domingo, 21 de dezembro de 2025

O poço do fanatismo

Demétrio Sena - Magé 


Pouco importa se o que você frequenta é uma célula, uma seita, religião, filosofia, grupo. Se não faz de você uma pessoa melhor, não vale nada. Se lhe faz afrontar o mundo e se julgar melhor do que o próximo, qualquer próximo, você perde o seu tempo. Se põe a sua auto estima no chão e se também a põe lá no alto, em um patamar ilusório, não passa de uma fraude. Fanatismo, extremismo, excesso litúrgico em qualquer fé professada levam para o fundo do poço. Se pela fé que professa, você percebe que já não é você, e sim, um fantoche que mãos habilidosas, hipócritas, interesseiras, maliciosas e mercadológicas manipulam, a sua fé não lhe merece. Muito menos os seus lideres merecem a sua fé. 

Mire-se no espelho de sua realidade atual. Compare essa realidade com os tempos de paz e lucidez que você já teve algum dia, sem precisar de guru, mestre, pastor, pai religioso, guia, padre, qualquer orientação pretensamente espiritual. Você vai perceber que o seu estado de espírito não vem do alto, do baixo nem das laterais. Vem do seu íntimo; da sua disposição para ser feliz. Do seu equilíbrio pessoal, perfeitamente possível; completamente capaz de conduzir os seus passos por caminhos seguros. Sua alma só será salva pelo caráter, seu amor ao próximo, a si mesmo(a) e sua observação de quem lhe rodeia e quer, na verdade, como aquela ovelha da qual sempre terá leite, lã e obediência. 

O medo do diabo, do Próprio Deus - Terrivel, como religiões fundamentalistas apresentam - e outros seres invisíveis que a psique manipulada manifesta, nada pode lhe oferecer além de momentos hipnóticos ou surtos neurológicos em ambientes escolhidos. Na realidade crua oramos, rezamos e ritualizamos cada vez mais, enquanto nos curamos ou morremos, na mesma proporção da fé ou não fé. Alcançamos ou não, as "graças" providenciadas por coincidência ou ação persistente bem sucedida (que sobrenaturalizamos quando e como convém). E a célula, seita, religião, filosofia ou grupo não ajuda ninguém a entender com alguma serenidade, os valores humanos que realmente nos salvam.
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terça-feira, 16 de dezembro de 2025

Mais um ano de Cultura na Educação

Demétrio Sena - Magé 

Fomentar (ou animar) a cultura na Educação Pública é um privilégio. Ser um arte-educador - ou animador cultural, como a Secretaria Estadual de Educação Classifica - me oferece há mais de trinta anos a chance de, ao mesmo tempo: exercer os meus dons como poeta, comunicador, amante fervoroso das artes, e ajudar jovens estudantes a conhecer um pouco do mundo vertiginoso e diverso ao seu redor.

Somos, paralelamente, professores diferenciados, que trabalham no campo da conscientização social e da fomentação da cidadania. Em nossas oficinas de letras e artes e nossos eventos culturais nas escolas, podemos atingir livremente os pontos sensíveis de questões sociais que o sistema impede o professor regente de fazer. São tantos gráficos, tantos malabarismos para corresponder às exigências estapafúrdias do poder, que os professores regentes não têm tempo de ir além das formalidades do ensino. São talentosos, amam seu ofício, mas o poder público os transforma em tecnólogos do ensino formal.

Durante muitos anos, os animadores culturais da Secretaria Estadual de Educação, lotados nas escolas da rede pública do Estado do Rio de Janeiro foram artistas e educadores repletos de sonhos e realizações que levavam encantos diários aos alunos. Tinham recursos a contento para oficinas criativas, eventos culturais e de cidadania na escola. Além dos recursos e horizontes, não havia essa polarização política cujo lado direito é perverso, doentio, impeditivo, cheio de superstições e teorias da conspiração contra as artes, a poesia, o encantamento cultural dos filhos e filhas em desenvolvimento escolar.

E a população como um todo era também enriquecida pelos animadores culturais e sua efervescência: fazíamos eventos coletivos de rua; foram muitas ações culturais nos Arcos da Lapa, nas estações de Metrô, nas universidades do Centro do Rio de Janeiro, no Maracanãzinho e muitos outros espaços. E sabem com a participação protagonista de quem? De alunos e alunas cantores, recitadores, poetas, artistas plásticos, dançarinos e outros, incentivados e preparados pelos animadores culturais de suas escolas.

Tudo isso começou no Governo Leonel Brizola/Darcy Ribeiro, criadores dos Cieps, e toda essa filosofia revolucionária no ensino durou enquanto Brizola se manteve governo e teve alguma força até o governo Cabral. Cabral foi preso por corrupção, mas não há como negar a importância que ele deu aos animadores culturais. Em seu governo, gerenciamos programas de leitura com grandes nomes das letras, a exemplo de Ziraldo, e os animadores culturais escritores lançaram seus livros na Bienal do Rio. Foi uma pena descobrirmos mais tarde, que o Governo Cabral praticou corrupção; lavou dinheiro.

A verdade é que ficou provado que dá para ter Educação de qualidade sem corrupção. Brizola e Darcy provaram isso. O próprio Cabral, que desviou muitos recursos e aplicou o mínimo na Educação, conseguiu fomentar tudo aquilo com aquele mínimo. Imaginem se não tivesse desviado recursos; tivesse aplicado realmente na Educação, os valores que declarou! Imaginem como o trabalho já primoroso dos animadores culturais teria bem mais amplo, com os recursos verdadeiros em uso.

Até a nossa remuneração, nunca mais reajustada, já foi razoável. Isso nos dava um ânimo a mais. De lá para cá, os animadores culturais foram invisibilizados: não recebem recursos de nenhuma natureza para projetos. Não têm mais janelas de atuação com alunos. Se fizerem trabalhos nas comunidades, terão que utilizar seus proventos hoje diluídos, e com esforços sobre-humanos diante de alunos que aprendem, com a sociedade atual, que o pensamento crítico é perigoso; as artes são perniciosas; é pecado ser contestador, criativo e observar os acontecimentos por conta própria. Que até ler ivros não especificamente religiosos pode ser pecaminoso e digno de castigo.

Atualmente, os animadores culturais contam com a sorte (como é efetivamente o meu caso) de terem uma direção escolar que os ajude no possível. Que entenda seu trabalho e o defenda contra quem os vê com maus olhos, ironiza sua invisibilidade no sistema e quer transformá-los em ajudantes de suas funções no local de trabalho, o que nenhum profissional de cultura deve aceitar. Sorte a minha e de poucos colegas, que não passamos por isso.

Para 2026, preparo um projeto fotográfico não só para os alunos, mas para toda a comunidade, de ensaios fotográficos dignos de resgate da auto estima. Realizarei nossa Feira Literária com muitos escritores/escritoras convidados, e mais uma vez apoiarei a realização do Festival Mageense da MPB. Manterei a sala de animação cultural com jogos de mesa, exposições de obras dos artistas de nosso município e darei oficinas pontuais de texto e origami.

Tenho certeza, de antemão, que poderei contar com os nossos diretores Luiz Roberto e Thales, a sua equipe (Juliana e Jaciele), os professores (na medida do possível, pois estão sempre abarrotados de trabalho) e os demais colegas dos outros setores da unidade escolar (secretaria, departamento pessoal, biblioteca, manutenção, inspeção de alunos, cozinha, portaria...), porque são todos fundamentais para meu trabalho.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

Das liberdades que prendem

Demétrio Sena - Magé 

O excesso de liberdade sem sabedoria pode nos tornar escravos de um futuro incerto, quando não desastroso. Passados mal resolvidos por falta de acabamentos costumam aviar boletos vivenciais que não temos como pagar. Os códigos de cobranças da vida são implacáveis com quem não sabe viver. 

Saber viver é algo muito conceitual e rotativo. Quem acha que pode fazer tudo e tem todas as liberdades, deve ter um projeto sóbrio, maduro e consistente, para não cair nas armadilhas de um engano sombrio. Armadilhas postas pelos próprios atos e por pessoas que sabem se aproveitar das fragilidades dos que acham, equivocadamente, que "estão com tudo".

Todo ser humano precisa desse equilíbrio, para sobreviver a si mesmo. Para jamais perder o rumo e ficar sem teto, chão e paredes, pelo quanto pensa que se livrou de todos... até de si mesmo, crendo não precisar de um limite, uma base, um apoio existencial. Nossa essência carece de um invólucro; o espírito tem que ter corpo. Não há recheio sem casca.

Se queremos voar, é essencial termos de onde para onde. Ou não será um voo; será um salto no escuro; no precipício de nossa inconsequência. Sejamos livres o suficiente para repensarmos, quando for necessário, nossos conceitos intermináveis de liberdade. Cuidado; ela pode nos algemar em pleno salto.
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terça-feira, 9 de dezembro de 2025

O Zôto

Demétrio Sena - Magé 

Com sessenta e poucos anos de idade, ainda não conheço pessoalmente o tão famoso Zôto. Mantenho com ele uma relação de raiva e medo, mesmo sem conhecê-lo, desde a mais tenra idade.

A primeira pessoa que me falou do Zôto foi minha mãe. Ela fazia, repetidamente, os mais diversos avisos relacionados a ele: "Filho; nunca pegue nada do Zôto". "Cuidado; mexer com o Zôto é perigoso". Eu tinha medo. A raiva, era quando minha mãe protegia o Zôto, como se ele fosse um filho. E filho preferido: "Tenha pena do Zôto; não faça com o Zôto o que você não quer que o Zôto faça com você."; "não perturbe o Zôto, porque o Zôto trabalha e quer descansar.".

Depois de minha mãe, eu já marmanjo, vieram os Zô... digo; os outros: Aí as recomendações se multiplicaram como piolhos em cabeleira suja: "Cuidado com a mulher do Zôto!"; "pense no Zôto, você não é melhor do que ninguém!". O Zôto é isso; o Zôto é aquilo; o Zôto não tem culpa; "coração do Zôto é terra que ninguém conhece"; "deixe o Zôto sossegado"; "não faça nada para ferrar a vida do Zôto"... "Cada um é o que é; ninguém pode querer imitar o Zôto".

Não quero mais conhecer o Zôto. Estou de bem comigo e com a própria vida. Sigo meus sonhos, ora viaveis, ora não, mas a vida é minha; os sonhos são meus; o Zôto não tem nada com isso.

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domingo, 7 de dezembro de 2025

Pregação de Ateu - ou clamor de pedra

Demétrio Sena - Magé 

Se você procurar na Bíblia um apoio para qualquer perversidade, certamente achará. Serão fartos os conselhos para desprezar afetos, menosprezar os necessitados e jamais perdoar alguém, ou "perdoar" assim, entre aspas, continuando inimigo velado. Armado contra o "vai que...". Em um todo, encontrará muitas máximas para ofender pessoas, classificá-las conforme o seu rancor, seu preconceito e o fanatismo próprio de quem "não muda". Nas leituras do Velho Testamento as justificativas para não se sentir mau são profícuas. É só você contextualizar e/ou distorcer, conforme a maldade, o veneno do seu coração.

Mas a Bíblia também tem bons conselhos; máximas capazes de lhe fazer repensar sua ira, seu desejo de fazer o mal ou soltar a mão de meio mundo. Se você é cristão, por exemplo, desapegue-se um pouco do Velho Testamento bíblico e faça uma visitinha ao Novo Testamento, ao livro da graça, fundamentado na razão do cristianismo, que é Jesus Cristo. Cristo fala de amor, perdão incondicional, fazer o bem sem olhar a quem. E o Apóstolo Paulo, queridinho dos evangélicos, em especial; convertido após entender a mensagem de Cristo, seu contemporâneo, é enfático sobre ser o doente quem precisa de médico... o abandonado, de acolhimento... quem errou, de perdão, e por aí vai, muito além das palavras.

Se existe uma nova constituição, é porque a velha já não contempla os novos tempos. Virou acervo de pesquisa; inclusive, para fazer entender as mudanças. E se os livros didáticos mudaram, é porque o mundo mudou; a realidade não cabe mais entre os novos ensinamentos. O Novo Testamento bíblico substitui o Velho, que hoje vale como consulta, entendimento do que levou ao Novo e discernimento dos erros daquele tempo. Os cristãos cascudos precisam deixar de desejar para quem não os segue, o novo dilúvio, as novas pragas, novas iras divinas que destroem tudo e transformam pessoas em estátuas de sal.

Precisam, sobretudo, deixar de crer e sonhar que o Possível Deus acabará com a raça de qualquer pessoa que os magoe ou dará permissão para que eles mesmos façam issso. Não; este texte não é mais um Testamento; é apenas o que pensa um simples ateu que, Possivel Deus à parte, admira profundamente a figura do ser humano Jesus Cristo e seus ensinamentos sobre amor ao próximo, perdão (não apenas sete vezes, mas setenta vezes sete), paz e aceitação do outro, com todas as suas "outrices". Senhores cristãos; desapeguem-se da velha lei das desgraças e aceitem, de uma vez por todas, o tempo da graça. 

Ah; e tentem esquecer, também de uma vez por todas, aquele capiroto - agora preso - que virou os cristãos deste país de ponta-cabeça... instituiu a lei do ódio, da fraude, a notícia falsa... e tirou do capiroto original o status de pai da mentira, das desavenças e da fome de poder, para distribuir entre seus milhões de seguidores. Ou fiéis. Ou discípulos. Ou sabe-se lá mais o quê. 

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sábado, 6 de dezembro de 2025

Poeta no Confessionário

Demétrio Sena - Magé 

Nunca fui o tipo de poeta que participa de concursos de poesias. Poesias para concursos têm que ser gritadas; conter muitas exclamações, interrogações e palavras de ordem, nas formas de clichês. Ser muito românticas e passionais... ou sobre a natureza, igualmente passionais. Nos protestos, não podem ser profundas, racionais, daquelas que atingem os nervos das questões sociais mais polêmicas: o racismo, a misoginia, lgbbtfobia, injustiças sociais, a miséria e a distribuição de renda. Se essas questões forem temas, que eles sejam de passagem; sem aprofundamentos; com linguagem rasa e à base do "somos todos iguais diante de Deus!"; "vamos orar e ter fé!". Tudo gritado e de festim; com muitos fogos de artifício.

Não sei se minha poesia é boa ou ruim. Só sei que não explode no céu dos concursos. É como seta silenciosa que resvala na escuridão. Ela não é detonada com pompa e com circunstância, e sim, deixada no vácuo para ser encontrada por quem olha o chão e se propõe a decodificar o achado; interpretar entrelinhas e aceitar desafios interpretativos de vida e sociedade. Minha poesia não é imposta; não ameaça júris com apupos de plateias impressionadas. Ela se propõe calmamente, sem provocar delírios ou apelar para efeitos pop, reluzentes, panfletários e sob a faixa do engajamento emergencial. Do grito de guerra que o modismo impõe.

Boa ou ruim, acusam minha poesia de ser ardilosa; puxar quem se detém. Funcionar como alçapão que prende, até seu contexto ser interpretado. Fazer perder tempo com reflexões, em tempos de correria. Mesmo curta como sempre chega, requerer muitas pausas, perguntas íntimas e silêncios demorados. Muitos pensam que ela diz o que não diz, e nao raramente alguém se sente flagrado por por um verso. Daí a pergunta: Isso foi para mim? Daí a dúvida; o que esse poeta sabe a meu respeito, se nunca lhe confidenciei meus conflitos íntimos, minhas mazelas secretas? Não. Os meus poemas não são para concursos; eles afrontam concursos e avaliadores. E não; não quero arrogar que sejam "ór concur". São é mesmo inconcursáveis.

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