domingo, 21 de dezembro de 2025

O poço do fanatismo

Demétrio Sena - Magé 


Pouco importa se o que você frequenta é uma célula, uma seita, religião, filosofia, grupo. Se não faz de você uma pessoa melhor, não vale nada. Se lhe faz afrontar o mundo e se julgar melhor do que o próximo, qualquer próximo, você perde o seu tempo. Se põe a sua auto estima no chão e se também a põe lá no alto, em um patamar ilusório, não passa de uma fraude. Fanatismo, extremismo, excesso litúrgico em qualquer fé professada levam para o fundo do poço. Se pela fé que professa, você percebe que já não é você, e sim, um fantoche que mãos habilidosas, hipócritas, interesseiras, maliciosas e mercadológicas manipulam, a sua fé não lhe merece. Muito menos os seus lideres merecem a sua fé. 

Mire-se no espelho de sua realidade atual. Compare essa realidade com os tempos de paz e lucidez que você já teve algum dia, sem precisar de guru, mestre, pastor, pai religioso, guia, padre, qualquer orientação pretensamente espiritual. Você vai perceber que o seu estado de espírito não vem do alto, do baixo nem das laterais. Vem do seu íntimo; da sua disposição para ser feliz. Do seu equilíbrio pessoal, perfeitamente possível; completamente capaz de conduzir os seus passos por caminhos seguros. Sua alma só será salva pelo caráter, seu amor ao próximo, a si mesmo(a) e sua observação de quem lhe rodeia e quer, na verdade, como aquela ovelha da qual sempre terá leite, lã e obediência. 

O medo do diabo, do Próprio Deus - Terrivel, como religiões fundamentalistas apresentam - e outros seres invisíveis que a psique manipulada manifesta, nada pode lhe oferecer além de momentos hipnóticos ou surtos neurológicos em ambientes escolhidos. Na realidade crua oramos, rezamos e ritualizamos cada vez mais, enquanto nos curamos ou morremos, na mesma proporção da fé ou não fé. Alcançamos ou não, as "graças" providenciadas por coincidência ou ação persistente bem sucedida (que sobrenaturalizamos quando e como convém). E a célula, seita, religião, filosofia ou grupo não ajuda ninguém a entender com alguma serenidade, os valores humanos que realmente nos salvam.
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terça-feira, 16 de dezembro de 2025

Mais um ano de Cultura na Educação

Demétrio Sena - Magé 

Fomentar (ou animar) a cultura na Educação Pública é um privilégio. Ser um arte-educador - ou animador cultural, como a Secretaria Estadual de Educação Classifica - me oferece há mais de trinta anos a chance de, ao mesmo tempo: exercer os meus dons como poeta, comunicador, amante fervoroso das artes, e ajudar jovens estudantes a conhecer um pouco do mundo vertiginoso e diverso ao seu redor.

Somos, paralelamente, professores diferenciados, que trabalham no campo da conscientização social e da fomentação da cidadania. Em nossas oficinas de letras e artes e nossos eventos culturais nas escolas, podemos atingir livremente os pontos sensíveis de questões sociais que o sistema impede o professor regente de fazer. São tantos gráficos, tantos malabarismos para corresponder às exigências estapafúrdias do poder, que os professores regentes não têm tempo de ir além das formalidades do ensino. São talentosos, amam seu ofício, mas o poder público os transforma em tecnólogos do ensino formal.

Durante muitos anos, os animadores culturais da Secretaria Estadual de Educação, lotados nas escolas da rede pública do Estado do Rio de Janeiro foram artistas e educadores repletos de sonhos e realizações que levavam encantos diários aos alunos. Tinham recursos a contento para oficinas criativas, eventos culturais e de cidadania na escola. Além dos recursos e horizontes, não havia essa polarização política cujo lado direito é perverso, doentio, impeditivo, cheio de superstições e teorias da conspiração contra as artes, a poesia, o encantamento cultural dos filhos e filhas em desenvolvimento escolar.

E a população como um todo era também enriquecida pelos animadores culturais e sua efervescência: fazíamos eventos coletivos de rua; foram muitas ações culturais nos Arcos da Lapa, nas estações de Metrô, nas universidades do Centro do Rio de Janeiro, no Maracanãzinho e muitos outros espaços. E sabem com a participação protagonista de quem? De alunos e alunas cantores, recitadores, poetas, artistas plásticos, dançarinos e outros, incentivados e preparados pelos animadores culturais de suas escolas.

Tudo isso começou no Governo Leonel Brizola/Darcy Ribeiro, criadores dos Cieps, e toda essa filosofia revolucionária no ensino durou enquanto Brizola se manteve governo e teve alguma força até o governo Cabral. Cabral foi preso por corrupção, mas não há como negar a importância que ele deu aos animadores culturais. Em seu governo, gerenciamos programas de leitura com grandes nomes das letras, a exemplo de Ziraldo, e os animadores culturais escritores lançaram seus livros na Bienal do Rio. Foi uma pena descobrirmos mais tarde, que o Governo Cabral praticou corrupção; lavou dinheiro.

A verdade é que ficou provado que dá para ter Educação de qualidade sem corrupção. Brizola e Darcy provaram isso. O próprio Cabral, que desviou muitos recursos e aplicou o mínimo na Educação, conseguiu fomentar tudo aquilo com aquele mínimo. Imaginem se não tivesse desviado recursos; tivesse aplicado realmente na Educação, os valores que declarou! Imaginem como o trabalho já primoroso dos animadores culturais teria bem mais amplo, com os recursos verdadeiros em uso.

Até a nossa remuneração, nunca mais reajustada, já foi razoável. Isso nos dava um ânimo a mais. De lá para cá, os animadores culturais foram invisibilizados: não recebem recursos de nenhuma natureza para projetos. Não têm mais janelas de atuação com alunos. Se fizerem trabalhos nas comunidades, terão que utilizar seus proventos hoje diluídos, e com esforços sobre-humanos diante de alunos que aprendem, com a sociedade atual, que o pensamento crítico é perigoso; as artes são perniciosas; é pecado ser contestador, criativo e observar os acontecimentos por conta própria. Que até ler ivros não especificamente religiosos pode ser pecaminoso e digno de castigo.

Atualmente, os animadores culturais contam com a sorte (como é efetivamente o meu caso) de terem uma direção escolar que os ajude no possível. Que entenda seu trabalho e o defenda contra quem os vê com maus olhos, ironiza sua invisibilidade no sistema e quer transformá-los em ajudantes de suas funções no local de trabalho, o que nenhum profissional de cultura deve aceitar. Sorte a minha e de poucos colegas, que não passamos por isso.

Para 2026, preparo um projeto fotográfico não só para os alunos, mas para toda a comunidade, de ensaios fotográficos dignos de resgate da auto estima. Realizarei nossa Feira Literária com muitos escritores/escritoras convidados, e mais uma vez apoiarei a realização do Festival Mageense da MPB. Manterei a sala de animação cultural com jogos de mesa, exposições de obras dos artistas de nosso município e darei oficinas pontuais de texto e origami.

Tenho certeza, de antemão, que poderei contar com os nossos diretores Luiz Roberto e Thales, a sua equipe (Juliana e Jaciele), os professores (na medida do possível, pois estão sempre abarrotados de trabalho) e os demais colegas dos outros setores da unidade escolar (secretaria, departamento pessoal, biblioteca, manutenção, inspeção de alunos, cozinha, portaria...), porque são todos fundamentais para meu trabalho.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

Das liberdades que prendem

Demétrio Sena - Magé 

O excesso de liberdade sem sabedoria pode nos tornar escravos de um futuro incerto, quando não desastroso. Passados mal resolvidos por falta de acabamentos costumam aviar boletos vivenciais que não temos como pagar. Os códigos de cobranças da vida são implacáveis com quem não sabe viver. 

Saber viver é algo muito conceitual e rotativo. Quem acha que pode fazer tudo e tem todas as liberdades, deve ter um projeto sóbrio, maduro e consistente, para não cair nas armadilhas de um engano sombrio. Armadilhas postas pelos próprios atos e por pessoas que sabem se aproveitar das fragilidades dos que acham, equivocadamente, que "estão com tudo".

Todo ser humano precisa desse equilíbrio, para sobreviver a si mesmo. Para jamais perder o rumo e ficar sem teto, chão e paredes, pelo quanto pensa que se livrou de todos... até de si mesmo, crendo não precisar de um limite, uma base, um apoio existencial. Nossa essência carece de um invólucro; o espírito tem que ter corpo. Não há recheio sem casca.

Se queremos voar, é essencial termos de onde para onde. Ou não será um voo; será um salto no escuro; no precipício de nossa inconsequência. Sejamos livres o suficiente para repensarmos, quando for necessário, nossos conceitos intermináveis de liberdade. Cuidado; ela pode nos algemar em pleno salto.
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terça-feira, 9 de dezembro de 2025

O Zôto

Demétrio Sena - Magé 

Com sessenta e poucos anos de idade, ainda não conheço pessoalmente o tão famoso Zôto. Mantenho com ele uma relação de raiva e medo, mesmo sem conhecê-lo, desde a mais tenra idade.

A primeira pessoa que me falou do Zôto foi minha mãe. Ela fazia, repetidamente, os mais diversos avisos relacionados a ele: "Filho; nunca pegue nada do Zôto". "Cuidado; mexer com o Zôto é perigoso". Eu tinha medo. A raiva, era quando minha mãe protegia o Zôto, como se ele fosse um filho. E filho preferido: "Tenha pena do Zôto; não faça com o Zôto o que você não quer que o Zôto faça com você."; "não perturbe o Zôto, porque o Zôto trabalha e quer descansar.".

Depois de minha mãe, eu já marmanjo, vieram os Zô... digo; os outros: Aí as recomendações se multiplicaram como piolhos em cabeleira suja: "Cuidado com a mulher do Zôto!"; "pense no Zôto, você não é melhor do que ninguém!". O Zôto é isso; o Zôto é aquilo; o Zôto não tem culpa; "coração do Zôto é terra que ninguém conhece"; "deixe o Zôto sossegado"; "não faça nada para ferrar a vida do Zôto"... "Cada um é o que é; ninguém pode querer imitar o Zôto".

Não quero mais conhecer o Zôto. Estou de bem comigo e com a própria vida. Sigo meus sonhos, ora viaveis, ora não, mas a vida é minha; os sonhos são meus; o Zôto não tem nada com isso.

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domingo, 7 de dezembro de 2025

Pregação de Ateu - ou clamor de pedra

Demétrio Sena - Magé 

Se você procurar na Bíblia um apoio para qualquer perversidade, certamente achará. Serão fartos os conselhos para desprezar afetos, menosprezar os necessitados e jamais perdoar alguém, ou "perdoar" assim, entre aspas, continuando inimigo velado. Armado contra o "vai que...". Em um todo, encontrará muitas máximas para ofender pessoas, classificá-las conforme o seu rancor, seu preconceito e o fanatismo próprio de quem "não muda". Nas leituras do Velho Testamento as justificativas para não se sentir mau são profícuas. É só você contextualizar e/ou distorcer, conforme a maldade, o veneno do seu coração.

Mas a Bíblia também tem bons conselhos; máximas capazes de lhe fazer repensar sua ira, seu desejo de fazer o mal ou soltar a mão de meio mundo. Se você é cristão, por exemplo, desapegue-se um pouco do Velho Testamento bíblico e faça uma visitinha ao Novo Testamento, ao livro da graça, fundamentado na razão do cristianismo, que é Jesus Cristo. Cristo fala de amor, perdão incondicional, fazer o bem sem olhar a quem. E o Apóstolo Paulo, queridinho dos evangélicos, em especial; convertido após entender a mensagem de Cristo, seu contemporâneo, é enfático sobre ser o doente quem precisa de médico... o abandonado, de acolhimento... quem errou, de perdão, e por aí vai, muito além das palavras.

Se existe uma nova constituição, é porque a velha já não contempla os novos tempos. Virou acervo de pesquisa; inclusive, para fazer entender as mudanças. E se os livros didáticos mudaram, é porque o mundo mudou; a realidade não cabe mais entre os novos ensinamentos. O Novo Testamento bíblico substitui o Velho, que hoje vale como consulta, entendimento do que levou ao Novo e discernimento dos erros daquele tempo. Os cristãos cascudos precisam deixar de desejar para quem não os segue, o novo dilúvio, as novas pragas, novas iras divinas que destroem tudo e transformam pessoas em estátuas de sal.

Precisam, sobretudo, deixar de crer e sonhar que o Possível Deus acabará com a raça de qualquer pessoa que os magoe ou dará permissão para que eles mesmos façam issso. Não; este texte não é mais um Testamento; é apenas o que pensa um simples ateu que, Possivel Deus à parte, admira profundamente a figura do ser humano Jesus Cristo e seus ensinamentos sobre amor ao próximo, perdão (não apenas sete vezes, mas setenta vezes sete), paz e aceitação do outro, com todas as suas "outrices". Senhores cristãos; desapeguem-se da velha lei das desgraças e aceitem, de uma vez por todas, o tempo da graça. 

Ah; e tentem esquecer, também de uma vez por todas, aquele capiroto - agora preso - que virou os cristãos deste país de ponta-cabeça... instituiu a lei do ódio, da fraude, a notícia falsa... e tirou do capiroto original o status de pai da mentira, das desavenças e da fome de poder, para distribuir entre seus milhões de seguidores. Ou fiéis. Ou discípulos. Ou sabe-se lá mais o quê. 

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sábado, 6 de dezembro de 2025

Poeta no Confessionário

Demétrio Sena - Magé 

Nunca fui o tipo de poeta que participa de concursos de poesias. Poesias para concursos têm que ser gritadas; conter muitas exclamações, interrogações e palavras de ordem, nas formas de clichês. Ser muito românticas e passionais... ou sobre a natureza, igualmente passionais. Nos protestos, não podem ser profundas, racionais, daquelas que atingem os nervos das questões sociais mais polêmicas: o racismo, a misoginia, lgbbtfobia, injustiças sociais, a miséria e a distribuição de renda. Se essas questões forem temas, que eles sejam de passagem; sem aprofundamentos; com linguagem rasa e à base do "somos todos iguais diante de Deus!"; "vamos orar e ter fé!". Tudo gritado e de festim; com muitos fogos de artifício.

Não sei se minha poesia é boa ou ruim. Só sei que não explode no céu dos concursos. É como seta silenciosa que resvala na escuridão. Ela não é detonada com pompa e com circunstância, e sim, deixada no vácuo para ser encontrada por quem olha o chão e se propõe a decodificar o achado; interpretar entrelinhas e aceitar desafios interpretativos de vida e sociedade. Minha poesia não é imposta; não ameaça júris com apupos de plateias impressionadas. Ela se propõe calmamente, sem provocar delírios ou apelar para efeitos pop, reluzentes, panfletários e sob a faixa do engajamento emergencial. Do grito de guerra que o modismo impõe.

Boa ou ruim, acusam minha poesia de ser ardilosa; puxar quem se detém. Funcionar como alçapão que prende, até seu contexto ser interpretado. Fazer perder tempo com reflexões, em tempos de correria. Mesmo curta como sempre chega, requerer muitas pausas, perguntas íntimas e silêncios demorados. Muitos pensam que ela diz o que não diz, e nao raramente alguém se sente flagrado por por um verso. Daí a pergunta: Isso foi para mim? Daí a dúvida; o que esse poeta sabe a meu respeito, se nunca lhe confidenciei meus conflitos íntimos, minhas mazelas secretas? Não. Os meus poemas não são para concursos; eles afrontam concursos e avaliadores. E não; não quero arrogar que sejam "ór concur". São é mesmo inconcursáveis.

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quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

AOS LEÕES

Demétrio Sena - Magé 

Ninguém quer se meter no que mais devia. Não se imiscui, por exemplo, em um caso de abuso a uma pessoa vulnerável... em uma dessas covardias que se tornaram comuns e toleradas. É sempre como se fosse algo explicável por quem faz, porque a sociedade (sei que sou a sociedade) normalizou.

E ninguém quer se meter no preconceito explícito manifestado em uma loja, em um clube, uma escola. O tal do "não ter jeito" é uma velha e confortável explicação que decola das bases do egoísmo instituído pelo silêncio em massa. Pelo não ter nada com isso, porque "não é de minha conta".

É de nossa conta, sim. Temos tudo com tudo que nos torna a espécie mais fria do planeta. Que nos põe nessa conveniente sarjeta moral. Nesse porto seguro do "já pagamos nossos impostos para o poder público resolver essas questões", como se tais questões não fossem humanas; apenas políticas.

Não há como não concluirmos que somos esta ruína inestimável. Esse caos borbulhante que se acotovela em uma solidão superlotada. Somos uma filial dos escombros mais sombrios que tricotam seus fios em crendices inúteis. E jogamos aos leões, aqueles que mais precisam do nosso acolhimento.

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quarta-feira, 26 de novembro de 2025

CLÁUDIO CASTRO E SUA POLÍTICA PANFLETÁRIA

Demétrio Sena - Magé 

Tira barricadas; põe barricadas... tira, põe; põe, tira. É um carrossel sem fim. Uma ciranda que se afigura interminável, porém, sempre nasce pré-datada para momentos muito convenientes aos que a promovem. No fim das contas, com ou sem barricadas, o crime não dá trégua e a bandidagem segue o seu fluxo notoriamente crescente, como no Rio de Janeiro. Jamais decrescente. As explosões de violência evidenciam que as ações letais (também para os cidadãos) do governo Cláudio Castro são todas panfletárias, eleitoreiras e desastrosas em seus resultados. 

Há um tom de brincadeira entre o poder público estadual e a bandidagem do Rio de Janeiro. Como se o governo, via polícia, combinasse com os chefões do tráfico e das milícias: "Vocês nos oferecem sacrifícios, alguns resultados dignos de mídia, e nós não atacamos a base, o cerne, ou seja; vocês". Com isso, o governo faz barulho, atrai e contrata mídias, e a bandidagem "faz sua parte": Cedendo "cordeiros" (bandidos menores que topam tudo e morrem na linha de frente), facilitando apreensões e fingindo perder a "guerra", até o prestígio eleitoral do governo se recuperar.

Nessa campanha sórdida, estão envolvidos empresários na expectativa de privilégios... Ongs e outras entidades privilegiadas em editais... grupos específicos ligados ao poder público e igrejas. Igrejas são as mais privilegiadas, nas pessoas de seus líderes. Os membros, as pessoas simples - massas de manobra -, vivem da ilusão de poder sobre quem eles julgam pecadores e sobre os grupos religiosos minoritários, onde a promessa eleitoral não apresenta números tão expressivos.

O que pode realmente combater o crime é a inteligência que o enfraquece financeira e socialmente. É a investigação que alcança e prende os criminosos. Aquela que, quando os mata, é por absoluta necessidade. Não por política de matança indiscriminada, pois essa matança também inclui a população trabalhadora, simples e inocente. Matar inocentes não é política pública honrada. 

Quanto aos índices de criminalidade pós-matança recente e pós-barricada zero, você pode correr o risco de averiguá-los, caso tenha coragem: entre naquelas comunidades, com ou sem barricadas, com ou sem os bandidos abatidos naquele tiroteio, e tente sair. Vá regularmente ao Centro do Rio de Janeiro pela linha vermelha ou qualquer outra via, sem levar o coração na mão. Não seja hipócrita. Elogie, mesmo, a política de segurança do Cláudio Castro e tente não fazer como aqueles fiéis que oram para parar de chover e depois saem: cada um com o seu guarda-chuva em mãos, evidenciando aquele bom e velho "por via das dúvidas".

Acreditamos muito fácil, no fácil. Na eficiência do imediatismo e do barulho. Na brabeza de festim dos políticos que precisam, desesperadamente, recuperar prestígio. Nas promessas de, pertinho do início das campanhas eleitorais, acabarem em poucos dias com o que deixaram ser construído por muitos anos. Cultuamos a política do enfrentar a bandidagem com bandidagem pior. 

E agora, como forma de contribuição para fomentar ainda mais as desigualdades que fomentam o crime, nosso governo decidou aprovar, nas escolas públicas, alunos que não aprendem nada e são reprovados em várias disciplinas. Lá na frente, na hora da disputa desses alunos pelas oportunidades de trabalho, é que a sociedade verá, mais uma vez tardiamente: cada vez maiores explosões de violência, via criminalidade, que o próprio Castro ou outro governo prometerá extinguir em poucos dias, às vésperas das campanhas. E o povo? Ah, o povo... cada vez mais povo... sempre!

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segunda-feira, 24 de novembro de 2025

DE QUEM NÃO GOSTAVA DO LULA

Demétrio Sena - Magé 

Por muito tempo, não prestei atenção no Lula. Eu tinha grande fascínio pelo Leonel Brizola, como tenho ainda, em memória. Queria vê-lo presidente do Brasil, e como ele e o Lula formavam um racha na esquerda política deste país, o Lula era um pessoa não grata para mim. Só por isso. Ele Atrapalhava o Brizola, que não era de jogos de cintura. Não compunha com quem não descesse redondo em sua garganta, por mais que isso lhe garantisse a eleição. 

Lula sempre foi mais esperto e flexível, como hoje sei que é preciso, mesmo a contragosto, se a pessoa ou grupo desce minimamente; mesmo arranhando a garganta. Brizola jamais seria presidente, por excesso de brio pessoal; por uma honra jurássica, endurecida, que sempre admirei em qualquer pessoa, mas, em política, é garantia plena do insucesso eleitoral. As urnas exigem uma sabedoria ferida e rascante, para depois delas o eleito, se for um político de honra, surpreender as parcerias de má fé com uma gestão digna; fértil; producente.

Comecei a observar e admirar o Lula exatamente a partir de sua "paixão e morte" política (da qual depois ressuscitaria), culminando com a sua prisão, embora já tivesse votado nele, na falta do Brizola. Naquele dia em que a Polícia Federal foi buscá-lo em meio à multidão, a militância presente não cometeria excessos como os bolsonaristas, mas, estava disposta (e seria possível) a impedir que ele fosse levado. Porém, Lula simplesmente pediu calma e seguiu com serenidade. Se houvesse uma cruz, acho que a pegaria voluntariamente, para levar até a prisão. 

Eu vi aquilo. Achei muito digno. De uma honra à altura do Brizola, que também não fugiria nem incitaria o povo a ser violento em seu favor. Amei aquele gesto, aquela expressão e o silêncio que dizia tanto, através dos olhos que as câmeras mostravam tão de perto, porque não havia como não fazê-lo. Era um olhar simbólico e profético; dava como certo que não era o fim. As pedras daquele túmulo simbólico logo seriam removidas pela história.

Na prisão, Lula se dedicou a ler. Leu muito. Livros de sociologia, ciências políticas, filosofia, e também jornais, revistas, tudo o que pudesse mantê-lo conectado com o mundo externo, a realidade, as mudanças do país que ele ainda governaria pela terceira vez. Para isso, confiou nos advogados e na justiça que, mesmo injusta, logo teria que se render aos fatos, à comprovação de sua inocência e à conspiração das voltas que o mundo dá. Também o admirei, quando, diante da chance de cumprir pena domiciliar com tornozeleira eletrônica, ele preferiu o regime fechado; não aceitou essa "barra-da-saia prisional", com a seguinte resposta: "Quem usa anel no pé é pombo; eu não sou pombo".

Nenhuma trama foi ensaiada. Nenhuma conspiração partidária. Qualquer incitação à violência popular ou armação politiqueira com deputados, senadores, empresários poderosos do comércio, da indústria e do agro. Nada foi feito por caminhos duvidosos. Tudo pelas trilhas da lei, da investigação processual, da paciência e da esperança desse cidadão e político ocidental de plena sabedoria oriental.

Não tenho palavras pragmáticas nem clichês para definir o que não é técnico nem populista. Meu texto não é intelectual; tem observações inspiradas em uma trajetória que não se explica pela política partidária nem pela sociologia crua e seca de quem estuda pessoas como se dissecasse um sapo, visando análises acadêmicas frias e diretas.

Com defeitos a balde, como qualquer ser humano, Lula não tem, entretanto, a contaminação da covardia. Do "dedo no olho" em uma luta nem dos truques capazes de utilizar multidões ignorantes ou em situação de vulneranilidade para se dar bem sozinho. Nunca pediu Um Centavo dessas pessoas, para fortalecer suas condições de conspirar contra os opostos e o próprio país, com a única intenção de se perpetuar no poder máximo da nação brasileira.

Repetir tudo o que Lula já fez como político, especialmente como Governo Federal, é chover no solo encharcado. Também não preciso dizer que reconheço que ele deixou de fazer muita coisa. Mas a comparação entre ele e qualquer governo que passou pelo Brasil, somada à sua dignidade pessoal e à paixão pela democracia, pelas igualdades racial, religiosa, social e de gênero me fazem, sim, admirá-lo como a poucas pessoas... famosas ou não. 

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terça-feira, 18 de novembro de 2025

POLÍTICA RELIGIÃO E JOGO

Demétrio Sena - Magé 

Quando peso a letra em meus textos sobre política e religião, assuntos intrinsecamente interligados, ao se tratar de cristianismo e extrema direita, não me preocupo com os ofendidos. Há muitos não ofendidos, que são aqueles cristãos de pensamento livre, conceitos próprios e bom senso. Cidadãos que são de esquerda ou direita, mas não extremistas. Não violentos. Que pregam amor e não vivem ódio; separam o cidadão político do ser humano religioso. Entendem e amam as diversidades e fazem o bem, mais do que julgam; acolhem mais do que têm preconceito e não criam divisões raivosas na igreja, baseadas em quem vota em quem, especialmente nos pleitos presidenciais.

Existem esses cristãos. Até líderes assim existem. Não são a regra, e sim a exceção, mas existem. Pessoas que sabem quais são os atos e assuntos próprios da religião e quais são os outros assuntos, porque tirando a fé, a religiosidade, a caridade cristã e o amor igualitário entre todos, tudo o mais é terreno. São assuntos de cidadania e todas as escolhas são de foro íntimo, intransferível, como foi a escolha entre ser ou não ser cristão. Por isso, quando critico a corrupção dessa mistura das questões, sem "marcar" pessoas em rede social, para forçar leituras, deixando à vontade para quem escolher entrar nas minhas publicações, meu coração fica leve. A mente, livre de culpa.

O que faço não é impor, como a maioria tem feito em nome das igrejas, ao promover cancelamentos e separatismos internos. Oprimir os que pensam diferente sobre política, cidadania e cultura... chegando ao ponto de "convidar" membros a se retirarem do meio, como fizeram com um amigo e parceiro autoral, por ele se declarar livremente um eleitor de esquerda e não ficar quietinho em seu gueto igrejal, como as elites cristãs em qualquer igreja impõem aos que aceitaram o ícone Jesus Cristo como salvador de suas almas e não o líder maior da extrema direita. Proponho reflexões. Deixo-as para quem quiser pelo menos pensar no assunto, sem qualquer intervenção pastoral.

Há muito tempo não surge um, porém, já tivemos alguns bons presidentes de direita. A questão não é só a margem política; é ser extremista, fundamentalista raivoso, inquisitorial, e pôr a religião no centro de um jogo sujo. De uma guerra. De um vale tudo que põe por terra os ensinamentos específicos da fé ou da crença. TODO religioso ou não religioso, como eu, é um ser social e político. Mas esse ser social e político é desvinculado da escolha religiosa ou profana. Lembram do "a César o que é de de César e a Deus o que é de Deus"? Isso ainda está escrito ou o congresso e o senado extremistas criaram lei para retirar a folha que tem esse trecho, do Novo Testamento? Reflitam. Tão apenas reflitam.
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sábado, 15 de novembro de 2025

CURSOS QUE SAEM DO PERCURSO

Demétrio Sena - Magé 


Quem faz estudos ou cursos de áreas humanas da psique, deveria se tornar mais humano. Seria normal dissipar preconceitos, olhar o mundo com mais compreensão e abertura e ficar mais próximo das pessoas de todas as naturezas. Acolher como ser humano e com plena serenidade, a todos os comportamentos, etnias, filosofias, crenças, olhares pessoais, entendimentos e conceitos. Manter-se como pessoa não sufocada pelo certificado.

Tem acontecido o contrário, porque os estudos e cursos dessas áreas vêm sendo encampados pelas religiões cristãs. E tais religiões não são comprometidas com o ser humano. Elas são comprometidas apenas com o ser corporativo e a pessoa religiosa ou obediente à religião... o indivíduo que se fecha em copas em relação ao mundo e sua maravilhosa diversidade.

Esses estudos e cursos, ministrados por líderes cristãos, têm os vícios da inquisição nos moldes do cristianismo moderno, que obedecem minimamente às leis destes tempos. São eivados de preconceitos, ideias separatistas e conselhos sobre cancelar pessoas desatadas, voluntariosas, de conceitos próprios. Ao invés de aproximar os cursandos do ser humano diverso, amedronta-os; afasta-os. Torna-os eremitas coletivos, enfiados em uma bolha onde são todos iguais e ninguém corre o risco de ter o outro como um desafio à sua humanidade.

Perde o seu tempo e não se forma em nada que não seja mais uma ovelha cheia de informações técnicas distorcidas, quem faz estudos ou cursos nessas áreas humanas, nos limites da igreja. A exceção é aquela pessoa capaz de se blindar contra os vícios do ensino engessado e absorver apenas os ensinamentos próprios desses cursos cujo fundamento não é a espiritualidade, mas a psique; a alma humana em sua mais profunda e terrena humanidade.

Blindar-se a tal ponto e separar o aprendizado real dos aconselhamentos pastorais enfiados como venda casada nos conteúdos pertinentes é algo quase impossível. Só quem consegue fazê-lo pode se orgulhar do certificado que recebeu. Quem não consegue (a grande maioria), será mais uma ovelha que terá eternamente como amigos, outras ovelhas fáceis de conviver... e como pacientes, outras ovelhas fáceis de apascentar.
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MEU PRÓXIMO

 


quinta-feira, 13 de novembro de 2025

FALAR BEM É DO BEM

(sobre religiões de matriz africana)

Demétrio Sena - Magé 

Nunca vi um umbandista, candomblecista ou qualquer outro religioso dessa linha, gritando em uma condução enquanto eu tento ler um livro, cochilar um pouco ou simplesmente apreciar em silêncio a paisagem do percurso. Ninguém verá um religioso de matriz africana em praça pública, quebrando o sossego e obrigando a todos ouvir louvores, pregações e preces que não querem. Eles conhecem o sentido de "não é por força nem por violência, mas, pelo espírito".

Nenhum religioso dessas vertentes quebra templos e objetos sagrados do cristianismo. Não agride nas ruas, física ou verbalmente, a quem não tem a mesma fé; não acredita nos mesmos sagrados. Jamais afirma que este ou aquele indivíduo vai queimar no inferno. Cada religioso crê, realmente, que a sua crença é a ideal, mas o religioso de matriz africana respeita quem pensa e crê diferente e trata a todos com igualde, respeito e ética. Evidentemente, há exceções, mas no caso desses religiosos, de fato são exceções. Não é a regra eles serem prepotentes, preconceituosos, furiosos, bufões e pretensos donos da verdade.

Faltou dizer que as religiões afrodescentes nunca tentaram tornar lei (por força e violência) o ensino de suas doutrinas nas escolas, mesmo quando era certo que teriam sucesso. Vale também dizer, antes que alguém pule, que aquela aplicação de estudos de africanidades (nunca respeitada) nas escolas não passa pela doutrinação religiosa. Trata-se de história, pelas perspectivas que sempre foram suprimidas pelas versões engessadas impostas.

O que realmente conheço dos religiosos de matriz africana são a postura humilde, a discrição, o respeito pelo espaço e o direito alheio a culto em seus respectivos templos e congregações. Conheço deles o tratamento igualitário; a disposição de ajudar seu próximo sem cobrar dele a conversão. A ausência do julgamento banal, da maledicência, do arrombamento da sociedade e do alinhamento corrupto com o poder político, para dominar o cenário religioso.

Esta prosa não fala mal de ninguém. O que acaba de fazer é falar bem de alguém. Falar bem é do bem, embora muitos não concordem, se o alvo não for da mesma "facção". Também não estou dizendo qual é a "facção". Nem precisaria dizer, se quisesse. Como nem é preciso dizer que não tenho religião, porque não creio em sagrados... mas no que tange a regra corporativa e pessoal, sempre tive grande admiração pelos religiosos de matriz africana. 

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terça-feira, 11 de novembro de 2025

AS DUAS MARGENS DA INTRIGA

Demétrio Sena - Magé 


Você - não importa quem seja: por acaso já procurou aquela pessoa por quem sempre teve muito carinho e grande admiração, para perguntar, olhando nos olhos, se é verdade o que alguém lhe disse dela, em relação a você? De negativo, é claro; afinal, não conheço ninguém que faça intriga positiva. Mexeriqueiros do bem, se já existiram, são uma espécie extinta ou extremamente rara entre nós.

Não. Não procurou. Apenas deixou de ser a pessoa que era, com alguém especial para você, até então, por causa de um indivíduo reconhecidamente peçonhento, cujo maior prazer é formar uma rede de manipulados em torno de si. Formar ao mesmo tempo, redes de cancelamentos para quaisquer pessoas que ponham em risco sua construção fraudulenta de notoriedade pessoal. Um indivíduo que mal olhou para você, enquanto falava pelos cotovelos ou sussurrava covardemente.

Na verdade, esse indivíduo não é o único mexeriqueiro dessa história. Você também é. A intriga (ou o mexerico), igualzinho à corrupção, tem o lado ativo (de quem a pratica) e também o passivo - de quem escuta sem reação, questionamento nem consulta corporal: do olhar, da gesticulação, a respiração, o tom de voz, para depois consultar a vítima, que tem direito à própria versão, mais do que a pessoa que lhe manipulou e ofereceu uma zona de conforto: o silêncio injusto. Mais fácil do que apurar fatos.

Sinto muito por lhe dizer, mas você é um mexeriqueiro(a) passivo da pior espécie. Tão asqueroso e covarde quanto o mexeriqueiro ativo. Merece mesmo trocar o carinho, a sinceridade e a ética de alguém que nunca lhe pôs contra outra pessoa (isso mostra quem é quem) por uma criatura que ainda vai pôr alguém contra você, como pôs você contra quem nem sabe o que aconteceu.
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sexta-feira, 7 de novembro de 2025

BANCO DE RAZÕES

Demétrio Sena - Magé 

Deixo-me usar, abusar, ser preferido, preterido e tratado conforme as conveniências ao meu redor... e faço questão de parecer bobo. Muito bobo. Acho até que não pareço. Realmente sou bobo, dentro dos limites do suportável, sendo que os meus limites costumam ser bem generosos... bem longânimos.

É me deixando usar, abusar, ser bem e mal tratado por seja quem for, que faço meu banco de razões. Da mesma forma que trabalhadores têm seus bancos de horas (nem sempre respeitados pelos patrões), ao trabalharem além de suas cargas horárias. No meu caso, quem administra o meu banco sou eu. E tenho como critério deixar que os acúmulos, com juros e correção, deixem bem evidente o meu crédito, entre somas e subtrações, quando resolvo dar um basta.

Sinto-me confortável... com um extrato pesssoal de causas bem positivo, para explicar as razões de meus afastamentos, esfriamentos, as minhas mudanças comportamentais. No fim das contas, é compensador não ter reagido precipitadamente. Não ter me queixado logo nos primeiros abusos, nas primeiras "esnobadas", os primeiros "chega pra lá", ou já nas primeiras exploraçãos de minha boa vontade, sem o menor sinal de um reconhecimento posterior.

Sempre tive como explicar a mim mesmo, ao deixar de nutrir um afeto especial ou admiração profunda por alguém. Quando estou prestes a recuar do brio finalmente ferido, é só puxar o extrato negativo. Conferir quantas vezes esse alguém me frustrou, abusou, preteriu e me tratou como um ser humano invisível. 

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quinta-feira, 30 de outubro de 2025

"FOI UM SUCESSO"

Demétrio Sena - Magé 


Referindo-se à operação policial mais nefasta que o Rio de Janeiro já vivenciou, com mais de cento e trinta mortos, o governador Cláudio Castro parecia falar de um show. Para ele, foi. A evidência do caos, a exacerbação da força e a desorganização que disseminou o medo, a insegurança e o luto foram as marcas de uma operação mais política do que policial, visando o desgaste do presidente Lula e a recuperação de prestígio popular do governador Cláudio Castro, com o seu eleitorado bolsonarista. 

Mesmo que a operação tivesse realmente sido bem sucedida, o que não foi, em razão dos "efeitos colaterais" desumanos, "foi um sucesso" é uma fala cruel. Onde os direitos humanos foram desrespeitados e a ordem foi "meter o dedo", só há motivos para lamento. Nem as quatro mortes de policiais foram respeitadas pelo governo e sua equipe, na conotação de sucesso e a declaração de que "os efeitos colaterais foram mínimos". Carnificina não é sucesso. Guerra não tem tem triunfo. Tem vencedor, mas não tem triunfo, porque mesmo quem vence deveria lamentar o rastro de mortes, em respeito às famílias.

Sucesso é uma campanha esportiva, cultural, comercial, publicitária ou outra, bem sucedida. É conquistar um emprego, uma vaga na universidade, ganhar um campeonato, um concurso, torneio, vencer na vida com trabalho e honestidade. Considero sucesso, alguém salvar uma vida, gerar uma reflexão coletiva. Matar, mesmo como combate ao crime, não é sucesso. Pode ser um mal necessário (não com tanta violência, premeditação e desproporcionalidade), mas não um sucesso a ser festejado.

Mais de cento e trinta mortes, que não haveria em uma operação inteligente, não são exatamente um efeito colateral. Esse efeito colateral foi maior do que o resultado que seria ideal em uma sociedade civilizada (as prisões e apreensões). Mas, talvez para o poder público estadual seja mesmo isso. Como queriam eliminar a todos, as prisões e apreensões ficam, essas sim, entendidas como o efeito colateral. As mortes de pessoas que não estão sendo identificadas, o sucesso da operação.

Não defendo bandidos. Quero todos presos, punidos, impossibilitados de fazer vítimas. O que me causa espanto e indignação é que uma ação policial de alta letalidade seja vista como uma festa. Entrar, matar e sair para que o crime se reorganize e depois o poder público volte a entrar, matar e sair, porque isso dá mídia imediata e voto. Já observaram que tais operações são realizadas às vésperas de campanhas eleitorais e quando os governos estão em baixa nas pesquisas de aprovação popular?

Faltou dizer que sucesso é o tratamento ou a cirurgia que vence a doença. É aquela vida que um bombeiro salva em situação de perigo; aquela que um policial também salva, na defesa imediata de um cidadão. É a pacificação de uma comunidade, com a permanência da polícia, nela. É, ainda, uma investigação criteriosa, que termina com o desmantelamento do crime organizado, de cima para baixo, sem penalizar tanto, a população como um todo. Show macabro de cadáveres expostos não é um sucesso.
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quarta-feira, 29 de outubro de 2025

A TRAGÉDIA DO PODER PÚBLICO DESORGANIZADO

Demétrio Sena - Magé 

Entrar, matar e sair é a política de segurança do governo do Rio de Janeiro, de São Paulo e outros Estados do Brasil. Entre a saída e a volta pré-datada em vez de uma ocupação permanente, o crime parcialmente combatido se reorganiza. Aqui no Rio de Janeiro, a matança de mais de 130 pessoas (64 oficialmente, trinta corpos que hoje foram recolhidos e mais vinte que chegam agora, 8h26min., conforme vejo em noticiário de tevê). 

A forma desorganizada, brutal, sem nenhum projeto e qualquer cuidado com a população, mostra dois objetivos injustificáveis bem definidos: o desgaste do governo federal - que não soube previamente, não foi consultado nem recebeu solicitação de apoio -, e a formação de vitrine para o próprio governador Cláudio Castro, visando a futura reeleição. Para esses objetivos, a criação do caos e a instituição do vale tudo são apresentadas como demonstrações de coragem; heroísmo; determinação.

Existe uma fala estruturalmente preconceituosa, mas muito vezeira, entre todas as camadas populacionais, que diz: "Nem todo mundo na favela é bandido; tem muita gente honesta e trabalhadora", quando é o contrário; nem todo mundo na favela é honesto e trabalhador; tem muito bandido. Em outras palavras, a grande maioria nas favelas é de gente honesta e trabalhadora, mas a bandidagem domina com armamento pesado, ameaças e ordens. E é com o pensamento estruturalmente preconceituoso que o poder público, via polícia, invade os complexos e favelas, como se gente honesta e trabalhadora fosse minoria, e sendo assim, suas mortes fossem apenas efeitos colarerais insignificantes.

Em um todo, não houve política de segurança pública nessa mega "batida policial", e sim, um projeto eleitoral macabro que visa desqualificar o governo federal, não importa como, porque as pesquisas eleitorais "acendem um alerta". O noticiário continua somando corpos e o governo do Rio de Janeiro mete os pés pelas mãos em suas declarações públicas sobre ter metido os pés pelas mãos nas ações policiais e nas declarações de ontem, sem nenhum respeito aos moradores do complexo.

Pergunto-me se todos os corpos recolhidos são de bandidos, mesmo. Se não há corpos de pessoas trabalhadoras, honestas e simples, que tentaram fugir de suas casas. E se há, o que para mim é muito provável, suponho que não saberemos. Pelo menos com exatidão. Quero ressaltar que a minha preocupação neste momento não é com uma das esferas ou ideologias do poder público. É com os moradores dos lugares em questão. 

E me preocupo sempre, com a existência das cabeças e os corações ruins de quem defende a truculência oficial que mata indiscriminadamente. São as mesmas cabeças, os mesmos corações que louvam o genocídio em Gaza e os ataques nefastos dos Estados Unidos a embarcações não verificadas, em águas internacionais. A maioria, cabeças e corações de quem canta "Vem com Josué lutar em Jericó" ou "Caminhando eu vou para Canaã".

Corpos continuam se acumulando e a polícia já dá sinais de que se retira. E como só uma facção foi alvo da operação (que deveria ter sido inteligente, para prender), logo saberemos qual terá sido a troca de comando: se outra facção das muitas existentes ou alguma milícia que assiste a tudo e já se mexe para ocupar o vácuo não ocupado pelo poder público, que entra, mata e sai.

Meus sentimentos às familias dos inocentes vítimas e às famílias dos policiais mortos... e minha solidariedade a todos os moradores inocentes que convivem com a violência diária de onde moram e vivenciaram ontem essa brutalidade. O poder público desorganizado não tem como vencer o crime organizado.

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Imagem: CNN Brasil - aquarelada 

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terça-feira, 28 de outubro de 2025

VARIAÇÕES SELETIVAS DE TRATAMENTO

Demétrio Sena - Magé 


Quem hoje lhe trata bem; amanhã, mal; depois com indiferença ou de qualquer maneira, não é assim com todos. Ninguém intervenha com "deixe pra lá, ele (ou ela) é assim mesmo". Não é. A forma de tratamento que alguém dispensa vem do status do interlocutor; da provável relação hierárquica; formação acadêmica e possível dependência de última hora, desse alguém, ou a previsão dessa possibilidade.

Mesmo com possíveis problemas ou síndromes emocionais ou psíquicas comuns, inerentes aos cidadãos e cidadãs destes tempos, uma pessoa pode estar triste, hoje; alegre, amanhã; calma, neste momento; agitada, no dia seguinte... mas, a sua educação será sempre a mesma e não dependerá do que aconteceu em outro ambiente, com outras pessoas. Sua gentileza, consideração, humanidade ou prontidão afetiva não se abalará. A compreensível variação de humor ou comportamento não demanda variação de caráter ou índole. Esteja como estiver o íntimo dessa pessoa, ela sempre será a mesma pra você, como é pras pessoas a quem admira, e por isso as respeita em quaisquer circunstâncias.

O que faz alguém variar o tratamento que lhe dispensa, sem levar também em conta o seu estado pessoal, somente o próprio, não tem fundo psíquico/emotivo. Certamente, não incluo nesta reflexão, pessoas portadoras de sérias e realmente profundas complicações ou patologias. O que ocorre nas relações interpessoais, que faz alguém escolher a quem sempre respeita, considera, trata bem... e a quem trata como lhe aprouver, tem a previsível medida estrutural de preferência e preconceito.

Não é sobre variações humanas de humor, e sim, sobre a sociedade que nos rodeia. Ao mesmo tempo, sobre as variações seletivas e preconceituosas de tratamento interpessoal, nesta sociedade. É sobre todos nós em relação ao próximo.
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sábado, 25 de outubro de 2025

SOBRE OS EXTREMOS

Demétrio Sena - Magé 


Muitas vezes, dizem que alguém se converte ao evangelho, quando está no fundo do poço. Entretanto, sendo o fundo do poço a coroação de uma trajetória desgraçada, que deságua em um profundo arrependimento, converter-se a uma religião já é o próprio fundo. Mais triste ainda, é a pessoa se unir obrigatoriamente a outra do mesmo contexto de vida, para criar uma prole "perfeitamente uniforme" e depois se vangloriar, dando tapas no próprio peito: "EU criei todos eles dentro da igreja!". 

Em outras palavras, a pessoa conheceu o mundo, viveu, fez as suas escolhas, mas os filhos, talvez os netos, nunca viram a superfície. Foram criados no fundo do poço e, se um dia resolverem buscar a luz da liberdade, serão para sempre ofuscados por um remorso; um profundo sentimento de culpa: o de quebrarem a tradição familiar de pertencer ao fundo do poço, onde o radicalismo do inverso faz idealizar o céu, simulando-o no inferno da própria realidade. Uma realidade fantasiosa, repleta em superstições, medos ou coragens doentias em uma guerra espiritual imaginária contra demônios e pessoas que se tornam demônios, porque são da superfície. 

Há gerações e gerações criadas nesse fundo, imaginando que salvaguardam suas almas e desfrutam do reconhecimento divino que há de coroá-los depois da morte. Como adiantamento, a ilusão de serem guerreiros e guerreiras do "Supremo". Superiores aos seres da superfície - os mundanos. Uma "santidade" que os torna - sem abandonarem as expressões contritas - dispostos a puxar compulsoriamente os "mundanos" para o fundo do poço ou cancelá-los sumariamente.
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sexta-feira, 24 de outubro de 2025

CORAÇÃO INCORRIGÍVEL

Demétrio Sena - Magé 


Sou desses caras ingênuos, ou bobos, que sempre acham que fizeram afetos em determinados lugares. E quando resolvem, chegam cheios de acenos, aos locais, para matar saudades. Com o riso exposto, chamamando as pessoas, em alto som. Só aí percebem, em polegares distantes, sorrisos pálidos e cumprimentos desconcertados, que o afeto é unilateral; não existe a reciprocidade que só os corações bobos acreditam haver, nestes tempos de muita pressa. De muito separatismo, pelas mais diversas questões, das mais profundas às mais fúteis e rasas.

Até entre pessoas com laços consanguíneos está assim. Com pouco tempo de ausência, eventuais retornos têm surpresas como essas: cumprimentos frios, olhares incomodados, ameaças veladas de assuntos que podem criar atritos e a velha imposição do gênero "minha casa, minhas crenças; preferências; hábitos; orientações; visões de mundo, vida, política e sociedade", sem direito a contraditórios. Quase ninguém se alegra por ver o outro; quase ninguém recebe com alegria nem se comporta ou se expressa de forma docemente brega, para mostrar o quanto o outro é bem-vindo... seja ele como for, como ele aja, não importa no que acredite.

É assim nos ambientes físicos, nos grupos de redes sociais e até nas conversas remotas, mesmo entre duas pessoas, por alguma razão que, se não houver, será inventada. "Mudar o rumo da prosa", porque já está "batida" ou desgastada, não vai adiantar. A outra "prosa" será também constrangedora, porque a fogueira dos egos é obrigatória nestes tempos. Mas ainda sou desses caras bobos; que têm uma carga de conceitos nada ou não muito convencionais, e mesmo assim acredita na congregação dos opostos; na união da diversidade; na igualdade sob as diferenças.
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quarta-feira, 22 de outubro de 2025

DAS INJUSTIÇAS CONFORTÁVEIS

Demétrio Sena - Magé 


Há quem ache bem confortável manter um mal entendido com alguém, na condição de atingido. Isso dá bem menos trabalho do que tentar pôr as cartas na mesa, com esse alguém. Tirar a limpo, com toda a sinceridade que a situação exige, principalmente quando se trata de um ente querido. 

Abrir mão do protagonismo, para ser quem procura e precisa dirimir dúvidas, poderá demandar uma conversa franca, de olhos nos olhos, e isso pode causar uma distopia, como também uma situação constrangedora para quem possivelmente já desabafou com terceiros e construiu sua imagem de personagem irremediavelmente ferida.

Essa pessoa pode passar de protagonista a vilã e de quem deveria receber um pedido de perdão para quem deverá pedir, por causa da sua injustiça. Do próprio silêncio que por algum tempo não deu ao outro, a chance da ciência do que houve nem da elucidação, da justificativa e possível defesa.

Correr o risco de perder o seu posto de ofendido ou constrangido, para se tornar a pessoa que ofendeu ou constrangeu, exigirá uma grandeza e uma coragem raras entre os seres humanos. Arriscar-se a reclamar o possível banco dos réus não é para qualquer essência, consciência ou sensibilidade.
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segunda-feira, 20 de outubro de 2025

PRESENÇAS AUSENTES

 


UM ACRÓSTICO EM PROSA

Demétrio Sena - Magé 

Beijam as botas, os coturnos e as mãos assassinas de quem os rege. Ouvem ordens das trevas, que dizem ser da luz, e as cumprem das formas mais rasteiras. Ludibriam ou pelo menos julgam ludibriar a verdade; cultuam mentiras; desinformações; truques levianos. Suas mentes afundam, dia após dia, em um lodo sem fim. Os motins e as conspirações contra seus opostos são constantes. Não encontram os motivos que justifiquem tais atos, mas arrombam portas da sociedade. Abrem fendas; feridas em solos alheios.

Roubam sonhos, odeiam, são separatistas, têm cargas imensas e múltiplas de preconceitos. Instituem seus gritos de comando e cerco aos que pensam diferente, seguem outros padrões ou nem têm padrões. São estercos inférteis das próprias histórias inventadas para forçarem a normalização de suas atrocidades.

Têm a gosma do mal sob a casca, os discursos, as pregações e os louvores do bem. Agem sem um sentido humano, civilizado e inteligível para suas ações truculentas, desarvoradas e com base em um leque de fanatismos religioso, político-partidário e grupal (porque social não definiria o contexto). Seguem velhas orientações de sociedades mumificadas, que o mundo moderno julgava extintas; decompostas em idades ultrapassadas do mundo, que ora parece insano, confuso, e do do próprio tempo.

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domingo, 19 de outubro de 2025

DO CRISTIANISMO PERVERSO

Demétrio Sena - Magé 

Faz muitos anos que o meio cristão não me comove; notadamente, o meio evangélico. Sempre que uma palavra, um gesto, atitude, olhar ou até silêncio me faz refletir ou mexe com a minha consciência de forma positiva, levando-me a repensar sobre algo, geralmente não é de quem prega ou segue o evangelho. 

Posso dizer que, se hoje, alguém me levasse a crer em Deus, seria uma dessas pessoas mais evitadas pelos cristãos, pois, atualmente, as qualidades que mais admiro no ser humano (empatia, humildade, respeito às diversidades étnica, religiosa e de gênero, apego à paz) é o que os cristãos de agora mais condenam como vivências reais, para muito além das palavras restritas aos seus sermões. 

A falácia que vem dos templos; as contradições entre o que pregam e fazem; a seletividade baseada nos preconceitos; o quanto condenam, massacram, isolam e odeiam até seus entes queridos que não seguem as mesmas crenças, me assustam. Não me levam a me afastar, pois não seleciono pessoas de acordo com as semelhanças comigo, mas me afastam por força dos cancelamentos convivenciais.

Recentemente, uma pessoa muito querida por mim justificou seu afastamento de quase todos (os que não professam a mesma fé), com afirmações do quanto está "acima das pessoas e dos acontecimentos do mundo". De como a sua espiritualidade a distanciou da própria terra. Classificou a própria "atmosfera" espiritual como algo que a promoveu a um ser de luz superior aos "humanos normais".

Essa ingenuidade arrogante não me comove. Uma soberba mal escondida em olhos contritos. Em palavras maliciosamente brandas de quem pegaria em armas para obrigar o próximo a se converter ao evangelho e, como ato casado, à política partidária de direita, se o seu líder garantisse aos gritos, que foi "Deus" quem deu a ordem. A quem eles chamam de pobres pecadores é que me comovem.

Devo confessar que convivo com exceções (absolutas) desse meio. E por serem exceções em suas formas de viver sem preconceito nem apologias a si mesmos, tais cristãos também estão sendo afastados, cancelados, impedidos de professar. Esses também me comovem. Não me tornam cristão, mas me comovem.

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sexta-feira, 17 de outubro de 2025

VALE TUDO?

Demétrio Sena - Magé 

A Raquel é chata, porque é muito "certinha". A Consuelo, "um porre", pois "com aquela honestidade insuportável", denunciou o Marco Aurélio e desfez um esquema de corrupção. O Afonso e a Solange? "Aff; é muita bondade junto; ninguém suporta!". "Que mala, o Sardinha! Esse aí ajuda a todo mundo, é um poço de ética, empatia e solidariedade!". Por outro lado: "Ah, o Marco Aurélio é Franco; a Odete é o que é; o César mostra a cara e a Maria de Fátima não esconde o mau caratismo...". "Esses dizem a que vieram!".

São alguns; apenas alguns dos milhares de comentários na web, sobre o penúltimo capítulo da novela Vale Tudo, da Rede Globo, nesta quinta-feira, que esses típicos comentaristas dizem não assistir e chamam de Globo Lixo. É possível saber, sem margem de dúvida, qual é o grupo que pensa dessa forma, considerando o tom de voz que nos vem à mente. Como dá para entender o amor doentio desse grupo pela figura lamentável que há menos de quatro anos ainda governava (ou será que desgovernava?) o Brasil. 

Cada dia menos telespectadores entendem o que é denúncia, o que é fantasia, licença poética ou proposta de reflexão em uma novela, um filme, uma série, uma peça teatral, um seriado. Comentários bisonhos mostram isso. Da mesma forma, cada dia menos pessoas entendem as nuances de um bom livro, um poema, uma boa canção, uma obra de arte (quando leem ou veem). Menos pessoas, a cada dia, fazem qualquer leitura minimamente relevante ou elucidativa do mundo; a contemporaneidade; as atitudes; a vida.

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NOSTALGIA

 


quarta-feira, 15 de outubro de 2025

SOBRE DIAS DE PROFESSORES

Demétrio Sena - Magé 

Não adotei o clichê de que a Educação me torna uma pessoa melhor, a cada dia. Quem trabalha com educação (e cultura - sou profissional de Cultura dentro da Educação) há mais de trinta anos, hoje seria um santo; já teria sido arrebatado ao suposto céu, se a cada dia de todo esse tempo, acordasse um pouco melhor. Um ser humano melhor.

Para dizer a verdade, às vezes volto para casa um pouco pior do que cheguei ao meu local de trabalho. Convivo com tanta injustiça e vejo tantas outras, cometidas não somente contra os meus colegas professores regentes, mas também contra os alunos, pelos poderes que regem o sistema, que me sinto à beira da descrença total. Pior ainda, perceber que o sistema põe os alunos contra os professores, os professores contra os alunos e a sociedade como um todo, contra os dois lados, é algo enlouquecedor. Como diz um amigo de rede social, e parceiro em um livro, é de arrancar sabiá do toco.

Mas devo confessar: o que tenho de humanidade na cabeça e no coração, devo ao meu trabalho. Quando iniciei essa trajetória, cheguei com tudo; com todas as brutalidades que me eram peculiares, crendo que poderia educar na marra. Tive que mudar na marra. Precisei aprender que lido com pessoas em formação, muitas vezes dependentes do que tenho a oferecer, que possa tampar o abismo cavado, em suas próprias casas. Julguei que os prazeres e as facilidades de ser um arte-educador (animador cultural, segundo a Secretaria Estadual de Educação) seriam constantes no meu dia a dia, nos limites físicos da escola. Não são. 

Cada dia melhor é hipérbole, mas trabalhar com a Educação me educou (deixando, evidentemente, muitas raspas de truculência, intolerância e incompreensão). Educou os meus olhos para me ver nas meninas e nos meninos com que trabalho, e saber o que eles esperam de mim, que é justamente o que eu esperava dos meus professores, na infância e na adolescência. Educou meus conceitos, para retroceder e repensar, quando sou injusto ou pelo menos excessivo em meus atos. Educou-me para saber quando estou à beira de ser antiético, abusivo e sem limite, em questões que fora da Educação normalizam a falta de ética, o abuso e o excesso.

Aprendi, trabalhando com Educação e Cultura, que a igualdade mora nas diferenças; que as injustiças formam criminosos; que o racismo, a homofobia, o machismo e o fanatismo religioso matam... mas o trabalho em Educação, com excelência, salva e forma cidadãos felizes. A diversidade gritante na Educação, notadamente pública, faz de cada aluno, cada colega de trabalho em qualquer setor, cada pai, mãe, outros responsáveis de aluno, uma lição de vida que se não aprendermos, nunca seremos aprovados como seres humanos; sociais; cidadãos do mundo.

Aos professores/professoras, direção, orientação e demais colegas, que educam no pátio e nos corredores, na secretaria, na cozinha, na portaria, em serviços gerais: a todos, absolutamente todos, minha manifestação de carinho, respeito e profundo orgulho por tê-los como colegas de trabalho.

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sexta-feira, 10 de outubro de 2025

FAZER JÁ É O RESULTADO

Demétrio Sena - Magé 

Devo Confessar que sou refém das apreciações sinceras. As sinceras. Só não sou refém da minha própria vaidade (que existe, mas não me sequestra), por eu não permitir que a soberba me faça inflar e me sentir acima de que ou quem. "Literaturizo" desde os 12 anos de idade. Agora tenho 64. Quando sonhava publicar livros (o que realizei, tenho alguns), não sonhava com fama, sucesso popular, prêmios, destaque (...), nem com ser milionário. Para mim, o fazer já seria, e é, a recompensa. 

Eu não faria uma fogueira para queimar dinheiro, se ele viesse, mas esse não era nem é o objetivo, como nunca foi objetivo projetar minha imagem nem meu ego, e sim, projetar o meu fazer. A poesia é a estrela; não o poeta. A arte, a cultura como um todo, são a constelação; não seus fazedores. Fico feliz ao notar que me sinto feliz, agora. Que não era falácia minha, quando ainda não tinha livros, meus escritos não tinham alcance, algumas admirações carinhosas, e eu dizia que nada me "subiria à cabeça". Nunca enriqueci, nunca vendi milhares de exemplares do mesmo título, jamais fui lido por multidões, em meus livros nem em minhas publicações na web, e me sinto realizado. O carinho de umas dúzias de leitores me realiza... o próprio fazer, sempre me realiza. 

Em minha trajetória, vi muita gente pular fora, com afirmações de que "não ganhou nada com isso". Só importava o grande resultado; seu talento, a graça do seu dom não lhe diziam nada. Também vi outros, que tiveram algum resultado, mas ficaram tão soberbos, pisaram tão forte em degraus imaginários, que derrocaram; perderam o domínio do próprio dom (algo em que acredito). Agradeço por meu fazer ser visível por tão poucos, mas que representam tanto, pelo quanto importam seus olhares.
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quarta-feira, 8 de outubro de 2025

SOBRE OS FÃS DA ODETE ROITMAM

Demétrio Sena - Magé 

Essa multidão de admiradores que torcem pela impunidade ampla, geral e irrestrita da Odete Roitmam, de Vale Tudo - novela da Rede Globo de Televisão - traça bem o perfil de um percentual espantoso da sociedade brasileira. São as mesmas pessoas que chamam truculência de franqueza, crime de mal necessário, fazem preces a objetos e alienígenas, ao mesmo tempo que promovem quebra-quebras, ameaçam a quem pensa diferente, assassinam ou planejam assassinar a quem impede os seus atos insanos. Ou seja, do mesmo grupo que,  além de tudo, vai pras ruas ou apoia quem vai, para exigir anistia ampla, geral e irrestrita para criminosos confessos e filmados em seus crimes.

Tal multidão não é a maioria, mas as pessoas perversas, impertinentes e sem limite, ou desinformadas, chatas, fanáticas e sem noção sempre fazem muito barulho, e seus atos para lá dos barulhos causam infortúnios, fatalidades e desgraças. Para quem não sabe como esse fenômeno acontece, pense nas comunidades dominadas por traficantes e/ou milicianos: a imensa maioria dos moradores dessas comunidades é composta por gente honesta, simples, pacífica e trabalhadora, mas basta existir um bando armado, carniceiro, sem noções de humanidade, para causar um imenso estrago e transformar a tudo em um inferno diário. O pior, é que muitas pessoas entre essa gente honesta, simples, pacífica e trabalhadora se cansam, se acostumam e normalizam o inferno, mesmo sendo contra, porque "não tem jeito"... e algumas, iludidas por lendas "Robin-Hoodianas" em torno desse bando, passam a admirar, mesmo não se unindo a ele; o que gera uma grande rede de proteção.

Toda novela, série, filme (...) fictício ou baseado em fatos, mostra realidades que nós vivenciamos ou às quais assistimos diariamente, nas ruas e outros ambientes públicos e privados. Não há como normalizar personagens como a Odete, nem os bandos de pessoas reais, como de certo oito de janeiro e seus líderes, fomentadores e mandantes. O bando dos que admiram esses bandos, de alguma forma contribui com o inferno diário que tem sido o ambiente social deste país, protagonizado por políticos violentos, corruptos e sem noção de humanidade. A Odete Roitmam é bem real; pertinho de nós. Não precisamos procurar com muito esforço e critério. Basta simplesmente olharmos em volta.

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domingo, 5 de outubro de 2025

DANTESCOS

 


PAIXÃO DISTORCIDA

Demétrio Sena - Magé 

Sempre que estamos apaixonados, os nossos olhos e as nossas intuições quase nunca se desviam do que nos causa tal sentimento. Mesmo que a paixão tenha rótulo de ódio, medo e resistência, não há como escondermos de nós próprios essa realidade que nos aprisiona. É como uma sindrome de Estocolmo.

Não raras vezes, tudo que alguém apaixonado mais deseja é não estar assim; entretretanto, é algo inevitável. Quase sempre xinga, excomunga e faz de conta que expulsa; porém, chama cada vez mais, repete vezes infindas o seu nome, ainda que sem querer. Vê seu alvo de paixão em cada canto, em cada pessoa que incomoda e cada gesto fora da sua doutrina, que diz renegar esse alvo. 

Quando começamos a ver o que chamam de diabo em quase tudo e todos que não coadunam com a nossa fé ou doutrina, e de repente passamos a repetir que "que o mundo jaz no maligno", é sintomático: já estamos contagiados por uma paixão inequívoca, distorcida e doentia por ele: o mito lutúrgico das trevas.

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quarta-feira, 24 de setembro de 2025

O QUE CHAMAMOS DE FÉ

Demétrio Sena - Magé 

O ser humano é incapaz de conceber a própria capacidade. Medir a própria força. Não fazemos ideia dos esforços que podemos fazer; das dores que podemos aguentar; das tristezas e decepções que suportamos. Não nos detemos a pensar nem nas toneladas de cisco, terra e outras porcarias que inundam diariamente nossos olhos ou nas bactérias que passam pelo nosso organismo, e sobrevivemos.

Temos todo esse poder e não suportamos a ideia de que o temos. Por isso nos inventamos fracos e, ao suportarmos o peso das piores vivências, atribuímos ao sobrenatural. Pomos na conta especial de um "Deus", uma entidade, porque temos medo de nós mesmos. Não queremos intuir o poder da fé como algo inerente à nossa natureza. Que sai de nós e volta como solução do insolúvel, dentro ou fora das nossas expectativas.

Dá medo, a conclusão de que somos o nosso próprio sobrenatural. Que todo o "poder do alto" não está exatamente no alto. Essa força,  que muitas vezes falha na trajetória e no alvo direto, funciona como o milagre de suportarmos a própria frustração, e nos fortalece até o dia do inevitável. A condição de nos mantermos vivos, com o mundo nos ombros, mesmo rastejantes, revela que somos nós, o nosso Deus. 

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Respeite autorias. É lei