sábado, 24 de março de 2018

EM DEFESA DO MEU EU


Demétrio Sena, Magé – RJ.


Pelo visto, você acabou descobrindo que eu sou um ser humano. Decepção; né? Não cabia em seu conceito, que um poeta romântico e socialmente sensível tivesse lá seus arroubos de franqueza tosca. De crueza e até de alguma injustiça. Ficou estampado em sua concepção distorcida, que um brinquedo padronizado como eu jamais lhe contrariaria. Que a minha ingenuidade como carrossel afetivo a manteria no lombo enquanto você quisesse... e sempre do jeito que você bem quisesse.
Precisei derrubá-la de seu andor. Não por maldade, mas por defesa. Em nome de minha pessoalidade; a manutenção de meu eu mais fundo. Alimentar seus caprichos, mesmo involuntários, de quem quer e não quer, expulsa e chama e no fim das contas não sabe a que vem ou não vem, fere frontalmente minha natureza livre. Resolvida. Dona do querer que tem. Sempre de bem com os próprios erros, acertos, defeitos e até virtudes que autenticam a própria existência.
No fundo, bem lá no fundo, não foi um problema para mim você não saber o que queria. Isso é bem compreensível. Eu mesmo, tantas vezes me flagro sem a menor ideia do que eu quero. O que me fez cair do poeta e ser abruptamente humano, foi a renitência com que você forjou querer como eu, me levando ao aparato ridículo de cena e cenário que serão sempre ridículos nas esperas frustradas não exatamente de quem não sabe o que quer... mas de quem não sabe o que não quer.

POVO BRASILEIRO


Demétrio Sena, Magé – RJ.

A gente pega doença em hospital;
a gente vira bandido na prisão;
a gente fica maluca em sanatório;
a gente come veneno por dieta...
É atleta sem força nem saúde,
é artista sem arte que se veja,
faz velório de morte pré-datada
na capela mortuária da vida...
Uma gente marcada feito boi,
pra pastar nos desertos do direito
que não vale pra gente como a gente...
A gente sempre foi vista como bicho
pelo lixo que a gente põe nos tronos
pra sugar o que a gente já não tem...

CIDADÃO


Demétrio Sena, Magé – RJ.

Entenda ou não,
não sou esquerda;
nem direita;
nem volver...
Sou cidadão
que não aceita
receita e seita
de viver...

CONSCIÊNCIA EM GUERRA


Demétrio Sena, Magé – RJ.

Minha paz não tem paz com gemidos em volta;
com as guerras e crises; as balas cruzadas;
a revolta estampada nos olhos do mundo
que perdeu a razão e se deixou ruir...
Meu sossego é cruel, sem sentido e verdade,
se me perco na caixa de minha ilusão,
ponho grades em torno do reino abstrato
e da frágil versão do meu sonho ideal...
Só terei consciência se não for tranquila,
pois também me aniquila o que aniquila os outros;
se não for aqui mesmo, será mais à frente...
Criminosa é a mente que repousa e dorme
sobre todos os gritos de agonia e morte,
sob a nuvem de sorte que banha o seu ego...

CONTRADITORIAMENTE


Demétrio Sena, Magé – RJ.

Políticos nunca me decepcionam. Podem até me encantar. Muito raramente, mas podem. Decepcionar, não.  É que se trata de uma classe tão mentirosa, trambiqueira e daninha, que me ocorre o seguinte fenômeno: quando um político entre um milhão cumpre a palavra ou o compromisso, fico encantado com a surpresa. Quando não cumpre, não tem problema; eu já esperava por isso.

sexta-feira, 16 de março de 2018

STEPHEN HAWKING: CELEBRIDADE REAL


Demétrio Sena, Magé - RJ.


A morte do físico Stephen Hawking, considerado por quase todos da comunidade científica mundial, o maior cientista de nosso tempo... que do interior de um corpo inerte falava por meio de computador, e assim mesmo ajudou tanto a humanidade com suas teorias, máximas e descobertas, privou o mundo moderno de uma celebridade plena. Real. Totalmente justificada pelo sentido original do vocábulo. 
Apesar do contexto fútil, que gerou a ressignificação popular já registrada nos dicionários, originalmente celebridade aponta para o que é celebre: distinto; ilustre; louvável; grandioso. A pergunta que me faço é se não soa injusto chamarmos de celebridades pessoas tão simplesmente famosas. Que além de serem famosas, não têm atributos nem histórias que possam torná-las compreensivelmente célebres; distintas; ilustres; louváveis; grandiosas. Não contribuem de nenhuma forma para tornar o mundo, pelo menos o seu país, quem sabe a sua comunidade um pouco melhor. Não influenciam de formas grandiosas e consistentes os hábitos de um povo. Muito menos ajudam a gerar transformações, mudanças relevantes de conceitos, e principalmente: não duram. Não ficam para a eternidade. Passam sem deixar marcas. Suas trajetórias logo mostrarão que tanto faz elas terem ou não vivido, porque o mundo, a nação, o estado, sequer a comunidade sentirão falta. Suas vidas não disseram a que vieram.
Enquanto tratamos como celebridades pessoas que participam de um reality show; que surgiram agora numa novela; estão no auge da moda repentina e visivelmente passageira por causa de uma musica vazia; uma polemica sem qualquer peso nem importância, os gênios da humanidade ou do nosso entorno vão ficando esquecidos: cientistas, inventores, filósofos, artistas plásticos, pensadores, grandes professores, ícones da solidariedade humana, escritores, ativistas, cantores, compositores... pessoas simples de qualquer meio, que deixaram ou que ora constroem trajetórias previamente memoráveis por seus contextos, profundidades e sentidos amplos. Autores de obras ou atos perfeitamente capazes de causar impactos positivos nos que tiveram ou têm a sorte de conhecê-los, pessoalmente ou não. Pessoas que foram ou não reconhecidas, e se não foram, azar do mundo.
Perdemos em Stephen Hawking, uma das últimas celebridades do planeta. Estão morrendo as celebridades. E o mundo, e os nossos países, e os nossos entornos não estão sendo beneficiados com reposições a contento. A sociedade atual está muito fútil; muito massificada; imediatista; consumista... muito ávida pelos resultados rápidos; o lucro para ontem.

ÚLTIMO ATO

Demétrio Sena, Magé - RJ. 

Chega o tempo em que a vida nos amansa, 
em que o mundo nos faz conter os atos, 
pois a força descansa em nossos sonhos; 
nos boatos que vencem as certezas...
Uma vida que o tempo desbotou, 
onde os atos se ajustam para o mundo,
não restou a sonhar senão boatos
de que o fundo, no fundo, é bem além...
E assim chega o tempo em que já chega,
mas o resto se deixa remoer
pra nos dar um consolo sem sentido.. 
É um ato em que a vida que se tem 
já não é de se ter, mas ver passar 
no teatro que o mundo impõe ao fim...

DEPOIS DO TEMPO


Demétrio Sena, Magé - RJ. 

Chega o tempo em que a vida nos amansa, 
em que o mundo nos faz conter os atos, 
pois a força descansa em nossos sonhos; 
nos boatos que vencem as certezas...
Uma vida que o tempo desbotou, 
onde os atos se ajustam para o mundo,
não restou a sonhar senão boatos
de que o fundo, no fundo, é bem além...
E assim chega o tempo em que já chega,
mas o resto se deixa remoer
pra nos dar um consolo sem sentido.. 
É um ato em que a vida que se tem 
já não é de se ter, mas ver passar 
no teatro que o mundo impõe ao fim...

QUEREÇÃO


Demétrio Sena, Magé – RJ.

Você não é obrigada a querer o que eu quero. Também não sou obrigado a não querer o que você não é obrigada a querer, e por isso quer que eu não queira. Quero que fique evidente que não quero nada que deponha contra mim, querer... e que neste caso, é sem querer que eu quero o que você já nem quer querer.
Seja como for, muito obrigado. Foi um prazer querer o que você queria que eu não quisesse, para que o meu não querer se ajustasse ao seu, pois nosso querer ou não querer jamais seria o mesmo. No entanto, você só me quereria dentro dos contextos do seu querer.
Deu pra mim. Não deu. Quero sossego, embora sossego seja tudo que não quero neste campo, ou pelo menos queria não querer. Sobrou respeito, a respeito e despeito do que se quer, não quer, queira ou não queira que se queira ou não, de modo que o respeito nos recomenda o pior, que neste caso será o melhor para nós.

DE BOA FÉ


Demétrio Sena, Magé - RJ.

Prefiro me fazer de bobo, a ter uma consciência maliciosamente permissiva. Dessas que me levariam a fazer o próximo de bobo.
Tenho muitos defeitos. Muitos, mesmo. Tantos, que até sufocam e anulam, não raras vezes, as poucas qualidades que me permito saber que tenho. Que ainda tenho.
Das minhas bem poucas qualidades, creio poder afirmar que sou um homem de boa fé. Ou se você preferir: de boba fé.

quinta-feira, 15 de março de 2018

QUEM MANDOU?


Demétrio Sena, Magé – RJ.


Quem mandou ter crescido nos becos da Maré e não ter ficado por lá mesmo, quietinha em seu canto, vendo a vida passar? Assistindo aos desmandos, às covardias e todos os demais efeitos das desigualdades sociais? Quem mandou ser ativa, inteligente, querer estudar, conhecer o mundo que a cerca e se acercar dos oprimidos, os negros, pobres, renegados por questões de gênero, opção e condição social?
Quem mandou não se conformar com o mundo como é, e se meter na política, velha “praia” dos homens, que a querem de volta só para eles? Quem mandou... quem mandou ser corajosa, ter fome de justiça, visão apurada, crítica e profunda? Enfrentar a polícia que mata em vez de proteger vidas? Por que diabos encasquetou de gritar contra a corrupção, a violência como um todo, e fazer diferente num campo minado pela ganância e a falta de respeito a quem ainda deposita nesse campo suas esperanças?
Você foi avisada e não obedeceu. Continuou a ser quem era. A sonhar com um mundo melhor a partir de sua comunidade, suas crianças, mulheres e homens de todos os sexos, gêneros, etnias e religiões. Prosseguiu com a teimosia de querer paz, respeito, cidadania, direitos iguais, uma sociedade para todos. Foi em frente na sua obstinação em não aceitar que a desgraça humana é algo normal para quem nasce nos morros, nas baixadas, nos lugares distantes da mídia e das atenções de quem busca voto e lucro.
Diga; mulher; quem mandou? Quem mandou ser negra e ousada? Favelada e doutora? Tomar o próprio destino em suas mãos e querer ajudar os mais carentes, injustiçados e desassistidos a transformar seus destinos para melhor? Isso não está nos scripts da farsa humana, montada pelos que sempre foram os donos de tudo; senhores do engenho social que jamais deixou o contexto da escravidão pseudo-abolida.
Ninguém lhe mandou subverter a ordem geral, que não é senão a desordem. Querer o progresso humano, que não combina com o progresso desenfreado, irresponsável, pelo qual vale tudo. Enfrentar a polícia deteriorada, em nome de suas vítimas, e conhecer os olhos maus de quem quer o mundo só para si. Quem mandou? Em nome de tudo quanto é sagrado, quem mandou ser gente? Ser do bem? Semear esperanças, engrossar sonhos, não abrir mão de sua cidadania e da cidadania do seu povo?
Os que tanto avisaram, “amigos” eram. E deixaram de ser, à medida que você foi se tornando mais incômoda. E a mataram, para que você deixasse de se preocupar com o outro. Com esse próximo, que eles querem cada vez mais distante da realidade que os cobre do luxo que não lhes pertence. Do que seria de todos.
Quem mandou; invejável mulher? Quem mandou não mandar, ao lado deles? Quem lhe mandou pedir licença, para continuar a fazer parte do cotidiano de sua gente? Um cotidiano, que se você não fosse a grande mulher que foi, teria deixado de ser seu, e você estaria viva não por mérito, mas por ser indignamente viva como quem a matou. E agora, mulher? O que faremos desta lacuna? Quem mandou?

Pela vereadora assassinada Marielle Franco e o motorista Anderson Pedro Gomes

domingo, 4 de março de 2018

EXPECTATIVAS FILIAIS

Demétrio Sena, Magé - RJ.


Filhos querem contar com nossos olhos,
nosso brilho de alerta e nosso excesso,
pois o preço daquele "deixa estar"
manda suas cobranças para eles...
Eles gritam com gritos ou silêncios
quando a vida lhes fere no vazio,
tira o brio, lhes priva de autoestima
e revela que somos vãs miragens...
Pedem erros, acertos nas ações,
atenções necessárias e nem tanto,
cismas justas, injustas, extremadas...
O que filhos não querem é distância,
nem a calma que diz que tanto faz
ou a paz que relaxa e lhes expõe...

SER-NÃO SER


Demétrio Sena, Magé - RJ.


É pra manter, pois que zele;
se for pra esfriar, congele;
vai ferir, então flagele;
jamais protele o querer...
Não vai montar, sequer sele;
pra não pintar, nem pincele;
sem ser total não parcele,
nunca se atrele sem ir...
A vida exige vontade,
quer que sejamos verdade,
quem tem argila modele...
Um ser-não ser gera trauma;
enquanto amor, seja alma;

quando paixão, seja pele...

MODA E MODO

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Muitos já entenderam que a última moda nunca é a última. E que sempre virou moda não estar na moda. Mais ainda: tudo é cafona quando vira moda, porque uniformiza. Deixa todo o mundo ridiculamente semelhante... vira farda nacional.
Só fica mesmo na moda, e mesmo assim por instantes, quem a põe no mercado. Quem inventa ou usa primeiro, quando ninguém imagina que algo às vezes tão ali, tão aos olhos e à mão faria tanto sucesso. E quem inventa ou usa primeiro, deixa de usar assim que aquilo se massifica, e vai lançar outra novidade. Outra moda.

Moda, mesmo, é o modo individual de ser, estar, vestir e se propor. O resto é cópia. É querer ser o outro, numa constante mutação agoniada e vertiginosa em busca da opinião alheia. Inventar moda é grande. Segui-la, por sua vez, é ficar visivelmente invisível.

sábado, 3 de março de 2018

CRIANDO CIDADÃOS


Demétrio Sena, Magé - RJ.

A vida em sociedade não se restringe ao que é certo ou errado. Legal ou ilegal. Arriscado ou sem risco. Também existem o ético e o antiético; de bom e de mau tom; o adequado e o inadequado. Há muitos atos que a lei proíbe, mas que não geram consequências, não fazem ninguém sofrer agora nem no futuro, não constrangem nem desconsertam. No entanto há outros que a lei permite, mas causam sofrimento e dor; geram sentimentos confusos; conflitos internos; constrangimentos duradouros e de alta relevância.
Devemos criar os nossos filhos dentro desses princípios. Não apenas com palavras ou ordens a serem obedecidas, mas com a convivência. Se agirmos dentro da lei porque isso é certo e não porque seremos presos ao não agirmos... se tivermos comportamentos éticos e adequados para que copiem... se nos portarmos com e diante deles de formas firmes e corretas, sem precisarmos recorrer às ameaças e à prática de pô-los contra a parede, criaremos filhos sadios. Com seus desvios naturais, porque ninguém é perfeito, mas com caráter firme; personalidade serena; senso de responsabilidade.
Chega o tempo – a idade – em que os filhos, mesmo ainda menores, precisam ser menos mandados. Ter ainda seus deveres, como sempre terão, mas ter aqueles direitos que antes não lhes dávamos, porque ainda não saberiam o que fazer deles. É o tempo em que teremos de respeitar sua privacidade, seu direito a certos segredos e a sua própria aplicação de alguns códigos e valores que lhes ensinamos e agora são usados, de alguma forma, contra o nosso poder de arbitrar por quem antes dependia de todos os nossos comandos. A idade da cidadania não chega só aos dezoito.
Sejamos para nossos filhos, exemplos presenciais de comportamento ético; adequado; democrático; firme sem tirania. E não restrinjamos nossos ensinamentos ao que a lei proíbe ou permite. À fuga do que a sociedade aponta como fatal. Ao medo só da desgraça física. Se atentarmos para o que é ético, de bom tom, adequado e dentro dos conceitos que eles, os filhos, querem que respeitemos porque assim aprenderam, e foi bem aprendido, suas cabeças e seus corações estarão preservados e ninguém os enganará na idade adulta, com lábias maliciosas. Com abusos velados e contidos.
E o mais importante, nossos filhos serão daqueles cidadãos que sabem: roubar, entre outros crimes, é errado. Mesmo que não sejamos presos. Mesmos que a polícia nunca saiba. Que a sociedade não faça ideia. E quem vê assim os códigos de lei, com um respeito que em nada lembra medo, terá uma vida inteira pela frente, amparado por códigos de conduta livre, porém responsável, de forma que sua vida nunca será um arranjo de permissividades dentro da lei. Nunca será uma bagunça.

CRÔNICA SUJA SOBRE A POLÍTICA BRASILEIRA


Demétrio Sena, Magé – RJ.

Em uma conversa bastante livre com a professora Eliana Malheiros, sobre o momento político atual, fui surpreendido com o seguinte arroubo, que achei bastante apropriado para os nossos representantes: “Hoje, escolher entre Temer, Lula e qualquer outro político brasileiro, é como dizer que bosta você prefere: dura, mole ou pastosa”.
Embora eu ainda seja cabeça dura o bastante para ter preferências, não posso deixar de concordar com a Eliana, e aplicar essa máxima em todas as instâncias: federal, estaduais e na minha cidade, Magé. É olhar para um lado e outro, ter que escolher, mas não ter o que escolher, e acabar mesmo optando entre a bosta menos daninha, naquela base do fulano é assim ou assado, “mas pelo menos...”. E tome “pelo menos” intestino adentro, usando uma vaselinazinha e outra, pela ilusão de que dói menos.
E a nojeira não acabou. Ela disse ainda, e mais uma vez achei apropriado, que os ativistas politicopartidários, militantes ou simpatizantes mais acalorados de qualquer legenda “vivem na lama e defendem os jacarés que os afundam até o pescoço”. Perdoem pelo despejo. Sobre tal turma, não dá mesmo para filosofar com palavras limpinhas.