terça-feira, 3 de abril de 2012

SOCIEDADE SELVAGEM

Em um de seus versos, o samba mais verdadeiro, na minha opinião, composto por Dona Ivone Lara, diz o seguinte: "Alguém me avisou pra pisar neste chão devagarinho". Dona Ivone, uma conhecedora profunda do mundo real, falou de sociedade. Da realidade separatista, egoísta e desigual que tempera o caráter do ser humano e se faz presente nos mais diferentes meios e grupos.
Alguém, senão todos, está sempre a postos para dar o aviso. É melhor, para quem chega, pisar mesmo devagarinho, sem qualquer ameaça de se destacar. Cada centímetro de qualquer espaço é disputado com todas as características de selvageria presentes no mundo em que vivemos. Ninguém aceita o risco de ceder lugar, e muitos são capazes de atrocidades ostensivas ou veladas para não acabarem ficando à somba do esforço, da aplicação ou do talento de quem se revele disposto a mostrar a que veio.
Escolas, igrejas, ongs, gangues, quadrilhas, empresas e sindicatos são apenas alguns dos ambientes em que essa disputa é mas acirrada. Mas existem meios ou grupos que para muitos estão acima de qualquer suspeita, e no entanto fervilham, por excesso de concorrência. É o caso dos grêmios literários e academias; dos meios artísticos; das ditas sociedades filantrópicas, como os rotarys e maçonarias. Não existe como saber o que está por trás de cada gesto contrito, cada discurso apaixonado, atitude nobre ou heróica. Tudo pode ou não, ser fachada.
Na verdade, cada pessoa que chega expõe o grupo ao pavor de vê-la crescer, tornar-se forte, líder, e acabar assumindo o comando. É realmente necessário pisar devagarinho, ser sutil, modesto, e praticamente jurar que não fará sucesso. Na sociedade, em um todo, as maiores chances de ser senhor estão nas mãos de quem sabe se forjar escravo até o momento oportuno.

Nenhum comentário:

Postar um comentário