sexta-feira, 7 de novembro de 2025

BANCO DE RAZÕES

Demétrio Sena - Magé 

Deixo-me usar, abusar, ser preferido, preterido e tratado conforme as conveniências ao meu redor... e faço questão de parecer bobo. Muito bobo. Acho até que não pareço. Realmente sou bobo, dentro dos limites do suportável, sendo que os meus limites costumam ser bem generosos... bem longânimos.

É me deixando usar, abusar, ser bem e mal tratado por seja quem for, que faço meu banco de razões. Da mesma forma que trabalhadores têm seus bancos de horas (nem sempre respeitados pelos patrões), ao trabalharem além de suas cargas horárias. No meu caso, quem administra o meu banco sou eu. E tenho como critério deixar que os acúmulos, com juros e correção, deixem bem evidente o meu crédito, entre somas e subtrações, quando resolvo dar um basta.

Sinto-me confortável... com um extrato pesssoal de causas bem positivo, para explicar as razões de meus afastamentos, esfriamentos, as minhas mudanças comportamentais. No fim das contas, é compensador não ter reagido precipitadamente. Não ter me queixado logo nos primeiros abusos, nas primeiras "esnobadas", os primeiros "chega pra lá", ou já nas primeiras exploraçãos de minha boa vontade, sem o menor sinal de um reconhecimento posterior.

Sempre tive como explicar a mim mesmo, ao deixar de nutrir um afeto especial ou admiração profunda por alguém. Quando estou prestes a recuar do brio finalmente ferido, é só puxar o extrato negativo. Conferir quantas vezes esse alguém me frustrou, abusou, preteriu e me tratou como um ser humano invisível. 

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quinta-feira, 30 de outubro de 2025

"FOI UM SUCESSO"

Demétrio Sena - Magé 


Referindo-se à operação policial mais nefasta que o Rio de Janeiro já vivenciou, com mais de cento e trinta mortos, o governador Cláudio Castro parecia falar de um show. Para ele, foi. A evidência do caos, a exacerbação da força e a desorganização que disseminou o medo, a insegurança e o luto foram as marcas de uma operação mais política do que policial, visando o desgaste do presidente Lula e a recuperação de prestígio popular do governador Cláudio Castro, com o seu eleitorado bolsonarista. 

Mesmo que a operação tivesse realmente sido bem sucedida, o que não foi, em razão dos "efeitos colaterais" desumanos, "foi um sucesso" é uma fala cruel. Onde os direitos humanos foram desrespeitados e a ordem foi "meter o dedo", só há motivos para lamento. Nem as quatro mortes de policiais foram respeitadas pelo governo e sua equipe, na conotação de sucesso e a declaração de que "os efeitos colaterais foram mínimos". Carnificina não é sucesso. Guerra não tem tem triunfo. Tem vencedor, mas não tem triunfo, porque mesmo quem vence deveria lamentar o rastro de mortes, em respeito às famílias.

Sucesso é uma campanha esportiva, cultural, comercial, publicitária ou outra, bem sucedida. É conquistar um emprego, uma vaga na universidade, ganhar um campeonato, um concurso, torneio, vencer na vida com trabalho e honestidade. Considero sucesso, alguém salvar uma vida, gerar uma reflexão coletiva. Matar, mesmo como combate ao crime, não é sucesso. Pode ser um mal necessário (não com tanta violência, premeditação e desproporcionalidade), mas não um sucesso a ser festejado.

Mais de cento e trinta mortes, que não haveria em uma operação inteligente, não são exatamente um efeito colateral. Esse efeito colateral foi maior do que o resultado que seria ideal em uma sociedade civilizada (as prisões e apreensões). Mas, talvez para o poder público estadual seja mesmo isso. Como queriam eliminar a todos, as prisões e apreensões ficam, essas sim, entendidas como o efeito colateral. As mortes de pessoas que não estão sendo identificadas, o sucesso da operação.

Não defendo bandidos. Quero todos presos, punidos, impossibilitados de fazer vítimas. O que me causa espanto e indignação é que uma ação policial de alta letalidade seja vista como uma festa. Entrar, matar e sair para que o crime se reorganize e depois o poder público volte a entrar, matar e sair, porque isso dá mídia imediata e voto. Já observaram que tais operações são realizadas às vésperas de campanhas eleitorais e quando os governos estão em baixa nas pesquisas de aprovação popular?

Faltou dizer que sucesso é o tratamento ou a cirurgia que vence a doença. É aquela vida que um bombeiro salva em situação de perigo; aquela que um policial também salva, na defesa imediata de um cidadão. É a pacificação de uma comunidade, com a permanência da polícia, nela. É, ainda, uma investigação criteriosa, que termina com o desmantelamento do crime organizado, de cima para baixo, sem penalizar tanto, a população como um todo. Show macabro de cadáveres expostos não é um sucesso.
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quarta-feira, 29 de outubro de 2025

A TRAGÉDIA DO PODER PÚBLICO DESORGANIZADO

Demétrio Sena - Magé 

Entrar, matar e sair é a política de segurança do governo do Rio de Janeiro, de São Paulo e outros Estados do Brasil. Entre a saída e a volta pré-datada em vez de uma ocupação permanente, o crime parcialmente combatido se reorganiza. Aqui no Rio de Janeiro, a matança de mais de 130 pessoas (64 oficialmente, trinta corpos que hoje foram recolhidos e mais vinte que chegam agora, 8h26min., conforme vejo em noticiário de tevê). 

A forma desorganizada, brutal, sem nenhum projeto e qualquer cuidado com a população, mostra dois objetivos injustificáveis bem definidos: o desgaste do governo federal - que não soube previamente, não foi consultado nem recebeu solicitação de apoio -, e a formação de vitrine para o próprio governador Cláudio Castro, visando a futura reeleição. Para esses objetivos, a criação do caos e a instituição do vale tudo são apresentadas como demonstrações de coragem; heroísmo; determinação.

Existe uma fala estruturalmente preconceituosa, mas muito vezeira, entre todas as camadas populacionais, que diz: "Nem todo mundo na favela é bandido; tem muita gente honesta e trabalhadora", quando é o contrário; nem todo mundo na favela é honesto e trabalhador; tem muito bandido. Em outras palavras, a grande maioria nas favelas é de gente honesta e trabalhadora, mas a bandidagem domina com armamento pesado, ameaças e ordens. E é com o pensamento estruturalmente preconceituoso que o poder público, via polícia, invade os complexos e favelas, como se gente honesta e trabalhadora fosse minoria, e sendo assim, suas mortes fossem apenas efeitos colarerais insignificantes.

Em um todo, não houve política de segurança pública nessa mega "batida policial", e sim, um projeto eleitoral macabro que visa desqualificar o governo federal, não importa como, porque as pesquisas eleitorais "acendem um alerta". O noticiário continua somando corpos e o governo do Rio de Janeiro mete os pés pelas mãos em suas declarações públicas sobre ter metido os pés pelas mãos nas ações policiais e nas declarações de ontem, sem nenhum respeito aos moradores do complexo.

Pergunto-me se todos os corpos recolhidos são de bandidos, mesmo. Se não há corpos de pessoas trabalhadoras, honestas e simples, que tentaram fugir de suas casas. E se há, o que para mim é muito provável, suponho que não saberemos. Pelo menos com exatidão. Quero ressaltar que a minha preocupação neste momento não é com uma das esferas ou ideologias do poder público. É com os moradores dos lugares em questão. 

E me preocupo sempre, com a existência das cabeças e os corações ruins de quem defende a truculência oficial que mata indiscriminadamente. São as mesmas cabeças, os mesmos corações que louvam o genocídio em Gaza e os ataques nefastos dos Estados Unidos a embarcações não verificadas, em águas internacionais. A maioria, cabeças e corações de quem canta "Vem com Josué lutar em Jericó" ou "Caminhando eu vou para Canaã".

Corpos continuam se acumulando e a polícia já dá sinais de que se retira. E como só uma facção foi alvo da operação (que deveria ter sido inteligente, para prender), logo saberemos qual terá sido a troca de comando: se outra facção das muitas existentes ou alguma milícia que assiste a tudo e já se mexe para ocupar o vácuo não ocupado pelo poder público, que entra, mata e sai.

Meus sentimentos às familias dos inocentes vítimas e às famílias dos policiais mortos... e minha solidariedade a todos os moradores inocentes que convivem com a violência diária de onde moram e vivenciaram ontem essa brutalidade. O poder público desorganizado não tem como vencer o crime organizado.

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Imagem: CNN Brasil - aquarelada 

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terça-feira, 28 de outubro de 2025

VARIAÇÕES SELETIVAS DE TRATAMENTO

Demétrio Sena - Magé 


Quem hoje lhe trata bem; amanhã, mal; depois com indiferença ou de qualquer maneira, não é assim com todos. Ninguém intervenha com "deixe pra lá, ele (ou ela) é assim mesmo". Não é. A forma de tratamento que alguém dispensa vem do status do interlocutor; da provável relação hierárquica; formação acadêmica e possível dependência de última hora, desse alguém, ou a previsão dessa possibilidade.

Mesmo com possíveis problemas ou síndromes emocionais ou psíquicas comuns, inerentes aos cidadãos e cidadãs destes tempos, uma pessoa pode estar triste, hoje; alegre, amanhã; calma, neste momento; agitada, no dia seguinte... mas, a sua educação será sempre a mesma e não dependerá do que aconteceu em outro ambiente, com outras pessoas. Sua gentileza, consideração, humanidade ou prontidão afetiva não se abalará. A compreensível variação de humor ou comportamento não demanda variação de caráter ou índole. Esteja como estiver o íntimo dessa pessoa, ela sempre será a mesma pra você, como é pras pessoas a quem admira, e por isso as respeita em quaisquer circunstâncias.

O que faz alguém variar o tratamento que lhe dispensa, sem levar também em conta o seu estado pessoal, somente o próprio, não tem fundo psíquico/emotivo. Certamente, não incluo nesta reflexão, pessoas portadoras de sérias e realmente profundas complicações ou patologias. O que ocorre nas relações interpessoais, que faz alguém escolher a quem sempre respeita, considera, trata bem... e a quem trata como lhe aprouver, tem a previsível medida estrutural de preferência e preconceito.

Não é sobre variações humanas de humor, e sim, sobre a sociedade que nos rodeia. Ao mesmo tempo, sobre as variações seletivas e preconceituosas de tratamento interpessoal, nesta sociedade. É sobre todos nós em relação ao próximo.
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sábado, 25 de outubro de 2025

SOBRE OS EXTREMOS

Demétrio Sena - Magé 


Muitas vezes, dizem que alguém se converte ao evangelho, quando está no fundo do poço. Entretanto, sendo o fundo do poço a coroação de uma trajetória desgraçada, que deságua em um profundo arrependimento, converter-se a uma religião já é o próprio fundo. Mais triste ainda, é a pessoa se unir obrigatoriamente a outra do mesmo contexto de vida, para criar uma prole "perfeitamente uniforme" e depois se vangloriar, dando tapas no próprio peito: "EU criei todos eles dentro da igreja!". 

Em outras palavras, a pessoa conheceu o mundo, viveu, fez as suas escolhas, mas os filhos, talvez os netos, nunca viram a superfície. Foram criados no fundo do poço e, se um dia resolverem buscar a luz da liberdade, serão para sempre ofuscados por um remorso; um profundo sentimento de culpa: o de quebrarem a tradição familiar de pertencer ao fundo do poço, onde o radicalismo do inverso faz idealizar o céu, simulando-o no inferno da própria realidade. Uma realidade fantasiosa, repleta em superstições, medos ou coragens doentias em uma guerra espiritual imaginária contra demônios e pessoas que se tornam demônios, porque são da superfície. 

Há gerações e gerações criadas nesse fundo, imaginando que salvaguardam suas almas e desfrutam do reconhecimento divino que há de coroá-los depois da morte. Como adiantamento, a ilusão de serem guerreiros e guerreiras do "Supremo". Superiores aos seres da superfície - os mundanos. Uma "santidade" que os torna - sem abandonarem as expressões contritas - dispostos a puxar compulsoriamente os "mundanos" para o fundo do poço ou cancelá-los sumariamente.
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sexta-feira, 24 de outubro de 2025

CORAÇÃO INCORRIGÍVEL

Demétrio Sena - Magé 


Sou desses caras ingênuos, ou bobos, que sempre acham que fizeram afetos em determinados lugares. E quando resolvem, chegam cheios de acenos, aos locais, para matar saudades. Com o riso exposto, chamamando as pessoas, em alto som. Só aí percebem, em polegares distantes, sorrisos pálidos e cumprimentos desconcertados, que o afeto é unilateral; não existe a reciprocidade que só os corações bobos acreditam haver, nestes tempos de muita pressa. De muito separatismo, pelas mais diversas questões, das mais profundas às mais fúteis e rasas.

Até entre pessoas com laços consanguíneos está assim. Com pouco tempo de ausência, eventuais retornos têm surpresas como essas: cumprimentos frios, olhares incomodados, ameaças veladas de assuntos que podem criar atritos e a velha imposição do gênero "minha casa, minhas crenças; preferências; hábitos; orientações; visões de mundo, vida, política e sociedade", sem direito a contraditórios. Quase ninguém se alegra por ver o outro; quase ninguém recebe com alegria nem se comporta ou se expressa de forma docemente brega, para mostrar o quanto o outro é bem-vindo... seja ele como for, como ele aja, não importa no que acredite.

É assim nos ambientes físicos, nos grupos de redes sociais e até nas conversas remotas, mesmo entre duas pessoas, por alguma razão que, se não houver, será inventada. "Mudar o rumo da prosa", porque já está "batida" ou desgastada, não vai adiantar. A outra "prosa" será também constrangedora, porque a fogueira dos egos é obrigatória nestes tempos. Mas ainda sou desses caras bobos; que têm uma carga de conceitos nada ou não muito convencionais, e mesmo assim acredita na congregação dos opostos; na união da diversidade; na igualdade sob as diferenças.
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quarta-feira, 22 de outubro de 2025

DAS INJUSTIÇAS CONFORTÁVEIS

Demétrio Sena - Magé 


Há quem ache bem confortável manter um mal entendido com alguém, na condição de atingido. Isso dá bem menos trabalho do que tentar pôr as cartas na mesa, com esse alguém. Tirar a limpo, com toda a sinceridade que a situação exige, principalmente quando se trata de um ente querido. 

Abrir mão do protagonismo, para ser quem procura e precisa dirimir dúvidas, poderá demandar uma conversa franca, de olhos nos olhos, e isso pode causar uma distopia, como também uma situação constrangedora para quem possivelmente já desabafou com terceiros e construiu sua imagem de personagem irremediavelmente ferida.

Essa pessoa pode passar de protagonista a vilã e de quem deveria receber um pedido de perdão para quem deverá pedir, por causa da sua injustiça. Do próprio silêncio que por algum tempo não deu ao outro, a chance da ciência do que houve nem da elucidação, da justificativa e possível defesa.

Correr o risco de perder o seu posto de ofendido ou constrangido, para se tornar a pessoa que ofendeu ou constrangeu, exigirá uma grandeza e uma coragem raras entre os seres humanos. Arriscar-se a reclamar o possível banco dos réus não é para qualquer essência, consciência ou sensibilidade.
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segunda-feira, 20 de outubro de 2025

PRESENÇAS AUSENTES

 


UM ACRÓSTICO EM PROSA

Demétrio Sena - Magé 

Beijam as botas, os coturnos e as mãos assassinas de quem os rege. Ouvem ordens das trevas, que dizem ser da luz, e as cumprem das formas mais rasteiras. Ludibriam ou pelo menos julgam ludibriar a verdade; cultuam mentiras; desinformações; truques levianos. Suas mentes afundam, dia após dia, em um lodo sem fim. Os motins e as conspirações contra seus opostos são constantes. Não encontram os motivos que justifiquem tais atos, mas arrombam portas da sociedade. Abrem fendas; feridas em solos alheios.

Roubam sonhos, odeiam, são separatistas, têm cargas imensas e múltiplas de preconceitos. Instituem seus gritos de comando e cerco aos que pensam diferente, seguem outros padrões ou nem têm padrões. São estercos inférteis das próprias histórias inventadas para forçarem a normalização de suas atrocidades.

Têm a gosma do mal sob a casca, os discursos, as pregações e os louvores do bem. Agem sem um sentido humano, civilizado e inteligível para suas ações truculentas, desarvoradas e com base em um leque de fanatismos religioso, político-partidário e grupal (porque social não definiria o contexto). Seguem velhas orientações de sociedades mumificadas, que o mundo moderno julgava extintas; decompostas em idades ultrapassadas do mundo, que ora parece insano, confuso, e do do próprio tempo.

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domingo, 19 de outubro de 2025

DO CRISTIANISMO PERVERSO

Demétrio Sena - Magé 

Faz muitos anos que o meio cristão não me comove; notadamente, o meio evangélico. Sempre que uma palavra, um gesto, atitude, olhar ou até silêncio me faz refletir ou mexe com a minha consciência de forma positiva, levando-me a repensar sobre algo, geralmente não é de quem prega ou segue o evangelho. 

Posso dizer que, se hoje, alguém me levasse a crer em Deus, seria uma dessas pessoas mais evitadas pelos cristãos, pois, atualmente, as qualidades que mais admiro no ser humano (empatia, humildade, respeito às diversidades étnica, religiosa e de gênero, apego à paz) é o que os cristãos de agora mais condenam como vivências reais, para muito além das palavras restritas aos seus sermões. 

A falácia que vem dos templos; as contradições entre o que pregam e fazem; a seletividade baseada nos preconceitos; o quanto condenam, massacram, isolam e odeiam até seus entes queridos que não seguem as mesmas crenças, me assustam. Não me levam a me afastar, pois não seleciono pessoas de acordo com as semelhanças comigo, mas me afastam por força dos cancelamentos convivenciais.

Recentemente, uma pessoa muito querida por mim justificou seu afastamento de quase todos (os que não professam a mesma fé), com afirmações do quanto está "acima das pessoas e dos acontecimentos do mundo". De como a sua espiritualidade a distanciou da própria terra. Classificou a própria "atmosfera" espiritual como algo que a promoveu a um ser de luz superior aos "humanos normais".

Essa ingenuidade arrogante não me comove. Uma soberba mal escondida em olhos contritos. Em palavras maliciosamente brandas de quem pegaria em armas para obrigar o próximo a se converter ao evangelho e, como ato casado, à política partidária de direita, se o seu líder garantisse aos gritos, que foi "Deus" quem deu a ordem. A quem eles chamam de pobres pecadores é que me comovem.

Devo confessar que convivo com exceções (absolutas) desse meio. E por serem exceções em suas formas de viver sem preconceito nem apologias a si mesmos, tais cristãos também estão sendo afastados, cancelados, impedidos de professar. Esses também me comovem. Não me tornam cristão, mas me comovem.

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sexta-feira, 17 de outubro de 2025

VALE TUDO?

Demétrio Sena - Magé 

A Raquel é chata, porque é muito "certinha". A Consuelo, "um porre", pois "com aquela honestidade insuportável", denunciou o Marco Aurélio e desfez um esquema de corrupção. O Afonso e a Solange? "Aff; é muita bondade junto; ninguém suporta!". "Que mala, o Sardinha! Esse aí ajuda a todo mundo, é um poço de ética, empatia e solidariedade!". Por outro lado: "Ah, o Marco Aurélio é Franco; a Odete é o que é; o César mostra a cara e a Maria de Fátima não esconde o mau caratismo...". "Esses dizem a que vieram!".

São alguns; apenas alguns dos milhares de comentários na web, sobre o penúltimo capítulo da novela Vale Tudo, da Rede Globo, nesta quinta-feira, que esses típicos comentaristas dizem não assistir e chamam de Globo Lixo. É possível saber, sem margem de dúvida, qual é o grupo que pensa dessa forma, considerando o tom de voz que nos vem à mente. Como dá para entender o amor doentio desse grupo pela figura lamentável que há menos de quatro anos ainda governava (ou será que desgovernava?) o Brasil. 

Cada dia menos telespectadores entendem o que é denúncia, o que é fantasia, licença poética ou proposta de reflexão em uma novela, um filme, uma série, uma peça teatral, um seriado. Comentários bisonhos mostram isso. Da mesma forma, cada dia menos pessoas entendem as nuances de um bom livro, um poema, uma boa canção, uma obra de arte (quando leem ou veem). Menos pessoas, a cada dia, fazem qualquer leitura minimamente relevante ou elucidativa do mundo; a contemporaneidade; as atitudes; a vida.

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NOSTALGIA

 


quarta-feira, 15 de outubro de 2025

SOBRE DIAS DE PROFESSORES

Demétrio Sena - Magé 

Não adotei o clichê de que a Educação me torna uma pessoa melhor, a cada dia. Quem trabalha com educação (e cultura - sou profissional de Cultura dentro da Educação) há mais de trinta anos, hoje seria um santo; já teria sido arrebatado ao suposto céu, se a cada dia de todo esse tempo, acordasse um pouco melhor. Um ser humano melhor.

Para dizer a verdade, às vezes volto para casa um pouco pior do que cheguei ao meu local de trabalho. Convivo com tanta injustiça e vejo tantas outras, cometidas não somente contra os meus colegas professores regentes, mas também contra os alunos, pelos poderes que regem o sistema, que me sinto à beira da descrença total. Pior ainda, perceber que o sistema põe os alunos contra os professores, os professores contra os alunos e a sociedade como um todo, contra os dois lados, é algo enlouquecedor. Como diz um amigo de rede social, e parceiro em um livro, é de arrancar sabiá do toco.

Mas devo confessar: o que tenho de humanidade na cabeça e no coração, devo ao meu trabalho. Quando iniciei essa trajetória, cheguei com tudo; com todas as brutalidades que me eram peculiares, crendo que poderia educar na marra. Tive que mudar na marra. Precisei aprender que lido com pessoas em formação, muitas vezes dependentes do que tenho a oferecer, que possa tampar o abismo cavado, em suas próprias casas. Julguei que os prazeres e as facilidades de ser um arte-educador (animador cultural, segundo a Secretaria Estadual de Educação) seriam constantes no meu dia a dia, nos limites físicos da escola. Não são. 

Cada dia melhor é hipérbole, mas trabalhar com a Educação me educou (deixando, evidentemente, muitas raspas de truculência, intolerância e incompreensão). Educou os meus olhos para me ver nas meninas e nos meninos com que trabalho, e saber o que eles esperam de mim, que é justamente o que eu esperava dos meus professores, na infância e na adolescência. Educou meus conceitos, para retroceder e repensar, quando sou injusto ou pelo menos excessivo em meus atos. Educou-me para saber quando estou à beira de ser antiético, abusivo e sem limite, em questões que fora da Educação normalizam a falta de ética, o abuso e o excesso.

Aprendi, trabalhando com Educação e Cultura, que a igualdade mora nas diferenças; que as injustiças formam criminosos; que o racismo, a homofobia, o machismo e o fanatismo religioso matam... mas o trabalho em Educação, com excelência, salva e forma cidadãos felizes. A diversidade gritante na Educação, notadamente pública, faz de cada aluno, cada colega de trabalho em qualquer setor, cada pai, mãe, outros responsáveis de aluno, uma lição de vida que se não aprendermos, nunca seremos aprovados como seres humanos; sociais; cidadãos do mundo.

Aos professores/professoras, direção, orientação e demais colegas, que educam no pátio e nos corredores, na secretaria, na cozinha, na portaria, em serviços gerais: a todos, absolutamente todos, minha manifestação de carinho, respeito e profundo orgulho por tê-los como colegas de trabalho.

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sexta-feira, 10 de outubro de 2025

FAZER JÁ É O RESULTADO

Demétrio Sena - Magé 

Devo Confessar que sou refém das apreciações sinceras. As sinceras. Só não sou refém da minha própria vaidade (que existe, mas não me sequestra), por eu não permitir que a soberba me faça inflar e me sentir acima de que ou quem. "Literaturizo" desde os 12 anos de idade. Agora tenho 64. Quando sonhava publicar livros (o que realizei, tenho alguns), não sonhava com fama, sucesso popular, prêmios, destaque (...), nem com ser milionário. Para mim, o fazer já seria, e é, a recompensa. 

Eu não faria uma fogueira para queimar dinheiro, se ele viesse, mas esse não era nem é o objetivo, como nunca foi objetivo projetar minha imagem nem meu ego, e sim, projetar o meu fazer. A poesia é a estrela; não o poeta. A arte, a cultura como um todo, são a constelação; não seus fazedores. Fico feliz ao notar que me sinto feliz, agora. Que não era falácia minha, quando ainda não tinha livros, meus escritos não tinham alcance, algumas admirações carinhosas, e eu dizia que nada me "subiria à cabeça". Nunca enriqueci, nunca vendi milhares de exemplares do mesmo título, jamais fui lido por multidões, em meus livros nem em minhas publicações na web, e me sinto realizado. O carinho de umas dúzias de leitores me realiza... o próprio fazer, sempre me realiza. 

Em minha trajetória, vi muita gente pular fora, com afirmações de que "não ganhou nada com isso". Só importava o grande resultado; seu talento, a graça do seu dom não lhe diziam nada. Também vi outros, que tiveram algum resultado, mas ficaram tão soberbos, pisaram tão forte em degraus imaginários, que derrocaram; perderam o domínio do próprio dom (algo em que acredito). Agradeço por meu fazer ser visível por tão poucos, mas que representam tanto, pelo quanto importam seus olhares.
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quarta-feira, 8 de outubro de 2025

SOBRE OS FÃS DA ODETE ROITMAM

Demétrio Sena - Magé 

Essa multidão de admiradores que torcem pela impunidade ampla, geral e irrestrita da Odete Roitmam, de Vale Tudo - novela da Rede Globo de Televisão - traça bem o perfil de um percentual espantoso da sociedade brasileira. São as mesmas pessoas que chamam truculência de franqueza, crime de mal necessário, fazem preces a objetos e alienígenas, ao mesmo tempo que promovem quebra-quebras, ameaçam a quem pensa diferente, assassinam ou planejam assassinar a quem impede os seus atos insanos. Ou seja, do mesmo grupo que,  além de tudo, vai pras ruas ou apoia quem vai, para exigir anistia ampla, geral e irrestrita para criminosos confessos e filmados em seus crimes.

Tal multidão não é a maioria, mas as pessoas perversas, impertinentes e sem limite, ou desinformadas, chatas, fanáticas e sem noção sempre fazem muito barulho, e seus atos para lá dos barulhos causam infortúnios, fatalidades e desgraças. Para quem não sabe como esse fenômeno acontece, pense nas comunidades dominadas por traficantes e/ou milicianos: a imensa maioria dos moradores dessas comunidades é composta por gente honesta, simples, pacífica e trabalhadora, mas basta existir um bando armado, carniceiro, sem noções de humanidade, para causar um imenso estrago e transformar a tudo em um inferno diário. O pior, é que muitas pessoas entre essa gente honesta, simples, pacífica e trabalhadora se cansam, se acostumam e normalizam o inferno, mesmo sendo contra, porque "não tem jeito"... e algumas, iludidas por lendas "Robin-Hoodianas" em torno desse bando, passam a admirar, mesmo não se unindo a ele; o que gera uma grande rede de proteção.

Toda novela, série, filme (...) fictício ou baseado em fatos, mostra realidades que nós vivenciamos ou às quais assistimos diariamente, nas ruas e outros ambientes públicos e privados. Não há como normalizar personagens como a Odete, nem os bandos de pessoas reais, como de certo oito de janeiro e seus líderes, fomentadores e mandantes. O bando dos que admiram esses bandos, de alguma forma contribui com o inferno diário que tem sido o ambiente social deste país, protagonizado por políticos violentos, corruptos e sem noção de humanidade. A Odete Roitmam é bem real; pertinho de nós. Não precisamos procurar com muito esforço e critério. Basta simplesmente olharmos em volta.

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domingo, 5 de outubro de 2025

DANTESCOS

 


PAIXÃO DISTORCIDA

Demétrio Sena - Magé 

Sempre que estamos apaixonados, os nossos olhos e as nossas intuições quase nunca se desviam do que nos causa tal sentimento. Mesmo que a paixão tenha rótulo de ódio, medo e resistência, não há como escondermos de nós próprios essa realidade que nos aprisiona. É como uma sindrome de Estocolmo.

Não raras vezes, tudo que alguém apaixonado mais deseja é não estar assim; entretretanto, é algo inevitável. Quase sempre xinga, excomunga e faz de conta que expulsa; porém, chama cada vez mais, repete vezes infindas o seu nome, ainda que sem querer. Vê seu alvo de paixão em cada canto, em cada pessoa que incomoda e cada gesto fora da sua doutrina, que diz renegar esse alvo. 

Quando começamos a ver o que chamam de diabo em quase tudo e todos que não coadunam com a nossa fé ou doutrina, e de repente passamos a repetir que "que o mundo jaz no maligno", é sintomático: já estamos contagiados por uma paixão inequívoca, distorcida e doentia por ele: o mito lutúrgico das trevas.

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quarta-feira, 24 de setembro de 2025

O QUE CHAMAMOS DE FÉ

Demétrio Sena - Magé 

O ser humano é incapaz de conceber a própria capacidade. Medir a própria força. Não fazemos ideia dos esforços que podemos fazer; das dores que podemos aguentar; das tristezas e decepções que suportamos. Não nos detemos a pensar nem nas toneladas de cisco, terra e outras porcarias que inundam diariamente nossos olhos ou nas bactérias que passam pelo nosso organismo, e sobrevivemos.

Temos todo esse poder e não suportamos a ideia de que o temos. Por isso nos inventamos fracos e, ao suportarmos o peso das piores vivências, atribuímos ao sobrenatural. Pomos na conta especial de um "Deus", uma entidade, porque temos medo de nós mesmos. Não queremos intuir o poder da fé como algo inerente à nossa natureza. Que sai de nós e volta como solução do insolúvel, dentro ou fora das nossas expectativas.

Dá medo, a conclusão de que somos o nosso próprio sobrenatural. Que todo o "poder do alto" não está exatamente no alto. Essa força,  que muitas vezes falha na trajetória e no alvo direto, funciona como o milagre de suportarmos a própria frustração, e nos fortalece até o dia do inevitável. A condição de nos mantermos vivos, com o mundo nos ombros, mesmo rastejantes, revela que somos nós, o nosso Deus. 

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terça-feira, 23 de setembro de 2025

DO AMOR, MESMO SEM AMOR

Demétrio Sena - Magé 

As pessoas estão buscando (ou simplesmente aceitando) relacionamentos nos quais ninguém é levado a sério. Isto se agrava nas relações de amor, quando ambos permitem, um ao outro, aquele tratamento sem afeto, sem gentileza e até sem respeito, como se o outro fosse um guisado, que satisfaz a fome fisica e só volta a ser desejado na hora da "próxima refeição" em qualquer "mesa".

Não vim aqui para falar de noivado, casamento, união estável... nem vim pregar moralismos como a suposta obrigatória relação heteroafetiva. Falo de todas as formas e naturezas do amor, inclusive aquelas em que os acordos voluntários de ambas as partes abrem portas para inclusões onde não haja sofrimento... ou mesmo da relação afetiva temporariamente sem amor, mas com carinho, envolvimento, gentileza e a preocupação mútua com o bem estar de quem faz parte da nossa vida e troca sua intimidade conosco. Mesmo sem amor, isso é amor. 

Com ou sem compromisso de futuro, uma relação afetiva/sexual não pode abrir mão do contexto de afeto, compromisso com o bem estar da parceria e aquele olhar sempre humano. Sempre de gente que lida com gente... não de fera que vai à caça quando o "estômago" ronca e pede mais um pedaço da carne armazenada e garantida para sua "fartura", pelo menos enquanto existe a carne. 

Se nem sempre tem que ser amor, tem que haver o envolvimento afetivo pautado pela sinceridade, a troca relevante, o respeito ao ser humano com quem interagimos sexualmente. Mesmo sem o amor necessário a um compromisso de futuro, o desejo requer tratar bem, se importar, olhar com ternura, querer saber do outro quando está longe. Não entendo a falta de auto estima e respeito próprio que deixe alguém nos tratar como um naco de carne ou embutido. 

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segunda-feira, 22 de setembro de 2025

CONTRA ESTA E AQUELA BANDIDAGENS

 

Demétrio Sena - Magé 

As manifestações do povo brasileiro contra a chamada PEC da bandidagem (blindagem dos deputados federais, com a decisão de seus próprios destinos, caso cometam crimes, o que sempre fazem), foi algo emocionante. Emoção maior ainda, foi ver aqueles artistas já idosos, os mesmos que algumas décadas atrás lutaram com força e determinação, através de suas artes, contra a ditadura militar. Outros artistas um pouco mais novos, porém, conscientes de suas atribuições sociais, fizeram coro à beleza das manifestações. Vale ressaltar que os sertanejos, como era esperado, ficaram recolhidos em suas tocas domiciliares, porque são todos bolsonaristas... assumidos ou encurralados em suas declarações de "nem esquerda nem direita".

Depois de anos e anos de ativismo, sempre como cidadão esquerdista, não estive lá. Acompanhei atentamente, interagi, mas as dificuldades de locomoção e permanência por todo o ato, na capital de meu estado, não me permitiram a presença física. Fiquei emocionado e feliz, daqui, torcendo junto com os meus, por um desfecho arrojado, porém pacífico; sem medo, mas com todos os manifestantes conscientes da civilidade própria das esquerdas. E assim foi: sem quebra-quebra, sem agressões físicas proporcionalmente notórias e, com bandeiras imensas, do Brasil... só do Brasil, que é o nosso país, e só a ele devemos nosso patriotismo. 

Lembrei, com forte nostalgia, das minhas atuações ao longo da vida, que chegaram a me render algumas detenções, nos últimos anos da ditadura militar, mesmo eu sendo muito jovem e não tendo fama. Nunca fui preso, mas tive que dar muitas explicações em salas miúdas, escuras e úmidas de unidades policiais cujos agentes nem tinham poderes legais para isso, pois não eram das forças armadas, mas tinham as prerrogarivas da colaboração com a ditadura. Prerrogativas essas, que os entreguistas populares também tinham, pois toda colaboração caía bem, aos olhos dos ditadores.

Hoje um pouco mais pacato, não deixo de me expor, propor e ativizar por onde passo, onde convivo, e nos espaços de mídias ao meu alcance. E apenas para constar, esses espaços de mídias, como as redes sociais, não são lugares seguros, conforme tantos dizem. Somos vigiados de perto por lideranças políticas da direita, órgãos oficiais conservadores, milicianos voluntários, entidades prontas a nos calar, e pelas lideranças ditas cristãs, que são as mais perigosas: que se julgam mais aptas a condenar, cancelar e fazer ficha corrida para linchamentos sociais. E não faltam os pobres coitados tangidos por todas essas lideranças, dispostos a compor multidões ou rebanhos de linchamentos. É uma ditadura mista, empoderada pelo poder legislativo. 

Queria estar lá. Mas estava, de alguma forma. Mesmo assim, lamento, pois a emoção, no meio de todas aquelas pessoas realmente do bem foi muito maior... pessoas tão do bem, que os eventuais bolsonaristas otensivamente presentes não precisaram temer por sua integridade física (única integridade que lhes resta). Salvo exceções, os cidadãos de esquerda não espancam; não ameaçam; não dão tiros. Não usam o nome Deus para cometer e justificar suas atrocidades. Nas manifestações da esquerda, ninguém precisa temer a supressão do seu direito de ir e vir.

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domingo, 21 de setembro de 2025

AOS MEUS USUÁRIOS PONTUAIS

Demétrio Sena - Magé 

Continuem a contar comigo, sempre que for vantajoso não me excluir. Quando a minha presença, mesmo afrontosa, puder lhes deixar "bem na fita". Contem comigo a cada vez que o meu dom, apesar de polêmico, for capaz de somar com relevância, no que me aponte como lamentavelmente inevitável para seus interesses. 

Entendo bem como é desafiador conviver comigo e o quanto pode ser incômodo me deixar fluir e ocupar centímetros do latifúndio cultural que os rodeia. Perigoso, até, para essa insegurança (que não os rodeia, e sim, adentra; mora em seus interstícios... ou chouriços). Por isso, contem comigo, naqueles dias em que lhes for possivel relevar a si mesmos e confessar, como se me fizessem uma caridade, que precisam do quanto eu tenho para oferecer, invariavelmente, como caridade.

Contem comigo, quando contar com outros tiver um preço, ainda que justo. Ou for mais oneroso, nos casos em que até eu, espantosamente, vier a ter um preço. Em última instância, quando não tiverem com quem mais contar. Se não puderem contar nem uns com os outros, não contarei para mais ninguém: contem comigo.

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sexta-feira, 19 de setembro de 2025

ESCOMBROS

 


DA PALAVRA MEIA BOCA

Demétrio Sena - Magé 


Para mim, não há quase nada que defina mais o ser humano do que a sua palavra. E não me refiro apenas ao cumprimento, e sim, à integralidade com que uma pessoa cumpre a sua palavra: sem truque, sem improviso, sem meio cumprimento; nenhuma surpresa na hora crucial. Uma pessoa pode me frustrar de muitas maneiras e continuar a mesma para mim, depois de alguns entendimentos. Mas a mentira não está incluída nesse pacote. O não cumprir, de forma plena, a palavra dada, quebra uma confiança impossível de colar. 

É com todas as forças que não admito a meia palavra, o meio cumprimento, a tentativa da meia mentira; que tenta equilibrar a meia verdade ou meio verdade, meio mentira. Na tentativa desse equilíbrio, a mentira sempre é mais forte. Basta ser meia, um quarto, quem sabe um décimo, para ser uma mentira inteira, o que não acontece com a verdade, que, ainda que noventa por cento verdade, será mentira. Palavra meia boca, só cumprida em parte, não é cumprida... por mais falácia que use para garantir um pouquinho de honra.

Quem tem um não para dizer a uma proposta minha, uma exigência, um pedido, por favor: faça isso imediata e frontalmente. Saberei respeitar, mesmo que haja um desentendimento momentâneo. Os episódios de algum conflito ou de algum desentendimento por discordância, são superáveis para mim. A palavra escorregadia, não. A mentira, mesmo como meia verdade, não. O truque, para fazer parecer que a palavra foi cumprida, muito menos. Não aja como pessoa mais ou menos honrada. Isso não tem nenhuma honra.
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terça-feira, 16 de setembro de 2025

A FOTOGRAFIA COMO ACADEMICISMO OU INSPIRAÇÃO

Demétrio Sena - Magé 

Quero falar um pouco de fotografia, porque tenho visto muita preocupação de fotógrafos iniciantes com o rigor fotográfico acadêmico. Isso pode ser uma escolha de quem inicia, ou essa pessoa pode ficar à vontade para "viajar" livremente no seu fazer. Existem as fotos técnicas, com uso exato das exigências fotográficas acadêmicas, e as fotos inspiradas; soltas; com seus descuidos e a liberdade poética, que exigem apenas bom foco e criatividade, unidos à fluência e à inspiração. 

Há fotos técnicas e academicamente perfeitas, porém, insossas; previsíveis; perfeitas erm seu rigor, e fotos falhas nestes aspectos, porém, encantadoras, sensíveis, criativas e altamente capazes de emocionar e fazer refletir. É claro que alguns fotógrafos unem técnica, rigor e inspiração, mas não tem jeito; a inspiração sempre acaba comprometida em algum nível, pelo excesso de academicismo que, em compensação, garante prestígio e premiações nos concursos em entidades formais.

Longe de mim, desprestigiar o rigor, a técnica, o preciosismo dos acadêmicos. Suas obras têm valor e público fiel, que não é pouco, mas a fotografia inspirada me toca profundamente; razão pela qual tento praticá-la, sem saber se sou bem sucedido. E como aconteceu com as artes plásticas (quando a fotografia não foi incluída) e as letras, a fotografia inspirada, com o seu despojamento, está vivendo, há tempos, um processo de libertação, como na Semana de Arte Moderna, que promoveu a abolição artística e literária das regras e das obrigações técnicas excessivas.

Para exemplificar, ainda existem o soneto, a trova e outras modalidades poéticas rigorosas, com métricas e rimas, muito praticadas por poetas tradicionalistas... mas a poesia sem o excesso dessas formalidades é cada vez mais valorizada, por sua inspiração e desenvoltura. Temos, na fotografia, cada uma com o seu valor (salientei minha preferência), o que se pode classificar como poesia clássica (que prioriza os métodos) ou livre (que prioriza a inspiração e a criatividade).

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segunda-feira, 15 de setembro de 2025

SOBRE OS OCULTOS E SONSOS

Demétrio Sena - Magé 

De período em período, ser um eleitor de esquerda fecha portas à minha frente, com determinadas pessoas de afeto incerto e personalidade oscilante, pelas quais nutro carinho, respeito e amizade, não importam suas escolhas. Ocorre o mesmo e ao mesmo tempo, por eu ser uma pessoa sem religião; que não acredita em um sobrenatural; não tem um sagrado para chamar de seu. Por algum tempo, essas pessoas até esquecem; convivem bem, concebem que sou uma pessoa normal, com defeitos e virtudes... um ser humano. E me consideram boa pessoa, mesmo eu não sendo o publicitário cidadão exemplar que se auto propaga, diuturnamente, em alto e bom som.

Mas é algo sazonal: de quando em quando essas pessoas recordam ou são alertadas por alguém, sobre a minha condição de cidaddão esquerdista e ateu. Aí não importa que eu seja uma boa pessoa, da mesma forma como não importa que um cidadão direitista e cristão seja má pessoa: violenta, machista, racista, caloteira, julgadora, mentirosa, maledicente, psicopata (...), se estiver dentro do que elas acham perfeitamente contextualizado para sua ideologia e crença... só importam, mesmo, os nossos rótulos. Ser do mal ou do bem, na forma de viver, para elas tanto faz ou tudo bem; basta rezar na mesma cartilha, ter os mesmos gritos de guerra, os mesmos discursos, e as orações alinhadas.

Quando eu nutro afeto por alguém, ou pelo menos alguma amizade, admiração, separo bem essas coisas; a menos que um extremismo bárbaro desse alguém venha me afastar em definitivo. Em definitivo, porque não sou de vai e vem nem de mais ou menos, conforme as ondas ao meu redor. Esquerdista e ateu como eu, ou direitista e cristão, judeu, candomblecista, kardecista (...), o que a pessoa é, na condição notória e comportamental de pessoa, é o quanto conta para mim. O que penso de alguém ou sinto por alguém é pessoal; não corporativo. Não nego o meu afeto, respeito, admiração, nem escondo isso das outras pessoas de minhas relações, que pensam e sentem o contrário. 

Quando essas pessoas (queridas para mim) que ora se lembram da minha condição de esquerdista e ateu voltarem mais uma vez, estarei aqui. O coração deste comunista "sem Deus no coração" estará sempre aberto ao próximo que se tornou distante e agora quer se reaproximar. Só não aceito, em nenhuma hipótese, os afetos ocultos e sonsos; aquelas amizades que tentam ser secretas, de quem tem medo do bicho papão errado.

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domingo, 14 de setembro de 2025

A INTELIGÊNCIA DE QUEM LÊ

Demétrio Sena - Magé 


Ziraldo dizia que ler é melhor do que estudar. Ele não menosprezava o estudo, e sim, mostrava como é importante que os estudos envolvam muita leitura. Estudar e ler se juntam em uma só missão, que é a de formar pessoas capazes de se comunicar, tanto pela escrita quanto pela fala. Em qualquer profissão, precisaremos nos conunicar com desembaraço. É muito importante a escola entender o valor da leitura e, junto a isso, da escrita. E a leitura ensina a escrever, pelo hábito de lidar com as palavras corretas e a concordância, fundamentais na fala e na escrita, sempre presentes nos bons livros. 

É com bons olhos que vejo todo e qualquer esforço da Educação, pública e privada, em qualquer nível, para que os alunos - e alunas - avancem para o ensino médio com bons conhecimentos da própria língua. A nossa realidade precisa ser bem interpretada e isso começa na leitura. Precisa ser bem apresentada, e acontece na escrita. Precisamos escrever bem, porque tudo exige redação: os vestibulares, concursos para empregos, reclamações às autoridades, cartas de amor etc. Estudar é ler, ler é estudar e é assim que saberemos entender quando alguém tenta nos enganar, por exemplo, com um texto complicado. Tudo na vida é uma leitura que precisamos fazer.

Que tal se nós, todos nós, entre outras habilidades, soubéssemos ler e interpretar a nossa realidade? A partir dos livros, aprendemos até a ler a importância histórica de nosso município, a beleza das matas, os mares, rios, cachoeiras, animais, e o quanto importa preservarmos o que temos. Para tudo isso, precisamos entender. Para entendermos, precisamos ter conhecimento. O conhecimento está na leitura. O poder de usar o conhecimento está em sabermos nos expressar corretamente escrevendo, falando e agindo com a inteligência de quem lê.
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sexta-feira, 12 de setembro de 2025

A HIPOCRISIA DO "NEM UM NEM OUTRO"

Demétrio Sena - Magé 

Concordo com qualquer pessoa que bata na tecla da já batida "polaridade" que o Brasil vive nestes últimos anos. Mas, essa polaridade se tornou inevitável, no momento; aí está. Sendo assim, tenho lado. Sou esquerda; sou povo; sou democracia, com todos os seus efeitos colaterais. Não há como ser neutro nem inventar um leque de opções que, no fim das contas, vai desaguar em um dos pólos; em uma das pontas dessa propalada realidade.

Detecto qualquer bolsonarista enrustido, e até camuflado de "mais ou menos esquerdista", nesses discursos de terceira via. Ora bolas; não existe a terceira via, no cenário atual; pode voltar a existir daqui uns anos, mas, agora, metade ou pouco mais do contingente político extra deste país é ponte para o Bolsonaro; a outra metade ou mais, para o Lula. Quem manda olhar para o lado e procurar outra opção, ou diz que "nenhum dos dois presta", faz isso por um dos dois. Trata-se, quase sempre, de um truque dos bolsonaristas.

Sou esquerda. Neste contexto de polaridade, não tenho como repetir o bordão "nem este nem aquele"; até porque, isso dá munição para sonsos desprovidos de argumento. Logo, sou lulista; em cima do muro não me cai bem; eu cairia do muro. Tenho visto muita gente fazer média com o outro lado, utilizando a puxadinha sutil para sua preferência secreta. Grita pela terceira via, mas é gritante a sua tendência; é notório seu enviesamento; a pregação subliminar que seria veementemente rebatida..

Nem um nem outro" é, majoritariamente, um discurso bolsonarista enrustido, para demover eleitores opostos e fortalecer a esquerda. Quem não quer o retorno da era do "e daí? Eu não sou coveiro", "pintou um clima" (com adolescentes), "o erro da ditadura foi torturar e não matar", "morreram poucos; a PM tinha que ter matado mil", "eu jamais ia estuprar você, porque você não merece", "dei uma fraquejada e veio uma mulher" (...), não pode subir nesse muro.

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quarta-feira, 10 de setembro de 2025

SOBRE A IDIOTICE DOS OUTROS

Demétrio Sena - Magé 

(Para que o texto seja entendido, preciso dizer: é a expansão de um comentário que iniciei, sobre um livro divulgado nas redes sociais. Achei ético propor uma reflexão geral, sem expor o autor, no seu espaço, a possíveis ataques animados por mim).

Acho que todo idiota se considera o único não idiota em toda a face da terra. E toda a face da terra está cheia de gente similar, que se esbarra em cada centímetro quadrado, julgando ser um esperto que deu de cara com um novo idiota. Todo idiota está em qualquer lado, em qualquer ponto cardeal, extremando a sua posição. Outros, estão no centro, fazendo o que parece impossível, que é extremar o centro ou ser extremamente moderado; radicalmente chuchu.

Temo que eu seja mais um idiota que propaga o idiotismo alheio, mas achei idiota um livro que pretende se apresentar como diferentão, com capa produzida por inteligência artificial. A meu ver, a inteligência artificial é fantástica como recurso de informação, pesquisa e projeto, mas não como dispositivo de criatividade. Plagiar alguém específico já é desprezível. Pedir aos algoritmos para produzirem um super plágio, em vez de usar o próprio talento ou pelo menos contratar o de alguém especifico não depõe a favor de um livro que chama o mundo de idiota e se põe de fora.

Considero idiota, muita gente de qualquer grupo, inclusive o meu, e repito: às vezes temo ser mais um. Mas, é natural ter escolhido estar onde estou, pois me identifiquei com ideais que acho relevantes. E que acolhem a todos, inclusive alguns idiotas. Agora; idiota extremado é um autor de um livro que se fetaliza em uma bolha desconfortavelmente confortável, tão somente para não ter lado e classificar como idiotas, todos os componentes de todos os lados.

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terça-feira, 2 de setembro de 2025

CLAMOR PELA IMPUNIDADE

Demétrio Sena - Magé 

Amantísssimo Pai:

Estamos aqui, com toda a humilde arrogância do nosso coração, para pedir a impunidade. Impunidade, Senhor, para o nosso líder maior, sem desfazer do Senhor. Ele cometeu, sim, muitos crimes, mas vai à igreja e fala direto, o seu nome! Tá certo; é g&nocida, porém, igual ao Rei Davi, que foi segundo o Seu Coração! É como Josué, que matou populações inteiras com o seu exército, mas nunca deixou de orar, louvar e dizer muitas palavras bonitas para o Senhor!  É ou não é?

Queremos pedir ainda, Senhor; que haja Impunidade pro pessoal que botou pra quebrar naquele oito de janeiro! Abençoe as marretas e os porretes que puseram abaixo os vidros do Alvorada! Abençoe também o intestino daquela senhora corajosa que fez cocô em cadeia nacional; que fé, Senhor! Fé, dor, em nome de Deus, da pátria e da família! Que exemplo de moral e bons costumes! Dê a ela e a todos os quebradores que os mundanos chamam de vândalos, a impunidade, o furor e a força para muito mais!

Sobre tudo, Amantíssimo Pai; liberte o nosso Messias! Ele é muito melhor do que aquele filho que o Senhor mandou para nós há dois mil e tantos anos! Aquele era mimado, com aquelas histórias de amor ao próximo, fazer o bem a todos, defender mulheres; inventar historinhas que viraram essa praga de direitos humanos. Que coisa triste, Senhor, ter que respeitar e amar pessoas diferentes de nós; de outras etnias; religiões; orientações. É tão bom meter o sarrafo em quem discorda e reza em outras cartilhas!

Prometemos, Senhor Amado, que vai rolar um dízimo gordo, se o Senhor abençoar a todos os patriotas quebradores de patrimônios alheios, especialmente públicos e tramadores de homicídios, com plena impunidade. Principalmente aquele que deixou, de propósito, milhares de pessoas a mais do que morreriam, morrerem na pandemia, e se aproveitou quando "rolou um clima" com adolescentes. Ele também elogiou torturadores, tramou ass@ssinatos de opositores, mas é cristão, Senhor; é crente!

Pedimos e agradecemos, ó Supremo do Tribunal Divino! Acreditamos na impunidade; nas costas quentes com o Senhor. Se rolar, Amantíssimo Pai; também gritaremos para sempre que O Senhor é Fortão, Bonitão, Poderoso e outros elogios que o Senhor exigir! E ainda prometemos não contar nada para o seu filhinho mimado, para ele não encher a Vossa Santa Paciência com aquelas ideias de que o Brasil precisa se livrar das ameaças da ditadura e do extremismo.

Amém; Senhor; sem confundir amém com amem.

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segunda-feira, 1 de setembro de 2025

CULINÁRIA ALOPÁTICA

Demétrio Sena - Magé 


Quando vejo duas pessoas que tomam diariamente seus "tarjas pretas" travarem aquelas conversas sobre as maravilhas dos remédios que elas tomam, o meu pensamento viaja. De um lado, esta pessoa informa que o Losartana é ótimo; do outro, o interlocutor garante que o Captopril é um remédio sem igual; que o outro precisa experimentar. Ou se aquela elogia intensamente o Diazepam, esta quase grita que bom mesmo é o Rosuvastatina e ouve de volta que deveria experimentar o Alprazolam.

Em meu silêncio, chego a imaginar que o Losartana tenha sabor de frango assado e a fórmula do Captopril tenha bacon. Que o Diazepam seja temperado com alho, cebola e manjericão... o Rosuvastatina seja crocante, caprichado na fritura... e o Alprazolan, uma sobremesa bem cremosa, com cobertura de chantili. Em resumo, tais conversas me deixam com água na boca. Minha vontade é de procurar um bom restaurante, para me fartar de todas essas delícias da culinária médica alopática.

Entretanto, eu sei muito bem que o pecado capital da gula pode me causar alguns castigos traiçoeiros e devastadores. Então, prefiro me conter e ficar nos meus pecados periféricos da gastronomia modesta, com refeições e sobremesas bem mais leves, como Luftal, Dipirona, um sal de frutas... ou até um cardápio mais natural, à base de boldo, cana-do-brejo, canela-de-velho, quebra-pedra e outras delícias. Acho que, bom mesmo, é tentar não ouvir essas conversas que provocam o meu apetite.
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domingo, 31 de agosto de 2025

BOCÓ HONORÁRIO

Demétrio Sena - Magé 


Ocorre muito comigo: rever uma pessoa com quem convivi por algum tempo, mesmo sem ter me tornado um grande amigo, e me apressar para cumprimentá-la efusivamente, sendo recebido com um olhar de "eu, hein..."; quando muito, com aquele "oi" mascado como um restinho de fumo. Então retorno ao meu canto, se ambos estivermos no mesmo ambiente, ou sigo meu caminho xingando a mim mesmo, em pensamento.

Mas não tomo emenda: quando, pouco tempo depois,  vejo outra pessoa com quem tive uma convivência semelhante (quem sabe, na realização de um trabalho, um projeto em comum), corro logo para o quase abraço, como se fôssemos velhos amigos de infância que se perderam e acabam de se reencontrar. Aí dou de cara com o mesmo "eu, hein" silencioso... os mesmos lábios dormentes. Razão pela qual nunca passo muito tempo sem me xingar em pensamento. 

Sou desses bobões que dão muita importância para pessoas. Que veem amizades em relacionamentos breves e até superficiais. Acho marcante uma boa conversa de rua com um desconhecido, que para mim, a partir daquele momento já não é um desconhecido. Se participo de algo por alguns dias, com esse desconhecido, ele praticamente se torna um amigo de vida inteira... desses com quem me preocupo e chego até a pedir notícias a um conhecido em comum.

Pensando bem, não penso mesmo em tomar emenda. Não ser assim me deixa vazio. Ser de outro jeito é como não ser quem sou. Passar por esses constrangimentos de me sentir situado por alguém é menos pior do que sentir o vazio de não sentir nada por uma pessoa com quem tive pelo menos um momento agradável. Pessoas, para mim, são pessoas. Nunca soube tratá-las como algarismos em equações vivenciais.
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domingo, 24 de agosto de 2025

CHEIRANDO ROLHAS

Demétrio Sena - Magé 

Você pode chamar uma festa junina ou julina de festa do milho ou da roça. Mas ela tem a pegada e a mesma aura das festas dedicadas aos santos (João, Antônio, Pedro...), e as datas a indumentária, os ritmos, ainda que as letras sejam fraudadas em nome de releituras encaixadas aos ritmos. Pode, ainda, chamar o seu carnaval de gospel, deturpar os sambas enredos (também com letras adaptadas), mas ainda será um carnaval. E carnaval significará sempre, festa da carne.

Não importa que sua a cerveja não tenha álcool. Ela continua cerveja. Que o baile só tenha hinos. Ainda será baile. Também tanto faz que você curta um samba, um rock, um funk, um forró, com mensagens que o classificam como gospel. Os ritmos que sempre foram chamados de profanos, no seu meio, serão os mesmos ritmos profanos. Terão as mesmas origens ou matrizes, como nos casos das festas de "Sãos", do carnaval, da cerveja, o baile. Readaptar não mata nem anula essas origens, matrizes, ou esses fundamentos.

Nada fará um revólver se tornar santo nem santificar a quem atinge alguém com ele. Uma noitada na farra não será "ungida pelo espírito santo" e um xingamento não se tornará louvor na boca de um "convertido". Antes de pensar nas fachadas, pense nas origens do que você pretende maquiar. As origens não mudam; elas serão sempre lembradas ou celebradas nas releituras. Customizar tudo o que você acha que não presta é como não beber, mas tomar um porre de tanto cheirar as rolhas.

Na verdade, não há nada melhor do que sermos livres; não precisarmos camuflar nossas vontades secretas... sobretudo, sabermos que o "mundo" não cabe no armário. 

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quinta-feira, 21 de agosto de 2025

BALAS PERDIDAS



Demétrio Sena - Magé 

A bala de fuzil da foto (customizada pelo artista Claudely Coelho) caiu a poucos metros dele, numa rua do Centro do Rio de Janeiro. Aquele dia estava calmo, no bairro em questão; a bala caiu amortecida. Pelo visto, chegara de bem longe, após errar o alvo. O único risco, se caísse na cabeça de alguém, naquele momento, seria de um calo acentuado pelo peso. Depois de transformá-la em arte, Claudely me presenteou.

Eu achava que nunca saberia de outra coincidência como essa, com pessoa do meu conhecimento. Mas o Rio de Janeiro - quase todo o Estado - não é para os amadores. Há poucos dias, um de meus irmãos, que pedalava do bairro Patanal para Gramacho, em Duque de Caxias, sentiu um baque no bolso da bermuda. Parou para ver o que era, e qual não foi o seu susto, ao ao ver que se tratava uma bala de revólver, que também viajou longa distância, ao errar o alvo inicial.

Em outras palavras, meu irmão foi alvo de uma bala perdida já sem forças para ferir ou matar alguém. Sorte essa, que muitas vítimas gravemente feridas ou mortas não têm, pelas ruas de bairros que a tragédia privatizou, sob o domínio impiedoso dos traficantes e das milícias. Uma sorte que não seria tida como tal, mas como motivo de grande preocupação, se a violência já não tivesse ganhado o status lamentável de normal.

Querido Claudely; onde quer que você esteja, com certeza está em paz... e livre das coincidências reveladoras de um mundo brutal.

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domingo, 17 de agosto de 2025

ARGUMENTOS EXTREMISTAS

Demétrio Sena - Magé 

É cada vez crescente a nossa percepção de que determinada pessoa deu uma palestra no que deveria ser um bom diálogo e determina que nós não entendemos. E nós entendemos, sim; talvez não tenhamos concordado, mas entendemos. O "palestrante" é que não entendeu que nós entendemos ou quer nos rotular de pessoa estúpida, como uma forma de punição por não termos concordado.

Conversas nas quais um lado é radical, determina que sabe tudo, não aceita contraditórios e fecha todas as portas para os argumentos do outro lado, não são exatamente conversas. São ofensivas verbais; mísseis de oratória destrambelhada e truculenta. Usa recursos que ameaçam quem não concorde ou se mostre bom entendedor perante as dificuldades vaidosamente oferecidas ao suposto entendimento comum.

Esses "diálogos" desastrosos cresceram muito nestes últimos anos de polarização política, na qual os brabos e pretensos sabichões estão sempre completamente certos, e os pacíficos, invariavelmente errados. E todo esse extremismo se difundiu em todos os assuntos de qualquer círculo. Pessoas matam e morrem na defesa cega de seus argumentos sobre temas dos mais profundos aos mais fúteis possíveis.

Passou da hora de repensarmos nosso radicalismo sobre o que pensamos e defendemos. Temos, evidentemente, nossas convicções e lados, mas ninguém está cem por cento certo nem errado em todos os momentos da vida. Quem muito fala e não sabe ouvir nem um pouquinho, abre mão da sabedoria que não lhe permite ver o mundo passar sem nada mais aprender do tempo e das pessoas.
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sábado, 16 de agosto de 2025

MOTOCICLISTAS E MOTOQUEIROS

Demétrio Sena - Magé 

A maioria dos motociclistas ainda não conseguiu entender que a moto é um meio de transporte; não um brinquedo ou aparelho de esporte radical, para levar a vida na adrenalina. É claro que uma moto é mais fluente e flexível no trânsito, mais barata e muito mais econômica. Mas é um meio de transporte sujeito às leis e regras nacionais de trânsito, especialmente no que tange a segurança do piloto, de outros pilotos, motoristas e pedestres. 

É inquestionável que a moto é um veículo perigoso e ao mesmo tempo apaixonante, pela sensação de liberdade: o piloto a domina como a um cavalo e galopa estrada afora, muitas vezes esquecido de que se trata de um veículo motorizado e as estradas não são capoeiras; estão repletas de veículos automotivos e há pessoas sobre ou dentro deles. Algumas vezes, famílias inteiras, e que não agem de modo a provocar acidentes. 

Se compararmos o motociclismo de transporte com o do globo da morte, por exemplo (atração de circo), vamos perceber que a prática não é diária e requer habilidades específicas comprovadas. Se fosse o globo da morte, o risco de um acidente grave seria multiplicado infinitamente. Ainda bem que não é. A moto, como meio diário de transporte, deve ser utilizada com consciência dos riscos que podem ser minimizados pela responsabilidade.

A carteira nacional de habilitação só pode ser aviada para pessoas adultas. Ser adulto requer juízo e bom senso. É lamentável vermos pessoas que alcançaram a maioridade, mas permanecem agindo feito crianças inconsequentes no trânsito, como se brincassem de montanha russa na rodovia. Locais inadequados, atitudes descabidas. Parece uma compensação de frustrações infantis ou adolescentes.

Motociclistas não gostam de ser classificados como motoqueiros, pois consideram isso pejorativo. Talvez a diferença esteja nisto: motociclistas são responsáveis, cuidadosos, respeitam leis e regras, amam a própria vida e se preocupam com a do próximo. Motoqueiros são inconsequentes, não respeitam nada e ninguém, não têm amor pela própria vida e não ligam se vão ferir ou matar o próximo, no trânsito.

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domingo, 10 de agosto de 2025

DE PAIS E PAIS

Demétrio Sena - Magé 

Milhões de pessoas de todas as idades brigam na justiça pela inclusão do sobrenome de pai biológico em suas certidões de nascimento. Algumas delas até conseguem. De outras, esses pais fogem; litigam até o último instante, para não cederem seus sobrenomes. Uns pais têm famílias que não incluem esses filhos e "temem" reações familiares. Outros temem o envolvimento afetivo que resultaria eventuais necessidades de ajudar a esses filhos, como muitos esforços para se perdoarem e fazerem as pazes com o passado

Há os pais provedores. Que não deixam faltar nada de material, nenhum item de necessidade básica ou dão até muito aos filhos, mas negam carinho. Nunca dão atenção. São desnecessariamente rígidos e estimulam com seus comportamentos duros e agressivos, o machismo dos filhos, a subserviência das filhas à sociedade patriarcal. Tem ainda os pais presentes fisicamente, até bonzinhos, porém distantes; que manifestam um eterno tanto faz, com suas presenças ausentes que machucam os filhos. Há pais que os filhos e filhas veem espancando suas mães e também são espancados/espancadas por eles. E os que só se orgulham do possível sucesso material dos seus ou demonstram preferências paternas com esses critérios, o que gera muitos traumas filiais para toda a vida.

É muito comum conhecermos mães que também são pais, na ausência dos mesmos. Mas é raro conhecermos pais que também são mães, na ausência delas. Tem pais biológicos que na verdade não são pais. Ao mesmo tempo, tem pais adotivos ou padrastos que são puro amor; verdadeira paternidade. São dotados de plena capacidade afetiva, que recheia todos os flancos de filhos e filhas rejeitados ou cujos pais faleceram cedo. Armadilhas e acolhimentos da vida, que alegram ou entristecem profundamente alguns dias em especial, comemorativos ou não. Entre eles, o dia institucional dos pais.

Aos pais capacitados pelo afeto, pela consciência e a responsabilidade, sejam eles consanguíneos ou não, remeto o meu abraço e minha total admiração. E aos que renegam, maltratam, abandonam, discriminam e/ou manifestam seu tanto faz, remeto a minha moção pessoal de repúdio, como filho que cresceu sem esse amor, essa presença, essa responsabilidade afetiva que quando faltam, deixam um abismo dentro de nós. Esse abismo é administrável, com muitos esforços internos, mas nunca deixa de ser abismo.

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sexta-feira, 8 de agosto de 2025

SOBRE ADMINISTRAR OS TRAUMAS

Demétrio Sena - Magé 

Que todo mundo tem problema, é um velho clichê inquestionável. Se eu tive uma infância difícil, com certeza nem se compara com a de muita gente com quem convivo ou não. Gente que tem suas sequelas, mas como adoto fazer, também não vive castigando pessoas queridas o tempo todo. Se adentrarmos profundamente a vida pregressa de qualquer pessoa, veremos que não existe ninguém sem traumas. Mas a maioria segue. Não se agarra nem faz das lembranças tristes uma trágica zona de conforto.

Convivemos com algumas pessoas, temendo suas reações. Tensos e atentos a seus chamados e sempre concordando com muita coisa, sem concordarmos de fato, senão essas pessoas viram feras. Muitas têm uma inteligência mental fora do comum, mas lhes falta inteligência emocional. E todos nós precisamos da inteligência emocional, para não ficarmos isolados de todos os nossos afetos e não nos tornarmos os opressores diários daquelas pessoas que nunca nos abandonam. Termos inteligência mental, sermos capazes, nos faz arrogantes, intratáveis e difíceis de lidar, quando falta inteligência emocional.

Termos sofrido na vida nem sempre nos amadurece e nunca nos torna o farelo derradeiro da última bolacha do pacote. As pessoas não têm que se submeter aos nossos arroubos, desaforos e surtos em mome de um passado sofrido. Se o sofrimento não nos amadureceu ou tornou pessoas mais humildes, empáticas e solidárias, não somos capazes como seres humanos. Nada vai nos ensinar a viver nem a olhar para o próximo e ver nele um semelhante. É algo deprimente, ser sovado e nunca se tornar pão.

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quinta-feira, 7 de agosto de 2025

PARAÍSOS E ABISMOS DA SENSIBILIDADE HUMANA

Demétrio Sena - Magé 

Se alguém lhe disser que é poeta ou artista, em qualquer modalidade, pode acreditar que sim. Sua escrita será poesia e suas tintas, formas e/ou seus traços serão artes. Para mim, funciona como auto declaração identitária. É o mesmo caso da identidade de gênero. Se uma pessoa se auto declara mulher ou homem, não importa se ela tem pênis ou vagina; voz grave ou falsete. Vou tratar e respeitar essa pessoa de acordo com a sua declaração; porque isso é unicamente sobre ela; não é sobre mim.

As artes e a poesia têm essa licença; essa permissão e legitimidade, porque poetas e artistas não são forjados por diplomas. Há formações acadêmicas que atendem a tais classes, mas o talento é de quem é; não exatamente de quem se forma, embora o conhecimento formal seja importante, por questões de aprofundamento e/ou mercado de trabalho. Será falsidade ideológica uma pessoa não formada em medicina se dizer médica; não formada em direito se dizer advogada ou se declarar arquiteta sem formação acadêmica. Não é assim nas artes; não é assim na poesia, como não é na identidade de gênero. Nesses casos, tudo vem da auto percepção, da intuição pessoal, do sentimento profundo e da alma em seu estado mais puro.

Posso não gostar de uma poesia de alguém. Mas ela continuará sendo poesia. Também posso detestar o estilo artístico de outro, mas a sua arte não deixará de ser arte. Muitos hão de refletir e se emocionar com a poesia e com a obra de arte que rejeitei como tais, não importa com que argumento. Poesia e artes são abraçadas como profissões, porque o mercado as absorveu, mas originalmente são as mais legítimas manifestações dos paraísos e abismos que habitam a sensibilidade humana.

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quarta-feira, 6 de agosto de 2025

POSANDO VESTIDO

Demétrio Sena - Magé 


Fiquei assim; sem vergonha;

nem estava nos meus planos

posar com tais desacatos...

mostrar o corpo enrustido

no exibicionismo dos panos...

no despudor dos sapatos.

Agora não tem mais jeito;

não fico mais comportado 

feito um menino inocente...

que acha que não tem defeito...

e por isso não se poupa.

Vim me assumir indecente;

mostrar sem medos; tensões:

meu corpo cheio de roupa,

minh'alma inteira tampada 

por zíper; cadarços; botões...

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terça-feira, 5 de agosto de 2025

SOBRE O NOSSO VIRALATISMO

Demétrio Sena - Magé 

Se eu vier a cometer crimes e for julgado, condenado e preso em razão deles, isso não configura violação dos direitos humanos. Nem acredito que preciso dizer algo tão óbvio, mas preciso, sim. Vivo em um país onde a interpretação das leis está sendo posta de ponta-cabeça por lideranças politicas e suas fiéis multidões interessadas em impor um governo ilegítimo, tirano e subserviente a poderes externos.Tendo cometido eventuais crimes, eu é que terei violado os direitos humanos de quem sofreu por causa dos meus atos. Motivo pelo qual terei que pagar, nas formas e nas proporcionalidades das nossas leis.

Uma vez apenado, só serei vítima da violação dos direitos humanos se a minha pena for desproporcional, marcada por crueldades físicas e psíquicas e eu for entregue ao abandono jurídico: sem direito à defesa institucional por legítimos representantes. Afora isso, eu serei apenas alguém que violou as leis e por isso está  preso. As prisões para pessoas comuns, como eu, é que são cruéis e dificilmente são domiciliares. A justiça jamais me permitiria cumprir pena por crimes graves, inclusive de conspiração geopolítica contra o meu país, na mansão que jamais terei, com todos os confortos e mimos imagináveis.

Continuo não acreditando que preciso dizer algo tão óbvio, mas preciso, sim: os crimes demandam investigações, as condenações e as penas. E uma prisão antecipada (preventiva) é perfeitamente legal quando, principalmente, um grande criminoso estabelece o caos social em parceria com outros grandes e pequenos criminosos, muitos ainda não culpabilizados, para que a sua culpa se configure como inocência, com intimidação das instituições legais, com ilegalidade jurídica e ameaças de um tirano internacional. A que ponto chega o viralatismo de uma multidão que deseja voltar a ser colônia?

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