quarta-feira, 28 de agosto de 2024

CONVERSÊ BÍBRICO

Demétrio Sena - Magé 


Na longa fila do banco, a conversa entre dois idosos evangélicos, aparentemente conhecidos um do outro, estava bem animada:

- Paz do sinhô, irmão! Faz tempo que nóis não se vê!

- A paz, irmã! Sube que a sinhora tá com netinho novo! É home, né?

- isso, irmão! É um varão abençoado!

- Qual é o nome dele, irmã? 

- É bíbrico, irmão; quero vê se o sinhô adivinha!

- Hum... é Jusé? Sadraque? Abidinego?

- Não. Vô dá só uma dica. É o nome da pessoa que botô os animá na arca de Noé!

- Aí a sinhora já disse! O nome dele é Noé! 

- Noé? Não, irmão! O nome dele é Abraão! Foi Abraão quem botô os animá na arca!

- Não, irmã; foi o Noé mermo; ajudado pela famía!

- Nada disso! Eu sô professora da escola dominicá! Sei o que tô dizeno!

- Irmã, me adescurpe; mas acho que a sinhora tá inganada...

Foi, não foi; não foi, foi; parecia o poema OS SAPOS, de Manuel Bandeira. O diálogo foi esquentando, com ambos querendo saber mais que o outro, até que um senhorzinho franzino, enfiado em um terno laranja e com cara de veterano em assuntos "bíbrico" resolveu entrar na questão.

- Os sinhores me adescurpe; mas os dois tão errado. Não foi Abraão nem Noé quem botô os bicho na arca.

- Uai; mas entonce quem foi, se não foi nenhum deles? - Perguntou a mulher, com ares de muita indignação.

- É, eu tomém quero sabê; proque agora fiquei na dúvida. - Desafiou o outro.

- Foi Pilatos, meus irmão na fé... ocês tomém são invangélico, num são?

- Somo sim. Somo - Respondeu a mulher -; mas fala, irmão. Eu nunca sube dessa; que foi Pilatos quem botô os bicho lá.

- Eu tomém não; mas o senhô tem arguma prova? Prova mermo? Bíbrica? 

- Os dois pense comigo: quem a Bíbria disse que lavô as mão? Num foi Pilatos?

- É; isso foi, mas... - A mulher tentou questionar.

- Pois entonce, meus irmão! Se Pilatos lavô as mão, foi proque as mão ficô tudo suja, de tanto animá que pegô!

- Agora o sinhô pegô nóis.
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terça-feira, 27 de agosto de 2024

PRA REVIVER

Demétrio Sena - Magé 


Desta vez entendi que o que sinto é tão só;

tantos anos perdida no seu faz de conta,

que minha'lma ficou embevecida e tonta 

por um laço que a mágoa transformou em nó...


De repente o castelo ao vento se desmonta,

como todos os sonhos se tornaram pó;

minha voz perde as notas, o que tenho é dó,

mas nem é musical; a música me afronta...


Sairei desta sombra, porque sempre o fiz;

tantos tombos na vida me deram destreza 

pra seguir outra vez e tentar ser feliz...


Entre todos os meios de chegar ao fim,

decidi que não vou me render à tristeza

por alguém que brincava de gostar de mim...

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quarta-feira, 21 de agosto de 2024

ENTRE TRILHAS E CALÇADAS

Colega de trabalho (arte-educadora/animadora cultural e fotógrafa), Mirna me deu a honra de apresentar seu trabalho Fotográfico em um texto que fluiu naturalmente, porque foi fácil falar do seu talento. Ela fará uma exposição, com vernissage no dia 7 de setembro, no MAMY (Museu Mariângela Yanase), e você está convidado a estar lá, tanto na estreia quanto nos dias em que a exposição durar. Detalhes no cartaz.



sexta-feira, 16 de agosto de 2024

DE POESIA PROSA E PROSA POÉTICA

Demétrio Sena - Magé 

Em nenhuma escala, desde que não seja doentio nem imposto o erotismo é uma perversão do amor. Concordo com os textos massificados nas mídias populares, cultuando a beleza do romantismo quase platônico de algumas relações, mas por outro lado me pergunto: quem disse que o erotismo, mesmo exacerbado, não é romântico? Temos necessidade similar do amor, nos contextos bucólico e torrencial, nem sempre ao mesmo tempo. Se a face bucólica do sentimento, em separado, é romântica, o erotismo, também em separado, igualmente é. Há momentos em que o amor quer ser levado ao forno em altas temperaturas e consumido fora da mesa... sem guardanapos, talheres e outros aparatos. Isso também tem romantismo... da mesma forma que o desempenho frágil, tenro, épico ou clássico do amor.

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quarta-feira, 14 de agosto de 2024

CURVA DO BOM SENSO

Demétrio Sena - Magé 


Persisti na procura da certeza

do que havia em seu peito para mim,

sem achar que devesse desistir,

se não fosse do fim arrematado...

Quero sempre manter na consciência,

que não fui desertor, já no começo;

não voltei do que ainda viveria

nem cedi ao tropeço inicial...

Aprecio chegar onde se alcança 

e não ter frustrações do que não sei,

pra nenhuma esperança se perder...

Caminhei o que havia sob o pé;

retroajo da curva do bom senso;

minha fé nesse laço não deu nó...

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domingo, 11 de agosto de 2024

REFLEXÃO PATERNA

Demétrio Sena - Magé 

Ninguém escolhe o pai que terá. Ser filho é uma sorte favorável para uns, desfavorável para outros... na verdade, para maioria, sobre ter pai. Aliás, o número de filhos que nunca teve um pai, de fato nem de mentirinha, consanguíneo nem adotivo, é imenso. Infelizmente, há casos em que não ter a presença de um pai é melhor do que ter. É aí que tantas mães viram pais, o que não é comum vice-versa. 

Ser pai é uma escolha. Essa escolha não pode ser apenas a de fazer uma filha, um filho. Ela deve ser intensa e verdadeira, do fazer ao criar, com afeto; provisão; orientação; acompanhamento presente, com todas as responsabilidades que acompanham o amor. Não entendo como alguém escolhe ter filho e não ser pai; "modelar" simplesmente, um ser humano, e não cuidar. Deixar de lado, abandonar ou ser presença negligente. Muitas vezes brutal; violenta; opressora.

Não chamo de abandono a separação da mãe, e sim, ao tornar essa essa mãe sua ex-mulher, também transformar o filho, a filha em ex-filho; ex-filha. O mundo está cheio de órfãos de pais vivos. Também há mãe que abandona, mas o número de pessoas criadas apenas pela mãe é incontável. São milhões que não têm ao lado nem nos registros de nascimento, a referência do pai. Só conhecem mãe.

Sonho com um tempo de mais filhos felizes. Mais pais presentes, em todos os contextos e sentidos. E de menos dias dos pais que só servem para muitos lamentarem ausências paternas ou presenças que seriam melhores como ausências. Espero que as minhas falhas como pai, até então, ainda estejam naquele grupo das que fazem um homem "passar raspando" em suas provas finais

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sexta-feira, 2 de agosto de 2024

SOCIEDADES E SUB-SOCIEDADES

Demétrio Sena - Magé 


Mazelas como preferências, exclusões e parcialidades que prejudicam os menos favorecidos e determinam quem é quem com base nos favorecimentos recíprocos, não são exclusivas da sociedade externa. São replicadas em sociedades restritas como locais de trabalho e de lazer, condomínios, escolas, grupos religiosos, academias (de ginástica e de letras) e aglomerados familiares. Onde convivem mais de três pessoas, há sempre como um ou mais mais membros criar e impor alguma forma perversa, mesmo silenciosa, de hierarquia baseada em quem precisa mais; quem precisa menos; quem tem maior prestígio ou prestatividade notória. 

Não raras vezes, os mais influentes na sociedade externa serão também na interna, pelo status acadêmico, profissional ou religioso que tenha para ostentar. Às vezes, algum título adquirido; quem sabe um prestígio ilusório, conquistado com bajulações. Por esse reflexo, quem tem menos "pontos" em sociedades internas deve se prontificar a servir, concordar e obedecer, sempre que ordenado, sob pena de uma exclusão que fará ter inveja dos excluídos na sociedade externa. Há que se ter muito tato, no contato com ambas as sociedades. Ou com as sociedades e sub-sociedades. 
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