quinta-feira, 12 de abril de 2012

FALÊNCIA DE AFETO

Recentemente orientei minha filha mais velha sobre algo bastante inusitado para um homem como eu, que teve uma criação simples e desarmada. Disse-lhe que o homem que se casará com sua tia não será seu tio, depois de casado. Portanto, está desde já coibido que se estabeleça uma rotina de contatos físicos como abraços e beijos. Da mesma forma, as conversas reservadas, os segredinhos e outras coisas que certos marmanjos modernos adoram, quando se trata de menininhas. Quero que ela o trate com respeito e simpatia, mas com as devidas formalidades.
Confesso que a minha admoestação vai acompanhada de certo constrangimento e uma tristeza infinita, quando não de remorso. Tenho consciência do quanto sou antiquado aos olhos de muita gente, e do quanto posso estar sendo injusto ao generalizar a questão. Lembro que a minha infância não foi pautada por esses cuidados, e isso me fez um bem tamanho: O Tio José Carlos era tio, porque era casado com a Tia Elídia. Pedíamos bênção, recebíamos afagos e beijos. Igualmente, a Tia Enedina era tia por ser casada com o Tio Manuel. A mesma confiança, os mesmos afagos e a certeza do afeto verdadeiro.
Justifico o meu temor com as notícias cada vez mais gritantes de abusos contra crianças e adolescentes, por membros das parentalhas e pelos que passam a compô-las por casamento. Em geral, pessoas que gozam da confiança de todos. Nem tratamos do capítulo vizinhança, porque neste ponto, a questão foi até banalizada. Não se pode mesmo confiar plenamente num vizinho, quando se trata de filho pequeno. Mesmo sabendo que o mundo está bem sortido de pessoas confiáveis, de boa índole, não há como adivinhar quem seja o possível monstro da família ou da vizinhança, baseando-se nos discursos, expressões, religião, muito menos na idade.
Os tempos mudam, e com os tempos, mudam as formas de criar os filhos. Isso representa uma falência de afeto, confiança e outros itens que sempre foram ingredientes fundamentais de união familiar. É realmente lamentável que se precise orientar um filho sobre cuidados com a própria família, mas a realidade obriga. E de formas mais veladas, para que a vida não fique insustentável, é até necessário estendermos essas orientações no que tange os tios legítimos; em alguns casos, até os avós.
Tomara que os netos de nossos netos consigam inaugurar uma era mais humana, em que as pessoas possam confiar nos sorrisos, nos afagos e afetos... Nas gentilezas. Um mundo em que a pedofilia seja uma palavra perdida no dicionário ou no museu das palavras extintas e insubstituíveis. Verei através de outros olhos, esse tempo em que falar de maldade semelhante será digno de certo “pra mim, você está falando grego”.

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