terça-feira, 3 de abril de 2012

ESTRELAS NEFASTAS

Numa família que sofre o drama da doença grave ou da perda de um ente querido, a pessoa que mais sofre por esse ente querido não é a que mais chora nem a que mais declara ou propaga seu sofrimento... Muito menos aquela que desmaia repetidamente e diz querer ser enterrada na mesma cova.
Pode ser (e quase sempre é assim), que a pessoa de fato mais atingida pelo sofrimento seja exatamente a mais calada... A que menos exibe lágrimas e lamentos. A que menos discursa sobre a sua dor, até mesmo sobre o amor extremado que devota ou devotava ao ente em questão. O amor não é um produto que tem marcas e patentes com graus de superioridade ou excelência.
Geralmente, o maior desempenho nestes casos é premiado com muitos consolos; palavras de apreciação pela capacidade notória de sentir; abraços, beijos e atenções intermináveis; admiração. O agente é tratado como se fosse ele, o moribundo ou falecido. Ao mesmo tempo, a pessoa menos performática sofre um distanciamento velado. Fica marcada como fria, insensível... Sem a gritante capacidade de amar, por exemplo, a própria mãe.
Ninguém percebe que o "insensível", nessas horas, poupa a todos de um sofrimento em dobro. Não exige para si também as atenções que devem estar todas voltadas para quem as requer por direito e natureza. Seu sofrimento é real. Não se mistura ao "showfrimento" de quem se elege a maior vítima das circunstâncias, tornando-se a estrela nefasta dessas circunstâncias.
Lembro-me que ainda era bem menino, quando minha avó materna morreu. Enquanto uma das filhas, a minha tia, desmaiava continuamente e gritava o seu desejo de ser enterrada junto a ela, o que desviava todo o foco da fatalidade, minha mãe se mantinha em silêncio. Sem muitas lágrimas. Tomava as devidas providências burocráticas do sepultamento. Ainda vejo os olhares de reprovação sobre ela, por parte dos admiradores ferrenhos da sensibilidade extremada de minha tia.
Dias depois do sepultamento de minha avó, num momento em que meus irmãos brincavam na rua, entrei de mansinho em casa e flagrei minha mãe num canto, chorando só. Copiosamente, mas em silêncio. Sem soluços nem gemidos. Quando me viu se recompôs. Com um leve sorriso, disse que estava com saudades de minha avó... Era " só isso, mas estava tudo bem". Não precisava dizer nada aos meus irmãos nem às outras pessoas.
As "outras pessoas", aliás, disfarçadamente sumiram de nossa casa. Estavam muito ocupadas, quando não com seus afazeres, com os desvelos que dedicavam à minha tia, que de fato estava bem. Bem melhor do que minha mãe, agora renegada pela injustiça do julgamento velado da parentalha.

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