Demétrio
Sena, Magé – RJ.
Realizar
um evento cultural sem a tutela dos projetos oficiais, os esquemas e
planejamentos especificamente pedagógicos, numa unidade escolar, é uma
verdadeira batalha, quando quem o faz não tem não tem lá seus prestígios. Arte
e literatura em forma de exposição e espetáculo sempre foram muito temidas na
educação, desde tempos imemoriais. Ainda hoje são vistas como reuniões de
subversivos; de pessoas que podem "pôr caraminholas" na cabeça do
jovem ou "coisa de gente que vive nas nuvens" e, por isso, nada tem a
acrescentar de bom para moças e moços em formação. Só desvirtuá-los.
Naquelas
escolas onde já se permite – apenas permite – realizar o evento cultural, sem a
mínima oferta de suporte, apoio, e sem nenhuma representação por meio de
pessoas da direção, do corpo docente, do quadro funcional como um todo, eventos
artísticos e literários são coisas de "cantinhos". Os alunos locais
devem se manter distantes, porque do contrário, "perdem conteúdo".
Sempre perdem conteúdo, não importa que sejam eventos bem pontuais ou
esporádicos, eivados de muito conteúdo transversal que alguns professores
possam aplicar em suas aulas ou até usar esses momentos como aulas diferentes e
desafiadoras para os seus educandos.
Cultura
atrapalha a educação. Essa é a ideia pedagógica – e patológica – que se tem do
que foge aos itens específicos e obrigatórios do ofício de ensinar, quando só é
um ofício. Ensinar sem educar, ao contrário do que é propagado. Arte e literatura
na escola, e ainda estendida aos alunos, só se tiverem natureza especificamente
disciplinar. Se estiverem ligadas a datas comemorativas formalmente atadas ao
PPP. Ou se, em último caso, forem determinadas isoladamente pelas secretarias
de educação, as coordenadorias, os políticos locais ou quaisquer outras figuras
poderosas. Assim não é subversão; não é empecilho nem vagabundagem, entre
outras desqualificações encontradas direta ou indiretamente.
Também
respeitados, e bem queridos pela escola, que até paga muito caro por eles, caso
precise, são os famosos. Aí sim; os eventos nem têm que ser culturais. Basta
serem divertidos, dançantes ou, inversamente, bem solenes. Neste caso,
realizados por figurões repletos de títulos e com diplomas internacionais.
Figurões enviados por órgãos superiores, e que tratam a todos com refinada
arrogância, porque disso todos gostam, respeitam e recebem com tapetes
vermelhos.
Não e
não. Cultura não atrapalha a educação. Agrega. Especialmente quando se trata de
cultura local. Quem faz cultura e a dissemina em sua cidade não deve ser
tratado como uma figurinha que estende um chapéu e recebe um favor; um cantinho;
uma aquiescência distante seguida da simpatia zombeteira de um, a grosseria
disfarçada de outro e a mensagem silenciosa de "lamba os dedos; ai está o
espaço e nos deixe em paz, porque temos mais o que fazer; estamos
trabalhando".
Faz
tempo que não condeno a distância ou a falta de interesse e atenção; a
futilidade cultural e até a agressividade de grande parte dos alunos em ensinos
fundamental e médio para quem oferece cultura, quando comparo esses
comportamentos com os de quem os escolariza e, especialmente, os de quem dirige
quem os escolariza. Os alunos realmente não têm culpa. Estão sendo
escolarizados assim, exatamente como querem os políticos que mandam na educação,
os cordeiros que obedecem porque "têm juízo" e não querem perder seus
status, e dos que obedecem aos que obedecem, nem se fala.
A
intenção clara ou obscura, consciente ou inconsciente dos educadores – e administradores
– contra cultura é apenas uma: formar cidadãos que mais tarde "não
perturbem" a paz dos governantes. Dos parlamentares que precisam se corromper
e ludibriar o povo sem serem perturbados com ações de quem teve a mente aberta
pela arte, a literatura e a cidadania desatreladas da obrigatoriedade fria, específica,
impessoal e pedagógica reinante na escola.
Sou
arte-educador. Um professor que trabalha com arte; literatura; cidadania. Designado
pela Secretaria Estadual de Educação lá no governo Brizola, para disseminar
cultura na escola em que sou lotado e tentar fazê-lo em outras unidades da rede
pública. Isso não é nada fácil, porque nós, os arte-educadores, já não somos
importantes na educação estadual; não utilizamos patente; não somos autorizados
– nem queremos – a estender crachás nas demais unidades e dizer que lá estamos
em nome dos mandatários da educação formal, que também nem se lembram de quem
somos.
Por
isto peço, e com muita humildade. Quando consigo, dou-me por satisfeito com as
expressões simpaticamente contrariadas e sem graça, os espaços cedidos a
contragosto, a ausência de representantes locais e a interrupção abrupta de algum
funcionário que surge “brabo”, para dar bronca nos alunos formidavelmente
ousados que foram participar ou assistir por conta própria, e por isso estão “perdendo
conteúdo”.
A
contracultura dos “donos” e diretores da educação, incutida gradativamente nos
educadores (nem todos, pois muitos resistem), está vencendo os fazedores
culturais não influentes; não poderosos; não famosos; não oficiais; não
impostos. Tudo isso me faz reservar para daqui um tempo, a frase final de um célebre
desabafo do saudoso educador, antropólogo, escritor e (até) político Darcy
Ribeiro: “Eu detestaria estar na pele de quem me venceu”.