terça-feira, 6 de março de 2012

RECICLANDO A RECICLAGEM


O direcionamento que a mídia tem dado à questão reciclagem, nos últimos anos, com ampla adesão dos mais diferentes grupos sociais, em especial as escolas me deixa temeroso. Vejo em tudo isso um grande jogo para a manutenção das indústrias de embalagens, que infestam cada vez mais o meio ambiente e alimentam a correria dos famintos às lixeiras domésticas e aos lixões, enquanto os empregos dignos continuam escassos. Incluídos na mesma correria estão os jovens estudantes, que são orientados por seus professores a catar embalagens nas ruas, valas, rios e becos, para a realização de trabalhos que se pretendem didáticos, educativos, mas que funcionam de formas distorcidas e viciadas.
Deploro a reciclagem como recurso de acomodação, aceitação e adaptação da miséria. Não aceito que se diga à criança que a sua falta de brinquedos pode ser suprida por um carrinho de latas de leite em pó. Leite que ele mesmo possivelmente não consome, porque é muito pobre. Também rejeito que se ensine a essa mesma criança que a casca da batata é mais nutritiva do que a própria batata, com a intenção de fazê-la perceber, com alegria, que a casca da batata de seu vizinho mais abastado, que jamais comeria a casca, pode matar sua fome.
Sempre reciclei. Na infância, por pobreza, e isso ninguém me ensinou. A pobreza em si já me levava a fazê-lo. E não era uma alegria reciclar por isso. Era sim, uma tentativa de amenizar minha dor pela falta do essencial para suprir minhas necessidades de alimento e diversão. Apenas quando cresci, já trabalhava e podia consumir (o que é o requisito básico da cidadania), foi que descobri o prazer de reciclar como recurso de arte, criatividade e preservação ambiental. Isso me deu um novo contexto. Uma visão muito mais ampla e formidável do que é reciclar com alegria.
Não vejo vantagem alguma, quando me dizem que o Brasil é um dos países que mais reciclam, porque sei das condições em que se recicla no meu país: Quem consome joga fora de qualquer maneira, porque não tem educação, e logo as embalagens pet, as caixas de leite longa vida, os papelões e outros rótulos estão nos bueiros, nas valas, nos rios e lixões sem tratamento, à disposição dos catadores. Dos miseráveis, que também aproveitam para comer os restos de comida que lá encontram, e até dos estudantes que as escolas põem nas ruas à cata de peças imundas que depois serão trocadas por computadores e impressoras para tais escolas (e ninguém venha me dizer que de alguma forma serão também dos alunos), o que classifico de trabalho infantil. Um trabalho que expõe esses estudantes ao risco de doenças infectocontagiosas.
Um país ideal será aquele no qual nenhum ser humano precise chafurdar no lixo em busca de sua sobrevivência. Um país onde o povo, com poder de consumo, separe criteriosamente o lixo; os profissionais remunerados de limpeza urbana o recolham e as indústrias de rótulos refabriquem, sem que essa trajetória tenha passado pela triste rotina dos catadores de lixo. Uma história de reciclagem sem miséria. Será que desta forma o Brasil ainda estaria, hoje, entre os que mais reciclam?
Se reciclarmos apenas por arte, criatividade e lição de preservação ambiental não será necessário procurar lixo nas ruas. Temos em casa o necessário: Garrafas, latas, caixas de fósforos e outras embalagens devidamente limpas, pois ainda não se infectaram. Se somos educadores e faremos trabalhos com alunos, peçamos isso a eles: Que tragam de suas casas embalagens limpas, recém-usadas, em quantidade suficiente para tais trabalhos; não para depósito e uso posterior.
Também há que se observar que a reciclagem ideal, para reaproveitamento da indústria, é aquela em que se guarda a embalagem exatamente como é, bastando amassá-la ou comprimi-la, pondo-a depois em separado, para a coleta pelos profissionais de limpeza urbana. A samambaia artesanal feita de pet, por exemplo, dificilmente será reaproveitada pela indústria. Seu destino será mesmo poluir o meio ambiente. 
Em suma, no que tange a questão reciclagem, creio que precisamos nos reciclar.

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