quinta-feira, 31 de julho de 2025

ÓDIO DO MORANGO DO AMOR

Demétrio Sena - Magé 

Peço, por caridade, que não inventem mais nada de amor para comer. O amor encarece muito as coisas. O preço da maçã, nas épocas de festas tradicionais vai às alturas. O morango, justo ele que demoramos tanto a tornar uma fruta comum nas mesas de lares simples, também está ficando inacessível, porque virou do amor. Mesmo lá no supermercado, na feira ou no hortifruti, antes do caramelo e da anilina, já está caríssimo. Nas festas, então, dentro do seu traje a caráter, pior ainda. Tudo culpa do amor, que o tornou fatal, tanto aos olhos quanto ao nosso bolso. 

Ainda bem que a uva do amor não fez tanto sucesso. Já é naturalmente cara, mas ficou em seu caro habitual. Sua cotação teria explodido, se como fruta sazonal do amor tivesse despertado as ambições salivares ou estomacais, como tem sido com o morango. Imagine o kiwi do amor! Já pensou na castanha, nas nozes, avelãs do amor, em fim de ano? E naquelas frutas cristalizadas? Nem quero pensar nelas com o tarifaço extra do caramelo vermelho. Vestidas para matar! Não. Chega de amor. O amor está muito caro na mesa e nem é tão bom quanto o amor na cama.

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AS IGREJAS E A SOCIEDADE

Demétrio Sena - Magé 

Recebo notícias de afeto em viagem, incluindo a boa nova de que fizera uma caminhada de quase duas horas sem ver nem um templo evangélico. A cidade mineira é pequena, mas conta com uma diversidade cultural fantástica.Tem cinema, mini-teatro, barracas de artesanato e um centro cultural com belas exposições de artes plásticas e fotografias produzidas pelos próprios moradores, além das peças externas.

Os moradores locais são bem pacíficos e gentis; tratam a todos com igualdade, não manifestam preconceitos e parecem felizes; bem resolvidos. Os templos católicos lá existentes têm uma função artística talvez maior do que religiosa: são bucólicos, barrocos, centenários e têm uma carga histórica e cultural capaz de gerar reflexões profundas sobre séculos passados, a colonização, a escravidão, injustiças e conflitos. 

Sempre achei lamentável constatar que quanto menos igrejas (especialmente as evangélicas), mais cultura; menos medo; menos pressão, preconceitos e desigualdades. Quanto menos igrejas, mais calma, menos problemas emocionais, menos politicagem. Menos igreja, mais gentileza e respeito à diversidade humana; menos perseguição e vigilância sobre os gostos, manias, culturas e olhares pessoais sobre o mundo, a vida e a fé coletiva ou de cada um.

Não quero que as igrejas acabem. Respeito a fé religiosa que não se espalhe como ameaça. Gostaria que religiões não fossem inimigas das artes, das liberdades individuais, as diversidades humana, cultural, nem se atrelassem à política para pôr cabresto na sociedade. Igrejas não podem ter como desafio fechar pontos de cultura para construções de templos mais dedicados a lucro e dominação do que ao evangelho.

Eu ficaria feliz com a convivência pacífica entre católicos, evangélicos, budistas, umbandistas, outros religiosos, ateus e agnósticos, todos com direito a espaços respeitados... não vetados, banidos ou substituídos como estratégia de domínio. Preferia que meu afeto em viagem me dissesse que passou por templos diversificados e também cinemas, teatros, galerias e espaços esotéricos dispostos democraticamente.

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terça-feira, 29 de julho de 2025

FICÇÕES BASEADAS EM FATOS

Demétrio Sena - Magé 

Ao assistir a mais um daqueles filmes de super vilões que se tornam intergaláticos, dominam planetas e apavoram a raça humana com destruição em massa, para depois dominá-la, repeti meu chichê: 'Esse filme é baseado em fatos' (preciso dizer reais?). Quem assistia comigo riu, como se fosse brincadeira. Minha fala pareceu ainda mais absurda, porque nesse filme o vilão transformava humanos em robôs infinitamente mais fortes, dominados por ele, para derrrotarem os resistentes; os heróis. 

Pensem nos líderes mundiais que sempre tentam dominar o mundo pela força... nos genocídios de países que atacam outros países e violam todas as regras que regem as guerras... guerras que já são um absurdo. E pensem até nas figuras deploráveis que vão à procura de governantes externos para conspirarem contra os próprios paises, na produção do caos... da fome... do desespero, na intenção de futuramente se apossarem de seus países e pagarem pelos "favores", entregando as riquezas naturais, as tecnologias e a própria soberania, em razão da dependência.


O mundo tem, realmente, super vilões capazes de cometer grandes atrocidades... como tem os vilões rasteiros e medíocres, dos quais falamos agorinha, capazes das piores atrocidades, auxiliados pelos super vilões, em negociatas escusas. Sobre os possíveis exageros (possíveis, porque hoje temos muitas tecnologias usadas principalmente para o mal, que no passado foram ficção), continuo a dizer que são baseados em fatos. Trata-se de filmes que, neste aspecto, são baseados no que o ser humano será capaz de fazer... quando for plenamente capaz de fazer. 

Sobre os heróis? Não. Não há heróis. Os que se apresentam como tais, são vilões sonsos. Há resistências humanas, de líderes e liderados conscientes de seus limites e com códigos de justiça, ética e humanidade. Esses, o tempo e a verdade podem tornar bem sucedidos, de forma lenta e gradual, com muitas desvantagens no caminho. A vantagem típica dos vilões está no fato de eles serem capazes de tudo; qualquer atrocidade ou golpe baixo para conseguirem sucesso em seus projetos pessoais.

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sábado, 26 de julho de 2025

A TORTURA DAS DATAS COMEMORATIVAS

Demétrio Sena - Magé 

Tenho sérios problemas com datas comemorativas, no que tange a lembrança e também o mergulho nas ondas de felicitações. Imaginem vocês, que até do natal, que as pessoas começam a comemorar um mês antes, eu esqueço; não percebo. Quando vejo, o peru já está na mesa, já comi vinte rabanadas (o meu sentido do natal) e já estou correspondendo a um montão de abraços; inclusive de gente que passa quase o ano inteiro de cara feia comigo. 

Dia desses foi o dia do amigo. Costumo abrir meu perfil em rede social pela manhã e mais um pouco à tardinha. Nesse dia, por alguma razão que já não lembro, só abri à tardinha. Havia uma enxurrada de textos sobre a data e eu não tinha preparado nada específico; publiquei o que tinha escrito no dia, que não era sobre amigos. Gosto muito de minhas amizades cibernéticas, como dos amigos de carne, ossos e alma... ah; também de pele, porque sem pele, ficam assombrosos... mas tenho problemas com escrever por encomenda... escrever sobre datas no ato delas, é como escrever por ecomenda.

Teço minhas demonstrações de afeto aos amigos, na interatividade online ou presencial diária... minhas felicitações de aniversários e algumas conversas em particular com quem tenho maior proximidade, mas por favor: não meçam minha sensibilidade ou a consideração pelo número de homenagens que faço nas datas especiais como do poeta, do escritor (como se poeta e escritor fossem diferentes), entre outras inúmeras ocasiões. Todo dia é de algo. Peço até às árvores, aos animais, à bandeira nacional que não fiquem tristes por eu não publicar a respeito nos dias específicos; nas enxurradas.

Triste, mesmo, seria não ter o natal. Amo rabanada. Tanto, que suporto as músicas natalinas e até abraços de gente que passa quase o ano inteiro de cara feia comigo. A tal ponto, que algumas vezes me arrisco a enfrentar a fiscalização e fazer umas rabanadas no dia do dentista ou da ginástica artística. Peço a todos que me perdoem pelas ausências escriturais nos dias específicos. Meu chichê é de que todo dia é dia de tudo e todos... será que cola?

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sexta-feira, 25 de julho de 2025

BOLSONARO É PEDRA DE JOGO NORTE-AMERICANO

Demétrio Sena - Magé 

Eu sempre soube, em silêncio, que o presidente dos Estados Unidos não dá nenhuma importância para os Bolsonaro. Inclusive, há poucos dias ele declarou que não é amigo do ex-presidente brasileiro; apenas sabe quem ele é e fez uns elogios rápidos e rasos, como políticos comum fazem aos seus cabos eleitorais. 

De anteontem para cá, os interesses demonstrados por Trump, em relação ao Brasil, deixaram bem evidente que Eduardo e Jair Bolsonaro são apenas peças de uma chantagem ou de um jogo de interesse comercial. Os Estados Unidos estão interessados nos minérios estratégicos do Brasil. Uma riqueza nossa, de grande potencial para as tecnologias do século presente e para o futuro. Minérios como o lítio, o grafite, o urânio, o cobalto, o cobre e muitos outros para fabricação de chips, computadores, carros elétricos e até mísseis hipersônicos.

Nas poucas conversas entre representantes norte-americanos e Brasileiros, isso foi aventado como possível acordo para a retirada ou diminuição das tarifas impostas ao Brasil e outras pressões. O Brasil é o país detentor da segunda maior reserva desses minerais, perdendo apenas para a China, país sobre o qual os Estados Unidos têm menor poder pressão. As chamadas terras raras do Brasil vêm despertando a ambição das maiores potências mundiais; os Estados Unidos são apenas uma delas, e veem seu poder de chantagem nos conflitos hoje notórios por aqui. Os Bolsonaro são só a bucha da vez.

As técnicas e os recursos de exploração desses minerais, no Brasil, ainda são insuficientes; o governo busca parcerias justas para o desenvolvimento das tecnologias possíveis resultantes de suas terras raras. Se vier a ocorrer um acordo (justo e lucrativo para ambos os lados) entre o Brasil e os Estados Unidos, acabam as chantagens e os Bolsonaro perdem a barra da saia sob a qual se julgam seguros no momento.

A euforia dos seguidores fanáticos do ex-presidente Bolsonaro com a chantagem de Trump não têm uma base lúcida. Existe, sim, uma grande tensão entre os dois países, mas o fundo é inteiramente comercial. Os Bolsonaro, seus aliados políticos e suas multidões em declínio estão prestes a perder essa nova ilusão. 

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quinta-feira, 24 de julho de 2025

DORES E ALÍVIOS NA SOLIDÃO REFLEXIVA

Demétrio Sena - Magé 

A maior mágoa que tenho do meu pai, e que será para sempre, é por ele ter morrido sem me dar a chance de perdoá-lo por todas as atrocidades que fez comigo, meus irmãos/irmãs e, principalmente, com a nossa mãe, que acho que o perdoou antes da própria morte.

Pensei a respeito, ao assistir mais uma vez a um filme sobre a trajetória de uma dupla de cantores. Depois de muitas mágoas, idas e vindas, decepções desastrosas e até ameaças entre pai e filho, um dos cantores teve tempo de conviver bem com o seu pai, antes de perdê-lo em definitivo. O perdão foi possível, porque um se deixou ser perdoado, para que o outro se deixasse perdoar. Houve arrependimento e generosidade, além da chance do tempo, que às vezes trabalha tão lentamente. Nem sempre nos contempla com a construção ou reconstrução de um afeto.

Hoje não perdoo meu pai, por eu não tê-lo perdoado. Tenho rancor por ter continuado rancoroso. Meu pai se foi sem eu ter evoluído o bastante para conseguir quebrantá-lo e resgatar sua humanidade. Fracassei por ter sido um filho que aceitou o fracasso do pai como tal.

Castigamos a nós mesmos, com a mastigação dos nossos rancores. Nem sempre conseguimos perdoar, sublimar nem esquecer o que vivemos ou vivenciamos e nos machucou, mas remoer é o pior que temos a fazer por nós. Quando não podemos perdoar uma pessoa que deveria ter feito parte dos nossos afetos mais estreitos, mas é o alvo direto das nossas dores, perdoemos a vida, o mundo e a nós mesmos. E deixemos que a pessoa em questão descanse nas nossas memórias. Sei o que é não fazer isso e não me ponho como exemplo do meu conselho.

Seja como for, administremos nossos buracos e tentemos encontrar equilíbrio, para que os momentos de solidão reflexiva não firam insuportavelmente. Há muitas memórias boas entre o caos das ruins. A lembrança do amor de minha mãe sempre me acode nessas horas.

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terça-feira, 22 de julho de 2025

SOBRE MIM E MAIS NINGUÉM

Demétrio Sena - Magé 

Dizer que tenho amor pela vida seria exagero. Tenho simpatia pela vida. Sou capaz de alguns esforços para viver, mas não de todos os expedientes para sobreviver. Para mim, seguir a qualquer custo é desrespeitar os limites da vida; renegar a soberania da morte.

Afirmar que me amo, também seria exagero. Sou simpático à minha pessoa. Sobretudo, acho que ser amado pelo outro é muito melhor do que por mim mesmo. Priorizo amar minhas filhas, minha esposa, os meus irmãos, parentes queridos e os amigos reais. Essa é uma bela forma natural de ser amado; se não por todos, por uma boa parcela. Receber o amor sem apelação, que vem do outro em forma de resposta espontânea. Como agradável colheita existencial.

Aceito as pessoas como elas são. Não a vida. Só Aceito a vida "vivível"... plausível, mesmo dura. Viável, mesmo difícil. Com luz visível no fim, quando se apresenta como túnel. Sem esperança, não acho justo viver. E Aceito as pessoas com os defeitos e virtudes que têm. Não a mim. Tenho mil defeitos e todos os dias me deploro por isso. E deixo que as pessoas me aceitem como sou. Essa troca é o que me corrige no dia a dia. Eu não saberia mudar a mim mesmo. 

Vou me levando e a vida vai na carona. Simpático a mim, troco gentilezas com ela, por quem tenho simpatia. Não sendo amor, meu sentimento pode acabar de repente, sem a mínima resposta esperada... e no fim das contas, acho a morte bastante sedutora.

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segunda-feira, 21 de julho de 2025

ASSISTAM; POR FAVOR, ASSISTAM

Demétrio Sena - Magé 

Assisti ao documentário APOCALIPSE NOS TRÓPICOS, sob direção de Petra Costa, com a sensação de que os produtores atenderam a um pedido meu. Sempre achei que alguém deveria produzir um documentario com colagens reais da trajetória nefasta percorrida pelo ex-presidente Bolsonaro, em seus conluios insanos com lideranças evangélicas, majoritariamente pentecostais, que aos poucos promoveram um caos sem precedente na história contemporânea do Brasil. 

Reportagens e flashes de falas e acontecimentos foram organizados com critério e coerência, tendo como fundo uma narração sutil, sem nenhum sensacionalismo ou arroubo. A organização dessas colagens mostra de forma inequívoca quem é quem na produção do caos que se agrava e só não levou ainda, o país ao colapso, graças ao equilíbrio à força e à sabedoria do atual governo, que vem fazendo prodígios para promover um crescimento improvável, diante das muitas forças expostas e ocultas que trabalham contra o Brasil. Em especial, as lideranças evangélicas, que manipulam a simplicidade, a fé e o fanatismo dos milhões de fiéis desse segmento religioso que inchou numericamente, de forma inacreditável, nestes últimos anos.

APOCALIPSE NOS TRÓPICOS mostra, sem nenhuma condução ou parcialidade, quem são os perseguidores de quem... de que lado está o ódio... quem são os verdadeiros aspirantes a uma nova ditadura e o quanto a religião vem sendo utilizada como arma, na tentativa de estabelecer um país oligárquico, inquisitorial, de poucos. Um país com donos. Fechado em torno dos que rezam na mesma cartilha, dizem as mesmas palavras, professam a mesma fé: a fé cristã que mata o sentido do próprio cristianismo. 

Tardasse um pouco mais, o documentário teria incluído as novas ofensivas da família Bolsonaro, que pleiteia nos Estados Unidos a destruição total do Brasil, como forma de vingança pela não reeleição do patriarca e pela iminência de sua prisão, pelos crimes cometidos na presidência e depois dela, quando incitou o vandalismo terrorista do fatídico 8 de janeiro. Sempre com o bordão "Deus, pátria e família"... e as aleluias do povo que se auto declara de Deus.

Assistam; por favor, assistam.

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sábado, 19 de julho de 2025

O MUNDO ALÉM DA TELA

Demétrio Sena - Magé 

Na primeira crônica do livro LULA LÁ  - BRILHAM MUITAS ESTRELAS, de Isac Machado de Moura e Antonio Ducarmo Santos, o Isac diz: "Lula não é um político digital. É um político analógico. Ele precisa estar no meio do povo, cercado de gentes e não de robôs". Apreciei demais, essa frase.

Concordo com o Isac, sobre Lula, mas quero falar de povo. Pessoas à nossa volta. O mundo precisa de mais pessoas analógicas; pessoas físicas; palpáveis; abraçáveis... e cujos olhos sejam acessíveis a outros olhos. A internet é fantástica; especialmente as redes sociais (que uso todos os dias, com assuntos que julgo relevantes), mas as relações interpessoais não podem ficar no vácuo. A internet não pode substituí-las.

Estamos muito apegados aos algoritmos e pouco apaixonados por pessoas próximas. Promovemos o isolamento próprio e não procuramos nem somos procurados por nossos afetos. Parece que basta enviar emojis, deixar disparos maciços de mensagens programados para envios diários, e pronto: nossa consciência está lavada, bem tranquila, e nossos discursos de amor ao próximo com apologias à solidão, garantidos.

O mundo precisa voltar a ser o mundo. A sociedade precisa se livrar da tela, depois de cumpridos os textos, informações e mensagens públicos. É compreensível que as postagens e os desempenhos cibernéticos façam parte significativa de nossa vida... mas não que sejam nossa vida. 

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sexta-feira, 18 de julho de 2025

SOBRE TODOS NÓS

Demétrio Sena - Magé 

Sou amigo de fulano e cicrano, que são muito amigos de bertano, pessoa muito bem sucedida e influente no bairro em que nós residimos. Bertano tem um problema comigo, por preconceitos que ele nutre porque não tenho religião e sou eleitor da esquerda. Em razão disso, percebo que fulano e cicrano evitam qualquer proximidade comigo em ambientes físicos e virtuais onde bertano esteja (ou não, mas perceba essa proximidade). Em outras palavras; só são próximos a mim, com ele ausente ou distante.

Dia desses fulano e cicrano, que estão sempre juntos, vieram conversar comigo, meio sorrateiros. Olhavam muito em volta: quem sabe, verificando se não passava ninguém que depois pudesse contar para bertano que o viram comigo. Quando eu lhes disse, com muita franqueza, que sabia o que vinha ocorrendo nos últimos dias, eles bem que tentaram se explicar. Disseram que só não queriam aborrecimentos e, pelo que depreendi, havia uns  interesses envolvidos, etc. Segundo eles, eu devia entender. Explicações esdrúxulas.

Não entendo. Não entendo escravidão social, afetiva, ideológica, de classe nem qualquer outra... também não entendo "sinsenhorismo" e vocação para camuflagem. Se não entendo, é porque sei lidar com a diversidade... separar quem de quê... ser fiel às amizades opostas entre si... nunca julgar ou deixar que julguem por mim ou me orientem sobre quem é quem. Eu jamais entenderia esse rastejar nas sombras; esse viver de modo a dar satisfações de como vivo, com quem lido e de minhas verdades existenciais.

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quinta-feira, 17 de julho de 2025

ISTOS SEM AQUILOS

Demétrio Sena - Magé 


Estes tempos de leite sem lactose... de café sem cafeína... e sem álcool na cerveja... são tempos de veia que não lateja; de gente sem gentileza. Anos insossos, de doce sem açúcar; de mel de abelha que abelha não faz... e dos tratados de paz que não têm paz.


Vejo dias de milho sem amido, sexo sem libido, carne sem proteína... de água sem h2O; amarrado sem nó, inteligência artificial... de carne seca sem sal. Do boi sobre dois pés; o cérebro sem raciocínio; românticos sem romantismo... altruístas sem altruísmo. 


Chegamos ao século da longevidade sem vida; da saída que não tem saída... verão sem calor e frio sem inverno... gente que fala do céu, mas parece que saiu do inferno. Estamos no aqui e agora que voltou ao passado; de livro sem texto, artistas sem arte. 


É tanto brilho sem brilhantismo.... tanto isto sem aquilo... muito "fi-lo, porém não qui-lo", mas foi feito e pronto. Já virou mesmismo: é muito cristão sem cristianismo; ideal sem idealismo... patriotas e mais patriotas... que não têm nenhum patriotismo. 

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CIRANDINHA INDEPENDENTE


 

segunda-feira, 14 de julho de 2025

O MERCADO ESCRAVO DA MÚSICA CONTEMPORÂNEA

Demétrio Sena - Magé 

Tenho notado a vida dura de quem se lança no mercado musical nos últimos anos. É uma agenda interminável de shows; uma pressão sem fim das gravadoras, que hoje não oferecem um produto palpável para quem aprecia determinados cantores e modalidades musicais específicas. O cantor/cantora deixa seu produto na plataforma digital, para vender acessos que quase ninguém compra, porque baixar musicas de forma gratuita é muito fácil. 

Resta conquistar milhões de fãs que lhe garantem dividendos por acessos digitais; e para manter esses fãs, fazer um esforço diário sobre-humano, para não sair do Imaginário popular: shows, aparições públicas, incidentes midiáticos... e a gravadora, dá sempre o mesmo suporte precário: agenda os shows, as entrevistas, apresentações quase sempre gratuitas em programas de auditório, cobra severamente os compromissos e cuida (quando o faz), dos cenários dos shows. A banda é do cantor (ou do grupo) e todas as formas imaginativas de performances públicas são por sua conta e risco. Se derem certo, todo mundo ganha. Se não derem, só o artista perde.

Montar uma gravadora própria tem custos e burocracias que só quem tem muita grana conseguirá cumprir. Além disso, é necessário ter grande conhecimento na indústria fonográfica e muita disposição para enfrentar os tubarões do meio. Nunca mais um cantor, uma cantora poderá contar com discos físicos à venda nas lojas, para receber seu percentual pela vendagem impulsionada por audições pagas nas rádios, algumas apresentações na tevê, notícias nos jornais e grandes shows esporádicos... tudo bancado pela gravadora contratante.

E nós, consumidores de música, nunca mais teremos em casa, os acervos físicos dos cantores de nossa preferência, para ouvirmos quando quisermos, se não gastarmos longas horas, nestes tempos acelerados, colhendo esses acervos na internet. E cá para nós: os admiradores da boa música nunca mais terão novos artistas musicais capazes de abduzi-los ou encantá-los com suas obras. A xepa musical é imensa e a música descartável domina o mercado. 

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quarta-feira, 9 de julho de 2025

DIVAGAÇÃO PERTURBADORA

Demétrio Sena - Magé 


Minha adolescência e minha juventude não pesaram tanto, na adolescência e na juventude, como pesam hoje. Foram se acumulando em mim, com ágio sobre ágio, para cobrarem dos meus anos restantes, a partir do prenúncio da minha velhice.

Chego a crer que alguns casos de perturbação mental na terceira idade não sejam patologias causadas pelos desgastes físicos e mentais dos anos vividos... antes, uma escolha imperceptível de quem não suporta o peso das lembranças, de saudades e traumas que não se apagam nem com a longevidade. Em minha opinião, quem alcança a maturidade, mas morre antes da velhice, propriamente, não cumpre a pena devida - e de vida - por ter sido adolescente, jovem ou ter logrado mais alguns anos.

Não alcancei essa impunidade. Caminho para sessenta e cinco anos. Só espero não cumprir a pena máxima pelo adolescente, o jovem, o adulto que fui.  Quero "partir" antes de, imperceptivelmente, me ver tentado a optar pela perturbação mental. 
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terça-feira, 8 de julho de 2025

CONSTRUINDO LEMBRANÇAS

Demétrio Sena - Magé 

Hoje eu disse a um aluno, que ele não "pisaria" mais na biblioteca. Tenho utilizado a biblioteca de "minha escola" como endereço de meus estudos para projetos culturais locais. E como forma de compensação pela minha ociosidade parcial como arte-educador, recebo os alunos tanto da rede estadual - da qual sou funcionário - quanto da rede municipal, que por ora ocupa o segundo piso do prédio.

Quando o aluno saiu, depois de ouvir de mim, palavras duras pelo que aprontara no ambiente (xingou uma colega, me disse desaforos, fez ameaças veladas e vinha aprontando outras, fazia tempo), meu coração ficou apertado. Eu expus aquele jovem perante os outros alunos e acenei para ele com uma promessa de exclusão. Logo eu, que tive uma adolescência e uma juventude marcadas pela exclusão e pela exposição pessoal que muitos me impuseram. Principalmente, logo eu, que "aprontei" muito mais do que aquele jovem, por quase metade da minha vida.

Não tive sossego, enquanto não chamei o aluno para conversar com calma. Para reconhecer que agi como acho que muitos têm agido com ele em casa e nas ruas. Dizer que não o excluiria; que a exclusão é algo terrivel. Que ele podia, sim, e poderia, mesmo que eu não quisesse, continuar frequentando a biblioteca. Só lhe pedi (não ordenei, realmente pedi) que tentasse agir com pouco mais de bons modos. Permito as conversas, disponibilizo jogos de mesa e deixo até que fiquem à toa, cochilando no ambiente, mas acho importante o respeito pelos colegas e por mim.

Olhando bem para ele, vi um sorriso iluminiar seus olhos de jovem marcado por conflitos familiares... traumas e problemas comuns às famílias onde além do básico para sobreviver, faltam amor, presença, compreensão. Meu dia teve momentos de choro secreto, recordações pessoais amargas e a certeza de que, por pouco, não passei a fazer parte das futuras lembranças traumáticas daquele jovem. 

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quarta-feira, 2 de julho de 2025

SOBRE CONVIVER COM PESSOAS E CÃES

Demétrio Sena - Magé 

Muitos repetem a todo instante, que preferem os cães às pessoas. Há duas cadelas em minha casa. Eu as amo. Mas não vejo como comparar a relação ser humano/pet com os relacionamentos interpessoais. Cães obedecem o tempo todo; não discordam; aceitam a vida que oferecemos e o ser humano é seu dono; sob a classificação de tutor.

É um desafio à nossa humanidade, à dignidade pessoal e ao nosso exercício como seres sociais, nos relacionarmos com outras pessoas. Muitas vezes requer uma grande humildade, a contenção do brio... abala o próprio protagonismo. O ser humano contra-argumenta, contraria, raciocina à altura e não pertence um ao outro. Não somos donos nem propriedades de outros seres humanos, embora o pronome possessivo meu/minha seja muito comum entre nós. 

A fraqueza de caráter... a vaidade patológica... o complexo de superioridade, o sentimento de posse, o medo e a preguiça de se relacionar igualitariamente com o outro explica bem esse mantra de algumas pessoas. Elas querem simplesmente que o próximo lhes obedeça, concorde sempre, não tenha vontade própria, opinião, aja sempre com passividade, sem brio e protagonismo. Só elas podem ter sentimentos, reflexos, decisões, opiniões e arbítrios próprios.

Ter cães (duas cadelas) não me faz desejar ter as pessoas de minhas relações "na coleira"; sob o meu domínio; minha tutela permanente. Meu amor pelos bichos não é maior nem menor... é apenas diferente do amor que tenho pelos meus afetos humanos, que trato exatamente como afetos humanos. Com todos os desafios da convivência social.

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