Demétrio Sena, Magé – RJ.
Passei muitos anos sem chorar.
Sem verter uma lágrima; fosse de alegria, tristeza, dor. Era um ser humano
impassível por fora. Cheio de sentimentos; ressentimentos; emoções
contraditórias; porém, sem pranto.
Quando minha mãe morreu, a maior
dor que já senti foi também minha cura. Rachaduras imensas se abriram dentro de
mim, para que o Velho Chico acumulado em minh´alma entornasse todo. Fiquei
surpreso comigo, ao recuperar a capacidade perdida. Sabia que não me tornara
desumano, mas criara uma casca bruta, grossa e destruidora para o meu ser, que
definhava dentro do corpo.
Naquele momento, eu chorava
copiosamente pela mãe que tanto fiz chorar quando saí de casa. Quando fui
conhecer o mundo e a fiz andar por longo tempo em meu encalço, numa luta insana
para me acompanhar sem ser percebida. Para saber com quem eu andava. Quem me
acolhia e dava guarida. Sobretudo, para não me perder de vista e ao mesmo tempo
não negligenciar meus oito irmãos.
Chorar a morte de minha mãe foi
reencontrar minha humanidade. Fazer voltar ao âmago meu eu perdido. Esquecido
entre os escombros da primeira infância triste, reprimida e de violência
paterna, que depois virou abandono paterno e obrigou a todos nós – meus irmãos,
nossa mãe e eu – lutar com unhas e dentes contra um mundo que não nos deu
moleza. Uma vida que nos testou muito além dos limites.
Mas vencemos. Foram muitos anos,
e muita gente pensou que não sobreviveríamos, mas vencemos.
E a minha mãe – nossa mãe Maria de
nove santos demônios revoltados por todos aqueles anos de muitas privações e
quase nenhuma esperança – nunca esmoreceu. Nós os filhos, muitas vezes
esmorecemos; porém ela juntou filhos, mundo e vida, carregou a todos nas
costas, no colo e no coração, sempre que os nossos passos cederam ao peso de
uma realidade que fechava todos os horizontes.
Depois que minha mãe morreu virei
manteiga derretida. Não por coisas grandiosas nem emoções criadas para fazer
chorar, mas por sutilezas. Delicadezas entranhadas nas brutalidades do mundo e
percebidas por mim, que aprendi a percebê-las. Vira e mexe um acontecimento
sutil, de significado ou ressignificado discreto me arranca lágrimas também
discretas, e às vezes, até nem tão discretas.
Mesmo na hora da morte, minha mãe
fez algo tamanho por mim. Ela me curou de não chorar. Devolveu minha percepção
emocional. Fez-me rever a vida pelo prisma da simplicidade, o valor do afeto, a
beleza em nuances e o quanto precisamos uns dos outros, quer sejamos família,
familiares, amigos, colegas, vizinhos e até conhecidos de nos cruzarmos nas
ruas em direção à padaria.
Só tive, pela vida inteira,
motivos para ser grato à nossa mãe. E à vida, com todas as pedras no caminho,
por todos nós, os nove, sermos cheios de graça, porque somos filhos de Maria...
de Maria do Mundo.