escravo.
Ainda bem que não restou nada. Nenhum efeito. Nenhuma sequela. Fomos novela que acabou e se desfez do sistema, por não valer a pena viver de novo nenhum capítulo. No fim das contas, você foi minha volta sem volta, para meu mundo. Viagem feita, mas anulada. Uma frase apagada no meu texto...
... Você foi minha escola de não ter saudade.

sábado, 19 de janeiro de 2013

CONTRACURRÍCULO

Tome muito cuidado ao apresentar seu currículo. Você corre o risco de fazê-lo com tanta pompa e circunstância que tudo o mais, incluindo você, poderá se tornar obsoleto. Pelo menos se comparado ao currículo.
A obra-prima de seus feitos, sejam eles artísticos ou de outra natureza, tem que ser um desses feitos. Talvez um feito futuro. Essa obra não pode ser simplesmente a exposição do que você já fez, envolta numa embalagem de luxo em forma de palavras ao vento, escritas ou oralizadas.
Seria o caso daquela pintura, de pouco estilo ou sentido, mas cuja moldura encanta. Chama toda a atenção para si, porque seus contornos, texturas e cromos foram muito mais trabalhados do que o tema da tela.
Os grandes currículos têm como atribuição impor nossa imagem. Raptar atenções. Intimidar os gostos e opiniões contrários, para que não se manifestem. Mas têm o efeito colateral de jamais deixarem surpreender, porque todos esperam mais. O máximo nunca é o máximo para os outros, porque se trata de quem pode além, talvez tudo, e qualquer coisa menor que tudo será pouco.
O indivíduo de currículo menor terá sempre a vantagem de se superar. Ele tem maior chance de causar encanto, espanto, estupefação, porque ninguém espera isso tudo. Todos à volta estão preparados  para o trivial, de forma que a superação se faz notada com grande facilidade, justamente por ser vista como superação.
Cuidado. Seu currículo pode ser maior do que sua história. Tão maior, que poderá engoli-lo. Não deixá-lo vir à tona. Ganhar vida própria e se tornar mais importante, admirado e necessário do que você.

SIMPLESMENTE

É muito fácil complicar... qualquer imbecil pode fazê-lo. Difícil mesmo é simplificar.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

PELA SIMPLES POESIA

Minha grande ambição é o poema perfeito,
que passeia no campo das palavras leves;
vem do peito e transborda no sonho comum
de pessoas comuns que só desejam paz...
Quero a grande façanha do poema brando,
sem os grandes contornos ou a contração
da palavra buscada pra fundir os olhos
ou cumprir a missão de revirar as mentes...
Pesco a graça do verso que semeia encanto,
soa como se um canto para ser ouvido
sem a velha tarefa de se desvendar...
É meu sonho secreto esparramar poesia
que só tem o princípio da poesia em si;
não a pompa das letras que se tornam teses...

SEM VOCÊ

Hoje abraço a saudade que me segue
quando a deixo e me trago pro vazio,
por um fio de vida que persiste
pra daí renascer uma esperança...
Lá na frente outros dias lhe prometem
na leveza das horas que nem sinto,
porque todo infinito de alegria
dura um sonho que nunca satisfaz...
Infinito é ficar sem seu sorriso
nos momentos de pura solidão
que ninguém é capaz de preencher...
Multidão é deserto e tudo é nada,
minha estrada se perde além do azul
e meu norte no sul de não lhe achar...

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

ASAS DO PASSADO

De repente o passado é presença infinita
que nos pega e revolve na sua embalagem,
arrebata os sentidos e detém as horas
numa densa impressão de que o mundo parou...
O passado é o futuro do nosso presente;
lá na frente o seu cerco é verdade precoce;
nada passa pra sempre, a raiz tem cordão
que nos puxa de volta pro vão que se fez...
Eis-me aqui não aqui tanto quanto parece;
não estou no endereço de minha moldura
que decora este muro do vago momento...
Sou a folha ou a pluma que o vento seduz
cada vez que promove uma volta no tempo;
amanhã que me aguarde na manhã seguinte...

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

PROFANA COMÉDIA

Fui um vento que a vida lançou pro teu lado;
revirou teus arquivos e te fez viver
o que tinhas guardado pra fluir aos poucos;
para ser muito mais do que um grande momento...
Não fui teu como a pele fez pensar que sim
nos derrames de sins que atropelaram nãos;
fomos mãos que se abriram de qualquer juizo,
por aquela paixão de juizo final...
Quando a minha carência descobriu a tua,
fiz a lua forjar um tufão no meu corpo;
transbordar no teu copo e te fazer meu mar...
Mas daí a te amar já seria distante;
fui teu Dante, o teu céu, teu inferno fugaz,
nada mais que a visão da profana comédia...

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

VIVI?

Já vivo além
do que pensei
que viveria,
mas vejo enfim:
o que não sei
é se vivi
ou vi a vida
passar por mim.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

UMA CRÔNICA EM 3D


Domingo fui ao cinema com a Nathalia, o Luís Fernando e a Eliana. Fomos ver um desenho animado em 3d. Uma história fantástica de videogames cujos personagens trocam de jogos como se tivessem, secretamente, vida e vontade próprias. Mais fantástico ainda, foi assistir à história vendo aquelas imagens gigantescas como se estivessem fora da tela e a menos de um centímetro de meus olhos. Muitas vezes, como se eu estivesse no cenário e participasse da cena. Sei que pra muita gente é comum essa tecnologia, mas não pra mim. Ela continua me causando espanto.
Em dado momento, por mais fantástica e surpreendente que a história fosse, me desliguei de tudo e comecei a delirar. Imaginei-me roubando os óculos do cinema, para tentar ver a vida em 3d. Puxar da memória e da imaginação, vivências passadas e pessoas queridas. Talvez ver o sol, ver a lua, estrelas e astros em 3d, para me sentir no espaço sideral. Atrair as montanhas, a extensão do mar e as flores raras. Colar nos olhos, personagens deslumbrantes que parecem sempre longínquos porque moram nos filmes; nas fábulas dos livros; nas revistas e anúncios televisivos de produtos ambicionados.
No fim das contas, achei melhor não roubar os óculos. O que me deteve, além da consciência dos meus delírios, não foi o temor de ser perseguido e humilhado. Nem mesmo a ideia da indignação de amigos e familiares. Foi um medo mais profundo e subjetivo: não queria trazer aos olhos o futuro e suas surpresas. É que o futuro pode ser bom, e assim o sonhamos, mas ainda que o seja, reserva muitas perdas; muitos adeuses; muitos fins. Guarda inúmeras angústias, dores e pesares que virão em seu tempo, mas as pessoas que podem antevê-los começam logo a sentir. Sofrem por antecipação.
Quem tem o dom de saber o futuro, vê-lo bem perto quando ainda é distante, carrega na flor dos olhos tragédias, despedidas e fechamentos de ciclos. Pode se alegrar antecipadamente com a possível visão de um mundo novo e melhor, mas também se aterrorizar com os eventos escatológicos do velho mundo. Saber de tudo e não poder fazer nada. Calar e sentir culpa, vendo a ignorância maciça, ou anunciar e ser visto, reprimido e caçado como louco.
Agora posso entender os videntes. Eles nada mais são do que pessoas dotadas de visão em 3d, pelo que pagam caro... muito caro... bem mais do que o preço absurdo que já se paga por uma sessão de cinema no shopping, onde as pessoas valem o que podem consumir.

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

PRESO EM MIM

Quando falo e os ouvidos não traduzem,
não auscultam, só sabem escutar,
se meu grego é de fato língua morta
contra portas que nunca se abrirão...
Onde a voz não tem vez, nem mesmo escrita;
grita em vão, joga tinta no vazio;
meu latim é o latido indecifrável
que não causa ternura nem temor...
No momento em que as minhas expressões
não têm mais expressão, volume, peso,
quando as páginas férteis dos meus olhos
já não brotam nas terras de outros olhos...
Se meu íntimo é sempre distorcido
ao sair dos limites do silêncio,
é melhor ser meu próprio prisioneiro...

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

VIDAS

Quando saio de mim construo pistas;
ponho minhas pegadas no caminho;
deixo ninho pra ter por que voltar
e não perco de vista o que já sou...
Sei que fora de mim é tudo vago;
é apenas um trago na ilusão;
vida extra que a vida me permite
pra que o mundo se mostre como é...
Sempre volto pra mim depois dos tombos,
trago todos os rombos e pedaços,
pra fazer as costuras e as colagens...
Uno restos de forças na minh´alma,
junto velhas coragens esquecidas
noutras vidas que outrora quis viver...

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

DITADURA DE AFETO



Meu coração foi um livro aberto para você. Um livro legível; franco; exposto. Foi de fácil manuseio e leitura, mas encontrou a su´alma sem capa, espelho e face.

Na inexistência de sua face, achei um olhar analfabeto que se negou a me aprender.  Ao invés disso, quis me apreender por força da própria lei, quando além de não ler meu íntimo, sua truculência emotiva não soube ler meus direitos.

Tanta pressa não soube nem decifrar os desenhos do código penal de seus caprichos que se autoburlaram, tentando violar o tempo e a democracia do meu amor.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

PEDRA BRUTA

Se não tivesses tentado me abduzir nem grilar as terras baldias do meu coração, de uma coisa estou certo: podias ter me seduzido aos poucos. Isto seria possível sem a voz de comando nem de prisão, que fez de mim um bicho arisco. Fez-me compreender o teu fisco e sonegar ostensivamente, por julgar a cobrança desonesta.
Tivesses plantado flores um pouco mais delicadas no meu chão... e só depois intuísses, de forma branda e serena, o que determinaste como se fosses dona da verdade sobre sentimentos, descobririas enfim: a rigidez do meu não, foi a muralha do medo... foi o broquel do mistério... do mais longínquo segredo que transporto...
Viesses com a sutileza de me sondar com profundidade, rompendo a barreira do que vias, teria sido provável... bem provável que descobrisses no poço de quem sou, a pedra preciosa do sim... e terias vencido a outra pedra; pesada, grotesca e densa, mas removível, que se põe no caminho em direção ao meu fundo.
Vieste aqui para me roubar de mim... uma pena: se fosses garimpeira, talvez tivesses me achado. Com muito jeito, eu teria ido... e até me levado junto.

TEMPO A GANHAR

Tenho tempo de achar uma vaga em meu tempo,
pra dizer um olá; seja lá como for;
para coisas de amor, dentre tantos afetos
temporais; infinitos; tocáveis ou não...
Todo tempo do mundo, mesmo que não todo,
mesmo que todo o tempo seja momento;
que não dure a passagem do vento no rosto,
pois o gosto; este sim, permanece comigo...
Até mesmo sem tempo consigo achar brecha;
uma flecha instantânea pra romper a treva
pela fresta fugaz que a vertigem permite...
Só não tenho mais tempo a perder nessas perdas
do meu tempo a ganhar com pessoas legíveis,
que também saibam ler as versões de quem sou...