quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

BÍBLIA SANGRADA - SOBRE NÃO SER SHOW - ILUSÃO DE ÉTICA - NOSSA LENTE - CONTO ATADO AO NÃO CONTO - SAMURAI

BÍBLIA SANGRADA

Demétrio Sena, Magé – RJ.

Nem de longe penso em desqualificar a Bíblia Sagrada como livro de regra e fé, que não é para mim; porém, respeito que seja para milhões de pessoas em todo o mundo. No entanto, as afirmações esdrúxulas e algumas tentativas de criação de leis pelo governo e seus ministros bizarros, para desqualificar e proibir livros de grande riqueza literária me fizeram chegar ao texto que ora publico. Trata-se apenas de um chamamento à reflexão, por comparações duras, mas que podem servir como espelho à hipocrisia crescente neste país que retrocedeu alguns séculos em pouco mais de um ano.
Foi na Bíblia Sagrada que visualizei as primeiras cenas de violência e terror em minha trajetória como devorador de livros: A matança divina dos primogênitos e as demais pragas do Egito... a disputa macabra entre Deus e o Diabo, sobre as desgraças de Jó... a condução de Abraão, do próprio filho ao quase sacrifício. Na Bíblia, Caim matou seu irmão Abel; Deus exterminou a humanidade com um dilúvio... Josué e seus homens invadiram cidades e dizimaram os resistentes. Sansão massacrou os inimigos, Dalila o traiu e os inimigos massacraram Sansão. O menino Davi matou Golias, arrancou sua cabeça e a exibiu ao povo. Mais tarde, um rei mandou matar os recém nascidos do reino, para Jesus não nascer... Pedro apóstolo cortou a orelha de um soldado... Judas traiu Jesus, depois se matou, e Jesus foi crucificado após carregar a cruz e sofrer barbáries a caminho do calvário.
Também fui aterrorizado pelo Apocalipse com seus monstros de chifres, fogo, enxofre, a destruição da terra, o caos e a incerteza sobre merecer salvação. Tudo coroado pela imagem do inferno, do Diabo e seus anjos. Evidentemente, não tenho como citar todas as cenas de violência e terror, porque são tantas; não teria como fazê-lo sem tomar tempo excessivo e requerer muito esforço dos leitores.
Ainda falta falar de outro aspecto que deveria fazer muito santinho corar. Não faz, porque ninguém é santinho. Refiro-me ao apelo erótico, até pornográfico em algumas passagens bíblicas. Em uma delas, homens que “levitam de tesão” tentam estuprar os anjos hospedados em Sodoma e Gomorra. Lá nos Cantares de Salomão, há poemas tão picantes (e de grande beleza, devo dizer), que me deixavam bem excitado, na adolescência, quando meus hormônios eram puro êxtase.
Bolsonaro, Weintraub, Damares, talvez Regina Duarte, parlamentares e admiradores governistas hipócritas defensores da censura literária, nunca prestaram atenção na Bíblia. Leem teleguiados por líderes e decoram versículos sem interpretar contextos históricos ou observar épocas e culturas. Se não fosse assim, sequer pensariam em censurar livros consagrados devido ao grande valor literário e cultural, com alegações absurdas de violência e/ou imoralidade. Em última instância, censurariam a Bíblia ou pelo menos recomendariam aos pais o não acesso aos filhos menores.
SOBRE NÃO SER SHOW

Demétrio Sena, Magé – RJ.

Hoje leio de tudo, porque leio mesmo;
sei entrar e sair, tenho crítica própria,
não a esmo e conforme os conceitos formais
que me façam pensar o que pensem pra mim...
Vejo tudo e decido se devo seguir;
só aplaudo se o faço pelas minhas mãos;
os meus sins e meus nãos, por que não meus talvezes,
têm origem nas próprias escritas de mundo...
Abro mão da leitura, retiro audiência
quando minha ciência, tão somente a minha,
não encontra contexto, sentido e prazer...
Porque nada esvazia quem já é pensante;
nada põe a perder quem um dia se achou
e quem sou não há show que precise forjar...
ILUSÃO DE ÉTICA

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Eu achava que o Éden fosse além;
que Deus fosse maior, caso existisse,
ou que o bem não tivesse que ter bens
nem patentes; favores pra trocar...
Não sabia que o "céu" é no planalto,
no palácio mais podre dos poderes,
no mais alto escalão da sordidez
que se possa tramar com tanto aval...
A igreja revela um pobre deus
acuado na própria jogatina
onde seus atributos são vendidos...
Eu achava que a fé não tinha preço;
que o avesso do corpo fosse alma;
o "Messias" não fosse um bicho insano...
NOSSA LENTE

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Um sonhar nos revive, mas outro nos mata;
muita gente simula o que buscamos nela;
luz de vela se forja e pode ser divina
pra carência da fé que se perdeu da chama...
Tem um mundo em redor, outro dentro de nós;
um eu íntimo e outro que os outros conhecem;
uma voz que fluímos, outra que se guarda
pra ficar ecoando em nossa consciência...
Temos ódio que às vezes é profundo amor;
lado bom só é lado; pois há lado mau;
somos flor tão espinho quanto flor tão frágil...
Nossa lente se ajusta quando não há cores,
nossas dores nos curam daqueles alívios
que nos fazem pensar que já nascemos nós...
CONTO ATADO AO NÃO CONTO

Demétrio Sena, Magé - RJ.

Reconquiste o meu carinho; minha proximidade. Já não sei como conquistar sua reconquista. Reaveja comigo a nossa liberdade secreta; presa. Só assim poderei reformar minha cerimoniosa não cerimônia, naquela forma profunda e vasculhadora de lhe ver. Naquele jeito amigo platônico de namorar seu silêncio, inclusive quando você falava.

Venha reatar em minha discrição a consciência do jamais, enquanto sempre. As não consequências dos meus atos em pensamentos inconsequentes, repletos de uma coragem medrosa de muitos e muitos anos. E reaqueça minha esperança vazia de perspectiva ou espera. O sabor do cheiro que não vinha às narinas, mas se resolvia na meia ingenuidade a se declarar em confissões nunca feitas.

Redesenhe-se no meu espaço em branco e customize todos os buracos entre uma forma e outra, para concretizar abstrações. Preciso muito reeditar aquele conto atado ao “não conto para ninguém; nem para você”, pois tenho muitas saudades... inclusive de sentir saudades daquele nada entre nós que, no fundo, era tudo quanto eu tinha.
SAMURAI

Demétrio Sena, Magé - RJ.

(Para Gerson)

Tua luta está dura, samurai;
vencedor ou vencido, já venceste;
tanto ai se calou na tua força,
teu silêncio entupido de coragem...
A fraqueza me alcança enquanto isto;
neste nunca saber o que se faça;
em um modo esperar, uma torcida,
uma praça que nem sugere prece..
É a vida que apanha do teu ser;
dos teus golpes de sonhos, prosas, versos,
esses teus universos que te armam...
Mas o tempo nos trai; eu compraria
tua briga, teu campo de sofrer;
não consigo entender, meu samurai...

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