sexta-feira, 18 de julho de 2025

SOBRE TODOS NÓS

Demétrio Sena - Magé 

Sou amigo de fulano e cicrano, que são muito amigos de bertano, pessoa muito bem sucedida e influente no bairro em que nós residimos. Bertano tem um problema comigo, por preconceitos que ele nutre porque não tenho religião e sou eleitor da esquerda. Em razão disso, percebo que fulano e cicrano evitam qualquer proximidade comigo em ambientes físicos e virtuais onde bertano esteja (ou não, mas perceba essa proximidade). Em outras palavras; só são próximos a mim, com ele ausente ou distante.

Dia desses fulano e cicrano, que estão sempre juntos, vieram conversar comigo, meio sorrateiros. Olhavam muito em volta: quem sabe, verificando se não passava ninguém que depois pudesse contar para bertano que o viram comigo. Quando eu lhes disse, com muita franqueza, que sabia o que vinha ocorrendo nos últimos dias, eles bem que tentaram se explicar. Disseram que só não queriam aborrecimentos e, pelo que depreendi, havia uns  interesses envolvidos, etc. Segundo eles, eu devia entender. Explicações esdrúxulas.

Não entendo. Não entendo escravidão social, afetiva, ideológica, de classe nem qualquer outra... também não entendo "sinsenhorismo" e vocação para camuflagem. Se não entendo, é porque sei lidar com a diversidade... separar quem de quê... ser fiel às amizades opostas entre si... nunca julgar ou deixar que julguem por mim ou me orientem sobre quem é quem. Eu jamais entenderia esse rastejar nas sombras; esse viver de modo a dar satisfações de como vivo, com quem lido e de minhas verdades existenciais.

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quinta-feira, 17 de julho de 2025

ISTOS SEM AQUILOS

Demétrio Sena - Magé 


Estes tempos de leite sem lactose... de café sem cafeína... e sem álcool na cerveja... são tempos de veia que não lateja; de gente sem gentileza. Anos insossos, de doce sem açúcar; de mel de abelha que abelha não faz... e dos tratados de paz que não têm paz.


Vejo dias de milho sem amido, sexo sem libido, carne sem proteína... de água sem h2O; amarrado sem nó, inteligência artificial... de carne seca sem sal. Do boi sobre dois pés; o cérebro sem raciocínio; românticos sem romantismo... altruístas sem altruísmo. 


Chegamos ao século da longevidade sem vida; da saída que não tem saída... verão sem calor e frio sem inverno... gente que fala do céu, mas parece que saiu do inferno. Estamos no aqui e agora que voltou ao passado; de livro sem texto, artistas sem arte. 


É tanto brilho sem brilhantismo.... tanto isto sem aquilo... muito "fi-lo, porém não qui-lo", mas foi feito e pronto. Já virou mesmismo: é muito cristão sem cristianismo; ideal sem idealismo... patriotas e mais patriotas... que não têm nenhum patriotismo. 

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CIRANDINHA INDEPENDENTE


 

segunda-feira, 14 de julho de 2025

O MERCADO ESCRAVO DA MÚSICA CONTEMPORÂNEA

Demétrio Sena - Magé 

Tenho notado a vida dura de quem se lança no mercado musical nos últimos anos. É uma agenda interminável de shows; uma pressão sem fim das gravadoras, que hoje não oferecem um produto palpável para quem aprecia determinados cantores e modalidades musicais específicas. O cantor/cantora deixa seu produto na plataforma digital, para vender acessos que quase ninguém compra, porque baixar musicas de forma gratuita é muito fácil. 

Resta conquistar milhões de fãs que lhe garantem dividendos por acessos digitais; e para manter esses fãs, fazer um esforço diário sobre-humano, para não sair do Imaginário popular: shows, aparições públicas, incidentes midiáticos... e a gravadora, dá sempre o mesmo suporte precário: agenda os shows, as entrevistas, apresentações quase sempre gratuitas em programas de auditório, cobra severamente os compromissos e cuida (quando o faz), dos cenários dos shows. A banda é do cantor (ou do grupo) e todas as formas imaginativas de performances públicas são por sua conta e risco. Se derem certo, todo mundo ganha. Se não derem, só o artista perde.

Montar uma gravadora própria tem custos e burocracias que só quem tem muita grana conseguirá cumprir. Além disso, é necessário ter grande conhecimento na indústria fonográfica e muita disposição para enfrentar os tubarões do meio. Nunca mais um cantor, uma cantora poderá contar com discos físicos à venda nas lojas, para receber seu percentual pela vendagem impulsionada por audições pagas nas rádios, algumas apresentações na tevê, notícias nos jornais e grandes shows esporádicos... tudo bancado pela gravadora contratante.

E nós, consumidores de música, nunca mais teremos em casa, os acervos físicos dos cantores de nossa preferência, para ouvirmos quando quisermos, se não gastarmos longas horas, nestes tempos acelerados, colhendo esses acervos na internet. E cá para nós: os admiradores da boa música nunca mais terão novos artistas musicais capazes de abduzi-los ou encantá-los com suas obras. A xepa musical é imensa e a música descartável domina o mercado. 

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quarta-feira, 9 de julho de 2025

DIVAGAÇÃO PERTURBADORA

Demétrio Sena - Magé 


Minha adolescência e minha juventude não pesaram tanto, na adolescência e na juventude, como pesam hoje. Foram se acumulando em mim, com ágio sobre ágio, para cobrarem dos meus anos restantes, a partir do prenúncio da minha velhice.

Chego a crer que alguns casos de perturbação mental na terceira idade não sejam patologias causadas pelos desgastes físicos e mentais dos anos vividos... antes, uma escolha imperceptível de quem não suporta o peso das lembranças, de saudades e traumas que não se apagam nem com a longevidade. Em minha opinião, quem alcança a maturidade, mas morre antes da velhice, propriamente, não cumpre a pena devida - e de vida - por ter sido adolescente, jovem ou ter logrado mais alguns anos.

Não alcancei essa impunidade. Caminho para sessenta e cinco anos. Só espero não cumprir a pena máxima pelo adolescente, o jovem, o adulto que fui.  Quero "partir" antes de, imperceptivelmente, me ver tentado a optar pela perturbação mental. 
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terça-feira, 8 de julho de 2025

CONSTRUINDO LEMBRANÇAS

Demétrio Sena - Magé 

Hoje eu disse a um aluno, que ele não "pisaria" mais na biblioteca. Tenho utilizado a biblioteca de "minha escola" como endereço de meus estudos para projetos culturais locais. E como forma de compensação pela minha ociosidade parcial como arte-educador, recebo os alunos tanto da rede estadual - da qual sou funcionário - quanto da rede municipal, que por ora ocupa o segundo piso do prédio.

Quando o aluno saiu, depois de ouvir de mim, palavras duras pelo que aprontara no ambiente (xingou uma colega, me disse desaforos, fez ameaças veladas e vinha aprontando outras, fazia tempo), meu coração ficou apertado. Eu expus aquele jovem perante os outros alunos e acenei para ele com uma promessa de exclusão. Logo eu, que tive uma adolescência e uma juventude marcadas pela exclusão e pela exposição pessoal que muitos me impuseram. Principalmente, logo eu, que "aprontei" muito mais do que aquele jovem, por quase metade da minha vida.

Não tive sossego, enquanto não chamei o aluno para conversar com calma. Para reconhecer que agi como acho que muitos têm agido com ele em casa e nas ruas. Dizer que não o excluiria; que a exclusão é algo terrivel. Que ele podia, sim, e poderia, mesmo que eu não quisesse, continuar frequentando a biblioteca. Só lhe pedi (não ordenei, realmente pedi) que tentasse agir com pouco mais de bons modos. Permito as conversas, disponibilizo jogos de mesa e deixo até que fiquem à toa, cochilando no ambiente, mas acho importante o respeito pelos colegas e por mim.

Olhando bem para ele, vi um sorriso iluminiar seus olhos de jovem marcado por conflitos familiares... traumas e problemas comuns às famílias onde além do básico para sobreviver, faltam amor, presença, compreensão. Meu dia teve momentos de choro secreto, recordações pessoais amargas e a certeza de que, por pouco, não passei a fazer parte das futuras lembranças traumáticas daquele jovem. 

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quarta-feira, 2 de julho de 2025

SOBRE CONVIVER COM PESSOAS E CÃES

Demétrio Sena - Magé 

Muitos repetem a todo instante, que preferem os cães às pessoas. Há duas cadelas em minha casa. Eu as amo. Mas não vejo como comparar a relação ser humano/pet com os relacionamentos interpessoais. Cães obedecem o tempo todo; não discordam; aceitam a vida que oferecemos e o ser humano é seu dono; sob a classificação de tutor.

É um desafio à nossa humanidade, à dignidade pessoal e ao nosso exercício como seres sociais, nos relacionarmos com outras pessoas. Muitas vezes requer uma grande humildade, a contenção do brio... abala o próprio protagonismo. O ser humano contra-argumenta, contraria, raciocina à altura e não pertence um ao outro. Não somos donos nem propriedades de outros seres humanos, embora o pronome possessivo meu/minha seja muito comum entre nós. 

A fraqueza de caráter... a vaidade patológica... o complexo de superioridade, o sentimento de posse, o medo e a preguiça de se relacionar igualitariamente com o outro explica bem esse mantra de algumas pessoas. Elas querem simplesmente que o próximo lhes obedeça, concorde sempre, não tenha vontade própria, opinião, aja sempre com passividade, sem brio e protagonismo. Só elas podem ter sentimentos, reflexos, decisões, opiniões e arbítrios próprios.

Ter cães (duas cadelas) não me faz desejar ter as pessoas de minhas relações "na coleira"; sob o meu domínio; minha tutela permanente. Meu amor pelos bichos não é maior nem menor... é apenas diferente do amor que tenho pelos meus afetos humanos, que trato exatamente como afetos humanos. Com todos os desafios da convivência social.

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domingo, 29 de junho de 2025

AO PREGADOR DO AMOR AO PRÓXIMO

Demétrio Sena - Magé 

Sabe quem é o próximo, pregador do amor ao próximo? É quem vive na sua casa, sua rua, cidade, estado, país... o seu planeta. Sabe quem é o próximo, pregador do amor ao próximo? É quem pensa, vive, acredita, vota igual e diferente de você. Quem frequenta sua igreja, uma sinagoga, mesquita, um terreiro... quem não professa nenhuma fé e quem não acredita em nenhuma divindade.


Sabe quem é o próximo, pregador do amor ao próximo? É a pessoa branca, negra, vermelha ou amarela como você. O hétero, gay ou bi como você é. Seu próximo é o pobre; o rico... é o magro, é o gordo, baixo, alto... considerado feio; bonito. O bom; o mau. Quem respira, suspira, chora, ri, faz tudo, algo, nada que você faz. Seu próximo, pregador do amor ao próximo, é o ser humano. O mais próximo, menos próximo, distante, porém o próximo. 


E você sabe o que é o amor, pregador do amor ao próximo? Não sabe... sei que não sabe. Sei também que não sei... mas do que tenho certeza, pregador do amor ao próximo... é que o amor, especialmente o amor ao próximo, não é o que vejo em seus atos, apesar do que você prega... nem o que vejo em suas palavras, quando você não está pregando sobre tudo aquilo que você só prega. 

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