terça-feira, 9 de dezembro de 2025

O Zôto

Demétrio Sena - Magé 

Com sessenta e poucos anos de idade, ainda não conheço pessoalmente o tão famoso Zôto. Mantenho com ele uma relação de raiva e medo, mesmo sem conhecê-lo, desde a mais tenra idade.

A primeira pessoa que me falou do Zôto foi minha mãe. Ela fazia, repetidamente, os mais diversos avisos relacionados a ele: "Filho; nunca pegue nada do Zôto". "Cuidado; mexer com o Zôto é perigoso". Eu tinha medo. A raiva, era quando minha mãe protegia o Zôto, como se ele fosse um filho. E filho preferido: "Tenha pena do Zôto; não faça com o Zôto o que você não quer que o Zôto faça com você."; "não perturbe o Zôto, porque o Zôto trabalha e quer descansar.".

Depois de minha mãe, eu já marmanjo, vieram os Zô... digo; os outros: Aí as recomendações se multiplicaram como piolhos em cabeleira suja: "Cuidado com a mulher do Zôto!"; "pense no Zôto, você não é melhor do que ninguém!". O Zôto é isso; o Zôto é aquilo; o Zôto não tem culpa; "coração do Zôto é terra que ninguém conhece"; "deixe o Zôto sossegado"; "não faça nada para ferrar a vida do Zôto"... "Cada um é o que é; ninguém pode querer imitar o Zôto".

Não quero mais conhecer o Zôto. Estou de bem comigo e com a própria vida. Sigo meus sonhos, ora viaveis, ora não, mas a vida é minha; os sonhos são meus; o Zôto não tem nada com isso.

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domingo, 7 de dezembro de 2025

Pregação de Ateu - ou clamor de pedra

Demétrio Sena - Magé 

Se você procurar na Bíblia um apoio para qualquer perversidade, certamente achará. Serão fartos os conselhos para desprezar afetos, menosprezar os necessitados e jamais perdoar alguém, ou "perdoar" assim, entre aspas, continuando inimigo velado. Armado contra o "vai que...". Em um todo, encontrará muitas máximas para ofender pessoas, classificá-las conforme o seu rancor, seu preconceito e o fanatismo próprio de quem "não muda". Nas leituras do Velho Testamento as justificativas para não se sentir mau são profícuas. É só você contextualizar e/ou distorcer, conforme a maldade, o veneno do seu coração.

Mas a Bíblia também tem bons conselhos; máximas capazes de lhe fazer repensar sua ira, seu desejo de fazer o mal ou soltar a mão de meio mundo. Se você é cristão, por exemplo, desapegue-se um pouco do Velho Testamento bíblico e faça uma visitinha ao Novo Testamento, ao livro da graça, fundamentado na razão do cristianismo, que é Jesus Cristo. Cristo fala de amor, perdão incondicional, fazer o bem sem olhar a quem. E o Apóstolo Paulo, queridinho dos evangélicos, em especial; convertido após entender a mensagem de Cristo, seu contemporâneo, é enfático sobre ser o doente quem precisa de médico... o abandonado, de acolhimento... quem errou, de perdão, e por aí vai, muito além das palavras.

Se existe uma nova constituição, é porque a velha já não contempla os novos tempos. Virou acervo de pesquisa; inclusive, para fazer entender as mudanças. E se os livros didáticos mudaram, é porque o mundo mudou; a realidade não cabe mais entre os novos ensinamentos. O Novo Testamento bíblico substitui o Velho, que hoje vale como consulta, entendimento do que levou ao Novo e discernimento dos erros daquele tempo. Os cristãos cascudos precisam deixar de desejar para quem não os segue, o novo dilúvio, as novas pragas, novas iras divinas que destroem tudo e transformam pessoas em estátuas de sal.

Precisam, sobretudo, deixar de crer e sonhar que o Possível Deus acabará com a raça de qualquer pessoa que os magoe ou dará permissão para que eles mesmos façam issso. Não; este texte não é mais um Testamento; é apenas o que pensa um simples ateu que, Possivel Deus à parte, admira profundamente a figura do ser humano Jesus Cristo e seus ensinamentos sobre amor ao próximo, perdão (não apenas sete vezes, mas setenta vezes sete), paz e aceitação do outro, com todas as suas "outrices". Senhores cristãos; desapeguem-se da velha lei das desgraças e aceitem, de uma vez por todas, o tempo da graça. 

Ah; e tentem esquecer, também de uma vez por todas, aquele capiroto - agora preso - que virou os cristãos deste país de ponta-cabeça... instituiu a lei do ódio, da fraude, a notícia falsa... e tirou do capiroto original o status de pai da mentira, das desavenças e da fome de poder, para distribuir entre seus milhões de seguidores. Ou fiéis. Ou discípulos. Ou sabe-se lá mais o quê. 

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sábado, 6 de dezembro de 2025

Poeta no Confessionário

Demétrio Sena - Magé 

Nunca fui o tipo de poeta que participa de concursos de poesias. Poesias para concursos têm que ser gritadas; conter muitas exclamações, interrogações e palavras de ordem, nas formas de clichês. Ser muito românticas e passionais... ou sobre a natureza, igualmente passionais. Nos protestos, não podem ser profundas, racionais, daquelas que atingem os nervos das questões sociais mais polêmicas: o racismo, a misoginia, lgbbtfobia, injustiças sociais, a miséria e a distribuição de renda. Se essas questões forem temas, que eles sejam de passagem; sem aprofundamentos; com linguagem rasa e à base do "somos todos iguais diante de Deus!"; "vamos orar e ter fé!". Tudo gritado e de festim; com muitos fogos de artifício.

Não sei se minha poesia é boa ou ruim. Só sei que não explode no céu dos concursos. É como seta silenciosa que resvala na escuridão. Ela não é detonada com pompa e com circunstância, e sim, deixada no vácuo para ser encontrada por quem olha o chão e se propõe a decodificar o achado; interpretar entrelinhas e aceitar desafios interpretativos de vida e sociedade. Minha poesia não é imposta; não ameaça júris com apupos de plateias impressionadas. Ela se propõe calmamente, sem provocar delírios ou apelar para efeitos pop, reluzentes, panfletários e sob a faixa do engajamento emergencial. Do grito de guerra que o modismo impõe.

Boa ou ruim, acusam minha poesia de ser ardilosa; puxar quem se detém. Funcionar como alçapão que prende, até seu contexto ser interpretado. Fazer perder tempo com reflexões, em tempos de correria. Mesmo curta como sempre chega, requerer muitas pausas, perguntas íntimas e silêncios demorados. Muitos pensam que ela diz o que não diz, e nao raramente alguém se sente flagrado por por um verso. Daí a pergunta: Isso foi para mim? Daí a dúvida; o que esse poeta sabe a meu respeito, se nunca lhe confidenciei meus conflitos íntimos, minhas mazelas secretas? Não. Os meus poemas não são para concursos; eles afrontam concursos e avaliadores. E não; não quero arrogar que sejam "ór concur". São é mesmo inconcursáveis.

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quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

AOS LEÕES

Demétrio Sena - Magé 

Ninguém quer se meter no que mais devia. Não se imiscui, por exemplo, em um caso de abuso a uma pessoa vulnerável... em uma dessas covardias que se tornaram comuns e toleradas. É sempre como se fosse algo explicável por quem faz, porque a sociedade (sei que sou a sociedade) normalizou.

E ninguém quer se meter no preconceito explícito manifestado em uma loja, em um clube, uma escola. O tal do "não ter jeito" é uma velha e confortável explicação que decola das bases do egoísmo instituído pelo silêncio em massa. Pelo não ter nada com isso, porque "não é de minha conta".

É de nossa conta, sim. Temos tudo com tudo que nos torna a espécie mais fria do planeta. Que nos põe nessa conveniente sarjeta moral. Nesse porto seguro do "já pagamos nossos impostos para o poder público resolver essas questões", como se tais questões não fossem humanas; apenas políticas.

Não há como não concluirmos que somos esta ruína inestimável. Esse caos borbulhante que se acotovela em uma solidão superlotada. Somos uma filial dos escombros mais sombrios que tricotam seus fios em crendices inúteis. E jogamos aos leões, aqueles que mais precisam do nosso acolhimento.

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