domingo, 4 de março de 2012

PRECONCEITO SANTO


Quando publiquei em algumas comunidades literárias o soneto SULTÃO DOS MARES, no qual estabelecia um romance com a sereia Janaína, que enciumava Marabô, Oguntê, Inaê, Oloxum e Sobá, e evocava a intervenção pacífica de Iemanjá, na verdade fiz uma estatística. Desejava saber o índice de queda do número de pessoas que me visitam sempre. Sei exatamente qual é o preconceito que move uma grande massa, em todo o Brasil. É de cunho religioso e racial. Estabelecer um mote utilizando figuras lendárias ou mitológicas com nomes de origem africana mexe com o imaginário de um número cada vez maior de fanáticos institucionais e racistas. Janaína e Iemanjá, em especial, remetem às crenças africanas ou de origem. Há quem creia nelas como entidades divinas, o que deve ser respeitado, e há quem as tenha como um ícone de nossa cultura que envolve superstições e crendices que não ferem nem danificam nossa mente, nosso espírito e a moral, muito menos o corpo. Pelo contrário, enriquece e não nos deixa afastar de nossas raízes hoje tão renegadas e temidas.
Como tudo isto lembra nossas raízes, evidentemente faz recordar que nosso berço é negro, a África é a mãe da humanidade, e as correntes religiosas de raízes européias e norteamericanas querem nos afastar dessa consciência (e estão conseguindo), visando unicamente o poder sobre o homem. Querem dominar, e para tanto, é necessário que apaguem da memória de todo o mundo, qualquer lembrança de que um dia o continente africano foi a potência que todos querem ser, com o risco de voltar aos seus bons tempos. É difícil para pessoas simples e desarmadas, de boa fé, perceber as questões políticas que envolvem as guerras religiosas (frias e bélicas) em todo o mundo. Cada pessoa que passe a odiar a África a partir de sua cultura, sua religiosidade e cor, passa a ser mais um aliado nessa guerra contra a essência de nossa identidade. A ignorância que advém do sucesso das lideranças religiosas com base no poder e no preconceito é tanta, que seus seguidores nem querem se aculturar, temendo as "influências malignas" em suas vidas dominadas pelo medo do inferno e da "mão pesada" de um Deus que a "branquitude oficial" criou para os mais espertos e vende para os mais humildes por um alto preço em espécie, subserviência e delegação de poder ilimitado.
Só acho uma pena que poetas e prosadores, pessoas ditas tão esclarecidas e de mentes amplas, arejadas, não tenham conceitos próprios a respeito dessa questão. Não procuram ver tudo isso com olhos despojados de influências. Desarmados de temores infundados. Livres desse pavor de um Deus que, se existe, estebelece (como os livros ditos sagrados rezam) uma igualdade universal. Será que a religião é contra o saber? Será que o saber ameaça a religião? Será que o grande pecado do suposto Adão foi expor esse Deus ao medo
de sua bagagem de conhecimentos? É preciso que cada um comungue sua fé, o que respeito de todo o coração, mas que cada pessoa seja ela mesma, sem temer o conhecimento, a ampliação de seus horizontes e universos e, principalmente, a força do mal em sua vida. Creio que dê para cada pessoa estabelecer um parâmetro pessoal, para não se alienar do mundo e se tornar um brucutu. Um homem contemporâneo das cavernas.

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