segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

JUSTA HORA


Cada vez que você sentir tristeza com a lembrança do pai saudoso, lembre-se da alegria que lhe deu em vida, sendo pessoa trabalhadora, honesta e bem sucedida, graças aos seus esforços. Volte-se aos olhos cintilantes de orgulho desse pai, quando você recebeu o primeiro diploma; conquistou seu primeiro emprego; tornou-se uma cidadã completa. 
Não chore de amargura porque seu pai se foi. Saiba que ele se realizou em você, mais do que em si mesmo. Foi feliz assistindo ao seu sucesso, que importou muito mais do que o próprio. Completou-se na sua felicidade no amor, no primogênito e todas as demais conquistas. Sentiu-se bem mais ele, cada vez que você foi mais você no que fez, no que projetou e fez realizar. Sonhou seus sonhos, viveu suas realidades, amou seus amores.
Saiba, sobre todas as coisas, que ele partiu grato, por ter sido ele. Enquanto você chorava junto a um corpo sem vida, um espírito se enternecia sorrindo em silêncio, por saber que lhe foi permitido cumprir uma importante missão. Que essa missão foi prepará-la pro mundo e deixá-la pronta para dar continuidade ao sonho de um novo tempo.
Perdoe-o por ter ido. Não foi por mal. Chega um tempo em que nada faz sentido, a vida já é completa e não há por que seguir. Aí acordamos para um novo plano, deixando que se nos leve de alguma forma que não podemos prever. Saiba, enfim, que ele não a perdoaria, nem ao destino, se você tivesse roubado a alegria que ele teve, de não vê-la partir.

VAZIO


Foram todos os beijos, todas as salivas,
águas-vivas brotadas de línguas-de-fogo,
todo jogo de corpo e percurso das mãos,
tantos nãos em gemidos temperando sins...
Foi um mundo só nosso, de gozos e seivas,
uma lavra de amor inundando canteiros
de sentidos acesos em nossas entranhas;
fomos teias, aranhas e caças felizes...
Era tudo prazer; nossas almas na pele;
nossos corpos em chama enfiados um noutro;
nossa vida igual rio correndo na cama...
Somos restos de nós; dessa farra que fomos;
temos hoje um vazio, este sulco da foz
que secou na distância, na sombra, no estio...

ADEUS AOS ADEUSES


Desocupo meu mundo e me dou por feliz,
porque sinto esta paz que nem sei se de fato,
mas permite o repouso que sempre pedi;
sempre quis desde o caos dos amores contínuos...
É tristeza indolor, sobre a qual me acomodo;
que adormece a tensão deste sonho já gasto,
faz a cama num pasto com relva macia
de viçosa esperança num dia melhor...
Dormirei como alguém que supera o viver,
cumpre todo seu tempo arquivando a missão
num armário embutido em verdades tombadas...
Dou adeus aos adeuses, vindas e partidas,
ao desfile de vidas em minha emoção
que se rende ao cansaço e só quer esquecer...

GARGANTA DO INFERNO


Vejo a saga dos maus conduzi-los aos prêmios,
como assisto à falência da boa vontade
que se dobra exaurida pros golpes diários;
pro poder dos que assinam senhores da vida...
São heróis populares os nossos vilões,
levam nossos milhões e nos deixam migalhas,
porque somos marcados pela estupidez;
nossa res tem preguiça de alertar os olhos...
Garimpamos o gueto, a miséria, o descaso;
este prazo oprimido, arrastado e servil
que nos reptiliza condenando às moscas...
Vidas foscas à sombra dos mitos de sempre;
esses mitos vomitam tristes realidades
ruminadas por nós na garganta do inferno...

BRASIL DE NÃO BRASILEIROS


Nada ou quase nada sei sobre as bolsas de valores daqui, de Ohio ou de Tóquio. Sou, talvez, a pessoa mais leiga entre as de alguma bagagem cultural, no que diz respeito a produto interno, produto externo e mercado glogal.
O que sei (agora posso dizer que poucos sabem mais do que eu), é sobre o inferno que o supermercado deflagrou em meu bolso, vazio faz tempo. Enquanto as fichas padrão variam nas pesquisas que fazem, para satisfazer burocratas e simpatizantes populares, vou às compras e compro menos. O plano de saúde se torna inviável. Esse Brasil melhor do qual falam fica sempre mais distante. Vejo-o na falação dos noticiários, como imagino que um macaco olha o mundo ao se ver cercado pelo vai e vem da metrópole à qual muitos símios são condenados. 
Pesquisadores desenham meu país com rabiscos ligeiros, frios, calculando-o por metro quadrado. Entregam suas impressões colhidas em alguns dados e elementos aos que mandam nos destinos sociais de milhões. Com isso, como que decidem o futuro na utopia dos que sorriem aliviados porque ouvem dizer que o Brasil está melhor. Não sentem isso no bolso, no estômago, no dia-a-dia, mas ouvem dizer. Os meios de comunicação é que sabem. A oficialidade ordena esse conceito, essa crença, esse consolo psíquico dos que se cansaram da realidade
Nessa realidade indesejada, quem sabe se a pobreza está em alta ou baixa é a própria pobreza, perante a paisagem colorida ou deserta no mapa da mesa simbólica, pois quase sempre nem mesa existe.
Somente os que vêem as vidas de entes queridos serem estancadas nos traços de balas perdidas é que sabem de fato quais são os índices de mortalidade por violência urbana. É como a mortalidade por desnutrição e fome, abandono, doença. Fichas e números, discursos otimistas na tevê, ufanismos patriotas de mandatários políticos não correspondem ao quadro real das periferias e dos recônditos do Brasil.
O povo espera o dia em que fará parte desse país dos noticiários institucionais. Das matérias pagas. Das notícias de uma terra distante que o fazem pensar que está a seus pés, nos brados sórdidos em coretos de todas espécies. Especialmente os televisivos.

RETRATOS E RETRETAS


Tenho medo que venhas e caias do sonho,
que meu todo não seja uma boa resposta
para tua esperança do afeto certeiro;
teu encontro contigo nas minhas entregas...
Pode ser que não aches a fonte vital,
minhas águas não possam curar teu cansaço,
o teor expressivo da tua carência
só encontre mais vício no meu alcatrão...
Mesmo assim me reservo pra tua chegada,
guardo afagos e beijos curtidos no peito,
toda estrada que posso pra pôr aos teus pés...
A coragem do medo respira miragens
de momentos felizes que serão retratos
e retretas que nunca deixarei de ouvir...

SÍNTESE DO UNIVERSO


A máxima de que o mundo é pequeno se evidencia no poder de síntese do haikai. Não é só o mundo. O universo é pequeno e pode ser decantado com perfeição nas 17 sílabas desse poema que se traja de frieza e burocracia. Só se traja, porque mesmo sob esse pano, emociona; sensibiliza. 
Têm o mesmo poder as artes plásticas. Elas desenham ou modelam o mundo, o universo, a vida, fazendo-os caber na moldura ideal dos olhos. Na janela ocular do raciocínio e da sensibilidade, misturando cores, traços e formas e harmonizando a pluralidade caótica do que existe.
Quando letras e artes ficam juntas é como se esse todo, hermafrodita, fizesse amor consigo mesmo e gerasse a profusão do verbo, dos tons, os sulcos e relevos que o explicam. Inexplicavelmente explicam.
O artista plástico Fiuza e a escritora Benedita Silva de Azevedo* unem haicai e artes plásticas numa exposição surpreendente. O haikai é um poema visual. Retrata um momento, um cenário, como se fotografasse. As artes plásticas escrevem o mundo em suas cores e/ou formas, como se poetassem. Nada mais harmônico, então, do que o casamento de ambas as modalidades.
Na exposição síntese, as letras e as artes não têm nomes. Têm assinaturas, mas não nomes. São assinaturas universais, como a síntese das peças em lua-de-mel nesse evento que nos convida a pensar; vivenciar; sentir.

*Fiuza e Benedita, de Magé, promovem uma exposição de artes plásticas e haikais no Centro Cultural Aloízio Azevedo, no distrito mageense de Guia de Pacobaíba.

BEM ALHEIO


Sem amor desde quando me desencantei,
sou atado ao desejo que me lambe assim;
digo amém ao teu corpo, e na lei do prazer
vou ao fim deste poço que reflete o fundo...
Apaguei de minh´alma o menor sentimento,
mas o cio se deixa laçar pelo cheiro
do momento que ateia este fogo na pele;
do canteiro de sonhos que a carne rebenta...
Este jogo ardiloso no qual me arrebatas,
catas todas as sobras de quem fui pra ti,
nunca mais recupera o que senti outrora...
Desde quando arbitraste me fazer de coisa,
tens na noite uma coisa que não te pertence;
que não vence teus muros, mas é bem alheio...

O MAPA DA MESA


Nada sei sobre a bolsa daqui ou de Tóquio;
de mercado global nem de produto interno;
sei apenas do inferno que o supermercado
deflagrou em meu bolso vazio faz tempo...
As pesquisas variam nas fichas padrão
desenhando o Brasil com rabiscos ligeiros,
decidindo nos dados de alguns elementos
os momentos da vida real de milhões...
Quem dirá se a pobreza está em alta ou baixa
é a própria pobreza perante a paisagem
colorida ou deserta no mapa da mesa...
Saberão sobre os índices de mortandade
os que vêem as vidas dos entes queridos
estancadas nos traços de balas perdidas...

FORRA

Não sou tão vingativo a ponto de afirmar que, comigo, é "dente por dente; olho por olho". Aliás, nem sou homem de vinganças. No máximo "vou à forra", e de formas bem amenas. Diria com  propriedade que, comigo, é "dente por dentadura; olho por óculo".

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

SUSTENTO PESSOAL É SUSTENTABILIDADE


Mesmo com todas as notícias escatológicas sobre as consequências do desmatamento, ainda ouço (e tento não crer) pessoas dizerem que certas áreas florestais são “tantos lugares sobrando para plantar....”. Um conceito que vem de séculos, nutrido pela ignorância de quem pensa que o grande problema do mundo é a falta de espaço adequado para a agricultura. Não é. O grande problema é a falta de incentivo para o plantio. É claro que existem questões climáticas (secas, enchentes e outros fenômenos naturais), mas existem muitas terras de fato ociosas. As florestas não estão incluídas nessa categoria. Não são espaços ociosos. São guardiãs naturais da vida na terra.
Guardiãs que agonizam, sofrendo pela falta de consciência ecológica das madeireiras, dos livres predadores e dos produtores agrícolas inescrupulosos. É essa mesma falta de consciência que destrói os mares e rios em nome do lucro, com prejuízo da qualidade da água, da terra e do ar, levando-nos à fomentação de um mundo cada dia mais difícil à manutenção da vida. Ainda se acha que o buraco na camada de ozônio é uma invenção da mídia. Os pulmões sofrem, a pele idem, mas os olhos da consciência não conseguem ver essa realidade.
Só se pensa na vida presente; imediata; proporcionando às futuras gerações um planeta deserto, quente e catastrófico. Ou o nada, pois é bem provável que não haja planeta, se o ritmo da destruição não desacelerar, até que cesse. Logo não existirão os alardeados “tantos lugares para se plantar”, porque eles precisam até mesmo da proximidade das florestas. E com as florestas destruídas, não há como plantar com sucesso. Com perspectivas de colheitas.
Fala-se muito, hoje, em sustentabilidade. Mas esse conceito, em sua característica mais honesta, não chega aos mais simples. Os que lidam diretamente com a terra. Também não chega aos nossos filhos, porque deixamos para falar de natureza, preservação, consciência ecológica e sustentabilidade com os outros.Os que ficam mais impressionados e garantem a nossa fama. Nossa ascensão pessoal. Preferimos escrever para jornais, revistas e sites, a ensinar aos nossos esses conceitos fundamentais para a manutenção da vida. Há sim, espaço para o plantio. Só é necessário haver critério de produção sustentável e uma política de incentivo real para os produtores. 
A produção, entretanto, tem que ser de tudo. Não apenas de produtos que, por exemplo, servirão para alimentar máquinas. Motores. Nossos estômagos continuam precisando de combustível. 

O PORCO E O SUJO

Não se há de negar que político seja mesmo sujo... Mas há eleitores tão íntimos da corrupção, que quando o político sai às ruas para panfletar entre eles, é bastante adequado chamar esse corpo-a-corpo de... porco-a-porco.

SERVIDÃO


Se puder não voltar, seja bem-ida;
minha vida já pede a liberdade;
vá em paz e me deixe nesta guerra
pelo mundo que deixa de ser meu...
É que odeio lhe amar com tal excesso,
odiar qualquer coisa que não sua,
odeá-la com todos os meus odes
de manhãs e de luas; mar e sol...
Fico aqui remoendo esta saudade
que se apressa e vem antes desse adeus
desenhado na folha do seu rosto...
Mas preciso que vá, seja bem-findo
este sonho de amor que por ser tanto
é meu canto de mágoa e servidão...

MOÇA DO MEIO DO MATO


Se eu disser São jeromo, tu hás de saber;
quando a dor é no estongo é no mesmo lugar,
ou no memo; no mermo; pra mim, tanto faz;
garfo e galfo me servem na hora da fome...
O Flamengo e o Framengo são o mesmo time;
limparei meu umbigo se lavar o imbigo;
ninguém pode negar que traduz sem problema
um pobrema narrado, seja como for...
Se ti amo ou te amo, será sempre a ti,
saberás que nós vamos ouvindo "nós vai";
concordando comigo, não importa o verbo...
Digo então que um entonces não vai desatar
meu amor pela moça do meio do mato;
largo tudo e me mato pra viver por ela...

CORAÇÃO E CLICHÊ


Eu queria dizer que te algo mais,
tanta coisa que tudo não diria,
pra fugir do refrão lugar-comum;
melodia que o mundo já coalhou...
Mas o verbo que sai do coração,
o próprio coração e seu glossário,
este ovário de afetos borbulhantes
têm arroubos que fogem do juízo...
Ensaiei muito além da saia-justa
e me assusta entender que foi a esmo,
pois o mesmo desfecho está chegando...
Chamo a minha razão, admoesto,
porque tento encontrar ineditismo,
mas perdoa o clichê, pois... eu te amo.

NAS ÁGUAS DO TOM


É Tom, é Toni - o Tornado e o Garrido,
é o Chico Buarque, sempre gênio atrevido;
a Ivete Sangalo pra quebrar o marasmo,
é o Zeca baleiro, é o rei, é o Erasmo...


Tem Ana Carolina, canta que é um colosso,
mais a Maria Rita, Marina e Ney Matogrosso...
É a Rita Ribeiro e é a Ternurinha;
é a grande saudade de Noel, Gordurinha...


Almir Sater, Cazuza, Caetano é uma fonte;
o talento da Gal e da Marisa Monte;
Mart´nália e Martinho, muita ginga no alforje,
Jamelão; Pagodinho; é Benjor, é Seu Jorge...


É a MPB dessa gente tão cara;
de Joana e Cartola, Dona Ivone Lara...


É o Toni é o Tom (o Jobim ou o Zé);
Calcanhoto e Sivuca, Ed Motta e Zezé...


Temos muito a cavar, isto nunca termina,
sugirão Silvio Caldas, nossa Elis Regina,
jorrarão Cássia Eller, Fagner, Pixinguinha,
virá Nelson Gonçalves e também Teixeirinha...


É a MPB, que feliz curriola;
Paula Toller, Zé Kéti, Paulinho da Viola;
não dá pra descrever (nem dá pra chegar perto)
de Maria Bethânia ou de João Gilberto...


Mas tenho que dizer, antes qu´isso termine
pois não dá pra esquecer de Tim Maia e Lenine...
É a MPB que no peito embaralho
ao lembrar Zélia Duncan, Elba e Zé Ramalho...


Mas preciso parar e voltar ao bordão,
aos que aqui não cantei quero pedir perdão...


...         ...         ...         ...          ...          ...


Inda o Toni Platão, lembro neste momento,
ai, caramba!, Ivan Lins e Milton Nascimento...


E tem Mais: a Maysa, tem Elza, Emilinha;
olhe o Gilberto Gil, Gonzagão, Gonzaguinha...


É Tom, e tome, das águas me valho
pra chamar Dudu nobre com Beth Carvalho...


É difícil dizer; é moinho, é ciranda, 
Jakson do Pandeiro, é a Carmem Miranda!


São estrelas eternas da nossa canção;
a exemplo da Joyce, do Luís Ayrão...


Marcos
(Valle)
Carlos
(Lira)
Wanda (Sá)
Beto
(Guedes)
Fábio
(Júnior)
Nando
(Reis)
Preta
(Gil)
Bra
(sil)...


São as ÁGUAS DO TOM desaguando no mar;
a mistura dos Tons, a magia de amar...

FORA DE ÉPOCA


Um brinquedo vencido pros teus anos,
teu parquinho do amor imaginado
na paixão de caprichos temporais;
leite azedo na chuca de champanha...
Meu juizo não vale as tuas fraldas,
teus arrotos banais de gente grande,
pois o tempo que tenho pede urgência;
não o tenho a perder como te ocorre...
Vai a campo caçar meninos tenros;
trocar seivas da mesma validade;
minha idade passou desse recreio...
Sou tutano,tropeiro, feijoada,
tua fada mentiu se me apontou
como príncipe ou coisa parecida...

CARÁTER

Ter títulos e faixas de artes marciais é relativamente fácil. Difícil mesmo é ser faixa-preta de caráter.

POEMA ELEITORAL GRATUITO


Decidir entre lágrima e carpido;
se melhor é a farpa, sé o espinho,
ser exposto ao deboche ou ao escárnio
de quem hoje proclamo salvador...
É pedir a lesão, talvez o corte,
distinguir o gatuno do ladrão,
quem será meu algoz, quiçá verdugo,
pra depois enforcar a minha voz...
Optar por satã ou satanás,
pela víbora, a cobra ou a serpente;
dor de dente, quem sabe, dor de ouvido...
Escolher entre nódulo e tumor,
um derrame, acidente vascular,
flor atômica e Rosa de Hiroshima...

LIVRE


Priorizo a verdade até quando me fere;
quando põe o seu peso nas culpas que levo;
tenho medo é da fuga prás raias do nada,
sem haver quem me puna, sequer me absolva...
Sigo exposto às cobranças e prêmios do mundo;
onde houver algum tapa levarei meu rosto
pra medir os efeitos de minha existência
e saber o que sobra entre dons e defeitos...
Quem quiser faça um laço de alguma mentira
pra lançar ao que voa na soltura interna
destes prados que nunca deixei de nutrir...
Mas aviso que a força de minha verdade
saberá desfazer o mais cego dos nós
para ter liberdade, até preso a quimeras...

COMETA


Vejo agora que nunca fui injusto
por julgar que a fogueira do teu verbo
fosse puro artifício para os olhos
desta minha carência em solidão...
Tua palha durou até bem menos
do que a velha razão profetizou;
teus venenos de amor, ineficazes
não souberam chgar na minha veia...
Sei até que sabia o que hoje sei,
só faltava saber que já sabia;
teu pra sempre não teve um horizonte...
Felizmente firmei os pés no chão,
me tratei da paixão com tarja preta;
resisti ao cometa e me curei...

POETAS DE MEL


A função dos poetas derretidos
é dizer que a roseira vinga rosas,
tendo lentes cor-de-rosa pro mundo;
derramando dilúvios de rompantes...
Ou sofrer muito mais do que se sofre;
ter amor muito além da realidade;
ser esponja das dores que o rodeiam,
odiar a cidade sem deixá-la...
O poeta romântico é de fôrma;
previsível, batido e serial,
choraminga nos moldes; com clichês...
Meus passeios nas plagas da paixão
açucaram poemas e os repetem
assentados no chão feito ladrilhos...

CENÁRIO DE OUTONO


Despencam do galho
as folhas secas restantes.
O vento as despacha.

FERAS RACIONAIS


A selva de tocos
revela o rastro "selvagem"
das feras urbanas...

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

ANIVERSÁRIO DE MORTE


Ontem fez nove anos que um médico bem conceituado disse que eu teria, no máximo, mais dois anos de vida. Pelo visto, elevei meu tempo ao quadrado e sigo neste clima de véspera do dia final. Uma expectativa que não precisava ter, se uma réplica equivocada e lambona do improvável Deus não tivesse caído sobre mim, para me obrigar um processo de recomposição.
Nestes nove anos fiz coisas das quais não teria feito um terço, não fosse a urgência de cumprir tarefas estabelecidas pelo meu orgulho. Vivi cada dia na certeza de não acordar na manhã seguinte, chegando ao ponto de fazer as pazes com desafetos cujas lembranças bastavam para me causar desconforto. Quis amar muito mais, creio ter me tornado um pai melhor, e até cometi erros que também não teria cometido se não sentisse os dias contados como parcas moedas em fases difíceis.
Fiz tanto em tão pouco tempo, que a vida está enjoada. Já não tem mais graça. Qualquer aventura soa repetitiva, e morrer deixou de ser um assombro. Passou a ser bem vindo. Sem desespero ou desgosto; sem frustração nem melodrama; sem novela ou espetáculo de qualquer natureza humana. Desenvolvi outro olhar sobre o chamado outro plano, e mesmo não o entendendo, sinto saudades desse futuro como se fosse um passado agradável. Como se já tivesse morrido e gostado. Na verdade, os espiritualistas têm certeza que sim. Que já morreram mais vezes. Explicam espantosamente essa espécie de nostalgia.
Seja como for, fiz aniversário ontem. Mais um ano da espera inútil do fim. Nem faço mais a contagem dos anos de nascido, mas desses em que estabeleci meu limbo, como se quisesse me purificar para não sei quê, pois sequer acredito em divindades e castigos ou recompensas depois da morte. Não tenho religião, e a disputa por melhores lugares no além nunca me afetaram. 
Gostaria de saber onde anda o precursor do meu fim. Queria reclamar do anúncio enganoso. Ele me encheu de ilusões, prometendo que em pouco tempo os meus olhos estariam livres do crescente espetáculo da degradação humana e da extinção do mundo. Isso não se faz... Prometeu, tem de cumprir... ainda que seja com um empurrãozinho.

MEIA VOLTA


Soa no mar do meu vazio
volta e meia, e faço meia volta;
sua voz é meu canto de sereia...

FACHADA


Aprendi a dar o troco;
ir além de minha mágoa;
mesmo sem quebrar o coco,
ver se tem miolo e água...


Isto é simples rudimento
que nos poupa da ferida
sempre atroz, do sentimento
em qualquer desvão da vida...


Sou formado em ser sozinho,
porque sigo este filão _ 
pesa muito ser mocinho;
é mais grato ser vilão...


Já não sofro igual sofria,
dos meus gritos me calei,
ser pessoa dura e fria
virou mesmo a minha lei...


Entendi na longa estrada,
onde o mundo não faz cena;
como é bom não valer nada,
se valer não vale a pena!...

ESPELHO

O educar até passa pelo ensino... Apenas passa. Mas está centrado mesmo é no ser. Bem mais que reflexão, educação é reflexo.

TEMPO MADURO


Um desejo incansável de superação;
o temor de nós mesmos ecoa nos outros;
solidão redundante num mundo repleto,
sem esteio pro peso de nossos conflitos...
Todos buscam a glória de vencer alguém
numa guerra, um torneio, concurso qualquer;
não há bem mais sonhado que o cimo do pódio;
a cabeça do alheio em forma de troféu...
Ouso crer neste sonho do mundo pra todos;
de saberes e forças que não se colidam;
que jamais se combatam, sequer nos estádios...
Vejo tempo maduro; sem ringues, placares,
olimpíadas, copas, mundiais e pans
ou estrelas e fãs; oprimidos; heróis...

GRITOS DO PLANETA


Os tempos de nossa teimosia exterminam todos os ensejos do após. Hoje, seria de fato moderno retornar ao passado e resgatar a ciência simples, mas verdadeira, de nossos avós avisando que o mundo não seria eterno. Falta em nossos atos aquele grito que mora no silêncio interno e tem medo de sair. A verdade acordada, mas eternamente espreguiçando em nós, na certeza inconsciente do poço; do abismo; do inferno que geramos pelo excesso de arbítrio e de voz que a nossa arbitrariedade nos deu e não quer abrir mão.
Pelo visto, chegaremos ao fim tal como passa um cometa no silêncio de uma noite fria. Logo nada nos restará, nem mesmo um planeta para destruirmos; uma geóide que abrigue a nossa espécie torta e convencida de sua retidão nos caminhos de um avanço que não é mais avanço. É a volta ao nada. É esse o triste horizonte, o cenário de um futuro que se apresenta sombrio, mas não queremos ver. Está claro que nos restará vagar no escuro quando a vida, cansada e sem perspectiva, for cinzenta e morta.
Não tem que ser assim, mas será, se profecias como esta não cumprirem a contento sua missão de fazer com que se evite o que está escrito pelas letras de nossos atos. Profecias não têm que ser cumpridas. São gritos de alerta, pedindo que o homem as torne inválidas, adiantando-se a elas, quando são medonhas. A terra grita, pedindo por si mesma e pela vida que a povoa na forma de quem destrói pelo construir desenfreado e sem um projeto vital para as gerações futuras. Gerações fadadas a não ter presente, se depender da mentalidade que predomina.

PAPO CABEÇA-DE PORCDO


Sua sabedoria de Rádio Relógio,
de almanaques, cruzadas, manchetes nas bancas
bota banca nos bancos da praça central;
nas esquinas de sábios do mesmo padrão...
Seu glossário extraído nos papos de bares,
sobre quem vai ganhar as eleições de outubro,
quem seria escalado pro time dos sonhos
ganha todas as louras do "Paullo´s Coiffeur"...
MAs o mundo é maior do que nossa cidade
de quiosques soturnos com cheiro de urina
misturado ao do chopp, ao da batata frita...
É maior do que o papo-cabeça de porco
de saberes catados, rações de ciências
e carência de fama que acaba em orkut... 

TEU POEMA


Um poema que vai pra dizer que te ama,
lança mão do clichê que não dá pra evitar,
quer um canto na cama em que sonhas com flores;
deixo ir e gritar sem temer outros olhos...
Ele foge aos poemas farpados que faço,
que não são pra ninguém; muito menos pra ti;
nascem cheios de sombra, dureza profunda,
tomam conta do espaço e se apossam do caos...
Hoje venho tecer um poema só teu,
sem o fel que transborda nos versos diários;
"odiários" perenes que sangram de mim...
Estes versos de amor se permitem comuns,
vão pedir aos teus olhos um raio de sonho
e me ponho nos tais pra fazer essa entrega...

O CÉU DE CAYMMI


Ele sempre foi doce nas graças de amar;
morreria no mar, como sempre achou doce;
na bacia infinita espelhando esse abismo
de preguiça e de azul sobre sua Bahia...
Deu adeus como as ondas se perdem dos olhos
quando voltam pros braços daquele horizonte
que morou entre as linhas da sua expressão;
mora em cada canção que seu adeus nos deixa...
A rainha do mar foi buscá-lo em seu canto,
atraída por cantos que sempre a cobriram
de colares de luas e roupões de sonhos...
Dorival foi prás águas que foram seu céu,
pois su´alma teceu essa rede no fundo
do que o mundo nem ousa sonhar descrever...

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

O ENDEREÇO DA FELICIDADE

Tenho certeza de que a máxima de que o dinheiro não traz felicidade foi criada por quem tem dinheiro. E muito dinheiro. Em proporções indecentes. Os ricos em demasia estão sempre desestimulando o crescimento da concorrência, porque isso resulta a divisão que eles temem, de uma torta que daria pra matar a fome do mundo, mas está nas mãos, nos bolsos ou nas panças de poucos, porque esses poucos sabem como usurpá-la dos demais herdeiros. 
Como não traz, se a felicidade está diretamente ligada à cidadania, que da mesma forma está ligada ao poder de consumo? Quem pode comer, vestir-se, desfrutar de lazer, pagar um plano de saúde, obter todo o conforto que o dinheiro oferece é feliz, sim senhor. Vemos todos os dias, tanto ao nosso redor quanto pela mídia, provas irrefutáveis de que a infelicidade, mundo afora, é resultado da fome; das doenças; dos conflitos; da falta de dinheiro para pagar pela vida em todos os seus quesitos, como dignidade, respeito, inclusão, estabilidade social.
O que não traz felicidade é a insatisfação que a ganância traz. Quando alguém "apodrece de rico" (e nisto a sabedoria realmente popular acerta), passando a colecionar bens e dinheiro que nunca o satisfazem, porque sempre quer mais, ainda que tire dos mais miseráveis, como fazem os políticos, esse alguém é infeliz. Tem na alma um poço sem fundo e nada poderá obturar esse flanco. É como quem come tudo o que vê pela frente e continua faminto. Tem uma úlcera, quiçá uma solitária do tamanho do todo, que só faz a fome crescer, indefinidamente.
Tudo bem  que não vamos tentar empobrecer nosso folclore extinguindo um ditado que nem sabemos de quando vem, mas podemos burlar o contexto distorcido e resgatar o estímulo para disputar nossa fatia da guloseima. Pois então vamos lá: O dinheiro pode não trazer felicidade para todo o mundo, porque isto seria muita moleza para os que valorizam o trabalho, a busca honesta ou a luta honrada pelo que sonham. Trazer, mesmo, é só para os que aprenderam a arte da usurpação do destino, golpeando os mais simples, honestos e trabalhadores...
... Mas o dinheiro nos leva, por caminhos ponderados, à felicidade que se guarda para os que sabem distinguí-la e fazer bom uso desse dinheiro. O que não satizfaz o bom cidadão é o tal do dinheiro ganho. Tem que ser dinheiro conquistado com mérito, justiça, consciência e responsabilidade. Limpo por natureza, e não lavado pelos artifícios próprios de burocratas e figuras políticas que sujam as páginas dos jornais que lemos; as telas de nossas tevês; as páginas da web; as salas e gabinetes dos palácios que fedem a má fé.

SONHANDO OUTRA VEZ

Uma pátria exaurida matiza os seus olhos
para ver se consegue acender sua fé,
devolver a certeza de algum horizonte
ao silêncio longínquo dos montes azuis...
Redesperta o desejo de chegar além
do limite marcado pelas frustrações,
põe o pé na calçada e redesenha o rumo,
recontando a passagem do tempo e da história...
De repente o país recupera o sentido
que mais nada fazia, traz um novo sonho,
põe de novo a mochila sobre o dorso arcado...
Minha pátria está viva e decide saber,
transformar o passado em receita eficaz
desse orgulho que brada impelindo a seguir... 

PONTO FRACO

A destruição gradativa do mundo, por meio das guerras e da imposição da força entre os homens, na busca do espaço individual, é a prova definitiva de que a força é exatamente o ponto-fraco do homem.

DE GUERRAS E DE OLIMPÍADAS

Profundamente afeito a guerras e todas as formas imagináveis de conflitos, o ser humano traz no sangue o sonho insuperável de superação sobre o outro. Vem de longe esse desejo do homem, de vencer o próximo e erguer a cabeça do vencido como troféu, para que todos admirem sua força, sua coragem e truculência. É a eterna sede de poder, que atravessa os tempos. Poder que leva à posse; que sempre se ostentou pelo ter, pelo mandar, pelo dirigir e ocupar posições de destaque em todas as sociedades do mundo, desde as mais primitivas e aparentemente pacíficas.
Com toda a beleza e pregação de paz que esses eventos portam, os torneios esportivos de qualquer outra natureza são ramificações da guerra. São pelejas. O que há de bonito em competições é o fato de o homem “guerrear” sem armas letais, educando sua agressividade. Evoluiu-se neste aspecto, estabelecendo-se o tal espírito desportivo, cujo princípio consiste no respeito do vencedor pelo vencido e na aceitação do vencido, que cumprimenta quem o superou, não o tendo como inimigo. O que seria vingança virou revanche; a oportunidade de resgatar a vitória perdida; a chance de mostrar que não é inferior, ou pelo menos não é mais, porque treinou para tanto.
As olimpíadas são guerras. Como são guerras as copas, os mundiais, os “pans” e todas as outras formas de competição. Se o homem não tivesse o desejo de derrotar alguém, usar sua força ou técnica para superar o próximo e sorrir enquanto ele chora e lamenta, nenhum jogo seria tão disputado. Nenhuma medalha seria tão importante em sua vida. Não seria importante para ele, guardar nas paredes de casa e da memória os momentos honrosos em que derrubou o outro; foi melhor; superior; mais esperto ou competente. Como não podemos viver sem isso, melhor assim. Melhor essa guerra transformada em festa, que une tantas nações num conflito sadio, enquanto outras nações se digladiam na ferocidade das guerras à moda antiga, matando; mutilando; destruindo as condições normais de vida e estabelecendo o inferno entre os seres.
Muitas nações não aprenderam a erguer medalhas e troféus em substituição às cabeças inimigas. Não aprenderam a transformar inimigos em oponentes; combates sangrentos em torneios. Ódio em espírito de desafio esportivo, no qual a maior superação acaba sendo pessoal, para só depois ser sobre o outro.  E os governantes belicosos de algumas nações, até mesmo das que participam das festas mundiais dos esportes, usam esses eventos como empanação de conflitos e dispersão da consciência popular dos problemas de seus países.
Que a guerra pacífica destes dias, travada no campo de batalha festiva de Pequim, seja de todas as formas uma grande lição de solidariedade, unindo vencidos e vencedores em um mesmo espírito: O da fraternidade, do respeito mútuo, da união dos povos e da consciência de como este mundo ainda precisa melhorar, para ser de todos. E que a disputa por medalhas e destaques não se torne um embate pelo poder absoluto e a superioridade em nenhum aspecto, sobretudo o étnico e o religioso, o que sempre gerou os maiores e mais sangrentos conflitos da humanidade.

FOGO FÁTUO

A minh´alma caiu nesse retrovisor
que se fez de tocaia no meu ponto fraco,
logo após se quebrou pra retê-la de vez
em um caco daqueles que foram mais longe...
Lá se foi atrás dela o sentido que tinha
caminhar pela espinha da vida restante;
pelos restos de mundo que vinham no pé;
na lavagem de fé que fedia no peito...
Rebocando meu corpo nem sei como vou,
porque toda vontade sangrou na preguiça;
enguiçou lá na linha dum ex-horizonte...
Acho até que só vivo pra ver que acabei,
conferir que não vivo; que sou fogo fátuo;
que nem sei por que sei tremeluzir assim...

MALDIÇÃO DE POETA

Há certa maldição no ser poeta. É como se o mesmo carregasse todos os sentimentos do mundo e fosse cada pessoa que ele retrata em seus versos. Vivesse cada momento registrado por uma inspiração que nem sabe de onde vem; se da mente, as vísceras, o coração, a alma ou simplesmente a caneta.
O poeta magoa sem querer, quando seus versos são cruéis. Há em volta uma gama de sentinelas que decidem por ele a quem são dirigidos esses escritos. Pior ainda, existe sempre alguém que apanha um contexto, aponta para o próprio peito, como se fosse arma, e detona. Isso faz com que o poeta seja um constante "suicidador" a sangue frio.
Quando os poemas são de bom tom, dedicados aos seus afetos, tais afetos não os recebem como o poeta sonha. Frustram com gestos e olhares inesperados, todas as expectativas de quem derramou a própria essência no papel, para doar-se aos alvos dos sentimentos. O poeta é muito profundo para a superficialidade do alcance comum de seus escritos.
Estar poeta; simplesmente fazer poesia; visitar as bainhas do ser, de fato, não configuram exatamente um peso. Todo ser humano tem sua face poeta, e os seres humanos como ele podem compreendê-lo. Ser por inteiro, em essência, com toda a profundidade inerente a quem vendeu sua alma prá magia negra do poetar é que foge a toda compreensão humana.
Já disse, em poema, que o poeta é um "etê". E como "etê" que sou, é claro que não alcancei a compreensão humana. E houve protestos de pessoas, poetas interinos e passageiros da poesia. Eis aí a maldição: Ser poeta é ter falado pra ninguém, depois da nítida impressão de que falou pra todo o mundo.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

DESMANCHE


Hoje sou mais vazio que os planos de ação
de governo a governo fingindo que faz
um esforço cruel pra vencer a inflação;
um empenho constante por justiça e paz...


Seu adeus enguiçou a minh´alma que jaz
e no mesmo jazigo eis o meu coração;
segue o tempo e percebo que fico pra trás,
neste limbo lunático de adoração...


Já me sinto mais vão que projetos de lei,
burocratas perdidos repetindo ok
ou a telefonista esquecendo ramais...


Acabei neste sótão de coisas estranhas;
você fez um desmanche nas minhas entranhas;
hoje sou lataria do que não sou mais...

VIRANDO O JOGO


Se foi falta de aceno, perdão; esqueci;
minhas mãos têm andado ocupadas demais
com carícias mais doces em outros contornos;
com subornos mais quentes, comprando outro amor...
Ademais aprendi, devo ser educado,
não falar quando a boca está cheia de mel,
tenho andado envolvido com tanta fartura
que nem sei como deu pra te falar agora...
Nunca mais precisei do seu colo disperso,
do seu tempo sem tempo, cheio de buracos,
desses cacos precários de paixão sem fogo...
Não precisas dizer a razão da partida;
deixa estar, já deixei de querer que não faças
dessas graças de alguém tão repleto de si...

A CONTA


Peço a conta e garanto que haverá gorjeta;
deixo a boa lembrança da hora final;
feche a porta e se meta na concha que faço
deste abraço regado a carícias e beijos...
Venha logo enroscar-se nos meus parafusos;
ficaremos confusos de tanto que um só;
traga o nó dos sentidos, pra junto do meu
desaguar sobre o eu que nós e os nós seremos...
Logo após partirei, porque somos momentos,
explosões repetidas neste caminhar
de mormaços e ventos hoje previsíveis...
Afinal a demito, foi tudo poesia,
mas lhe dou garantia no fim desta história;
multa indenizatória e seguro-saudade.

O ÚLTIMO VOO


Já passava da  meia-noite, quando um pássaro ainda não identificado invadiu a bela e nova casa do casal em lua-de-mel. "Pássaro feio". Distante de ser um daqueles pássaros ambicionados por pessoas que dizem "gostar de passarinho", demonstrando esse gostar na crueldade de criá-los em cativeiros. Na maioria das vezes em gaiolas minúsculas. Ninguém quer um "pássaro feio" dentro de casa, porque pode ser de "mau agouro". Especialmente quando se trata de moradores recém-casados.
A moça corre para o quintal, onde há mais casas, espavorida e levando pânico à parentalha. O marido fica, vassoura em punho, com a incumbência de expulsar o quase "gato preto debaixo da escada", espantando com isso a má sorte. Repete-se com o pássaro a cultura de expulsar o que é diferente, repelir o que é formalmente feio, a qualquer preço, ainda que não represente risco algum à saúde, à vida e ao ambiente.
Fosse uma ave bonita, ainda assim amargaria seu mau destino. Seria carinhosamente presa para cantar pros donos, que o casal então passaria a ser. Quem foi capaz da espantosa truculência gerada pela filosofia do ele ou eu, fazendo o que fez após todas as tentativas vãs de expulsar a visita antes que ela tivesse o desejo de sair com as próprias asas - o que acabaria ocorrendo - não tem consciência ecológica. É a falta dessa consciência que mata "bichos feios"; aprisiona os bonitos; devasta a natureza sob os mais insípidos argumentos que desaguam no velho "teve quer ser assim", entre outras conclusões. Muitas delas de cunho comercial.
Como "teve que ser assim", o rapaz abateu a inofensiva coruja. Deu sua "singela" contribuição nefasta ao quadro de risco de extinção de um animal importante na peleja pelo equilíbrio ecológico. Afinal, é sempre um consenso familiar eliminar o incômodo, o indesejável, distribuindo pretextos em discursos ora pungentes, ora fervorosos, às vezes contritos.
Ninguém ali matou para não morrer, para preservar a saúde ou defender a honra. Ninguém o fez para proteger os seus de uma cobra ou um rato que adentra a casa, ou de bandidos que também o fazem, ameaçando a todos. Todos mataram, pelas mãos de um, tão somente para não serem incomodados pelo privilégio de hospedar, apenas por umas horas, tão ilustre e delicada visita. 

AFETOS NUCLEARES


Geração de pessoas fabricadas
por conceitos de máquinas e mitos;
produção de ciborgs sociais
que não sabem olhar além do espelho...
Plantação de organismos desalmados
ou de plasmas escravos da matéria;
veias vias de gelo e de peçonha
e sombrios afetos nucleares...
Dura safra, colheita de pais monstros;
triste mídia, empanada e retorcida;
vaga vida, sem sonhos de valor...
Sociedade marcada pra morrer,
mundo inchado pedindo pra explodir;
um porvir que antecipa este pavor...

HABEAS CORPUS

Habeas corpus é, na verdade, uma espécie de... habeas pernas.

CARNIÇA


Sei que levas no peito meu carimbo,
pois me deste o segredo dessa porta,
entro e vejo que ainda sou teu limbo;
que as lembranças te levam meio morta...


Teu amor me cultiva feito horta,
tua boca me tem como cachimbo,
porque minha saudade a deixa torta
e te azaro; te agouro; te catimbo...


Sou a funda expressão do teu estorvo;
sobrevôo teus sonhos igual corvo;
és devota e me fazes tua missa...


Guardarás para sempre o mau odor
dos meus restos vitais em tua dor;
teu amor não sepulta essa carniça...

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

VENDENDO FUNGOS


A moça da loja de pães e bolos quis me vender um pão-de-fôrma com validade vencida, usando um argumento esdrúxulo. Disse que os produtos com validade vencida, inclusive remédios, são melhores que os dentro da validade. Não satisfeita, fez olhos de sábia incontestável assegurando que aprendera isso numa palestra. Segundo ela, estava comprovado e pronto.
Como devo ser estúpido, inculto e incauto, não levei o pão. Preferi optar por um produto fresco, mesmo correndo o risco de contrair um câncer, por isto. Só não entendi, avaliando a lição da moça, por que o produto fora da validade estava empilhado em lugar bem à vista, numa promoção desesperada e "imperdível"; muito abaixo do preço normal. Sendo melhor, por ter entrado em decomposição e começado a criar mofo, acho que deveria estar mais caro. Ela podia valorizar o produto, cobrando a mais pelos fungos e ácaros e conquistando a gratidão das pessoas que nunca souberam dos benefícios que trazem à saúde os gêneros alimentícios bolorentos. Os medicamentos velhos. As conservas em latas oxidadas. O bicho da goiaba.
Confesso que ainda não consigo ingerir nada estragado, mas estou chegando lá. Já olho com mais simpatia prás carnes-de-sol bichadas; pro feijão azedado que o boteco do Rafa reaproveita; pros biscoitos empoeirados no varejão do mercadinho de minha rua. Os coliformes fecais do hamburguer que meu preconceito nunca me deixou saborear no velho quiosque da praça imunda que jamais frequentei, por ser mesmo besta.
Boa vendedora, essa moça. Oferece pães e bolos como quem oferece carro, computador e imóvel. Pela perfeição técnica de seu argumento em torno das avarias alimentícias, ela seria uma exímia vendedora de carros enguiçados, computadores em desuso e prédios condenados pela defesa civil, por serem "melhores" que os em bom estado. Só não poderia, com essa mentalidade, ser médica nem professora, por preferir paciente morto e aluno reprovado.
Não. Pensando bem, acho que não sou estúpido por não apreciar comida putrefata. A moça é que é. Estúpida e irresponsável, por querer impor ao mundo à sua volta esse mundinho particular do vale tudo para não correr o risco do eventual encalhe, com a justa redução de lucro. Até mesmo porque uma coisa é certa: Ela jamais daria aos seus o que recomenda aos nossos.

CANTE O CANTO DA INCLUSÃO


Do baú de "Raulzito"
ao agito de Benjor,
cante o gueto, a roça, o Rossi
ou as modas de sertões;
de subúrbios; morros; mangues...
Se você é brega ou Chico, 
Rei Arthur ou Rei Roberto,
Ana Nery ou Carolina,
cante a sina que lhe cabe;
só não deixe de cantar...
A viola de Paulinho
pede um Fundo-de-Quintal;
o pandeiro mescla Zeca
e Jakson Forrogode;
só não pode a calação...
Sendo diva ou "Dijavan",
quiçá Jorge, Seu ou São
e Marisa Monte ou vale
como Valle o Marcos é,
a missão é só cantar...
Temos Zecas: O Baleiro,
o chaveiro, o Pagodinho,
todo canto sei Dicró,
a Marrom desata o nó
desses males pra espantar...
São João, João Gilberto,
Preto Véio e Preta Gil,
seja Bruce Lee ou Rita,
tudo intima o dom da voz
de quem canta ou grita "iá"...
Brega mesmo é criar briga
de linhagens ou estilos,
de Versilos, Chororós,
deixa estar; o canto é livre,
fruto bom de quem plantar...
Cante o canto da inclusão
que mistura os cantos destes
e dos quantos não citei,
cumpra o sonho dessa lei;
deixe o coração cantar...

SEJA RACISTA


Racista é praga;
é como traça
a ser excluída...
Seja racista:
Exclua essa raça
de sua vida.

MACUMBA


Arranhaste meu brio que ainda pustula;
nunca mais me curei da peçonha na veia;
fui além de mim mesmo ao seguir cada bula
de preparos; raízes; cipós; lua-cheia...


Foste aranha eficaz ao teceres a teia;
teu poder me possui com rompantes de gula;
no deserto em meu ser, tempestades de areia
vêm e vão das lembranças que minh´alma ovula...


És pecado e castigo na minha crendice;
digo sempre ao juízo, mas quem foi que disse
que a cabeça tem força contra o sentimento?


Meu orgulho reluta mas não sai da tumba
nem por mantra, exorcismo, ritual, macumba;
tua imagem debocha do gume do vento...

NÃO TÔ PRA NINGUÉM


Minha infância cintila no açúcar cristal
feito estrelas que piscam na maria-mole,
muitas vezes no sal do amendoim torrado
ou no gole final do refresco de amora...
Meus dez anos dão tecos em bolas de gude;
tomam banho de rio sob o pontilhão;
amiúde me vejo como se não eu,
jogar bafo e pião; empinar um catreco...
Também volto a vender picolé na pedreira,
namorar a Cilene que sequer sabia;
fantasia que dava pra me contentar...
Caibo neste barquinho de papel dobrado,
singro neste oceano duma poça dá água;
quando estou no passado "não tô pra ninguém"...

SONETO EM CAMISA-DE-FORÇA


Dou alface aos meus versos; dou suco de ameixas;
caminhadas constantes nas asas do ar,
pra deixá-los mais ágeis que ninjas e gueixas;
com leveza capaz de fazê-los voar...


Tomam banhos de orvalho; arco-íris; luar;
trago sempre molhadas as suas madeixas;
não os canso demais nem os deixo suar,
para vates de arcádias não tecerem queixas...


Mas nem sei se consigo fazê-los a gosto
desses vates vencidos, cobertos de mosto,
que não podem comer um poema com sal...


Chega disso; estou farto; de fato me canso;
sou poeta que às vezes precisa do ranço,
da fumaça e do pó do poema braçal!

GÊNIOS E AFINS

Entre os gênios e os geniais há uma diferença quase imperceptível: Os geniais fazem coisas espantosas.  Os gênios, coisas inacreditáveis.

PERFEITUOSO


Assumir tem seus efeitos;
entre os quais a rejeição,
mas confesso: em ter defeitos
eu cheguei à perfeição.

PÓS-TEMPESTADE


Brisa varredora
dilui as nuvens cinzentas.
Raio temporão.

AMOR DE CEGUEIRA


Se me queres de novo terás de voltar
ao estado incontido, à paixão infreável,
para seres domada por minhas carícias
numa entrega sem brio; sem identidade...
Prestarás novamente o teu culto contínuo,
serei deus reincidente no teu fanatismo,
dominando a tu´alma e demarcando o corpo;
possuindo as eternas extensões da mente...
Não me peças que volte pra ser só amado,
pra viveres por mim sem morreres também,
pois assim é pecado e te ponho no inferno...
Quero amor de cegueira, sem tino e limite;
uma entrega por fora; por dentro; sem fundo;
só te quero em meu mundo como foi outrora!...

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

A REFAMÍLIA REFORMANDO A ESCOLA

Precisamos pensar, como educadores que somos, em um projeto para a família. Estamos no tempo em que a escola precisa ser, de forma bem acentuada, aquela velha extensão do lar, sem as distorções que a marcaram. Reconheçamos que o mundo contemporâneo está descaracterizando a família. Isto vem se refletindo na escola de uma forma que preocupa. Vemos se afigurando a cada dia uma geração robotizada, isenta de laços e vínculos. De afeto e de compromisso.
Chega o ponto em que nada é visceral. Tudo é supérfluo, sem compromisso e calor. Sem origem nem ponto de chegada. É a falta que a família faz, ao deixar de ser ícone; porto; norte. Por causa disso, a escola perde muito de sua identidade, fica desbaratada e é bem mais difícil trabalhar sobre valores essencialmente humanos. O amor, o compromisso afetivo e social, os conceitos de cidadania, país e conjunto ficam falhos, ao faltar o conceito ideal de família, endossado na escola. Endossado e, se possível, adoçado.
Urge agora o projeto da refamília. Do recomeço e da rechamada. Para que as casas voltem a ser mais do que meras casas. Simples antros de ajuntamento de familiares. Caixas de parentesco em exercício de consanguinidade sem os atributos sadios de cumplicidade mais profunda e presente. Só esse projeto é capaz de representar a volta de uma escola mais humana. Mais pessoal. Umbilical.
Se a velha escola tem seus defeitos, entre eles os da truculência e a tirania, não podemos continuar permitindo que o oposto, na nova escola, extirpe com os tais defeitos - que têm que ser extirpados - o elo que deve unir escola e lar. Em ambas as escolas há vícios e virtudes, e essas últimas devem ser justapostas para uma educação global, mais próxima da perfeição que, bem sabemos, é inalcançável. Tudo será bem melhor, se a escola se reconciliar de vez com a família, na busca do novo.

NOVO SENTIDO

Há um sonho perdido na margem da estrada
que ficou esquecida na própria poeira,
foi um tempo marcado por minha esperança
verdejando as entranhas do meu sentimento...
Uma estrada se perde no sonho desperto,
para ver a poeira empanando o passado,
porque toda esperança virou gafanhoto
devorando o deserto dessa nostalgia...
Há um corpo enterrado no espaço de outrora;
é da grande alegria que julguei eterna,
mergulhando-a no caos do sentido desfeito...
Morre o nono sentido nas águas do sexto
que falhou na vidência do amor verdadeiro;
na visão do cabresto que tentei impor...

CHICOTE

Velho Chico é sereno feito o Velho Chico;
flui a música deste feito as águas doutro;
vai um Chico prá glória dos braços do mar,
outro Chico desagua no cio da história...
Chico é amplo e profundo gestando mistérios,
rumoreja no leito espelhando o infinito,
como Chico de Holanda é do Brasil e o mundo;
atré mesmo de Holanda, de mito e de fato...
Os olhares dos Chicos são sócios no azul
deste céu que os reflete plantados no chão
da paixão de quem sabe sondar seus espelhos...
Patrimônios de gentes que bebem canções
diluídas nas águas de sagas fluentes,
desatadas de tudo que rotula e castra...

MEMÓRIA DO DENTE

Foste minha e perdi, porque fui negligente,
descuidei-me do amor que não foi a contento;
fui distante, sem brilho, banal, reticente;
limitei os efeitos desse sentimento...


Entretanto te amei como as pipas o vento,
o varal a libélula, os sonhos a mente,
tua face morava no meu pensamento
e guardou tua carne a memória do dente...


Não precisas dizer que jamais me sentiste
rechear teu vazio, avivar o tom triste
que marcou a esperança curtida por ti...


Eu te amei me bastando nas nosss entregas;
apostei no teu corpo, te fiz de Las Vegas
e notei que te amava depois que perdi...

CHÃO

Uma vida é tão longa; basta meia;
este mundo é tão vasto; basta um canto;
corre sangue demais na minha veia
e meu íntimo azeda muito pranto...


Tenho como infinito o por enquanto;
minha míngua despreza lua cheia;
ser feliz pouco importa, quero o encanto
do momento fugaz que me recheia...


Nunca tive ambição de amor eterno,
só pedaço do céu - também do inferno,
nas passagens vorazes da paixão...


Quero pouco de tudo; quase nada;
já é tudo o começo duma estrada;
vida é vôo que acaba sob o chão...

PODER

Onde chega o poder também vai a reboque
a ciranda imoral de seus atos escusos;
os abusos que fazem ruir a nação
ante a força do choque de vícios profundos...
É no cio perverso de qualquer poder
que verdades vitais sempre são decompostas,
as respostas do mundo soam descabidas,
põem tudo a perder e desintegram sonhos...
Poderosos são pragas; trazem recessão;
gafanhotos vorazes matando esperanças;
devorando as heranças que a vida dispõe...
Desarvora no caos e dilui os projetos
duma gente que morre de viver de prece;
o poder apodrece; não tem excessão... 

GOTEIRAS

No sapê do sopé daquele morro
tem um vulto que mora nos meus olhos,
mora um sonho perdido no meu culto
ao teor da saudade que me rege...
Morro sempre de vácuo, solidão
nas correntes de brisa desse morro,
porque tento pensar que são afagos
que meus tragos desmentem dentro d´alma...
Aqui dentro esta choça de sapê
goteirando lembranças que me furam;
sou "etê" no meu mundo arrebatado...
Morrerei deste morro de te amar,
deste vivo da mágoa de morrer
de querer te matar no coração...

GENERALIZAÇÃO DA INFELICIDADE

O pobre é infeliz porque não pode comprar nada... O rico, porque não pode comprar tudo.

HIBERNADOS

Tomam capuccino.
A lenha solta estalidos
na velha lareira.

PRÉ-TEMPORAL

Um raio cortante.
Cesariana num céu
grávido de chuva.

JANELA

Dona Graça voltou a dar beijos no Rex;
o menino encardido escarnece de longe;
novamente o cavalo escapou da forquilha;
"olhaí" a carroça do moço do peixe...
Zeca e Neco brigando; não tomam tenência;
um calango assustado atravessa o caminho;
vai o crente risonho com terno laranja,
bicicleta rangendo sem óleo nos eixos...
De repente uma pipa "voada" no vento;
garotada que brota no pasto e no brejo
enche a rua empunhando bambus e marimbas...
A Marina está linda como nunca vi;
acho muito esquisito esse moço a seu lado;
anoitece nublado e já, já vai chover...

sábado, 14 de janeiro de 2012

SEM MEDO

Considerando o mundo em que vivemos, tenha sempre medo por seus filhos. Um medo braçal, atuante, sempre disposto a socorrer. Medo destemido! E se todos à volta, inclusive o cônjuge não vêem motivo para o seu medo, radicalize: Tenha medo redobrado e não se poupe sequer do medo da falta de medo que lhe cerca. Coragem! É esse medo que nos dá força para proteger os que amamos, proporcionando-lhes uma vida... Sem medo.

ECLETISMO

Ser eclético é entender de sites e de sítios... De alqueires e arrobas e de arroba ponto com.

QUINTA ESTAÇÃO

Da natureza grisalha nas manhãs de inverno, surge a quinta estação... a "primavelha".

LENDAÇÃO

Saci Pererê
monta a mula sem cabeça.
Curupira "pira".

INVERNAL

Flores ressecadas
no canteiro envelhecido...
Cenário de inverno.

FRAUDES DE BARES

Vejo risos tristonhos de gente sem rumo
que mergulha em tulipas brindando a seus nadas,
uma gente que foge do fundo-do-poço
pra cair no vazio dos lugares cheios...
Multidão solitária calando entre gritos
frustrações diferentes, de tantos contrastes,
de pessoas carentes do que às outras cansa,
da fartura enfadonha que abraça o não ter...
Entre música e choppe as angústias se mesclam,
gente vária que vejo que o mundo avaria
vem mentir pra si mesma e mostrar a verdade...
É que todos se sabem sabendo que os mais;
todos trocam silêncios fingindo dizer
o que falam, desfraldam fraudando quem são...

FEITO FOLHETIM

Minha vida se guarda pra perto da morte,
quando nada merece os desgastes de agora,
levo todos os sonhos de paz verdadeira
para os dias voláteis que apontam pro nada...
Ser feliz tem seu canto guardado até lá,
pois as grandes venturas não podem ser longas,
a leveza não tende a durar o bastante
quando nasce num tempo que nem mira o caos...
Levo todos os trunfos prás últimas horas,
pra vivê-las de forma que as faça infinitas
e minh´alma nem sinta quando me deixar...
Quero ser num rompante bem próprio dos vates
o mocinho da trama de algum folhetim;
chegarei ao meu fim renascido e feliz...