terça-feira, 31 de julho de 2012

GOSTOS E MANIAS


Adoro soro caseiro. Sempre faço, não para remédio, mas para tomar com as refeições; bem geladinho. Quem já me flagrou fazendo isso, ficou estupefato não sei por quê. Nunca li na constituição, no código penal, nem mesmo nas leis específicas de um estado, muito menos de uma cidade brasileira, qualquer artigo em que tal prática fosse proibida. Se alguém já leu, por favor me diga.
Acho que todo o mundo esconde alguma particularidade com relação a gostos e manias. Tenho mania, por exemplo, de andar nu em minha casa, quando estou absolutamente só. Não é exibicionismo, porque não pretendo que alguém veja, o que só permitiria talvez a duas ou três amigas em quem confio muito.Também não é tara, porque não envolve libido, masturbação, nada parecido. Coisa minha. Momento meu. Nunca pensei em frequentar campos, praias ou sítios de nudismo. Com certeza, ficaria muito sem graça. 
Penso que o ser humano deveria ter todos os direitos ao que não fere nem constrange ninguém. Sou assim, não me proíbo de comer peixe com goiabada, pastel de uva, tomar cerveja com pêra, e frequentemente como pedaços de arroz gelado no café da manhã. Caso tenha desejo, durmo de fraque ou vou ao teatro com as ditas roupas de usar em casa, desde que não firam a lei, o decoro nem a regra específica do ambiente, pois sou civilizado. 
Minha lei, entretanto, é não ter lei... Minhas regras consistem em quebrá-las, quando quero. Minha casa é somente minha, quando ninguém mais está. Tudo que me obrigo e nem preciso fazê-lo, pois vem do meu caráter, é respeitar o direito alheio e jamais impor o que sinto, penso e faço. Ninguém tem que me aceitar como sou... Aceita se quiser... Mas eu me aceito.

DEPOIS DO DEPOIS


Cada um tem verdades próprias e as defende com vigor. No entanto, as minhas verdades podem não ser verdades aos teus olhos; aos teus conceitos. À tua maneira de observar a vida; o entorno.
Somos todos iguais, nessa total diferença que harmoniza o mundo. São exatamente as nossas desigualdades que nos tornam completos. Um corpo se faz de membros e órgãos, cada um tem funções definidas, mas todos se apresentam  no mesmo invólucro... São o corpo, tanto quanto somos o mundo. Se já tivéssemos entendido este lugar-comum, que tantos dirão do que digo, a humanidade já seria bem melhor.  
As disfunções deste corpo insistem, porque muitos não entendem que formamos um quebra-cabeça cujas peças resistem ao encaixe. Pessoas arrogantes, mas que se julgam sábias, enfaixam seus prismas, ditam seus padrões e querem que todos as obedeçam incondicionalmente, para que o planeta seja o que apenas elas querem. São os ditos poderosos, mas que não poderiam nada contra o todo, se o todo - que somos nós - reagisse contra o domínio; a supremacia de alguns. 
Precisamos enxergar que as nossas vidas desaguam na mesma existência. Nossos passos nos levam ao mesmo desconhecido e ninguém - exatamente ninguém - sabe o que mora depois do depois. Além das nossas razões, existem aquelas que nos rodeiam. De pessoas que seguem ao nosso lado e também enxergam por esses olhos de ler a realidade; o significado provável de cada momento vivenciado.
Um recado aos arrogantes: Pode ser que no tal desconhecido esteja exatamente a promissória que lhes cobrará o preço extorsivo das razões e dos direitos alheios que os senhores usurpam. 
Até lá!

SOBRE O NOSSO EU


Há quem ache que a verdade obedece ao seu sonho, seja ele qual for. Pensa que viver é uma espécie de tapete fiel aos seus passos. O que não sabe mesmo, pois é muito arrogante para saber, é que acabará se perdendo no moinho dos fatos, por tanto olhar de viés o que jamais viu... Não viu, porque não quis ver.
Ninguém cai um dia neste plano, se não é para se ferir. Ninguém vem destinado a ser protegido contra o que será, pois o que será tem que ser. Já pertence mesmo ao caminho. Cada farpa que nos atinge rumo adentro é uma vacina conveniente contra nossa empáfia. Quem não é vacinado, ao fim da vida não terá vivido.
Será sempre bem-vindo para o ser humano esse hábito de sonhar acordado. Não se pode mesmo fugir de uma boa ilusão, e quase todas são boas, mas uma coisa é certa: Ninguém deve perder o chão enquanto isso, para que a queda eventual, quase certa, não seja no abismo... Naquele velho poço que não tem fundo.
Convém sabermos que o nosso mundo é de quedas... De quebras e remendos... Mesmo assim, viver é bonito e gratificante. Para isto ser possível, temos que levar os olhos para bem depois do cenário que só julgamos ideal porque rima com as nossas visões. A vitória está, muitas vezes, nas renúncias ao nosso eu.  

ESTOU NO RECREIO


Sofrerei quando a dor se apresentar de fato,
quando a força do ato me atingir sem dó,
por enquanto só vivo e me deixo esvair
no que vem por aí, de surpresa e de susto...
Vou em busca do após e não quero saber
se o terei logo à frente pra fechar meu ciclo,
sei tragar o momento e tê-lo com fervor,
como aquele favor no qual finquei o dente...
Vou atento prá hora das provas finais,
farejando as matérias que chegam no vento
e me fazem querer sempre mais do que vejo...
Morrerei quando a morte não tiver mais freio,
mas estou no recreio, quero jogar bola
e chutá-la nas redes de minhas vivências...

PULANDO A MORTE


Ouso dizer que não passarei. Terei apenas cumprido meu passatempo neste percurso. É minha lei seguir a brisa e viver um dia de cada vez... Todos eles nos pormenores; não deixando escapar o caldo pelos cantos da boca.
Devo reconhecer que sou atrevido... Senhor e rei do mundo que habita em mim, bem mais do que habito nele. Sei que no fim das contas nem haverá fim... Pelo que antecipo a máxima de que não morrerei... Terei vivido.

QUEM É O PAI?


Carla Mara saía com "deus e o mundo", neste recanto que deus e o próprio mundo ignoram... Caía noites adentro na escavação do seu prazer, de domingo a domingo. Não demorou a se tornar o centro dos falatórios intermitentes, bem próprios do populacho local.
De uns tempos para cá, diminuiu bastante o acervo de casos e causos sobre Carla Mara. Têm sido bem poucos os relatórios. Em um desses intervalos, pensei até que a rapariga tivesse viajado. Recentemente fiquei sabendo - por língua de Raimundo - que a danada botou barriga e pariu. Trata-se de um menino que nasceu de apenas quatro meses, mas com saúde perfeita e quatro quilos. Meu amigo também contou que a infeliz agora já não sai com "deus e o mundo". Sossegou bastante. Praticamente vive para criar o rebento que vai muito bem, às suas custas, e ninguém tem nada com isso.
Raimundo só especulou, maliciosamente, se a própria Carla Mara seria capaz de afirmar, em sã consciência, quem seria o pai de seu filho. Pelo visto ninguém, nem mesmo as línguas de trapo destas plagas têm coragem de arriscar o palpite: Seria "deus" ou o "mundo"?

DE FILHOS E CÃES


Eram entre dezoito e dezenove horas, quando escutei a porta de minha casa ser arranhada. Fui ver o que havia, pois ainda não era noite, por ser verão. Era o Tupã. Tão logo abri a porta, ele fez cara de coitado e abanou timidamente a cauda. Falando assim, parece tratar-se de um cachorrinho, mas o tamanho do "bichinho" assusta. É um marmanjo de pelo menos um metro e meio de altura, embora não passe de um adolescente. Tem um lindo pêlo azulado, de tão preto, com uma camada branca no peito.
Minha primeira atitude foi voltar à cozinha e pegar uns biscoitos. Tinha certeza de que a razão da visita era fome. Pus os biscoitos numa tigela e servi. Tupã não quis. Ainda crendo na tese da fome, reconheci que os biscoitos eram duros e sem sabor. Como dificilmente um cão ainda novo resiste ao cheiro de leite, misturei um pouco do leite que sobrara do café da manhã. Nada. Fiquei ali parado, ele olhando para mim e vice-versa, como que tentando adivinhar os pensamentos do outro. Foram pelo menos cinco minutos desse jogo de olhares. Parecíamos brincar de de resistência.
Tentei ainda fazê-lo aceitar um pedaço de bife, mas a rejeição se repetiu e desisti. Sentei-me no beiral da porta, e ele se aproximou ainda mais, enfiando a cabeça entre minhas mãos. Cocei sua nuca e fui bem aceito. Parei, ele persistiu. Queria mais carinho. Fiz o que seu silêncio pedia, já entendendo a carência. Abracei-o levemente, conversei baixinho, ele lambeu minhas mãos e nos tornamos amigos. Logo depois seu dono assobiou, ele obedeceu e foi embora, não sem olhar para trás de vez em quando, como quem prometesse que voltaria; o que passou a fazer quando chego do trabalho.
Se já é tocante a carência afetiva de um cão, imagine a de uma criança. Todos os pais deveriam pensar nisto e ser muito atentos para uma realidade que a cada dia se mostra mais cruel: Pode ser que os vizinhos procurados por nossos filhos carentes de afeto e atenção não queiram lhes dar apenas isso. Talvez eles também sejam carentes, não de afeto; mas de caráter; escrúpulo; consciência; humanidade... Certos disto, saibamos todos que os nossos filhos não são cães.

SONETO BREGALÓIDE


Verto ainda meu pranto sem medida,
minha mágoa profunda; já nem sei
como arrasto as correntes desta vida;
por qual pena; decreto; por que lei...


Foram muitas as fugas que tentei
e minh´alma ficou só mais ferida;
fiz do próprio vazio a minha grei;
me julguei protegido pela lida...


Mas de nada valeu, não trouxe a cura,
monto blitz, me lanço na procura,
faço desta saudade uma patamo...


Apreendo paixões e não tem jeito,
não consigo te achar em outro peito;
ninguém ama ninguém como te amo...

MEDIDA DE SUCESSO

Quem quiser medir o sucesso de minhas investidas, faça-o não a partir dos resultados finais, mas do prazer que os percursos me proporcionam.

MEU PARAÍSO


Foi no doce aconchego da casa em que moro
que pintei o meu céu e me pus no contexto,
costurei o pretexto pra gostar da vida
e querer novos dias ao cair das noites...
Minha casa pequena é maior do que o mundo,
porque nela se abrigam meus grandes afetos,
há um teto infinito acima do cimento
que não pode cercar os meus olhos alados...
Tenho sempre sorrisos pra matar a sede;
uma rede, um balanço, banquinhos à sombra
e leveza de passos explorando a terra...
Faço guerras de folhas com minhas molecas,
de repente as trocamos por bolas de bolhas
ou aquela soneca sob o limoeiro...

DO LADO DE CÁ


Quero amigos com tempo e validade;
que meus toques alcancem, não digitem
na frieza banal do facebook;
na textura do velho lap-top...
Namoradas reais; que os lábios beijem;
tenham rostos à prova de artifícios; 
cujos corpos recheiem meus abraços;
não me façam buscar prazer em mim...
Solidão só se cura com pessoas,
as pessoas estão em nossos olhos,
onde nossas vivências nos atestam...
Amizades e amores se autenticam
a partir das presenças, não das telas
que as remelas vasculham noite adentro...

segunda-feira, 23 de julho de 2012

BBBESTEIROL


Desde que inventaram que o tal de BBB é "uma aula de sociologia", os intelectualóides BBBmaníacos enrustidos vêm se assumindo. Pela promoção da idiotice, agora é inteligente ser idiota. Parece que burrice mesmo é nos assumirmos alienígenas: Pessoas que chegaram ao século 21 sem "abrir a mente" para o besteirol generalizado que mede bem o "Q.I." da sociedade contemporânea.
Na leva deste conceito, são sociólogos os fofoqueiros; os indiscretos; os vigilantes da vida alheia. Dão aulas de sociologia os indivíduos vulgares; os desbocados; os "comedores" e as "comidas" que se permutam sob os edredons de um programa que massifica a sacanagem. Torna ídolos os "garotos" e as "garotas" do programa.
Graças ao BBB, nossos alunos estão" antenados". Conhecem como nunca, sociologia. Estão aptos, inclusive, a lecionar para os professores dessa disciplina. E os professores, propriamente, precisam mais do que nunca se municiar de BBB, para passarem nas provas cotidianas aplicadas pelos alunos.
Senhores da resistência, rendam-se ao BBB! Não sejam BBBestas! O mundo já não vive sem essa lição de vida que só os "docentes" daquela "casa" têm a dar com tanta eficiência! Capacitem-se! Sejam atentos, aplicados, e garantam em seus currículos a formação que lhes falta. Já que a idiotice é moda, deixem de ser idiotas e se tornem também... idiotas.

LAR FELIZ

Saberemos que os nossos filhos são felizes, quando eles gostarem mais de casa do que do Bob´s, do MacDonalds ou da Disney.

QUASE FÁBULA OTIMISTA


Houve um dia, num tempo idealizado pelo sonho, em que serradores disseram não às serras elétricas. Da mesma forma, os caçadores deram adeus aos rifles e desmontaram suas armadilhas.
Nesse mesmo dia, os baloeiros decidiram não mais fazer nem soltar balões... Então a flor sorriu, a floresta ficou mais densa, viva e sortida. No exato instante os rios menstruaram límpidos, livres e fartos em suas fendas. Ninguém os ameaçou de poluição.
Na verdade, o ser humano resolveu ser humano... Reconheceu a natureza em si próprio e se aceitou como filho dessa mãe... Um bom filho da mãe, no melhor sentido, e disposto a tratá-la com o amor que ela merece, por ser o que é... A vida.
Quanto a mim, só escrevi esta quase fábula para fechar com uma gracinha... Um agracinha sem graça. Dizer afinal, que os pássaros, répteis, batráquios e feras... Feras felizes para sempre.

ODE


Se me odeias de amar, teu ódio é arma
que disparas no próprio coração,
porque mentes pra ti; pros teus temores;
para tua emoção indisfarçável...
Sei que foges do peito, vais prá mente,
queres outro motivo de seguir,
mas o tempo desmente a tua força
e te faz recair, voltar ao chão...
Teu amor que me odeia por ser tanto,
vira ode que afaga minha imagem;
faz miragens de fim pelo infinito...
Sei também que teu ódio desse amor
é um ode que soa pra dizer
que não podes viver, se não sou teu...

CÓDIGO DE BARRO


Tenha sempre a prudência, o velho tino
de saber que não sabe tão profundo
sobre a vida; os mistérios; o destino;
as verdades de agora e de além mundo...


Se nem sei de qual dom sou oriundo,
vim brincar de viver; eis o menino
sob a capa do sábio moribundo
que descobre-se apenas um cretino...


Saibam todos que nosso tudo é nada,
somos terra batida nesta estrada
viciada - nos traga igual cigarro...


Não voamos além do próprio chão,
nem viemos dotados de visão
para ler nosso código de barro...

DITO E NÃO FEITO


São palavras demais pra poucos atos;
muito arroto pra pouca digestão;
tantos tratos, tão raros cumprimentos,
combustão de falácias e fachadas...
Há discursos banais, nenhum decurso
que se mostre fiel aos seus efeitos;
medram pleitos, comícios, pregações,
faltam obras; empenhos; atitudes...
Vejo línguas e farpas, ouço brados,
punhos "brabos" se fecham nos coretos
ou nos guetos; estádios; avenidas...
Mas as vidas não seguem seus glossários;
todos querem calvários vantajosos;
guerras feitas de festas e festins...

A ETERNIDADE TRANSITÓRIA DO AMOR


É uma pena que ontem não é mais ontem... Bem cedinho tornou-se hoje, para me fazer constatar que te foste. Que já não estás ao meu lado e não terei os teus traços dormidos para requentar no mormaço dos meus beijos. Resta esperar que o dia passe, outra noite adentre minha solidão, para que retornes do cativeiro das convenções... Fujas mais um pouquinho e te refugies comigo, até que as horas inevitáveis te resgatem.
Disseste que virás amanhã. Pena que hoje, sem nenhuma piedade ainda é hoje... Um agora pesado e lerdo no meu anseio; minha saudade. Meu desejo incendiário de violar o lacre da tua embalagem social, de modo a revelar o quanto és minha, mesmo não sendo. Mesmo eu não tendo a tua escritura, os impostos em dia, os carimbos da oficialidade que pretende autenticar o amor, mesmo depois de findo... Sob os laços de presentes e presenças desbotados... De velhos tempos que só as fotos atestam.
Não faz mal... Tenho tua promessa. Sei que hoje terá de ser amanhã. Se já fosse, nós estaríamos lá, como logo estaremos... Assim que o futuro se nos der de presente, na medida real da expectativa do fogo... Até que o presente, ou ex-futuro, caia no lugar comum do passado, ex-presente, para que “a fila” garanta sua rotatividade. Agora entendo que amores podem mesmo ser eternos, mas trocam de corações e alvos. 

OVO


Minhas mãos me procuram no caos desta noite
mascarada em silêncio, escuridão profunda,
quando mais do que nunca se agiganta n´alma
o vazio que acende a carência do corpo...
Meu instinto resvala nas veias em brasa,
redesenha no ar, na textura da cama,
nas paredes da casa que mal posso ver,
tuas linhas; esquinas; teus pontos de fogo...
Nesta selva do quarto sou alvo e sou seta,
sou a reta precisa da qual não se foge;
mesa, jogo de pôquer, jogador sozinho...
Não me quero, desdenho, mesmo assim me pego,
me lambuzo, me rego pra nascer de novo
e morrer no meu ovo, minha solidão...

SOBRE O MEDO

Sabedor de que o medo é nosso instinto maior de sobrevivência, tenho medo é do medo que possam ter de mim.

SUCESSO

Fazer sucesso não é ter exatamente fãs... É ter amigos... E ao contrário da ordem QUANTO MAIS SUCESSO, MAIS AMIGOS, o certo é: QUANTO MAIS AMIGOS, MAIS SUCESSO.

MULHERES DE NÃO HOMENS


A mulher que por sua independência financeira, patrocina e promove a ociosidade do cônjuge, dá um tiro no próprio coração. Ela talvez não saiba, mas fabrica um monstro social que futuramente fará de sua casa o primeiro ambiente a ser devastado por uma índole mimada... Logo, facínora; tirana; sem nenhum senso de limite.
O início da manifestação do mau caráter desse homem ocorre sempre quando a mulher, tardiamente, acorda para o fato previsível de que já não o ama. Certamente, porque afinal, não mais admira, respeita nem confia no seu produto viciado. Como resposta, esse produto que teme o mundo e suas responsabilidades resolve se rebelar contra quem o tornou mais dependente, fraco e preguiçoso do que sempre fora.
Totalmente perdido, sem nenhuma ideia de o que fazer da própria incapacidade, quem já não é avaliado só pela ótica da carência sexual da mulher, tem pouquíssimas alternativas, ao ser abandonado. Uma delas é achar outras mulheres ingênuas e carentes, o que a cada dia fica mais difícil. A outra é aplicar diferentes golpes na praça, e por fim, partir para expedientes mais radicais e truculentos da criminalidade. Porém, antes de qualquer medida externa, reserva uma série de aborrecimentos e sobressaltos àquela por quem acha que foi usado. Isto, quando não a torna vítima em caráter fatal, de sua vingança.
Ter um cônjuge ocioso é como criar um filho sem educá-lo para o mundo; a sociedade. É mimá-lo ao extremo; não exigir limites; fazê-lo sentir-se o centro do mundo – sem ideia de mundo real – e superior às pessoas que precisam fazer jus à sobrevivência. Em suma, um ser incapaz de compreender os valores éticos, legais e humanos dos quais um cidadão verdadeiro deve ser composto.
Mulheres que fabricam – ou cevam – monstros distorcem totalmente o verbo cativar, da contextualização de Exupéry, na sua obra O Pequeno Príncipe “... tu te tornas eternamente responsável pelo que cativas...”. Elas se tornam, isto sim, eternamente culpadas pelo que mantêm em cativeiros de luxo por tanto tempo.

PAU


Reprovada no meu vestibular,
Em afeto; atenção; cumplicidade;
Nos quesitos futuro, filhos, lar;
Nossas vidas atadas de verdade...


Minha prova testou essa vontade
Que dizias romper o céu e o mar,
Tua fé que jurou capacidade
De vencer a distância, por me amar...


Convenceste na tua condução
Discursiva e banal de sedução;
Redação secundária pro restante...


Mas a vida excedeu no desafio;
Jorrou água demais, então meu rio
Derramou a paixão do teu instante...

APARÊNCIAS

São inúmeras as pessoas cujos estômagos roncam mais do que os motores de seus carros ou motos (não quitados) incompatíveis com suas realidades. 

OLHOS OUVINTES


Quem fala que ouve com os ouvidos, em revide ao interlocutor irritado com sua desatenção, sequer comete uma redundância. Sua resposta percorre a via da ignorância comum, para desaguar numa incoerência contrastante com a lógica própria dos medíocres. Na verdade, ninguém ouve só com os ouvidos, pois eles são simplesmente as aberturas de um túnel que oferece passagem livre aos vocábulos, rumo ao vento.
Para procedermos a mastigação correta das palavras e a total absorção de sua essência, tornando-as não só escutadas, mas realmente ouvidas, envolveremos bem mais do que a simples audição. Teremos que aprender também a ouvir com a mente, o coração e os olhos... Principalmente os olhos, ainda que nos falte o sentido específico da visão. Isto começa, evidentemente, no respeito que devemos ao outro. 

FRAUDES POÉTICAS


Um poema não serve pra dizer adeus,
porque vem pelas costas; é golpe covarde;
chega tarde, alta noite, seja noite ou não,
para ser duvidoso; mascarado; sonso...
São engenhos fraudados aqueles que vêm
no lugar das palavras abertas e francas,
porque são cartas brancas expondo xaradas
de sentidos diversos; todos revogáveis...
Tais escritas resvalam, dizem sem dizer,
meio fingem que fingem, falam que não falam,
podem ser ou não ser se o poeta forjar...
Terão sido poemas, apenas poemas,
quando quem os fizer não suportar a dor
e voltar a compor sobre a velha paixão...

sexta-feira, 20 de julho de 2012

ROTINA DOMÉSTICA: ESSENCIAL PARA OS FILHOS


A corrida vertiginosa pelo batido lugar ao sol somada com a rotina de fuga da rotina, da sociedade moderna, está formando gerações sem referência familiar e apego às raízes. Os pais agora, muito preocupados com o futuro profissional de seus filhos e com as próprias condições de lhes oferecer esse futuro, estão se tornando cada vez mais distantes: Sobrecarregam os filhos de cursos e atividades externos, alguns desnecessários, tanto quanto assumem cargas e horários laborais cada vez mais pesados e extensos.
Isto seria menos danoso, se nas horas restantes houvesse uma promoção do encontro familiar; do convívio de todos no aconchego de suas casas. Da rotina saudável que se desperdiça com o excesso de programas que visam entretenimento aqui fora. As famílias decidiram que o domicílio é estressante; que depois dos compromissos pela sobrevivência (muitas vezes o acúmulo excessivo de bens), e pela garantia do sucesso profissional dos filhos, o pior lugar do mundo é o lar. Em grande parte, o conceito se deve à infelicidade conjugal dos pais, que julgam emendar as relações quebradas, com a já rotineira quebra de rotina; o que não é possível. 
Seria de fato saudável e produtivo incutirmos em nossos filhos o amor pelo dia a dia. Pela rotina de nossas casas e com a nossa presença. Não agindo assim, continuaremos criando pessoas desnaturadas; desprovidas de apego por pessoas. Sem conceitos de família, união e lar. Para entregarmos à sociedade cidadãos felizes, bem resolvidos como profissionais e seres humanos, temos que provê-los também desses valores. Precisamos dar, das poucas horas restantes dos compromissos com a sociedade, um tempo maior a esse convívio que será gratificante agora e depois, quando nossos filhos então adultos os reproduzirem para os seus, e assim por diante.
Por essa felicidade não é só recomendável, mas também urgente a divisão entre os programas externos e o aconchego doméstico, dando vantagem para o segundo. Tenhamos certeza de que não há shopping, lanchonete, parque temático nem a satisfação de qualquer capricho capaz de cobrir as lacunas e carências abertas pela falta de presença e do convívio interno.
Em nome de um desenvolvimento sadio, com o pleno exercício da afetividade, cada criança precisa sentir desde o berço que o melhor lugar deste mundo é a sua casa. Só depois desse conceito é que o mundo em torno lhe parecerá bonito; amistoso; aconchegante. Um ótimo lugar para se viver.

HÁ, HUMANOS!...


Sofrem antes da mágoa,
choram antes do adeus,
caem antes da queda,
gritam antes do susto...
Fogem antes do medo,
sabem antes que "deus"
o que é mal, mau, pecado,
indecente ou injusto...
Chutam antes da hora,
perdem antes do jogo,
saem antes que acabe,
xingam antes da ira...
Julgam antes da prova,
queimam antes que o fogo,
trancam antes da chave,
prendem antes do tira...
Querem mais do que têm,
veem mais do que é,
mandam mais do que pedem,
fingem mais do que são...
Gastam mais que recebem,
rezam mais que têm fé,
sonham mais do que dormem,
comem mais que a porção...
Fazem menos que devem,
falam mais do que os atos,
ganham mais que merecem
da rotina e da sorte...
Pensam menos que falam,
fedem mais que seus flatos,
nascem depois da vida,
morrem antes da morte...

COMO FOI QUE NÃO FOI?


Quase foi o que não, porém no fim
seu olhar diluiu a minha espuma;
sua voz renegou aquele sim
que pairava no rosto feito pluma...


Foste mar suprimido pela bruma;
ilusão que secou dentro de mim
ou apenas um trago, de quem fuma;
uma dose de vodca ou de gim...


Fui à beira vital de ser feliz,
de sentir o sabor do que mais quis
e burlar o destino, carma ou lei...


Quem me fez apostar no encantamento
me deixou indagando ao próprio vento:
Como foi que não foi o que pensei?

COMPLEXO DE SUPERIORIDADE


Quem é grosseiro e arrogante comigo sem receber arrogância e grosseria como troco, só fica satisfeito equivocadamente. Se tal pessoa entendesse a razão de minha calma, ficaria frustrada e muito mais enfurecida. É que não me ofendo nem discuto com figuras que não respeito e às quais me julgo superior. Logo, de minha parte não há medo, cautela ou ponderação. Só descaso.
Quando “pago na mesma moeda” ou até exagero na reação, aquele com quem o faço tem tudo para se sentir enaltecido; prestigiado. Neste caso, estou lhe dando atenção; respeitando sua presença; reconhecendo a importância do seu argumento, mesmo sem concordar. Se lhe respondo “à altura”, é porque vejo altura; nível; relevância. Em outras palavras, o enxergo; faço caso da sua existência.
São inúmeras as pessoas que se equivocam comigo, julgando me descompor, convencer ou intimidar, baseadas no meu silêncio. Também são muitas as que se frustram sem motivo, quando as enfrento. Mal sabem elas, que mexem comigo, fazem efeito e deixam seus manifestos registrados.
Há quem afirme que sou uma incógnita. Pode ser. Pode não ser também. Aliás, isto já é uma incógnita. Muitas vezes entro em conflito com o meu ego, tenho brigas homéricas comigo próprio, discutindo isto. Ponho dedo em riste, me ofendo, falo desaforos, mas não me amedronto: Reajo, me respondo à altura, e no fim das contas fico feliz: Percebo, já no limite, o quanto me levo a sério.

MEUS TESTÍCULOS


MOSCA MORTA


A mosca no chão
não me livrou
das tantas mais,
como pensei...
Cruel conclusão:
Acertei na mosca...
Mas errei.


LIQUIDAÇÃO


Não perca o lance,
que a chance é hoje...
Tudo barato!
Também pudera
(não se anuncia
em tal bravata):
Tirando a ponta
do velho estoque,
tudo barata.


PLAYBOY GRISALHA


As novidades 
que vêm às vistas
me violentam...
Prazer com vírus
que a tudo rói.
Tenho saudades
das velhas revistas 
da De Millus...
Minha Playboy.

NOVA ESTRELA GUIA


Seguirei o cometa que chama os meus olhos
neste sonho restante, universo abstrato
que meu tato porcerto não pode sentir,
mas reside na força da minha esperança...
Cada dia me despe da vida entornada
no moinho da noite que revira o mundo,
morre fundo e me cospe; não tardo a nascer
numa nova ilusão aspirante a verdade...
Meu olhar vê sentido na busca recente;
minha mente já traça o caminho a tomar
pelo ar, pela terra e por todo meu ser...
Com licença que a morte me permite o salto,
quero ir o mais alto e ligeiro possível,
pra colher no infinito nova estrela-guia...

CORES DE SETEMBRO


Carpete floral
que a serra estende pros olhos.
Cores de setembro.

AMOR ECONÔMICO


Um amor novo em folha te riscou de mim;
devassou a memória, estourou essa bolha,
veio ser novidade na minha emoção
e me fez trocar tudo por uma verdade...
Renasci onde o caos anunciava o fim,
foi um sim salvador que respondi ao não,
quando a vida exigia uma volta por cima;
uma rima capaz de salvar o poema...
Comecei a me amar sem paixão varredora,
para ter nessa calma o que dar de beber,
pra saber com que dose conquistar alguém...
Aprendi que uma entrega não pode ser vício;
se verter todo vinho fico sem adega
e qualquer desperdício pode ser fatal...

segunda-feira, 16 de julho de 2012

BOM AGOURO DE MÃE


Eduíges era o motivo central das preocupações constantes de sua mãe, dona Juremá. Residia em um bairro periférico de Guapimirim, era casada com um homem preguiçoso, desonesto e viciado, e tinha sete filhos para sustentar. Trabalhava como diarista em casas de madames, enquanto a figura imprestável do marido circulava cambaleante pelos bares do lugar, graças às doses de cachaça que bebia fiado e jamais pagava ou eram pagas por pinguços que tinham lá seus ganhos. Bares e pinguços que nunca se ofereceram para vender fiado nem doar um saquinho de leite a Eduíges.
Dona Juremá, que morava longe da filha e recebia mensalmente uma pensão modesta, ia também mensalmente à casa da Eduíges para levar ajuda em forma de mantimentos: Arroz, macarrrão, feijão, açúcar, sal, biscoitos, margarina e óleo. Com o auxílio somado ao que recebia em suas diárias, Eduíges conseguia não deixar que as crianças passassem fome. Elas não tinham roupas boas, brinquedos novos nem materiais escolares a contento. Tinham, porém, o que comer sob o teto de zinco da velha casa de estuque num terreno invadido pela mãe trabalhadora e corajosa.
Sabe-se que dona Juremá, já bem velhinha e cansada, um dia fez uma compra especial para Eduíges e os filhos. Pagou a um ajudante para transportar, e quando chegou à casa da filha percebeu que acabara o gás. Na mesma hora pediu que o ajudante fosse comprar, utilizando o mesmo carrinho-de-mão que pouco antes estava cheio de mantimentos. Dessa vez, além dos itens de sempre havia frutas, legumes, enlatados, linguiça, carne seca e polpas para sucos. Tão acanhada quanto feliz, com os olhos marejados Eduíges agradeceu pelos mantimentos e o gás. Ao mesmo tempo, lamentou por ter de aceitar o auxílio e dar tanta preocupação à mãe. Sorridente, a velhinha respondeu que a filha, tanto quanto ela, nunca mais teria que se preocupar com aquilo.
Exatamente um mês depois, dona Juremá dormiu e não despertou no dia seguinte. Muito abatidos, Eduíges e prole não perceberam, por algum tempo, mas a despensa continuava a mesma: Eles consumiam os mantimentos, usavam normalmente o gás e tudo continuava lá, na mesma quantidade. Segundo a tradição oral, as crianças foram criadas pela mãe, que não tardou a ficar viúva, com muito mais conforto. Como garantiu dona Juremá, Eduíges não precisou mais se preocupar com gás e comida (pois nunca mais acabaram), tendo que trabalhar apenas para vestir os meninos e mantê-los na escola.
Faz tempo que Eduíges morreu, deixando sete homens cultos, bondosos e bem sucedidos, que formaram famílias e criaram filhos como eles, na cidade ainda bucólica de Guapimirim. Quem hoje mora lá, certamente vive sob a influência benéfica da família... Muitos até convivem com seus descendentes, o que pode lhes trazer a graça do rendimento inacreditável da despensa e do gás de cozinha.

ACERTAR É HUMANO

A única prova de que aprendemos com os nossos erros é a não repetição dos que já cometemos. Os erros estão em nós como sinais de nascença. Isso repete o lugar-comum de que errar é humano, erraremos sempre, mas acertar também é. Estúpido e desumano é repetirmos erros como prova irrefutável de que não aprendemos nada.

ANTIMUSA


Recordá-la corrói a inspiração;
decompõe os meus versos instantâneos;
descompõe a razão de poetar
ou tecer uma imagem de leveza...
Se me lembro de nós parece um nó,
porque pairo no abismo e nada flui,
sou tão só na poeira das lembranças,
que não acho quem fui naqueles tempos...
Na verdade o que dói é o não doer,
é não ter o que possa decantar
com beleza e profunda nostalgia...
Quando a vejo no acaso da lembrança,
minha veia poética se cala
e não dança; não sonha; não floresce...

RONALDINHO E SOCIEDADE


Flamengo versus Nova Iguaçu. Jogo muito esperado pelos torcedores do Flamengo, ansiosos pela estreia de Ronaldinho Gaúcho. Mais esperado ainda pelo próprio jogador e a cúpula do time, que aguardaram com paciência o bom agouro da partida contra uma equipe supostamente fraca e sem tradição. Momento perfeito para um bom desempenho que fizesse a "estrela da estrela" brilhar.
Contrariando a expectativa dos menos apaixonados, foi um jogo fraco e sem graça. Os dois times não brilharam. Mesmo assim o Nova Iguaçu perdeu, para consolo do Flamengo, da torcida e do Ronaldinho, que não foi o autor da vitória flamenguista. Não foi, mas todos os holofotes da mídia se voltaram para ele. De nada valeu para o jogador Wanderlei acertar o chute que ocasionou a vitória escassa por um a zero; ser o salvador. Ele não podia ser o destaque do dia, mesmo que fizesse três ou mais gols. A ocasião, as câmeras, os microfones, o apupo da torcida hipnotizada, isso tudo era do gaúcho.
... Não é só no futebol que ocorre um endeusamento equivocado e distorcido como esse. Nas famílias, greis, empresas e classes escolares existem estrelas incondicionais. Aquelas figuras que brilham com ou sem mérito e levam créditos seus e dos outros. Legítimos ou forjados. Uma realidade que frustra os demais valores, talentos e habilidades ou simples esforços de pessoas nunca reconhecidas, pelo menos devidamente. Pessoas injustiçadas e vítimas de perseguições; pechas; preconceitos.
É preciso que os líderes (pais, religiosos, sindicais, patrões e professores) aprendam a reger com justiça e total imparcialidade. Filhos, fiéis, afiliados, funcionários e alunos costumam sofrer bloqueios que minguam rendimentos, quando convivem com colegas estrelas e sofrem comparações injustas, ainda que veladas. Não há espírito desportivo que suporte obscuridade ou escanteio, quando sabe que não merece tratamento semelhante.
Se você lidera, chefia, rege ou preside, olhe bem sua equipe. Pode ser que de alguma forma equivocada, você endeuse uma só pessoa e seja indiferente a outras que merecem mais atenção. Tenha cuidado, pois não raramente vemos apenas uma, talvez duas, não mais do que três estrelas, onde na verdade habita uma constelação. 

DESESCATOLOGIA


Faz tempo, deixei de ser levado pela tua ótica infeliz de um mundo inteiramente mau. Descobri que a vida é bonita e tem mais espinhas na face - o que tem solução - do que propriamente os espinhos atribuídos ao seu todo.
Conhecer um pouco mais a humanidade - ao mesmo tempo me distanciar de seus olhos - fez ver que as pessoas não são más. Existem sim, pessoas más, nem sempre há como identificá-las, porém essas pessoas não são o mundo... Estão nele, mas não são.
Agora chega dos teus muros, lamentações e tua eterna escatologia... Percas toda esperança de me converter pelo assombro... Faz tempo que já não cedo aos teus desencantos.

FARMÁCIA DE BEBUM


Marquinhos, esposo de Branca parecia desolado: Ferira o pé, por pisar em um prego, e doía muito. Perguntei se tomara injeção antitetânica, e respondeu que não. Que não acredita nessas coisas. Continuou gemendo baixinho, sentado na calçada em frente a sua casa. Contemplava o pé inchado, brilhoso e vermelho, sem esboçar qualquer atitude para resolver o problema.
Branca foi até o portão, olhou para mim com ares de quem já fizera tudo para convencer o esposo a ir ao posto médico, mas não disse nada. Voltou para dentro, e logo depois decidi fazer uma nova tentativa com o Marquinhos: Falei de forma bem didática sobre como a injeção é importante. Cheguei a dizer, disfarçando minha impaciência, que antitetânica não é reza, pajelança nem qualquer outra forma de crendice.
Ele deu mais dois ou três gemidos, mas resolveu despertar, como se a palavra crendice lhe dissesse algo de proveitoso. Em minutos, aquele que não quis tomar a injeção recomendada foi atingido por uma injeção de relativo ânimo. Lavantou-se, anunciando com voz ainda baixa, porém firme, que não ficaria mais entregue ao acaso, vendo a sua saúde ameaçada.
 - Vou ali na barraca do Galdino... Depois de umas seis ou sete cervejas, tenho certeza de que melhoro.

COVARDIA DE LÍDER

O mau líder tem um profundo apego à conveniência da distribuição de "sins" que o tornem herói, mesmo em horas inoportunas... Ao mesmo tempo, impõe aos assessores ou adjuntos a distribuição dos nãos que o tornariam impopular...

PRECONCEITO

Há uma terrível forma de preconceito, expressa no argumento imbecil de não "fazer média" com  negros apenas para provar que não é preconceituoso. Neste caso, a prova do preconceito está justamente na "média", por não ser média quando não é com negros...

PAZ E CAMA

Não faço amor pra fazer as pazes... Faço as pazes pra fazer amor...

SER HUMANO


É possível ser sincero e cordato;
a franqueza não tem que ser grosseira;
ser honesto não é hipocrisia
nem o riso foi feito pra enganar...
Há quem finja e no entanto é truculento;
muitos mentem olhando em nossos olhos,
têm o pranto gosmento e venenoso;
são ladrões que a si próprios crucificam...
Guarde a raiva e desarme o coração;
creia em Deus ou não creia, mas respeite
a razão de quem seja o seu oposto...
Ame os falsos até que a farsa caia,
deixe a laia curtir o seu melhor
e torná-lo melhor do que já é...

TEMPO É DEUS


Creio mesmo é no tempo, nele aposto
como a cura dos males e dilemas,
meus poemas me ajudam na viagem
para o dia em que a vida fará jus...
Não importa se os dias serão poucos
a partir do momento com que sonho,
se vierem com toda a plenitude
que suponho nas minhas esperanças...
Tenho fé, rezo ao tempo, esse meu deus
milagreiro de outrora e do futuro,
luz no escuro de quando estou perdido...
Ponho nele os pedidos e desejos,
como quem deposita numa conta
os valores humanos que lhe restam...

SOBRE RELAÇÕES DE AMOR


Só a felicidade justifica o viver a dois, e isto só é possível se houver amor na igual medida em ambos os lados. Quando não é para ser feliz, de nada vale ao ser humano estar com alguém.
Esse tal de "até que a morte nos separe" não se restringe à natureza física da questão afetiva. É mais adequado ao sentimento, propriamente. Seremos fiéis aos nossos pares ou cônjuges na alegria ou na tristeza, na saúde ou na doença, na pobreza ou na fartura, e seremos felizes assim, não exatamente até que um dos dois morra... muito menos ambos.
O amor é de fato perecível... Muitas vezes morre antes que nós. Quando isso acontece, já não vale a pena insistir numa relação que leva o peso e a fedentina de um cadáver... O ex-amor.

PROFISSÃO VAGABUNDO

Quando alguém lhe disser simplesmente que é biscateiro, não se iluda: Trata-se de um vagabundo que trabalha de vez em quando, para descansar e se divertir, e ainda aproveita para ganhar uns trocados.

O SOFRIMENTO HUMANO COMO ESPETÁCULO


Há certo sadismo na relação povo/imprensa, quando são noticiados crimes hediondos e grandes catástrofes naturais ou de qualquer natureza. Isto se evidencia na riqueza dos pormenores expostos principalmente pela televisão e a curiosidade patológica das pessoas, de consumir as notícias com esses detalhes que não acrescentam informações. Apenas adicionam drama, especulação e chantagem.
Vemos notícias criminais ou catastróficas como quem assiste a filmes policiais ou escatológicos. Queremos saber números de mortos, condições das mortes, medidas de sofrimentos, se os mortos perderam órgãos ou membros. Depois procuramos programas de entrevistas, assistimos a debates televisivos e reprises intermináveis. Tudo enquanto almoçamos, fazemos a ceia, a sesta, e nos comovemos sinceramente, mas em grande parte por engajamento e compromisso com a sensibilidade que esperamos uns dos outros. No entanto, na maioria das vezes não há um engajamento braçal; uma solidariedade física, presencial e de fato eficiente, como daquelas pessoas que estão lá. Nos cenários dos acontecimentos. Vistas por nós, mas longe de suas casas. De seus aparelhos de televisão.
Não tenho a intenção – nem o direito – de condenar essas atribuições inerentes à natureza humana; logo, à minha natureza. Entendo que a minha percepção dessa realidade não me torna superior ao meu semelhante nem arranca de meu íntimo essa natureza. Mas podemos treinar essa percepção e diminuir os requintes dispensáveis de crueldade que acompanham, por exemplo, as perguntas que fazemos a quem sofre uma grande perda. Tais perguntas podem ser trocadas por gestos e silêncios mais férteis. Por solidariedade menos invasiva e mais atuante nas horas certas. Na medida real da carência de cada um, seja ela material ou afetiva. Isto vale para os meios de comunicação, que de fato precisam noticiar com profundidade, para deixar a população ciente dos fatos, mas não precisam mastigar tanto, e com tanto engenho, detalhes menos jornalísticos e muito mais doentios, da intimidade das vítimas de acontecimentos trágicos.
Se não podemos nos arrancar de nossos íntimos, podemos conter nossa natureza nas manifestações de sua negatividade. Atribuições como curiosidade mórbida e sadismo, ainda que inconscientes, nascem como conosco, é inegável, mas podemos amainá-los o suficiente para não agravar o peso do sofrimento humano.
Podemos começar por não vermos a dor do próximo como atração; espetáculo. Por não fazermos da solidariedade um modismo vazio, pontual e sem resultados. Sermos sóbrios, constantes, necessários, diretos e verdadeiros será bem mais útil para o mundo que nos cerca. Existe mesmo essa superficialidade social que transforma a infelicidade maciça num reality show que troca de cenário, mas tem quase sempre os mesmos componentes: Pessoas que sofrem de verdade, não dentro da “casa” televisiva, mas dentro de nossa realidade.

INVEJA

O invejoso é capaz de qualquer expediente para se livrar de quem o incomoda pelo sucesso pessoal. O que ele não entende (e isto sim, é trágico), é que apesar do muito que possa ter um dia, terá de se conformar com o que é e suportar a si mesmo até o fim de sua vida sem graça.

COMPROMISSO ALÉM DA FORMALIDADE


Por acaso, o delegado que acessava um dos caixas eletrônicos da loja de conveniências percebe algo suspeito. No caixa ao lado, um homem usava pelo menos uma dúzia de cartões. Aquilo despertou seu instinto policial. Ele foi lá fora, viu se alguém esperava pelo indivíduo, voltou e fez plantão na porta de saída.
Depois de uma longa espera, o delegado vê seu suspeito acomodar o dinheiro numa polchete, os cartões numa carteira e deixar o caixa. Sem titubear o aborda, já do lado de fora, mas com cuidado e discrição. Sabe que apesar das fortes aparências há uma chance, mínima que seja, de estar enganado. Quer também evitar uma possível situação de perigo para quem passa.
Funciona, e suas suspeitas se confirmam. O homem não reagiu. Seus cartões eram clonados e ele não trabalhava sozinho. Foi preso, delatou comparsas e a quadrilha foi desmontada. No dia seguinte o caso estava nas páginas de jornais, revistas e sítios eletrônicos, e ocupava os noticiários de rádio e tevê. Notícia que não seria notícia, se o compromisso ético, social e humano de todos nós estivesse cotidianamente acima da frieza institucional.
Numa das entrevistas o delegado afirmou que, naquele dia, formalmente não estava em serviço. Mas que nada o impedia de agir, pois é um policial a qualquer hora, em qualquer lugar. Não pode fingir que não percebe um ato criminoso.
Seria bom para o mundo se todos os policiais, médicos, políticos, juristas, educadores e cristãos não os fôssem apenas nos presídios; hospitais; gabinetes e tribunas; tribunais; escolas; templos... Muito menos em dias e horários restritos aos seus expedientes profissionais, humanos ou religiosos.

REFORMA DE AMOR


Superei teu feitiço e desfiz meus enganos,
dei aos pés a certeza de que o chão existe,
pra banir dos meus planos o mundo ideal
e ser triste ou alegre, mas não iludido...
É viável ser vate sem voar tão alto,
sem querer um amor que vai além do sonho,
dar um salto infinito e me perder de mim
entre tantas vertigens de luzes e tons...
Descobri que te amar foi folguedo e não fogo,
fui a carta menor no teu jogo egoísta
e feri meus sentidos mais sãos e sinceros...
Doravante sou vate apenas pra compor;
meu amor será prático e  dono de si;
vou entrar e sair quando a mente quiser...

quinta-feira, 12 de julho de 2012

BABANDO PELA MULHER ALHEIA

Amâncio está incomodado com Marcondes, o cunhadão bonzinho de sua esposa Matildes. Marcondes mora no mesmo condomínio que Amâncio, e tem se mostrado muito atencioso com Matildes, uma senhora direita, mas muito ingênua. É claro que o excesso de atenção do cunhado se revela na ausência, suposta ou certa, de Amâncio e da esposa do próprio Marcondes, que ao contrário do esposo, trabalha. Matildes também trabalha, mas tem lá suas horinhas fixas de repouso em dias úteis, o que já foi memorizado por Marcondes, que só não conseguiu memorizar ainda os dias e horários de folga do Amâncio. Graças a esse pormenor, o cunhadão de Matildes acabou se deixando flagrar pelo concunhado, quando fazia, disfarçadamente, mesuras e agrados à sua esposa.
As coisas acontecem mais ou menos assim: Quando Matildes acorda, Marcondes está sempre por perto, para dar seu bom dia meloso, com um falsete que não foge a nenhuma percepção mais aguçada. É com essa voz que ele pergunta se a cunhada dormiu direitinho, se está descansadinha, se quer que ele compre um pãozinho para ela, entre outros diminutivos. Quando percebe a presença ou pelo menos o sinal da presença de Amâncio, Marcondes dá uma disfarçada, muda o tom de voz, assume uma expressão de seriedade postiça e se afasta. Sabe que o concunhado não é bobo e percebe sua intenção. Ao surgir um novo ensejo, lá está ele: Se a cunhada veste uma roupa nova, elogia. Se ela parece triste, ele quer saber por quê. Quando sua esposa Marieta, irmã de Matildes, está em casa e quer dizer algo à irmã, ele adivinha. Lentamente resvala e vai até lá, para dizer a Matildes que a irmã parece ter algo a lhe dizer, e com certeza deve ser urgente.
Ao contrário de Marcondes, Amâncio é um homem discreto e respeitador. Não é um banana, como normalmente se fala de homens pacíficos e longânimos. Ele apenas pondera muito, porque não pode provar materialmente uma certeza somente sua. Ademais, conhece a mulher que tem. Sabe que ela não dá trelas ao cunhado e praticamente não responde às suas abordagens, o que não adianta, pois o sujeito insiste nas conversas fiadas e nunca é claro o bastante para ser acusado. Lança incansavelmente suas iscas, na esperança de que o peixe (ou a sereia) uma dia se deixe pescar. Mesmo assim, o pacífico e bom Amâncio acha tudo aquilo constrangedor. Constrangedor e desrespeitoso para ele, que tem sempre atitudes moderadas, de pouca fala e certa cerimônia, ou formalidade, ao tratar com Marieta, de quem também é cunhado, por quem tem amizade antiga, mas não se permite liberdades como sussurros, brincadeirinhas indiscretas e tom de voz em falsete.
Como nunca é diferente com homens que babam pela mulher do outro, Marcondes não permite a sua mulher, amizades com marmanjos. Ele não confidencia isso com ninguém, mas todos percebem a diferença de seu comportamento, quando está com Marieta em grupos que incluem homens: Monta uma barreira velada, a todo momento olha de soslaio para a esposa e já agrediu um sujeito na rua, por passar muito próximo dela, quase esbarrando. É previsível a confusão que se estabeleceria no condomínio se Amâncio, homem charmoso, educado e culto (como não é o concunhado) resolvesse fazer umas abordagens a Marieta. Não exatamente nos mesmos moldes de Marcondes, pois a sua estirpe não permitiria isso, é claro, mas qualquer coisa seria suficiente para que o concunhado perdesse a estribeira, partisse para a cobrança de satisfações, depois a porrada, e posteriormente a mudança de atitude ou postura.
Taí: Na minha opinião, valeria a pena para o Amâncio, a Matildes e até mesmo a Marieta, que nessa história toda é a mais inocente. Nunca viu nada, confia cegamente no esposo e ainda o mantém à toa, com todo o tempo do mundo para babar pela Matildes e certamente por outras mulheres do condomínio... Pelo menos até o dia em que um emprego sair de alguma empresa e for bater à porta de Marcondes, implorando que ele o aceite.

CIDADE

Mocidade.
Mordacidade,
sagacidade,
opacidade,
capacidade...

Atrocidade. Ferocidade. Rusticidade...

Felicidade,
praticidade,
tenacidade,
precocidade,
feiticidade,
ludicidade.

Autenticidade! Multiplicidade! Abutricidade!

Infelicdade...
Eletricidade...
Reciprocidade...

Especificidade. Psicomotricidade.

Simplicidade...
Cumplicidade...
Posticidade!
Vivacidade!
Viva, cidade!
Viva a cidade!

Cidade... Cidade... Cidade... Cidade... Cidade...
Cidade!

LADRÃO ACIDENTAL

Dia desses roubei uma bicicleta. Era minha, mas roubei assim mesmo. Tudo começou quando precisei de uma pequena quantia e fui ao banco sacar. Peguei a bicicleta, lembrei que não tinha cadeado para trancá-la e proteger de outro ladrão. Resolvi usar o pequeno cadeado que protegia uma das janelas de casa, e no lugar de corrente, usei um pegador metálico de macarrão.
Chegando ao banco, sofri um susto. Havia três filas imensas: Uma para o atendimento com funcionários de balcão; mais uma, para tratar com o gerente; outra, para os caixas eletrônicos. Antes de entrar na agência procurei uma grade na área externa. Prendi a bicicleta com o pegador de macarrão, o cadeado envolvendo seu “pescoço”, e parti para a via crúcis de pegar meu dinheiro.
Quase duas horas depois, até que voltei tranquilo, do caixa. Tranquilo sim, mas não por muito tempo. Ao enfiar a mão no bolso à procura da chave do cadeado, não achei. Procurei de novo, abri a carteira várias vezes, perdi a vergonha e vasculhei a cueca, mas nada. Olhei ao longe a bicicleta e pensei: Como recuperá-la sem ter problemas? Arrombar o cadeado? Quebrar o pegador de macarrão? Fiquei pensando por longo tempo, até resolver procurar ajuda.
Fui ao guarda bancário; expliquei o problema. Ele disse que não podia sair do posto, mas ficaria de longe dando apoio. Eu daria um jeito de violar o cadeado, e se alguém desconfiasse, era só apontar para o guarda e ele sinalizaria, dando a entender que estava ciente. A desconfiança veio logo, mas acho que o guarda foi chamado para resolver alguma coisa, de forma que precisei me explicar para um estranho. Ele coçou a cabeça, disse que não ficaria perto e saiu. Temendo que ele fosse me denunciar, não fiz o arrombamento. Fiquei aguardando a melhor chance.
O tempo que levei olhando para a bicicleta, ela para mim, além de uma plateia disfarçada, nem sei dizer. Só sei que num dado momento encontrei coragem, comecei a torcer o pegador de um lado para o outro, continuamente, até que ele cedeu. Foi partido e pude retirar o cadeado.
Novo alívio para mim. No entanto, mais uma vez o alívio não durou. Percebi que várias pessoas começaram a caminhar em minha direção. Apavorado, suei  frio. Não corri, porque o medo não deixou, e tramei explicações descabidas, diferentes da verdade, porque a verdade era bem esquisita. Seria difícil crer que simplesmente não encontrei a chave do cadeado, até mesmo porque havia em meu poder um chaveiro com muitas peças. Eram chaves das portas de minha casa.
Por milagre, uma briga entre dois homens tem início na porta da agência. O burburinho atrai a atenção de todos, que não resistem e vão assistir. Deixado em paz, lanço fora o pegador já partido, pego ligeiro a bicicleta e saio em disparada. Nem olhei para trás, mas até hoje tenho medo de ser abordado para dar explicações. Na verdade, saberia explicar o drama daquele dia, mas não a fuga. Por minha imprudência, corri o risco de ser preso em flagrante pelo roubo de uma bicicleta.
É claro que a prisão seria breve, pois a vítima, que era o próprio ladrão, retiraria queixa. Mas eu ficaria mal visto... Pior ainda, saberiam todos que, entre outras esquisitices, substituo correntes por pegadores metálicos de macarrão.

DESCULPAS PARA DIRIGIR ALCOOLIZADO

Quando Marcílio expôs ao grupo as burradas que um indivíduo alcoolizado, mesmo que levemente, é capaz de fazer no trânsito, a reação de Cosme foi passional. Iniciamente aos gritos, o beberrão da turma disse que "não é bem assim". Defendeu que o "bebedor consciente", ao dirigir depois de umas doses até melhora os reflexos, tornando-se capaz de sustar acidentes inevitáveis ou mesmo destinados ao motorista sóbrio.
Segundo Cosme, quem antes de beber já sabe que vai dirigir, bebe com o compromisso de redobrar a atenção na estrada. Fica mais cauteloso, arguto e desenvolve uma capacidade sobrenatural de se desvencilhar dos nós e as armadilhas que o trânsito intenso prepara. Perante olhares ainda mais espantados, fechou a questão jurando que, na verdade, graças ao álcool fervilhando no cérebro e nas veias foi que ele escapou de muitas situações complicadas, estando ao volante.
Não sei qual foi a impressão geral causada por aquela conversa ou palestra, mas posso garantir que saí de lá me sentindo atropelado por tantas palavras mal dirigidas. Mal digeridas, também, pela minha rejeição a tal conceito equivocado e desastroso, absorvido por tanta gente país e mundo afora. Disseminado com tamanha segurança, por pessoas que não amam a própria vida. Muito menos a do próximo e de seja lá quem for.
Marcílio também saiu frustrado. Levou consigo a mais tristonha certeza: Daqueles ouvintes, os menos favorecidos de cérebro, mas que por algum motivo ainda não dirigiam alcoolizados, passaram a fazê-lo. Foram convencidos pelo "sábio" Cosme, de que a cerveja, o choppe, a cachaça e companhia são aliados perfeitos de quem dirige. Contra a estatística da realidade nessas cabeças, nada melhor do que a bestatística de Cosme. 

SEGREDOS?

Nenhum segredo é inviolável... Que o digam chaveiros e arrombadores de privacidades.

EXORCISMO

Se virasses fumaça, gás ou pó
lá no eixo insondável do infinito;
fosses palha, capim, quiçá cipó
numa selva irreal; de lenda ou mito...

Meu espírito em paz faria um rito
por estar sem algemas, peso, nó,
soltaria os demônios no meu grito
e teria mais bênçãos do que Jó...

Pela graça da tua inexistência,
pagaria tributo e penitência;
tingiria meu corpo de carmim...

Toma o vento e galopa um cometa!
Pode ser que descubras um planeta
que te faça feliz, bem mais a mim...

quarta-feira, 4 de julho de 2012

AS RABANADAS DE NOSSA MÃE

Ainda não encontrei quem faça bolos e broas como nossa mãe fazia. Ela tinha uma receita especial, que não sabia explicar, por isso ninguém aprendia. O segredo não eram os ingredientes, mas a forma de fazer. Com exagero; diria que algo sobrenatural.
Não eram somente essas guloseimas. Nossa mãe também superava qualquer cozinheiro na forma de preparar um frango frito. Simples, nenhum tempero incomum, mas a mesma forma especial no preparo. Assisti muita gente fritando frango exatamente como a viu fazer... Ainda assim, ninguém conseguia imitar o sabor.
Para ninguém dizer que sou parcial, confesso que jamais gostei da rabanada que nossa mãe fazia. Era horrível. E por saber que adoro rabanadas, ela guardava muitas para mim, sempre que as fazia em natal e fim de ano. Eu as devorava, é claro que não por serem gostosas, mas para me livrar sem demora.
Neste fim de ano, além de recordar com carinho a felicidade com que nossa mãe reunia os filhos nestas datas, lembro de seus paladares. Os bolos, broas, frangos fritos; a raspa do arroz, que ela queimava para mim, entre outras delícias...
Lembro também das rabanadas... As rabanadas!... Daria tudo para comer, neste fim de ano, as rabanadas horríveis de nossa mãe!...

CAVALHEIRISMO

Só há cavalheiros onde existem damas. O respeito masculino atende exclusivamente à lei da exigência feminina.

FELIZ LUGAR-COMUM PARA TODOS

Se tudo é velho, sai ano entra ano, renove. Dê um toque sutil de novidade, a partir de seus sentimentos mais sinceros; de sua esperança em um tempo de paz, compreensão, bem querer. É que o mundo melhor começa dentro de nós, por mais clichê que nos soe. As verdades não mudam, por isso ficam batidas. Viram lugares-comuns e depois são discriminadas por serem contundentes; lógicas;
estarem na cara ou debaixo do nariz.
Mas até as verdades podem ganhar contornos diferentes; novos olhares de mundo e vida... E ainda assim, esta minha conclusão é clichê, o que não significa ser indigna ou desprezível. Sorrir é bom, chorar faz bem, quem sonha pode alcançar - pois todo sonhador vai à luta -, viver é o maior dos dons, a presença é mais importante que o presente, e por aí afora... E quem poderá contestar? Quem dirá que o sorriso é mau, é proibido chorar, o sonho é sempre impossível, que o presente substitui a presença e morrer é melhor do que viver bem? Clichê, clichê, clichê... Benditos clichês!
Acho que a grande novidade, a cada ano, é a renovação desses lugares-comuns. O renascer do velho, com nova disposição. A revontade, o ressonho, a revida, o remundo. Dessa forma nada é velho; brota mesmo da semente, como cada nova criança é um ser humano igual aos outros, porém é nova; significa mudança.
Com licença para o grande clichê, mas... Feliz ano novo para todos! Continuem amando o próximo como a si próprios. Fazendo o bem sem olhar a quem. Sabendo que a violência não leva a nada. O crime não compensa. Nada como um dia após o outro, a vida é para ser vivida e outras máximas que nos fazem torcer os narizes, mas são verdadeiras. Sabedorias populares que, por serem populares, a mídia elitista nos faz rotular de bregas.