Demétrio
Sena, Magé – RJ.
Quem
mandou ter crescido nos becos da Maré e não ter ficado por lá mesmo, quietinha
em seu canto, vendo a vida passar? Assistindo aos desmandos, às covardias e
todos os demais efeitos das desigualdades sociais? Quem mandou ser ativa,
inteligente, querer estudar, conhecer o mundo que a cerca e se acercar dos
oprimidos, os negros, pobres, renegados por questões de gênero, opção e
condição social?
Quem
mandou não se conformar com o mundo como é, e se meter na política, velha “praia”
dos homens, que a querem de volta só para eles? Quem mandou... quem mandou ser
corajosa, ter fome de justiça, visão apurada, crítica e profunda? Enfrentar a
polícia que mata em vez de proteger vidas? Por que diabos encasquetou de gritar
contra a corrupção, a violência como um todo, e fazer diferente num campo
minado pela ganância e a falta de respeito a quem ainda deposita nesse campo
suas esperanças?
Você
foi avisada e não obedeceu. Continuou a ser quem era. A sonhar com um mundo melhor
a partir de sua comunidade, suas crianças, mulheres e homens de todos os sexos,
gêneros, etnias e religiões. Prosseguiu com a teimosia de querer paz, respeito,
cidadania, direitos iguais, uma sociedade para todos. Foi em frente na sua
obstinação em não aceitar que a desgraça humana é algo normal para quem nasce
nos morros, nas baixadas, nos lugares distantes da mídia e das atenções de quem
busca voto e lucro.
Diga;
mulher; quem mandou? Quem mandou ser negra e ousada? Favelada e doutora? Tomar
o próprio destino em suas mãos e querer ajudar os mais carentes, injustiçados e
desassistidos a transformar seus destinos para melhor? Isso não está nos
scripts da farsa humana, montada pelos que sempre foram os donos de tudo;
senhores do engenho social que jamais deixou o contexto da escravidão pseudo-abolida.
Ninguém
lhe mandou subverter a ordem geral, que não é senão a desordem. Querer o
progresso humano, que não combina com o progresso desenfreado, irresponsável,
pelo qual vale tudo. Enfrentar a polícia deteriorada, em nome de suas vítimas,
e conhecer os olhos maus de quem quer o mundo só para si. Quem mandou? Em nome
de tudo quanto é sagrado, quem mandou ser gente? Ser do bem? Semear esperanças,
engrossar sonhos, não abrir mão de sua cidadania e da cidadania do seu povo?
Os
que tanto avisaram, “amigos” eram. E deixaram de ser, à medida que você foi se
tornando mais incômoda. E a mataram, para que você deixasse de se preocupar com
o outro. Com esse próximo, que eles querem cada vez mais distante da realidade que
os cobre do luxo que não lhes pertence. Do que seria de todos.
Quem
mandou; invejável mulher? Quem mandou não mandar, ao lado deles? Quem lhe mandou
pedir licença, para continuar a fazer parte do cotidiano de sua gente? Um
cotidiano, que se você não fosse a grande mulher que foi, teria deixado de ser
seu, e você estaria viva não por mérito, mas por ser indignamente viva como
quem a matou. E agora, mulher? O que faremos desta lacuna? Quem mandou?
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