quarta-feira, 30 de novembro de 2011

RELEMBRANDO A RAPOSA BRIZOLA


As ideias que um dia levaram Leonel Brizola ao governo do Estado do Rio Grande do Sul e mais tarde do Rio de Janeiro por duas vezes, além dos demais cargos políticos que ocupou ao longo de aproximadamente sessenta anos de carreira foram as mesmas que o fizeram tropeçar nas tentativas de ser presidente da república e na derradeira corrida ao senado federal. Brizola tinha um defeito admirável, apaixonante e encantador: Não se dobrava ao que feria seu idealismo, sua visão de cidadania e brasilidade, seu conceito de justiça e transparência, por mais que a coisa parecesse moderna. Para ele, um país avançado tinha que combinar com gente feliz: Realizada, culta, ainda que para tanto fosse necessário voltar aos tempos medievais nos melhores aspectos da referida idade.
Brizola era fissurado em Educação. Não poderia ser diferente a grande figura nacional que um dia fora menino pobre, engraxate, das ruas, e um dia foi salva exatamente pela Educação, graças aos olhos de alguém que tinha sobre a vida o mesmo olhar que ele teve até o fim de sua existência fértil, pródiga, de homem apaixonado pelo próximo, inimigo da ignorância, da fome, do abandono e da corrupção. Seu fanatismo pelas questões educacionais era tanto que até o cegava para outras urgências. Ele queria reconstruir o país do nada, priorizando a escola, o ensino de qualidade, o amor pela infância - sobretudo a pobre -, o amparo, a assistência integral para construção da cidadania. Nada podia ser momentâneo para Brizola, que realizou com sofreguidão o sonho de Darcy Ribeiro, criando os CIEPs, cuja finalidade posta em prática foi destruída por governantes posteriores; o popular sambódromo -durante o ano escola -, a Linha Vermelha e muitas outras realizações.
Para a vida, para o trânsito, para o anticonsumismo, a liberdade, a cidadania, em tudo visava educar. Para ele a cadeia, mais do que apenas punir, deveria reeducar para a sociedade, com lições práticas de não-violência, de direitos humanos, o que lhe rendeu até a pecha de protetor dos bandidos.
Não havia negociação com Leonel Brizola, se não fosse do interesse exclusivo do povo. Até amarrava projetos com inimigos políticos, mas com esse fim. Rejeitava patrocínios escusos ou obscuros para campanhas milionárias e ninguém jamais o acusou abertamente de corrupção política, o que seria feito se houvesse como, pois foi extremamente odiado por muitos, no meio político. Tinha fama de "carne-de-pescoço", turrão, retrógrado, subversivo, brigão, centralizador, mas nunca se falou nele como corrupto. Só havia, para muitos, o trunfo pálido e passageiro de dizer que ele tinha uma fazenda no Uruguai.
Eram também marcantes a sua esperteza política, o seu tino estrategista e a língua afiada para desconcertar os oponentes. Por isso ganhou o apelido de velha raposa. No entanto, a sua sinceridade chegou a ser ingênua, quando atacou a Rede Globo e outros grupos poderosos, mesmo sabendo que aquilo poderia representar derrotas políticas - o que se concretizou -. Se agisse de modo oposto, esses grupos poderiam levá-lo ao cargo máximo da nação, mas ele não se vendeu; não se rendeu; não aceitou ser marionete e mais tarde virar figura decorativa, fingindo governar. Mais uma vez a coerência leonina mostrou firmeza de propósito e caráter.
Leonel de Moura Brizola teve, em suma, ideais perfeitamente viáveis. Isto, se houvesse na coisa pública uma paixão à moda Brizola, de forma geral. Paixão pelo ser humano, pela pátria, pelo social, pelo bem de todos. Viáveis, sim, se o seu despojamento fosse copiado, sua entrega seguida, e se a sua solidariedade afetasse os corações congelados do poder. Perfeitamente, se todos acreditássem como ele, na Educação. Na criança como futuro promissor, podendo contar com olhos como os seus. Olhos longânimos de um homem que foi o que foi, intransigentemente, ainda que amargando incompreensões e quedas das quais nunca se levantou, como aspirante à presidência do Brasil.
Como político, em essência, e como ser humano invejável, Brizola jamais caiu. Ficou e sempre - e continua - no topo do conceito de quem entendeu, pelo menos entendeu seus ideais. Darcy Ribeiro disse de si mesmo - e podia dizer - o que direi de Brizola: Não quero estar na pele (nem na consciência) dos que o derrotaram (ou se puseram como empecilhos aos seus ideais políticos).

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