Demétrio Sena - Magé
Por muito tempo, não prestei atenção no Lula. Eu tinha grande fascínio pelo Leonel Brizola, como tenho ainda, em memória. Queria vê-lo presidente do Brasil, e como ele e o Lula formavam um racha na esquerda política deste país, o Lula era um pessoa não grata para mim. Só por isso. Ele Atrapalhava o Brizola, que não era de jogos de cintura. Não compunha com quem não descesse redondo em sua garganta, por mais que isso lhe garantisse a eleição.
Lula sempre foi mais esperto e flexível, como hoje sei que é preciso, mesmo a contragosto, se a pessoa ou grupo desce minimamente; mesmo arranhando a garganta. Brizola jamais seria presidente, por excesso de brio pessoal; por uma honra jurássica, endurecida, que sempre admirei em qualquer pessoa, mas, em política, é garantia plena do insucesso eleitoral. As urnas exigem uma sabedoria ferida e rascante, para depois delas o eleito, se for um político de honra, surpreender as parcerias de má fé com uma gestão digna; fértil; producente.
Comecei a observar e admirar o Lula exatamente a partir de sua "paixão e morte" política (da qual depois ressuscitaria), culminando com a sua prisão, embora já tivesse votado nele, na falta do Brizola. Naquele dia em que a Polícia Federal foi buscá-lo em meio à multidão, a militância presente não cometeria excessos como os bolsonaristas, mas, estava disposta (e seria possível) a impedir que ele fosse levado. Porém, Lula simplesmente pediu calma e seguiu com serenidade. Se houvesse uma cruz, acho que a pegaria voluntariamente, para levar até a prisão.
Eu vi aquilo. Achei muito digno. De uma honra à altura do Brizola, que também não fugiria nem incitaria o povo a ser violento em seu favor. Amei aquele gesto, aquela expressão e o silêncio que dizia tanto, através dos olhos que as câmeras mostravam tão de perto, porque não havia como não fazê-lo. Era um olhar simbólico e profético; dava como certo que não era o fim. As pedras daquele túmulo simbólico logo seriam removidas pela história.
Na prisão, Lula se dedicou a ler. Leu muito. Livros de sociologia, ciências políticas, filosofia, e também jornais, revistas, tudo o que pudesse mantê-lo conectado com o mundo externo, a realidade, as mudanças do país que ele ainda governaria pela terceira vez. Para isso, confiou nos advogados e na justiça que, mesmo injusta, logo teria que se render aos fatos, à comprovação de sua inocência e à conspiração das voltas que o mundo dá. Também o admirei, quando, diante da chance de cumprir pena domiciliar com tornozeleira eletrônica, ele preferiu o regime fechado; não aceitou essa "barra-da-saia prisional", com a seguinte resposta: "Quem usa anel no pé é pombo; eu não sou pombo".
Nenhuma trama foi ensaiada. Nenhuma conspiração partidária. Qualquer incitação à violência popular ou armação politiqueira com deputados, senadores, empresários poderosos do comércio, da indústria e do agro. Nada foi feito por caminhos duvidosos. Tudo pelas trilhas da lei, da investigação processual, da paciência e da esperança desse cidadão e político ocidental de plena sabedoria oriental.
Não tenho palavras pragmáticas nem clichês para definir o que não é técnico nem populista. Meu texto não é intelectual; tem observações inspiradas em uma trajetória que não se explica pela política partidária nem pela sociologia crua e seca de quem estuda pessoas como se dissecasse um sapo, visando análises acadêmicas frias e diretas.
Com defeitos a balde, como qualquer ser humano, Lula não tem, entretanto, a contaminação da covardia. Do "dedo no olho" em uma luta nem dos truques capazes de utilizar multidões ignorantes ou em situação de vulneranilidade para se dar bem sozinho. Nunca pediu Um Centavo dessas pessoas, para fortalecer suas condições de conspirar contra os opostos e o próprio país, com a única intenção de se perpetuar no poder máximo da nação brasileira.
Repetir tudo o que Lula já fez como político, especialmente como Governo Federal, é chover no solo encharcado. Também não preciso dizer que reconheço que ele deixou de fazer muita coisa. Mas a comparação entre ele e qualquer governo que passou pelo Brasil, somada à sua dignidade pessoal e à paixão pela democracia, pelas igualdades racial, religiosa, social e de gênero me fazem, sim, admirá-lo como a poucas pessoas... famosas ou não.
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Respeite autorias. É lei
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