Demétrio Sena, Magé – RJ.
A estas horas, os meus irmãos
estão nostálgicos como eu. Imagino-os, cada um em seu canto, remoendo um universo
de vivências. Muitas e muitas, tristes; algumas alegres; mas todas envolvendo
amor, esperança e uma luta insana pela sobrevivência e pelo “ficarmos juntos”,
que era um bordão de nossa mãe.
Temos, de fato, este universo de
vivências com nossa mãe. Mas o tesouro imensurável que nos restou de todos
aqueles anos é a cumplicidade que nos envolvia. Entre choros, percalços,
privações e muito trabalho, nós sempre tivemos uma relação intensa de amor,
apesar dos momentos de revolta contra tudo e todos ao nosso redor. O amor
intenso, a presença forte, a coragem e a determinação de nossa mãe, cuja única
ambição era conseguir nos criar como pessoas de bem, preparadas para o mundo e
aptas para sobreviver com dignidade nos transformou ao longo dos anos. A revolta
foi permeada pela ternura, e o sofrimento nos deu experiência e força para
conseguirmos nosso lugar no mundo graças ao trabalho e à criatividade que
aprendemos a ter com a nossa Maria cheia de graça, para driblar as horas
difíceis. Ela nos tornou vencedores.
As lembranças e a saudade não se
limitam à data instituída. Mas a data instituída nos organiza dentro de um
turbilhão de afazeres e até de outros afetos, para separarmos um dia dentro de
um ano, de nos dedicarmos como em todo o mundo, especificamente às homenagens.
É boa essa corrente, mesmo com a consciência da exploração comercial que nos remete
ao consumo. Que faz o comércio e a indústria comemorarem não especificamente o
amor às mães, mas o dia do ano que só perde para o natal, no que diz respeito ao
lucro, o que não condeno, pois isso atende ao anseio dos filhos de mães vivas,
a lhes dar um agrado como símbolo e demonstração de amor e reconhecimento.
Quando viva, nossa mãe conseguia
nos reunir, nos últimos anos, a cada dia das mães. As reuniões se tornavam grandes
festas, porque somos nove irmãos; todos com filhos. Alguns com mais de um filho.
Outros com netos. Somando-se as esposas, não era necessário ter mais ninguém
para encher e movimentar um ambiente. A grande alegria de nossa mãe nunca foi
ganhar presentes. Ela nunca deu a menor importância para utensílios, bens,
roupa nova e qualquer outro agrado material. Sua maior felicidade era ver todos
juntos e nos encher de comida, como se para compensar os muitos anos de pouca,
e às vezes, quase nenhuma comida, mesmo com tanto trabalho para que pelo menos
o alimento nunca faltasse à mesa simbólica. Simbólica, porque poucas vezes
tivemos mesa. Quando tínhamos, era feita por nossa mãe, de caixotes velhos de
feira.
Desculpem se quase sempre os meus
textos que tratam de mãe soam meio lamuriosos. Não é minha intenção. Até
porque, lamentável, mesmo, seria não termos tido a mãe que tivemos. Hoje nem
todos os irmãos conseguem sair de casa para se juntar em só ambiente com o fim
de homenagear nossa mãe. A certeza de que não a veremos nos desestimula um
pouco, e nos faz priorizar a homenagem presencial às mães de nossos filhos e,
algumas vezes, às nossas sogras. Homenagens muito justas, porque todos nós nos
casamos com grandes mulheres e, em maior e menor escala também filhas de
grandes mulheres.
Neste dia das mães, além da homenagem
à memória de nossa Maria, quero também homenagear a memória de outra Maria, mãe
de minha esposa Eliana, por quem tive grande afeto, e a grande mãe que a Eliana
aprendeu a ser com sua Maria. Esta homenagem se estende a todas as mães que
fazem jus à maternidade.