quinta-feira, 13 de novembro de 2025

FALAR BEM É DO BEM

(sobre religiões de matriz africana)

Demétrio Sena - Magé 

Nunca vi um umbandista, candomblecista ou qualquer outro religioso dessa linha, gritando em uma condução enquanto eu tento ler um livro, cochilar um pouco ou simplesmente apreciar em silêncio a paisagem do percurso. Ninguém verá um religioso de matriz africana em praça pública, quebrando o sossego e obrigando a todos ouvir louvores, pregações e preces que não querem. Eles conhecem o sentido de "não é por força nem por violência, mas, pelo espírito".

Nenhum religioso dessas vertentes quebra templos e objetos sagrados do cristianismo. Não agride nas ruas, física ou verbalmente, a quem não tem a mesma fé; não acredita nos mesmos sagrados. Jamais afirma que este ou aquele indivíduo vai queimar no inferno. Cada religioso crê, realmente, que a sua crença é a ideal, mas o religioso de matriz africana respeita quem pensa e crê diferente e trata a todos com igualde, respeito e ética. Evidentemente, há exceções, mas no caso desses religiosos, de fato são exceções. Não é a regra eles serem prepotentes, preconceituosos, furiosos, bufões e pretensos donos da verdade.

Faltou dizer que as religiões afrodescentes nunca tentaram tornar lei (por força e violência) o ensino de suas doutrinas nas escolas, mesmo quando era certo que teriam sucesso. Vale também dizer, antes que alguém pule, que aquela aplicação de estudos de africanidades (nunca respeitada) nas escolas não passa pela doutrinação religiosa. Trata-se de história, pelas perspectivas que sempre foram suprimidas pelas versões engessadas impostas.

O que realmente conheço dos religiosos de matriz africana são a postura humilde, a discrição, o respeito pelo espaço e o direito alheio a culto em seus respectivos templos e congregações. Conheço deles o tratamento igualitário; a disposição de ajudar seu próximo sem cobrar dele a conversão. A ausência do julgamento banal, da maledicência, do arrombamento da sociedade e do alinhamento corrupto com o poder político, para dominar o cenário religioso.

Esta prosa não fala mal de ninguém. O que acaba de fazer é falar bem de alguém. Falar bem é do bem, embora muitos não concordem, se o alvo não for da mesma "facção". Também não estou dizendo qual é a "facção". Nem precisaria dizer, se quisesse. Como nem é preciso dizer que não tenho religião, porque não creio em sagrados... mas no que tange a regra corporativa e pessoal, sempre tive grande admiração pelos religiosos de matriz africana. 

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terça-feira, 11 de novembro de 2025

AS DUAS MARGENS DA INTRIGA

Demétrio Sena - Magé 


Você - não importa quem seja: por acaso já procurou aquela pessoa por quem sempre teve muito carinho e grande admiração, para perguntar, olhando nos olhos, se é verdade o que alguém lhe disse dela, em relação a você? De negativo, é claro; afinal, não conheço ninguém que faça intriga positiva. Mexeriqueiros do bem, se já existiram, são uma espécie extinta ou extremamente rara entre nós.

Não. Não procurou. Apenas deixou de ser a pessoa que era, com alguém especial para você, até então, por causa de um indivíduo reconhecidamente peçonhento, cujo maior prazer é formar uma rede de manipulados em torno de si. Formar ao mesmo tempo, redes de cancelamentos para quaisquer pessoas que ponham em risco sua construção fraudulenta de notoriedade pessoal. Um indivíduo que mal olhou para você, enquanto falava pelos cotovelos ou sussurrava covardemente.

Na verdade, esse indivíduo não é o único mexeriqueiro dessa história. Você também é. A intriga (ou o mexerico), igualzinho à corrupção, tem o lado ativo (de quem a pratica) e também o passivo - de quem escuta sem reação, questionamento nem consulta corporal: do olhar, da gesticulação, a respiração, o tom de voz, para depois consultar a vítima, que tem direito à própria versão, mais do que a pessoa que lhe manipulou e ofereceu uma zona de conforto: o silêncio injusto. Mais fácil do que apurar fatos.

Sinto muito por lhe dizer, mas você é um mexeriqueiro(a) passivo da pior espécie. Tão asqueroso e covarde quanto o mexeriqueiro ativo. Merece mesmo trocar o carinho, a sinceridade e a ética de alguém que nunca lhe pôs contra outra pessoa (isso mostra quem é quem) por uma criatura que ainda vai pôr alguém contra você, como pôs você contra quem nem sabe o que aconteceu.
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sexta-feira, 7 de novembro de 2025

BANCO DE RAZÕES

Demétrio Sena - Magé 

Deixo-me usar, abusar, ser preferido, preterido e tratado conforme as conveniências ao meu redor... e faço questão de parecer bobo. Muito bobo. Acho até que não pareço. Realmente sou bobo, dentro dos limites do suportável, sendo que os meus limites costumam ser bem generosos... bem longânimos.

É me deixando usar, abusar, ser bem e mal tratado por seja quem for, que faço meu banco de razões. Da mesma forma que trabalhadores têm seus bancos de horas (nem sempre respeitados pelos patrões), ao trabalharem além de suas cargas horárias. No meu caso, quem administra o meu banco sou eu. E tenho como critério deixar que os acúmulos, com juros e correção, deixem bem evidente o meu crédito, entre somas e subtrações, quando resolvo dar um basta.

Sinto-me confortável... com um extrato pesssoal de causas bem positivo, para explicar as razões de meus afastamentos, esfriamentos, as minhas mudanças comportamentais. No fim das contas, é compensador não ter reagido precipitadamente. Não ter me queixado logo nos primeiros abusos, nas primeiras "esnobadas", os primeiros "chega pra lá", ou já nas primeiras exploraçãos de minha boa vontade, sem o menor sinal de um reconhecimento posterior.

Sempre tive como explicar a mim mesmo, ao deixar de nutrir um afeto especial ou admiração profunda por alguém. Quando estou prestes a recuar do brio finalmente ferido, é só puxar o extrato negativo. Conferir quantas vezes esse alguém me frustrou, abusou, preteriu e me tratou como um ser humano invisível. 

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quinta-feira, 30 de outubro de 2025

"FOI UM SUCESSO"

Demétrio Sena - Magé 


Referindo-se à operação policial mais nefasta que o Rio de Janeiro já vivenciou, com mais de cento e trinta mortos, o governador Cláudio Castro parecia falar de um show. Para ele, foi. A evidência do caos, a exacerbação da força e a desorganização que disseminou o medo, a insegurança e o luto foram as marcas de uma operação mais política do que policial, visando o desgaste do presidente Lula e a recuperação de prestígio popular do governador Cláudio Castro, com o seu eleitorado bolsonarista. 

Mesmo que a operação tivesse realmente sido bem sucedida, o que não foi, em razão dos "efeitos colaterais" desumanos, "foi um sucesso" é uma fala cruel. Onde os direitos humanos foram desrespeitados e a ordem foi "meter o dedo", só há motivos para lamento. Nem as quatro mortes de policiais foram respeitadas pelo governo e sua equipe, na conotação de sucesso e a declaração de que "os efeitos colaterais foram mínimos". Carnificina não é sucesso. Guerra não tem tem triunfo. Tem vencedor, mas não tem triunfo, porque mesmo quem vence deveria lamentar o rastro de mortes, em respeito às famílias.

Sucesso é uma campanha esportiva, cultural, comercial, publicitária ou outra, bem sucedida. É conquistar um emprego, uma vaga na universidade, ganhar um campeonato, um concurso, torneio, vencer na vida com trabalho e honestidade. Considero sucesso, alguém salvar uma vida, gerar uma reflexão coletiva. Matar, mesmo como combate ao crime, não é sucesso. Pode ser um mal necessário (não com tanta violência, premeditação e desproporcionalidade), mas não um sucesso a ser festejado.

Mais de cento e trinta mortes, que não haveria em uma operação inteligente, não são exatamente um efeito colateral. Esse efeito colateral foi maior do que o resultado que seria ideal em uma sociedade civilizada (as prisões e apreensões). Mas, talvez para o poder público estadual seja mesmo isso. Como queriam eliminar a todos, as prisões e apreensões ficam, essas sim, entendidas como o efeito colateral. As mortes de pessoas que não estão sendo identificadas, o sucesso da operação.

Não defendo bandidos. Quero todos presos, punidos, impossibilitados de fazer vítimas. O que me causa espanto e indignação é que uma ação policial de alta letalidade seja vista como uma festa. Entrar, matar e sair para que o crime se reorganize e depois o poder público volte a entrar, matar e sair, porque isso dá mídia imediata e voto. Já observaram que tais operações são realizadas às vésperas de campanhas eleitorais e quando os governos estão em baixa nas pesquisas de aprovação popular?

Faltou dizer que sucesso é o tratamento ou a cirurgia que vence a doença. É aquela vida que um bombeiro salva em situação de perigo; aquela que um policial também salva, na defesa imediata de um cidadão. É a pacificação de uma comunidade, com a permanência da polícia, nela. É, ainda, uma investigação criteriosa, que termina com o desmantelamento do crime organizado, de cima para baixo, sem penalizar tanto, a população como um todo. Show macabro de cadáveres expostos não é um sucesso.
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quarta-feira, 29 de outubro de 2025

A TRAGÉDIA DO PODER PÚBLICO DESORGANIZADO

Demétrio Sena - Magé 

Entrar, matar e sair é a política de segurança do governo do Rio de Janeiro, de São Paulo e outros Estados do Brasil. Entre a saída e a volta pré-datada em vez de uma ocupação permanente, o crime parcialmente combatido se reorganiza. Aqui no Rio de Janeiro, a matança de mais de 130 pessoas (64 oficialmente, trinta corpos que hoje foram recolhidos e mais vinte que chegam agora, 8h26min., conforme vejo em noticiário de tevê). 

A forma desorganizada, brutal, sem nenhum projeto e qualquer cuidado com a população, mostra dois objetivos injustificáveis bem definidos: o desgaste do governo federal - que não soube previamente, não foi consultado nem recebeu solicitação de apoio -, e a formação de vitrine para o próprio governador Cláudio Castro, visando a futura reeleição. Para esses objetivos, a criação do caos e a instituição do vale tudo são apresentadas como demonstrações de coragem; heroísmo; determinação.

Existe uma fala estruturalmente preconceituosa, mas muito vezeira, entre todas as camadas populacionais, que diz: "Nem todo mundo na favela é bandido; tem muita gente honesta e trabalhadora", quando é o contrário; nem todo mundo na favela é honesto e trabalhador; tem muito bandido. Em outras palavras, a grande maioria nas favelas é de gente honesta e trabalhadora, mas a bandidagem domina com armamento pesado, ameaças e ordens. E é com o pensamento estruturalmente preconceituoso que o poder público, via polícia, invade os complexos e favelas, como se gente honesta e trabalhadora fosse minoria, e sendo assim, suas mortes fossem apenas efeitos colarerais insignificantes.

Em um todo, não houve política de segurança pública nessa mega "batida policial", e sim, um projeto eleitoral macabro que visa desqualificar o governo federal, não importa como, porque as pesquisas eleitorais "acendem um alerta". O noticiário continua somando corpos e o governo do Rio de Janeiro mete os pés pelas mãos em suas declarações públicas sobre ter metido os pés pelas mãos nas ações policiais e nas declarações de ontem, sem nenhum respeito aos moradores do complexo.

Pergunto-me se todos os corpos recolhidos são de bandidos, mesmo. Se não há corpos de pessoas trabalhadoras, honestas e simples, que tentaram fugir de suas casas. E se há, o que para mim é muito provável, suponho que não saberemos. Pelo menos com exatidão. Quero ressaltar que a minha preocupação neste momento não é com uma das esferas ou ideologias do poder público. É com os moradores dos lugares em questão. 

E me preocupo sempre, com a existência das cabeças e os corações ruins de quem defende a truculência oficial que mata indiscriminadamente. São as mesmas cabeças, os mesmos corações que louvam o genocídio em Gaza e os ataques nefastos dos Estados Unidos a embarcações não verificadas, em águas internacionais. A maioria, cabeças e corações de quem canta "Vem com Josué lutar em Jericó" ou "Caminhando eu vou para Canaã".

Corpos continuam se acumulando e a polícia já dá sinais de que se retira. E como só uma facção foi alvo da operação (que deveria ter sido inteligente, para prender), logo saberemos qual terá sido a troca de comando: se outra facção das muitas existentes ou alguma milícia que assiste a tudo e já se mexe para ocupar o vácuo não ocupado pelo poder público, que entra, mata e sai.

Meus sentimentos às familias dos inocentes vítimas e às famílias dos policiais mortos... e minha solidariedade a todos os moradores inocentes que convivem com a violência diária de onde moram e vivenciaram ontem essa brutalidade. O poder público desorganizado não tem como vencer o crime organizado.

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Imagem: CNN Brasil - aquarelada 

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terça-feira, 28 de outubro de 2025

VARIAÇÕES SELETIVAS DE TRATAMENTO

Demétrio Sena - Magé 


Quem hoje lhe trata bem; amanhã, mal; depois com indiferença ou de qualquer maneira, não é assim com todos. Ninguém intervenha com "deixe pra lá, ele (ou ela) é assim mesmo". Não é. A forma de tratamento que alguém dispensa vem do status do interlocutor; da provável relação hierárquica; formação acadêmica e possível dependência de última hora, desse alguém, ou a previsão dessa possibilidade.

Mesmo com possíveis problemas ou síndromes emocionais ou psíquicas comuns, inerentes aos cidadãos e cidadãs destes tempos, uma pessoa pode estar triste, hoje; alegre, amanhã; calma, neste momento; agitada, no dia seguinte... mas, a sua educação será sempre a mesma e não dependerá do que aconteceu em outro ambiente, com outras pessoas. Sua gentileza, consideração, humanidade ou prontidão afetiva não se abalará. A compreensível variação de humor ou comportamento não demanda variação de caráter ou índole. Esteja como estiver o íntimo dessa pessoa, ela sempre será a mesma pra você, como é pras pessoas a quem admira, e por isso as respeita em quaisquer circunstâncias.

O que faz alguém variar o tratamento que lhe dispensa, sem levar também em conta o seu estado pessoal, somente o próprio, não tem fundo psíquico/emotivo. Certamente, não incluo nesta reflexão, pessoas portadoras de sérias e realmente profundas complicações ou patologias. O que ocorre nas relações interpessoais, que faz alguém escolher a quem sempre respeita, considera, trata bem... e a quem trata como lhe aprouver, tem a previsível medida estrutural de preferência e preconceito.

Não é sobre variações humanas de humor, e sim, sobre a sociedade que nos rodeia. Ao mesmo tempo, sobre as variações seletivas e preconceituosas de tratamento interpessoal, nesta sociedade. É sobre todos nós em relação ao próximo.
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sábado, 25 de outubro de 2025

SOBRE OS EXTREMOS

Demétrio Sena - Magé 


Muitas vezes, dizem que alguém se converte ao evangelho, quando está no fundo do poço. Entretanto, sendo o fundo do poço a coroação de uma trajetória desgraçada, que deságua em um profundo arrependimento, converter-se a uma religião já é o próprio fundo. Mais triste ainda, é a pessoa se unir obrigatoriamente a outra do mesmo contexto de vida, para criar uma prole "perfeitamente uniforme" e depois se vangloriar, dando tapas no próprio peito: "EU criei todos eles dentro da igreja!". 

Em outras palavras, a pessoa conheceu o mundo, viveu, fez as suas escolhas, mas os filhos, talvez os netos, nunca viram a superfície. Foram criados no fundo do poço e, se um dia resolverem buscar a luz da liberdade, serão para sempre ofuscados por um remorso; um profundo sentimento de culpa: o de quebrarem a tradição familiar de pertencer ao fundo do poço, onde o radicalismo do inverso faz idealizar o céu, simulando-o no inferno da própria realidade. Uma realidade fantasiosa, repleta em superstições, medos ou coragens doentias em uma guerra espiritual imaginária contra demônios e pessoas que se tornam demônios, porque são da superfície. 

Há gerações e gerações criadas nesse fundo, imaginando que salvaguardam suas almas e desfrutam do reconhecimento divino que há de coroá-los depois da morte. Como adiantamento, a ilusão de serem guerreiros e guerreiras do "Supremo". Superiores aos seres da superfície - os mundanos. Uma "santidade" que os torna - sem abandonarem as expressões contritas - dispostos a puxar compulsoriamente os "mundanos" para o fundo do poço ou cancelá-los sumariamente.
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