Demétrio Sena - Magé
Uma das frases mais infelizes que já ouvi, no jornalismo moderno - ou que deveria ser moderno -, veio do âncora que mais admiro, na atualidade. Ao afirmar que "Janja só perde a linha porque o marido permite", César Tralli aderiu à clássica forma de machismo e misoginia mais difícil de combater, porque se oculta no duplo sentido. Quando (e se) alguém disser ao Tralli que ele foi machista e/ou misógino, sua defesa será cinicamente simples: que só se referiu a protocolos de poderes instituídos, e quis dizer que a primeira dama comete ou diz impropriedades, porque o presidente não a orienta sobre os comportamentos e as falas protocolares.
Por outro lado, o presidente Lula foi completamente feliz em sua resposta, não sei se ao Tralli ou a mais comentários desta natureza. Cravou, em redes sociais, que Janja fala o que quer, porque não é cidadã de segunda classe. Tal fala, o presidente poderia repetir em qualquer ambiente, sem precisar explicar contexto algum, porque não contém dubiedade, camuflagem ou esperteza. Janja é uma cidadã livre, independente, uma mulher autossuficiente como tal, que tem direito aos acertos e erros de suas atitudes e manifestações, sendo ou não, esposa de presidente.
No caso de sua fala, na China, sobre o Tik-Tok, Janja quebrou, sim, o protocolo. Mas aproveitou a melhor oportunidade que alguém poderia ter, de falar sobre os danos causados por essa rede social que tem sido amplamente utilizada para empoderamento da truculência, dos preconceitos mais arraigados e dos ideais perniciosos da extrema direita, especialmente no Brasil. O presidente da China sentiu o impacto das palavras de Janja e afirmou que as autoridades do Brasil podem ficar à vontade para tomar quaisquer decisões pertinentes a respeito do assunto.
Muitas mulheres, inclusive ligadas à esquerda política, e por isso defensoras do empoderamento feminino e seu lugar de ação e fala, vêm criticando a primeira dama, por sua liberdade, justamente nesse campo. Elas concordam que Lula deveria cercear e mandar Janja "calar a boca". Mantê-la na linha, sem arroubos de protagonismo, porque "o astro é o seu marido; não ela". Sobretudo, nosso complexo de vira-latas traumatizados com pedradas e chutes do primeiro mundo parece exigir de todos nós, o medo perpétuo de falar grandes verdades... e das mulheres, a perene avaliação prévia dos homens, de seja lá o que for que dirão em público.
Isto não é sobre a primeira dama. É sobre a mulher, na sociedade contemporânea.
... ... ...
Respeite autorias. É lei
Nenhum comentário:
Postar um comentário